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EuPTCVHe1646-69182012000400006

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variedadeEu
ano2012
fonteScielo

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A Abordagem Laparoscópica na Apendicite Aguda

INTRODUÇÃO Apesar de alguns trabalhos da literatura cirúrgica fazerem referência ao tratamento de apendicites agudas de forma não cirúrgica [1], o tratamento padrão desta patologia continua a ser a cirurgia. A apendicectomia é a cirurgia efectuada com mais frequência no Serviço de Urgência [2]. No entanto, desde 1894, altura em que McBurney estabeleceu o tratamento cirúrgico para a apendicite aguda, até 1983, data em que Semm [3], um Ginecologista Alemão, efectuou a primeira apendicectomia por laparoscopia, pouco mudou no tratamento desta patologia.

A introdução da abordagem laparoscópica (AL) no tratamento da apendicite aguda não recebeu, na comunidade cirúrgica, a mesma aceitação que obteve em outras patologias agudas. Com este trabalho, os autores apresentam a crescente aceitação que a AL tem vindo a adquirir no Serviço Cirúrgico que representam e pretendem, também, expor as vantagens desta abordagem em relação à abordagem laparotómica.

OBJECTIVO Analisar, num período de dois anos, doentes submetidos a apendicectomia pela AL ou por abordagem laparotómica, comparar os resultados de ambas as abordagens e avaliar as vantagens da AL no tratamento da apendicite aguda.

MATERIAL E MÉTODOS Análise retrospectiva de uma série consecutiva de doentes submetidos a apendicectomia por apendicite aguda entre 01/11/2008 e 31/10/2010 no CHTS, EPE.

As intervenções cirúrgicas foram efectuadas por cirurgiões gerais ou internos da especialidade a desempenhar funções no Serviço de Urgência no dia da cirurgia.

Foi efectuada a caracterização da amostra e foram avaliadas as diversas variáveis com especial ênfase para a via de abordagem cirúrgica, tempo de internamento, complicações pós-operatórias e tipo de apendicite (complicada/não complicada). Os autores classificaram como apendicite aguda não complicada as apendicites agudas edematosas e fleimonosas, sendo classificadas como complicadas as restantes.

Estudo estatístico efectuado com o programa SPSS Statistics v19®; para a análise de variáveis nominais utilizou-se o teste Qui-Quadrado e para a comparação de médias utilizou-se o "Anova".

A significância estatística foi considerada para p<0,01.

RESULTADOS Na série apresentada foram operados 477 doentes dos quais 431 (90,4%) por abordagem laparotómica e 46 (9,6%) por AL (tabela_1). A AL tem vindo a aumentar ao longo do tempo, de tal modo que em 2010 cerca de 20% dos doentes foram operados por esta via (gráfico_1).

Dos doentes submetidos a AL, 19,0% foram do género feminino e dos doentes submetidos a abordagem laparotómica, 18,0% foram do género masculino, p=0,03. A média de idades dos doentes operados por AL foi 33,1 anos (IC 91%:29,6-37,4) e nos doentes operados por abordagem laparotómica foi 37,3 anos (IC 91%:31,7- 38,9), p=0,11 (tabela_1).

Dos 46 doentes operados por AL, 36 doentes (78,3%) tinham apendicites agudas não complicadas, p= 0,238 e dos 431 doentes operados por abordagem laparotómica, 366 doentes (84,9%) tinham apendicites agudas não complicadas, p= 0,238 (tabela_1).

O tempo médio de internamento para a AL foi 3,2 dias (IC 91%:2,4-4,0) e para a abordagem laparotómica foi 4,2 dias (IC 91%:3,9-4,4), p=0,041 (tabela_1).

O tempo de internamento nos doentes submetidos a AL foi de 6,1 dias para as apendicites agudas complicadas vs2,4 dias para as apendicites agudas não complicadas, p <0,001 (gráfico_2) e nos doentes que sofreram complicações pós- operatórias foi de 8,8 dias para os doentes com complicações pós-operatórias vs 2,7 dias para os doentes sem complicações pós-operatórias, p<0,001 (gráfico_3).

A percentagem de complicações pós-operatórias nos doentes operados por AL foi 8,7% e nos doentes operados por abordagem laparotómica foi 7,7%, p=0,8 (tabela 1).

Das complicações pós-operatórias que ocorreram nesta série de doentes (tabela 2) destaca-se a infecção do local cirúrgico, que surgiu em 3 doentes submetidos a AL (6,1 % dos doentes operados por esta via) e em 21 doentes submetidos a apendicectomia por abordagem laparotómica (4,9% dos doentes operados por esta via).

Discriminando a infecção do local cirúrgico pela classificação elaborada pelo Centers for Disease Control National Nosocomial Infections Surveillance (CDCNNIS) [4], os doentes com Infecção Incisional Superficial (IIS) e Infecção Incisional Profunda (IIP) foram analisados num grupo e obteve-se uma taxa de IIS e/ou IIP de 2,6% (11 doentes) na abordagem laparotómica e 2,2% (1 doente) na AL, enquanto que a taxa de Infecção de Órgão/Espaço (IO/E) foi de 4,3% (2 doentes) na AL e 2,3% (11 doentes) na abordagem laparotómica (gráfico_4).

Na AL ocorreu apenas mais uma complicação pós-operatória (tabela_2), um hemoperitoneu, numa doente do sexo feminino de 19 anos de idade, tratado de forma conservadora, com transfusão de 3 unidades de Concentrado de Eritrócitos.

As outras complicações que ocorreram na abordagem laparotómica foram 6 infecções respiratórias, 1 hemorragia digestiva alta, 3 infecções do trato urinário, 1 hematoma do local cirúrgico e 1 íleo paralítico (tabela_2).

Nesta série, a mortalidade foi nula.

DISCUSSÃO O tratamento padrão para a patologia apendicular aguda continua a ser a apendicectomia. No entanto, não existe consenso quanto à abordagem cirúrgica ideal.Têm vindo a ser apresentados vários trabalhos que comparam a abordagem cirúrgica laparoscópica com a abordagem cirúrgica laparotómica. Porém, quando analisadas variáveis clínicas e económicas, continua a não haver uma clarificação das vantagens de uma abordagem em relação à outra [1-9]. Revisões recentes têm demonstrado um tempo cirúrgico ligeiramente superior (12 minutos) na AL, mas com menor prevalência da dor e menos dias de internamento hospitalar, nos doentes operados por esta abordagem [10-11].

Devido a esta falta de consenso, em muitos centros cirúrgicos, a abordagem cirúrgica preferencial para a apendicectomia continua a ser a laparotomia.

Durante o ano de 2006, 14% das apendicectomias efectuadas na Alemanha foram por AL [12] e na Inglaterra a taxa de apendicectomias por AL, entre 1996 e 2006, foi de 6,3% [13]. Na série apresentada, foram apendicectomizados 477 doentes, por patologia apendicular aguda, sendo a grande maioria (90,36%) por abordagem laparotómica (tabela_1), de tal modo que os primeiros doentes desta série foram, quase exclusivamente, operados por laparotomia. Todavia, no Serviço que os autores representam, houve um aumento progressivo da implementação da AL na apendicectomia, o que permitiu terminar o ano de 2010 com 20% das apendicectomias efectuadas por esta abordagem (gráfico_1).

Uma das vantagens reconhecidas da AL, em relação à abordagem laparotómica, é o menor tempo de internamento e o mais rápido regresso à vida activa dos doentes, o que torna, em termos globais, a AL mais barata que a abordagem laparotómica [9,14,11]. Nesta série, os doentes que foram apendicectomizados pela AL tiveram, em média, menos um dia de internamento hospitalar, comparativamente com os apendicectomizados por laparotomia (3,2 dias vs 4,2 dias, p=0,041) (tabela_1).

A percentagem de complicações globais na cirurgia laparoscópica para esta patologia varia de 2,2% [16] a 10% [17]. Na nossa série, a taxa de complicações pós-operatórias, na abordagem laparotómica, foi 7,7%, enquanto que na AL foi de 8,7 % , p=0,8 (tabela_1). A complicação mais frequente em ambas as abordagens cirúrgicas foi a infecção do local cirúrgico, num total de 21 doentes (4,9 %) para a abordagem laparotómica e 3 doentes (6,1%) para a AL (tabela_2).

Efectuando a divisão deste tipo de complicação de acordo com a classificação do CDCNNIS, nesta série a taxa de IIS e/ou IIP é superior na abordagem laparotómica (2,6% vs 2,2% para a AL), enquanto que a taxa de IO/E é superior na AL (4,3 % vs 2,3% na abordagem laparotómica) (gráfico_4). Estes resultados estão em consonância com a literatura, que relata taxas de IIS e/ou IIP inferiores na AL [18], mas com valores de IO/E superiores na AL comparativamente à abordagem laparotómica [19,20].

A utilização da AL nas apendicites complicadas, pelo potencial risco de Infecção de Órgão/Espaço, é um outro tema de debate entre os cirurgiões, de tal modo que, para alguns, a evidência de apendicite complicada após a laparoscopia deve ser motivo de conversão para laparotomia. Tang et aldemonstraram uma taxa de infecção de órgão/espaço de 11% para as apendicites perfuradas abordadas por laparoscopia, comparativamente a uma taxa de 3 % para as abordadas por laparotomia [20]. No entanto, existe um largo grupo de trabalhos recentes que demonstraram a segurança da AL em todos os tipos de apendicites agudas, mesmo nas apendicites complicadas [21-21]. Na nossa série, a AL foi menos utilizada nos doentes com apendicites complicadas (21,7% vs 78,3% nas não complicadas e p=0,283) (tabela_1). Uma das razões está relacionada com o menor número de doentes com apendicites complicadas (71 doentes vs 402 doentes com apendicites não complicadas), mas outra das razões prende-se com o receio de os cirurgiões utilizarem a AL quando é previsível (pela evolução clínica, exame objectivo ou meios auxiliares de diagnóstico) estarem perante um doente com apendicite aguda complicada. A atitude do Serviço que os autores representam, em relação a esta situação, tem vindo a alterar-se e, actualmente, perante um doente com uma provável apendicite aguda complicada, um elevado número de cirurgiões mantém a AL como preferencial. Após a laparoscopia, a constatação intra-operatória de peritonite localizada continua a ser uma situação clínica resolúvel por laparoscopia. Nesta situação inicia-se o acto cirúrgico pela aspiração do conteúdo purulento, avançando-se, depois, para a apendicectomia. A lavagem da cavidade abdominal é efectuada após estas etapas estarem concretizadas para, assim, diminuir a possibilidade de disseminar o foco séptico pela cavidade abdominal.

A evidência de peritonite generalizada mantém-se, na perspectiva dos autores, como contra-indicação para esta abordagem cirúrgica.

A AL permite uma ampla visualização da cavidade abdominal, o que a torna não apenas uma abordagem terapêutica, mas também uma excelente abordagem diagnóstica. Esta é uma das razões, em associação aos melhores resultados estéticos, que torna a AL a abordagem cirúrgica preferencial pelos cirurgiões no género feminino [26.27].

Também, nesta série, a AL foi utilizada de forma preferencial no género feminino (18,0% vs 42% para o género masculino, p=0,03) (tabela_1).

CONCLUSÃO A AL, no tratamento da patologia apendicular aguda, tem vindo a aumentar de forma significativa na nossa instituição. É uma abordagem cirúrgica que obtém melhores resultados estéticos associada a um menor tempo de internamento. Esta abordagem apresenta uma taxa de complicações sensivelmente idênticas à abordagem laparotómica e pode ser utilizada, de forma segura, em doentes com apendicite aguda complicada.

É uma abordagem isenta de mortalidade na série apresentada.


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