A Abordagem Laparoscópica na Apendicite Aguda
INTRODUÇÃO
Apesar de alguns trabalhos da literatura cirúrgica fazerem referência ao
tratamento de apendicites agudas de forma não cirúrgica [1], o tratamento
padrão desta patologia continua a ser a cirurgia. A apendicectomia é a cirurgia
efectuada com mais frequência no Serviço de Urgência [2]. No entanto, desde
1894, altura em que McBurney estabeleceu o tratamento cirúrgico para a
apendicite aguda, até 1983, data em que Semm [3], um Ginecologista Alemão,
efectuou a primeira apendicectomia por laparoscopia, pouco mudou no tratamento
desta patologia.
A introdução da abordagem laparoscópica (AL) no tratamento da apendicite aguda
não recebeu, na comunidade cirúrgica, a mesma aceitação que obteve em outras
patologias agudas. Com este trabalho, os autores apresentam a crescente
aceitação que a AL tem vindo a adquirir no Serviço Cirúrgico que representam e
pretendem, também, expor as vantagens desta abordagem em relação à abordagem
laparotómica.
OBJECTIVO
Analisar, num período de dois anos, doentes submetidos a apendicectomia pela AL
ou por abordagem laparotómica, comparar os resultados de ambas as abordagens e
avaliar as vantagens da AL no tratamento da apendicite aguda.
MATERIAL E MÉTODOS
Análise retrospectiva de uma série consecutiva de doentes submetidos a
apendicectomia por apendicite aguda entre 01/11/2008 e 31/10/2010 no CHTS, EPE.
As intervenções cirúrgicas foram efectuadas por cirurgiões gerais ou internos
da especialidade a desempenhar funções no Serviço de Urgência no dia da
cirurgia.
Foi efectuada a caracterização da amostra e foram avaliadas as diversas
variáveis com especial ênfase para a via de abordagem cirúrgica, tempo de
internamento, complicações pós-operatórias e tipo de apendicite (complicada/não
complicada). Os autores classificaram como apendicite aguda não complicada as
apendicites agudas edematosas e fleimonosas, sendo classificadas como
complicadas as restantes.
Estudo estatístico efectuado com o programa SPSS Statistics v19®; para a
análise de variáveis nominais utilizou-se o teste Qui-Quadrado e para a
comparação de médias utilizou-se o "Anova".
A significância estatística foi considerada para p<0,01.
RESULTADOS
Na série apresentada foram operados 477 doentes dos quais 431 (90,4%) por
abordagem laparotómica e 46 (9,6%) por AL (tabela_1). A AL tem vindo a aumentar
ao longo do tempo, de tal modo que em 2010 cerca de 20% dos doentes foram
operados por esta via (gráfico_1).
Dos doentes submetidos a AL, 19,0% foram do género feminino e dos doentes
submetidos a abordagem laparotómica, 18,0% foram do género masculino, p=0,03. A
média de idades dos doentes operados por AL foi 33,1 anos (IC 91%:29,6-37,4) e
nos doentes operados por abordagem laparotómica foi 37,3 anos (IC 91%:31,7-
38,9), p=0,11 (tabela_1).
Dos 46 doentes operados por AL, 36 doentes (78,3%) tinham apendicites agudas
não complicadas, p= 0,238 e dos 431 doentes operados por abordagem
laparotómica, 366 doentes (84,9%) tinham apendicites agudas não complicadas, p=
0,238 (tabela_1).
O tempo médio de internamento para a AL foi 3,2 dias (IC 91%:2,4-4,0) e para a
abordagem laparotómica foi 4,2 dias (IC 91%:3,9-4,4), p=0,041 (tabela_1).
O tempo de internamento nos doentes submetidos a AL foi de 6,1 dias para as
apendicites agudas complicadas vs2,4 dias para as apendicites agudas não
complicadas, p <0,001 (gráfico_2) e nos doentes que sofreram complicações pós-
operatórias foi de 8,8 dias para os doentes com complicações pós-operatórias vs
2,7 dias para os doentes sem complicações pós-operatórias, p<0,001 (gráfico_3).
A percentagem de complicações pós-operatórias nos doentes operados por AL foi
8,7% e nos doentes operados por abordagem laparotómica foi 7,7%, p=0,8 (tabela
1).
Das complicações pós-operatórias que ocorreram nesta série de doentes (tabela
2) destaca-se a infecção do local cirúrgico, que surgiu em 3 doentes submetidos
a AL (6,1 % dos doentes operados por esta via) e em 21 doentes submetidos a
apendicectomia por abordagem laparotómica (4,9% dos doentes operados por esta
via).
Discriminando a infecção do local cirúrgico pela classificação elaborada pelo
Centers for Disease Control National Nosocomial Infections Surveillance
(CDCNNIS) [4], os doentes com Infecção Incisional Superficial (IIS) e Infecção
Incisional Profunda (IIP) foram analisados num só grupo e obteve-se uma taxa de
IIS e/ou IIP de 2,6% (11 doentes) na abordagem laparotómica e 2,2% (1 doente)
na AL, enquanto que a taxa de Infecção de Órgão/Espaço (IO/E) foi de 4,3% (2
doentes) na AL e 2,3% (11 doentes) na abordagem laparotómica (gráfico_4).
Na AL ocorreu apenas mais uma complicação pós-operatória (tabela_2), um
hemoperitoneu, numa doente do sexo feminino de 19 anos de idade, tratado de
forma conservadora, com transfusão de 3 unidades de Concentrado de Eritrócitos.
As outras complicações que ocorreram na abordagem laparotómica foram 6
infecções respiratórias, 1 hemorragia digestiva alta, 3 infecções do trato
urinário, 1 hematoma do local cirúrgico e 1 íleo paralítico (tabela_2).
Nesta série, a mortalidade foi nula.
DISCUSSÃO
O tratamento padrão para a patologia apendicular aguda continua a ser a
apendicectomia. No entanto, não existe consenso quanto à abordagem cirúrgica
ideal.Têm vindo a ser apresentados vários trabalhos que comparam a abordagem
cirúrgica laparoscópica com a abordagem cirúrgica laparotómica. Porém, quando
analisadas variáveis clínicas e económicas, continua a não haver uma
clarificação das vantagens de uma abordagem em relação à outra [1-9]. Revisões
recentes têm demonstrado um tempo cirúrgico ligeiramente superior (12 minutos)
na AL, mas com menor prevalência da dor e menos dias de internamento
hospitalar, nos doentes operados por esta abordagem [10-11].
Devido a esta falta de consenso, em muitos centros cirúrgicos, a abordagem
cirúrgica preferencial para a apendicectomia continua a ser a laparotomia.
Durante o ano de 2006, 14% das apendicectomias efectuadas na Alemanha foram por
AL [12] e na Inglaterra a taxa de apendicectomias por AL, entre 1996 e 2006,
foi de 6,3% [13]. Na série apresentada, foram apendicectomizados 477 doentes,
por patologia apendicular aguda, sendo a grande maioria (90,36%) por abordagem
laparotómica (tabela_1), de tal modo que os primeiros doentes desta série
foram, quase exclusivamente, operados por laparotomia. Todavia, no Serviço que
os autores representam, houve um aumento progressivo da implementação da AL na
apendicectomia, o que permitiu terminar o ano de 2010 com 20% das
apendicectomias efectuadas por esta abordagem (gráfico_1).
Uma das vantagens reconhecidas da AL, em relação à abordagem laparotómica, é o
menor tempo de internamento e o mais rápido regresso à vida activa dos doentes,
o que torna, em termos globais, a AL mais barata que a abordagem laparotómica
[9,14,11]. Nesta série, os doentes que foram apendicectomizados pela AL
tiveram, em média, menos um dia de internamento hospitalar, comparativamente
com os apendicectomizados por laparotomia (3,2 dias vs 4,2 dias, p=0,041)
(tabela_1).
A percentagem de complicações globais na cirurgia laparoscópica para esta
patologia varia de 2,2% [16] a 10% [17]. Na nossa série, a taxa de complicações
pós-operatórias, na abordagem laparotómica, foi 7,7%, enquanto que na AL foi de
8,7 % , p=0,8 (tabela_1). A complicação mais frequente em ambas as abordagens
cirúrgicas foi a infecção do local cirúrgico, num total de 21 doentes (4,9 %)
para a abordagem laparotómica e 3 doentes (6,1%) para a AL (tabela_2).
Efectuando a divisão deste tipo de complicação de acordo com a classificação do
CDCNNIS, nesta série a taxa de IIS e/ou IIP é superior na abordagem
laparotómica (2,6% vs 2,2% para a AL), enquanto que a taxa de IO/E é superior
na AL (4,3 % vs 2,3% na abordagem laparotómica) (gráfico_4). Estes resultados
estão em consonância com a literatura, que relata taxas de IIS e/ou IIP
inferiores na AL [18], mas com valores de IO/E superiores na AL
comparativamente à abordagem laparotómica [19,20].
A utilização da AL nas apendicites complicadas, pelo potencial risco de
Infecção de Órgão/Espaço, é um outro tema de debate entre os cirurgiões, de tal
modo que, para alguns, a evidência de apendicite complicada após a laparoscopia
deve ser motivo de conversão para laparotomia. Tang et aldemonstraram uma taxa
de infecção de órgão/espaço de 11% para as apendicites perfuradas abordadas por
laparoscopia, comparativamente a uma taxa de 3 % para as abordadas por
laparotomia [20]. No entanto, existe um largo grupo de trabalhos recentes que
demonstraram a segurança da AL em todos os tipos de apendicites agudas, mesmo
nas apendicites complicadas [21-21]. Na nossa série, a AL foi menos utilizada
nos doentes com apendicites complicadas (21,7% vs 78,3% nas não complicadas e
p=0,283) (tabela_1). Uma das razões está relacionada com o menor número de
doentes com apendicites complicadas (71 doentes vs 402 doentes com apendicites
não complicadas), mas outra das razões prende-se com o receio de os cirurgiões
utilizarem a AL quando é previsível (pela evolução clínica, exame objectivo ou
meios auxiliares de diagnóstico) estarem perante um doente com apendicite aguda
complicada. A atitude do Serviço que os autores representam, em relação a esta
situação, tem vindo a alterar-se e, actualmente, perante um doente com uma
provável apendicite aguda complicada, um elevado número de cirurgiões mantém a
AL como preferencial. Após a laparoscopia, a constatação intra-operatória de
peritonite localizada continua a ser uma situação clínica resolúvel por
laparoscopia. Nesta situação inicia-se o acto cirúrgico pela aspiração do
conteúdo purulento, avançando-se, depois, para a apendicectomia. A lavagem da
cavidade abdominal só é efectuada após estas etapas estarem concretizadas para,
assim, diminuir a possibilidade de disseminar o foco séptico pela cavidade
abdominal.
A evidência de peritonite generalizada mantém-se, na perspectiva dos autores,
como contra-indicação para esta abordagem cirúrgica.
A AL permite uma ampla visualização da cavidade abdominal, o que a torna não
apenas uma abordagem terapêutica, mas também uma excelente abordagem
diagnóstica. Esta é uma das razões, em associação aos melhores resultados
estéticos, que torna a AL a abordagem cirúrgica preferencial pelos cirurgiões
no género feminino [26.27].
Também, nesta série, a AL foi utilizada de forma preferencial no género
feminino (18,0% vs 42% para o género masculino, p=0,03) (tabela_1).
CONCLUSÃO
A AL, no tratamento da patologia apendicular aguda, tem vindo a aumentar de
forma significativa na nossa instituição. É uma abordagem cirúrgica que obtém
melhores resultados estéticos associada a um menor tempo de internamento. Esta
abordagem apresenta uma taxa de complicações sensivelmente idênticas à
abordagem laparotómica e pode ser utilizada, de forma segura, em doentes com
apendicite aguda complicada.
É uma abordagem isenta de mortalidade na série apresentada.