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EuPTCVHe1646-69182013000100015

EuPTCVHe1646-69182013000100015

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN1646-6918
ano2013
Issue0001
Article number00015

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Controlo de dano em cirurgia electiva. Fará sentido? A propósito de um caso clínico

INTRODUÇÃO A cirurgia de controlo de dano - damage control- é um dos maiores avanços conceptuais na cirurgia dos últimos 20 anos.(1) A ideia emana da cirurgia de trauma e consiste em abordar o doente instável de uma forma rápida, eficaz e provisória. Nesse sentido, propõe-se parar a hemorragia, conter a contaminação e encerrar transitoriamente a ferida operatória. Os procedimentos definitivos ficam adiados para quando o doente estiver equilibrado. (1) vários relatos publicados desde o início do século XX que encerram esta filosofia, seria no entanto em 1998 com Charles Schwab e Rotondo, que se propôs o termo "damage control"e que se iniciou a descrição detalhada e normalizada das técnicas. (2) A fisiopatologia inerente ao conceito assenta no princípio de que em circunstâncias de trauma grave, com hemorragia importante, o doente pode desenvolver o que chamaram tríade letal.Este ponto de viragem, caracteriza-se por três sinais (acidose metabólica, hipotermia grave e coagulopatia) que conduzem à morte do doente, caso não seja interrompida rapidamente a hemorragia e corrigidas as alterações. (1) No trauma, a abordagem de controlo de dano é constituída por 4 fases (1): 1 - Selecção dos doentes; 2 - Fase intra-operatória; 3 - Estabilização fisiológica; 4 - Re-intervenção.

A Selecção dos doentes deve ser feita na avaliação pré-operatória ou nos primeiros minutos da intervenção cirúrgica. Alguns preceitos devem ser tidos em conta na tomada de decisão como a existência de lesões de viscera ôca associadas a lesões vasculares, lesão venosa major inacessível, a necessidade de consumo de tempo, a necessidade de controlar múltiplas lesões ou a impossibilidade previsível do encerramento abdominal.

Não existem, contudo, critérios bem definidos que indiquem definitivamente para a necessidade de uma abordagem de controlo de dano, cabendo a decisão final ao cirurgião. (3) Apesar disso, a literatura aponta alguns parâmetros objectivos que nos indicam uma maior probabilidade de o doente necessitar de este tipo de intervenção (1).

São eles: 1. Ph < 7,30 e Base excesso < - 7,5mmol/L que traduzem uma acidose metabólica grave.

2. Temperatura corporal < 35ºC 3. Transfusão de > 10 U de concentrado de eritrócitos que traduz uma coagulopatia e hemorragia grave.

4. Coagulopatia traduzida por aPTT (tempo de tromboplastina parcial ativada) > 60 segundos.

5. Pressão sitólica <90mmHg 6. Injury Severity Score (ISS) >36 Em 2010, Matsumoto H et al. analisaram doentes de trauma submetidos a tratamento de controlo de dano e verificaram que quando estavam presentes 3 dos critérios referidos anteriormente a mortalidade atingia 70%, enquanto que quando a decisão era tomada antes de o doente apresentar 3 variáveis, a taxa de mortalidade era de 25%. (3) Assim depreende-se que a decisão deve ser rápida quando estiverem presentes 1 ou 2 critérios de instabilidade fisiológica (3).

A fase intra-operatória assenta nos seguintes princípios cirúrgicos (1): 1. O controlo da hemorragia pode ser feito com recurso a tamponamento (packing) com compressas, a pinças vasculares, suturas automáticas, clips ou mesmo tamponamento com balão.

2. O controlo da contaminação é efectuado com a simples sutura manual ou automática das extremidades e lesões de vísceras ocas, e derivação de drenagem biliar, pancreática ou urinária.

3. O encerramento da parede é feito com sutura simples, por vezes com saco de Bogotá ou plástico autocolante, e penso provisório, ou utilizando o método conhecido por "OpSite sandwich". (1) A fase seguinte consiste na estabilização fisiológica que deve ser efectuada numa unidade de cuidados intensivos, com monitorização apertada dos parâmetros fisiológicos e das terapêuticas instituídas. Esta estabilização é feita com recurso a reposição de fluidos, suporte transfusional, suporte ventilatório, suporte cardiogénico e aquecimento activo. (1) Geralmente este período tem uma duração de até 48 horas, sendo que depois das 72 horas aumentam os riscos inerentes à cirurgia abreviada, como a formação de abcessos, infecção e nova hemorragia. (1) Após a estabilização fisiológica e saída de parâmetros da tríade letal,o doente volta à sala de operações para cirurgia definitiva: controlo de hemorragia sem packing, anastomoses, lavagem abundante da cavidade peritoneal e encerramento adequado da parede abdominal. (1) Existem diversos estudos que apresentam resultados relativos à aplicação de cirurgia damage controlem doentes politraumatizados críticos, variando a sobrevivência de 33% a 62% e a taxa de morbilidade de 16 a 44%. Uma revisão realizada por Shapiro em 2000 avalia 1001 doentes que foram submetidos a este tipo de abordagem, tendo verificado uma sobrevivência de 50% e uma taxa de morbilidade de 40%. (2) Controlo de dano fora do contexto de trauma Recentemente o conceito de controlo de dano tem sido alargado a doentes fora do contexto de trauma. Os estudos ainda são escassos e apresentam amostras muito reduzidas.

Em 2008, Stawicki et al avaliaram 16 doentes submetidos a cirurgia damage controlpor motivos que não o trauma: 6 sepsis grave, 5 hemorragia intra- operatória, 3 isquemia intestinal e 2 pancreatite grave. Compararam as taxas de mortalidade pos-operatórias com as mortalidades previstas nas escalas POSSUM e APACHE e concluíram que esta abordagem permitiu o aumento de 40% da sobrevida além do esperado. (4) Morgan et al em 2010, descreveram a utilização da abordagem damage controlem 8 doentes submetidos a cirurgia pancreática com hemorragia intra-operatória, não tendo verificado qualquer mortalidade hospitalar.(5) CASO CLÍNICO Doente de 72 anos, sexo feminino, autónoma, Índice de Massa Corporal=26Kg/m2, com antecedentes de HTA (sem atingimento de órgãos alvo), dislipidemia, e patologia depressiva seguida em consulta de psiquiatria. Medicada habitualmente com anti-hipertensor e anti-depressivo.

Recorreu ao SU com icterícia obstrutiva e progressiva com 8 semanas de evolução. Além do dos exames analíticos efectuou caracterização imagiológica com TAC, RMN e EDA (figura_I).

O estudo revelou neoplasia peri-ampular e neoplasia do rim direito. Não havia evidência de doença metastática ou de doença avançada regionalmente. O caso foi discutido em reunião multidisciplinar, propondo-se duodenopancreatectomia cefálica e nefrectomia direita no mesmo tempo operatório.

A cirurgia iniciou-se com laparoscopia de estadiamento que confirmou ressecabilidade da doença. A fase de dissecção e remoção de peça de duodenopancreatectomia decorreu sem incidentes com perdas estimadas de cerca de 300 cc de sangue.

Após isto, iniciou-se a nefrectomia direita, durante a qual ocorreu um acidente hemorrágico com perdas estimadas em 1500 cc, proveniente de vasos peritumorais lombares.

Após a nefrectomia e após transfusão de 4 Unidades de concentrado de eritrócitos, a doente desenvolveu instabilidade fisiológica caracterizada por: 1. Hipotermia (T = 33,4 ºC), 2. Acidemia (pH = 7,28) e Lactatos = 1,4.

Face a este quadro a equipa cirúrgica decidiu por uma abordagem de controlo de dano.

Faltava ainda nesta fase a reconstrução do trânsito digestivo com anastomose pancreato-gástrica, gastro-jejunal, jejuno-jejunal e hepático-jejunal. tinham decorrido 5 horas de cirurgia.

Com o objectivo de estabilizar e terminar rapidamente a cirurgia as medidas foram: 1. Controlo da hemorragia com packinge sutura 2. Encerramento digestivo gástrico e jejunal com sutura mecânica 3. Derivação biliar externa sobre sonda de Foley 4. Derivação pancreática externa sobre SNG pediátrica 5. Encerramento provisório da parede com pontos cutâneos e steri-drape A doente foi admitida na unidade de cuidados intensivos (UCI), tendo realizado aquecimento, reposição de volume intra-vascular e correcção metabólica, ventilação mecânica, suporte vasopressor com dopamina (dose máxima: 10mcg/Kg/ min), não tendo tido necessidade de mais suporte transfusional.

Após 24 horas a doente encontrava-se em bom estado fisiológico e foi reintervencionada pela mesma equipa cirúrgica que removeu as compressas e realizou as anastomoses sem intercorrências técnicas. Procedeu-se ao encerramento definitivo da parede abdominal.

No decurso do pós-operatório verificou-se: 1. Hemorragia digestiva alta por úlcera da boca anastomótica que foi tratada por via endoscópica com sucesso 1. Infecção respiratória associada ao ventilador, com boa resposta a antibioterapia 2. Colecção peripancreática, que resolveu com drenagem percutânea e antibioterapia.

A doente teve alta ao 30° dia pós-operatório.

A histologia das peças cirúrgicas revelou: adenocarcinoma moderadamente diferenciado da ampola de Vater - pT2 N0 M0 R0) e carcinoma de células renais cromófobo - pT1b N0 M0 R0.

Em consulta de grupo oncológico foi decidido vigilância sem necessidade de terapêuticas adjuvantes.

Após 9 meses de seguimento a doente apresenta-se autónoma, assintomática, com bom estado nutricional e sem sinais de recidiva ou outras intercorrências.

COMENTÁRIOS Apesar de não ser este o contexto mais frequente para a cirurgia de controlo de dano, o facto é que em cirurgia maior complicada podemos rapidamente cair na tríade letal e com ela a mortalidade proibitiva que a acompanha. (5) O caso apresentado ilustra esta possível estratégia numa cirurgia de grande porte numa doente de 72 anos com múltiplas comorbilidades. A reconstrução definitiva acabou por ser realizada com a doente equilibrada e com a equipa cirúrgica descansada.

O desfecho sem mortalidade seria porventura muito mais difícil se não fosse alterado o plano inicial. A juntar a isto, o estádio inicial dos tumores permite almejar uma sobrevivência larga.

O conceito de controlo de dano está assim irmanado ao bom senso cirúrgico.


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