Modernização da SPC e do Congresso Nacional
PÁGINA DA SPC
Modernização da SPC e do Congresso Nacional*
Júlio Soares Leite
Presidente da Sociedade Portuguesa de Cirurgia
Quero agradecer a todos a presença nesta reunião magna da Cirurgia Portuguesa.
Quero também agradecer ao Senhor assessor do Ministro da Saúde a sua presença
pedindo que lhe transmita que apreciamos a forma como tem conseguido resolver
vários problemas que afectam o Serviço Nacional de Saúde Português, nesta fase
de colapso financeiro e de falência do Estado. Saúdo o Senhor Bastonário da
Ordem dos Médicos, cuja personalidade conhecemos bem, ao longo de dezenas de
anos partilhados no Hospital e na Universidade de Coimbra, que tem demonstrado
constituir o garante da defesa intransigente dos direitos dos Médicos e também
dos doentes.
Caros Colegas, a actual Direcção tem tentado honrar os compromissos assumidos
com os membros da nossa Sociedade e empenhou-se em modernizar a organização
deste Congresso. Desde logo o local da sua realização, com vantagens económicas
significativas. Apraz-me referir que existe entre os membros desta Direcção
consenso em torno das estratégias adequadas à promoção da qualidade científica
da cirurgia.
Dinamizou-se o site da Sociedade que passou a constituir o eixo central da
informação e da programação do Congresso, naturalmente ainda com algumas
deficiências que iremos corrigir e que são inerentes a todos os processos de
mudança.
O Júri Científico do Congresso, constituído pelos representantes dos Capítulos,
a quem agradeço a participação empenhada, permitiu selecionar, com critérios
objectivos, num conjunto total de 617 resumos científicos recebidos, as
melhores comunicações e vídeos apresentados no Congresso. Mas o impacto de toda
esta organização depende em última análise da qualidade científica da maioria
dos Centros Cirúrgicos Portugueses que se tem visto a melhorar ano após ano.
Será que os Cirurgiões são profissionais privilegiados no contexto de outras
especialidades médicas? Como indicador indirecto sabemos que a nível
internacional, bem como entre nós, a cirurgia deixou de ser das especialidades
mais atractivas apesar de se associar a uma prática de elevada motivação. Tem
sido avaliado em várias especialidades médicas o grau de esgotamento emocional,
que actualmente se caracteriza como síndrome de burnout. Cerca de 50% dos 8000
cirurgiões americanos inquiridos apresentaram critérios de burnout, que se
relacionou com o número de horas de trabalho por semana e número de noites de
prevenção ou presença por semana.
Em colaboração com os Serviços de Psicologia e Psiquiatria dos HUC estamos a
conduzir um inquérito semelhante, através da nossa página da internet. Os
resultados preliminares referentes à resposta de 219 cirurgiões, com 27% de
participação, revelaram uma taxa de burnoutem 65% dos cirurgiões portugueses,
ainda mais elevada que a dos colegas americanos e com maior repercussão no grau
de realização pessoal.
A sobrecarga de trabalho no ensino médico tem também levado a reflexos
negativos no comportamento profissional dos jovens médicos. Qual é o número de
horas de trabalho por semana dos cirurgiões portugueses e dos internos? É
idêntico ao dos colegas europeus e americanos, em média 60 horas por semana e
cerca de duas noites de prevenção ou presença por semana.
Os cirurgiões trabalham durante longas horas, frequentemente em situações
difíceis e por vezes durante a noite. E quantas vezes acordamos a idealizar a
solução do caso complexo que iremos enfrentar nessa manhã ou como resolver a
grave complicação que ocorreu ao nosso doente? Se a este stresse físico e
mental associarmos os reflexos dos cortes salariais inerentes à crise
financeira e a progressiva escassez de postos de trabalho com potencial
desemprego, estão criadas as condições, particularmente para os mais novos,
para uma acentuada frustração com reflexos negativos na qualidade do tratamento
dos doentes, na relação com os restantes membros do staffhospitalar e mesmo com
os seus familiares. Ignoramos aqui algumas afirmações controversas sobre o
desempenho dos cirurgiões pois já foram adequadamente comentadas pelo Colégio
da Especialidade e pelo Senhor Bastonário. Mas se continuamos a persistir com
gosto no trabalho que realizamos será porque ele é motivante e intelectualmente
recompensador.
Como já verificaram o programa do Congressoconcentra-se na discussão de
problemas cirúrgicos frequentes, com elevada participação multidisciplinar.
Para que se possa melhorar a qualidade científica destas sessões importa que
sejam avaliadas pelos participantes de acordo com regras educacionais
reconhecidas e sugerimos que todos os Colega colaborem no preenchimento das
folhas de avaliação e que no final as entreguem no secretariado. A cada
congressista, na altura do levantamento do diploma de presença, será também
sugerido que faça a avaliação global do congresso preenchendo a respectiva
folha.
O tema escolhido pelos Internos para a sua mesa foi Investigação e Internato. A
nossa Sociedade dedica especial atenção à educação cirúrgica e estamos a
procurar reforçar o âmbito da nossa intervenção em cooperação com o Colégio da
Especialidade de Cirurgia Geral, com quem começamos o diálogo num espírito de
franca cooperação. Há já uma proposta de exame teórico do internato através de
teste a ser realizado em igualdade para todos os candidatos, como se faz
noutros países.
Os exames coordenados pelo American Board of Surgery, tiveram uma taxa de
insucesso de 20 a 25% (Lewis e col. Ann Surg 2012;256:553). Verificou-se a
partir de 2006 um aumento da taxa de insucesso no exame oral, de 16% para 23%
em 2009, que se correlacionou com o limite das 80 horas semanais de trabalho, o
impacto da cirurgia laparoscópica, com reflexos na experiência cirúrgica dos
Internos, e a redução da indicação cirúrgica em várias situações, tais como
úlcera péptica, coledocolitíase e trauma. Esta evolução ocorreu globalmente nos
últimos 20 anos, condicionando redução no currículo cirúrgico dos Internos. Na
opinião dos Internos de Cirurgia, recolhida num extenso inquérito americano a
4402 Internos, 80% consideraram necessitar de mais um a dois anos de treino
para adquirirem as competências cirúrgicas essenciais à prática cirúrgica
autónoma. Por outro lado o American Board of Surgery refere que será necessário
adaptar as exigências curriculares à realidade actual, defendendo maior
eficácia na aprendizagem, através de novas tecnologias educacionais online, a
possibilidade de subespecialização mais precoce e a utilização de simuladores
quer para treino precoce de procedimentos cirúrgicos básicos, quer para
intervenções específicas como a colecistectomia laparoscópica.
A formação em laparoscopiano Internato de Cirurgia vai ser discutida na mesa
redonda organizada pela Sociedade Portuguesa de Cirurgia Minimamente Invasiva
que aqui saudamos pela participação cooperativa no nosso Congresso. É
reconhecidamente uma fase difícil para o treino cirúrgico dos Internos, pois a
complexidade dos procedimentos laparoscópicos exige curva de aprendizagem para
os cirurgiões seniores e há tendência para a subespecialização e centralização
dessas intervenções em unidades ou grupos de referência. Importa generalizar a
aprendizagem sem comprometer a segurança do doente. É pois crucial apostar na
simulação com ambiente reprodutível e na utilização de modelos animais ou em
cadáver para que seja possível obter uma curva de aprendizagem fora do bloco
operatório e do doente. A parceria da nossa Sociedade com o programa LSS
(Laparoscopic Surgical Skills), coordenado pelo Prof. Bicha Castelo e pelo Dr.
José Manuel Schiappa, bem como outros cursos experimentais de cirurgia
laparoscópica, que em breve irão ser anunciados pela SPC, constituem as opções
recomendadas para a formação laparoscópica inicial dos jovens cirurgiões.
A Direcção da SPC pretendeu também destacar a importância da investigação
básicaem cirurgia e organizou uma mesa com comunicações selecionadas sobre
tema, procurando-se enfatizar as que tenham potencial aplicação clínica e
lembrar a importância desta actividade na formação dos Internos.
Estamos também a desenvolver esforços, em cooperação com os Capítulos, para o
registo nacionalde várias patologias, com o objectivo de avaliar os resultados
e promover a qualidade do seu tratamento. O projecto do tratamento do cancro do
recto em Portugal vai-se iniciar em breve, numa parceria com o projecto da
Sociedade Espanhola de Cirurgiões, cujo coordenador é o Prof Hector Ortiz, de
Pamplona, que falará sobre este tema na mesa sobre cancro do recto. Neste
programa ambicioso da nossa Sociedade e do Capítulo de Coloproctologia, não
estará em causa apenas o registo centralizado dos Centros que voluntariamente
aderirem ao projecto, mas também a realização de acções de formação
multidisciplinar que incluirá intervenções assistidas, com discussão da
imagiologia, dos critérios anatomopatológicos e da terapêutica adjuvante. Será
um estudo clínico multidisciplinar com auditoria externa.
Quero agradecer a todos os cirurgiões e centros cirúrgicosportugueses pela
elevada participação científica neste Congresso, condição indispensável para
que possa ter sucesso, com significativo impacto formativo nos participantes
deste grande evento científico, num clima de franca cooperação e de agradável
convívio social.
Também o agradecimento a toda a indústria e firmas comerciaisque quiseram
publicitar os seus produtos neste Congresso e assim possibilitar o equilíbrio
financeiro desta realização. Reconhecem que esta é a reunião magna da Cirurgia
Portuguesa, palco da apresentação dos resultados de todos os centros nacionais
e local de onde emanam as orientações terapêuticas baseadas nas evidências
clínicas e científicas. Neste contexto, defendemos a declaração pública de
conflito de interesses que recentemente foi aprovada no estatuto do
medicamento, permitindo associar maior transparência às comunicações e
recomendações dos diversos preletores.
Finalmente, quero realçar o sentimento de unidade existente nesta Direcção,
agradecendo o esforço que dedicaram à organização deste evento, destacando a
capacidade organizativa e eficácia do nosso Secretário Geral, Dr. Nuno
Abecasis, não ignorando também o contributo de cada membro da Direcção,
lembrando o dedicado e enorme trabalho do Dr. Gil Gonçalves, responsável da
página da internet, o apoio do nosso secretariado e do Corpo Editorial da nossa
Revista. É a esta equipa que se deve o esforço pela modernização do nosso
Congresso.
O meu sentido obrigado.
NOTA
* Alocução na sessão de abertura no Congresso Nacional de 2013.