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EuPTCVHe1646-69182013000300003

EuPTCVHe1646-69182013000300003

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN1646-6918
ano2013
Issue0003
Article number00003

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O actual papel da cirurgia no tratamento da úlcera gastroduodenal

INTRODUÇÃO Desde a década de 1970 que a necessidade de tratamento cirúrgico da úlcera gastroduodenal (UGD) tem vindo a decrescer. Para isso contribuíram a compreensão da sua fisiopatologia, o avanço na terapêutica farmacológica (primeiro com os antagonistas dos receptores H2 e depois com os inibidores da bomba de protões), a descoberta do H. Pylori1 e o avanço técnico na área da endoscopia digestiva.2 Hoje, com as terapêuticas disponíveis, é possível tratar conservadoramente cerca de 90 % da UGD.

Vários estudos mostram que desde 1980 houve um decréscimo de cirurgia por UGD, quer na Europa, quer nos EUA, na ordem dos 50 a 80%, sendo hoje raras as indicações para cirurgia electiva.3 A cirurgia continua contudo a ter o seu papel primordial nas complicações da UGD: perfuração, hemorragia, estenose e intratabilidade. (Quadro_1) A incidência desta patologia tem vindo a diminuir, mas as suas complicações urgentes não acompanharam esta tendência. Parece ainda haver um aumento da incidência de UGD na população idosa provocada pela administração de AINE's e antiagregantes plaquetares, e consequentemente um aumento de hemorragia ou perfuração de UGD nesta faixa etária.3,4 Os autores pretenderam avaliar o papel da cirurgia no tratamento desta patologia durante 10 anos, num período compreendido entre Janeiro de 2001 a Dezembro de 2010.

Procedeu-se à análise retrospectiva dos processos clínicos dos doentes operados por UGD pelo Serviço de Cirurgia 1 do Centro Hospitalar Tondela Viseu no período referenciado, procurando comparar os dados obtidos com os da literatura no que respeita a variáveis: idade, sexo, classificação ASA, factores de risco para predisposição a úlcera, tipo de úlcera segundo a classificação de Jonhson, indicação para cirurgia, tipo de intervenção, média dos dias de internamento, morbilidade e mortalidade.

A análise estatística efectuada foi realizada com recurso ao software Minitab (v.16) tendo-se recorrido à Estatística Descritiva, ao Teste t-student para uma amostra.

RESULTADOS Foram operados desde Janeiro de 2001 a Dezembro de 2010, 134 doentes por UGD complicada, dos quais 83 por perfuração, 34 por hemorragia, 16 por estenose e 1 por intratabilidade. A caracterização desta amostra está representada no Quadro 2.

Os factores de risco encontrados foram: pesquisa de H. pylori positivo, administração de AINE's ou antiagregantes, alcoolismo, tabagismo, passado ulceroso conhecido à admissão (descritos no Quadro_3).

Em 90 doentes (67,2%) a primeira manifestação da UGD foi uma complicação aguda (perfuração ou hemorragia).

Segundo a classificação de Jonhson5, que tem em conta a fisiopatologia da UGD, as úlceras do tipo II e III, ou seja as que surgem por uma hipersecreção de ácido, foram as mais prevalentes apresentando-se em 123 doentes (91,8%).

(Quadro_4) Dos 134 doentes, 117 foram operados de urgência (87%). O procedimento cirúrgico variou com o tipo de complicação, com os achados intra-operatórios e com a classificação ASA (Quadro_5).

Os doentes operados por hemorragia foram todos referenciados pelo Serviço de Gastroenterologia, após tentativa falhada de controlo endoscópico (Quadro_6). A indicação para cirurgia electiva foi a estenose pilórica e intratabilidade. Por intratabilidade foi operado apenas 1 doente correspondendo a 0,7% do total de cirurgias por úlcera gastroduodenal em 10 anos. Analisaram-se as morbilidades cirúrgicas e médicas de cada grupo. Na amostra total, 32 doentes apresentaram complicações cirúrgicas e 45 doentes complicações médicas (Quadro 6 e 7).

As complicações cirúrgicas encontradas foram agrupadas em:

anastomóticas (11 doentes); sépticas (10 doentes); parede abdominal (4 doentes); hemorrágicas (5 doentes) e re-intervenções (8 doentes).

As causas de re-intervenção foram: - ventre agudo com fístula da omentoplastia (1); - deiscência de aponevrose (2); - recidiva da hemorragia com instabilidade hemodinâmica (3); - fístula do coto duodenal (1); - obstrução à drenagem gástrica (1).

As complicações médicas foram divididas em: respiratórias (30 doentes); cardiovasculares (10 doentes); sépticas (5); neurológicas (10 doentes) e urinárias (2 doentes).

A mortalidade global na amostra foi de 12,7%, ocorreu apenas nos grupos da perfuração e hemorragia, ou seja em cirurgia de urgência. Estes doentes apresentavam uma idade média de 76,8 anos (± 7,2) e ASA IV. Dentro de cada um dos grupos houve uma mortalidade de 8,4% (7 doentes) na perfuração e de 29,4% (10 doentes) na hemorragia, sendo que 2 doentes do grupo da hemorragia faleceram intra-operatoriamente.

DISCUSSÃO A úlcera gastroduodenal é um defeito focal na mucosa gástrica ou duodenal que atinge a submucosa ou camadas mais profundas.6 A fisiopatologia da UGD é complexa e multifactorial. Cerca de 85% é causada por infecção por H. Pylori e os restantes casos estão associados à toma de anti- inflamatórios não esteróides. O desenvolvimento da patologia ulcerosa relaciona-se com alterações da secrecção ácida, processos de defesa da mucosa e presença de lesão inflamatória crónica.6 Apoiando-se na fisiopatologia desta entidade, Jonhson 5 em 1957 classificou as UGD em 3 tipos, tendo, mais tarde, Csendes7 acrescentado a úlcera sub-cárdica como tipo IV:

tipo I - úlcera gástrica da pequena curvatura, normalmente com secrecção ácida normal ou diminuída; tipo II - úlcera gástrica do corpo associada a úlcera duodenal activa ou não, em que existe aumento da secrecção ácida tipo III - úlcera pré-pilórica, associada com aumento da secrecção ácida tipo IV - úlcera sub-cárdica, associada a secrecção ácida normal ou diminuída.

Os factores de risco para o desenvolvimento desta patologia são sexo masculino, infecção por H. Pylori, consumo de AINE's, alcoolismo, tabagismo, stress, doença hepática crónica, doença pulmonar crónica e pancreatite crónica.3,8,9,10,11 Esta patologia afecta cerca de 2% da população adulta nos EUA e estima-se que cerca de 10% da população irá sofrer desta patologia ao longo da sua vida. Os homens são afectados duas a três vezes mais que as mulheres.12,13 As úlceras duodenais são mais frequentes nos jovens relativamente às úlceras gástricas, mas essa diferença vai-se atenuando com a idade.10,12 A nossa amostra revelou também um predomínio do sexo masculino. O consumo de AINE's e alcoolismo assumem uma grande prevalência nesta amostra como factores de risco para patologia ulcerosa. A infecção por H. Pylori é usualmente implicada como o principal agente etiológico, no entanto não conseguimos objectivar este facto na nossa amostra por insuficiência de dados.

A incidência e prevalência da úlcera UGD diminuiu nos últimos 25 anos.12 Esta redução deve-se à diminuição da prevalência por infecção por H. Pylori.14 Lassen et al, num estudo sobre a incidência desta patologia entre 1993 a 2002 na população dinamarquesa encontrou uma redução de cerca de 0,55/1000 indivíduos/ ano na ulcera duodenal e 0,56 a 0,4 / 1000 indivíduos / ano na úlcera gástrica.15 As principais complicações da UGD são a perfuração, a hemorragia, a estenose e a intratabilidade.16 Vários estudos mostram que as complicações urgentes da úlcera gastroduodenal (perfuração e hemorragia) não acompanham o decréscimo de prevalência da patologia não complicada.4,15,12,2 Este resultado pode ser produto de um envelhecimento da população nos países ocidentais e consequentemente um aumento no uso de AINE's e antiagregantes para o tratamento das suas co- morbilidades. 17,18, 11 A hemorragia é mais comum que a perfuração4,17,15, estando descrita com uma incidência na população em geral de 19,4 a 57 casos por 100000 indivíduos nos EUA enquanto que a incidência da perfuração é de 3,77 casos a 14 casos por 100000 indivíduos.4 A estenose, ou seja, a obstrução à drenagem gástrica, ocorre em 2% dos doentes com doença UGD.19 A úlcera intratável é hoje rara, e as causas subjacentes para que não cicatrize podem ser: a não adesão do doente à farmacoterapia, resistência do H.pylori à antibioterapia instituída e ainda falsos negativos de pesquisa do H. pylori.12 Devido aos bons resultados do tratamento médico, o tratamento cirúrgico da UGD não complicada tornou-se obsoleto. Actualmente a cirurgia está reservada para as suas complicações.2,7-12,16 Bardhan et al, numa análise retrospectiva desde 1977 a 2001 sobre as alterações na abordagem da úlcera gastroduodenal concluem que a cirurgia electiva teve uma diminuição de 4,3% para 0,2% na úlcera duodenal e de 4,2% para 0,3% na úlcera gástrica.12 A grande maioria das operações realizadas por UGD são de urgência (82%), e procede-se a cirurgia de controlo de danos em 80% dos casos3,13, não sendo realizada cirurgia redutora de ácido. Isto justifica-se pela necessidade de uma actuação rápida e eficaz pelo cirurgião, de modo a reverter o processo de instabilidade destes doentes. O nosso estudo corrobora estes dados, uma vez que 87% dos doentes foram submetidos a cirurgia urgente e em 83,8% destes doentes procedeu-se apenas a controlo local de danos (79 doentes com perfuração e 17 doentes com hemorragia). A estes doentes está associada uma elevada média de idades e de classificação ASA, o que pode explicar este tipo de abordagem.

No entanto, a diminuição da cirurgia electiva por UGD, pode dificultar a formação dos cirurgiões mais novos, que mais tarde ou mais cedo serão confrontados com situações de urgência.23,24,25,26,2 A abordagem de cada uma das complicações está bem definida na literatura.

O tratamento preconizado na perfuração da UGD é a cirurgia que não tem como intenção, na maioria dos casos, tratar a doença ulcerosa, mas travar a contaminação peritoneal com procedimentos simples como a omentoplastia e a lavagem.27,28,29 Este é o tratamento cirúrgico preconizado no nosso Serviço em associação com a irradicação do H. Pylori e a vagotomia química com IBP's no pós-operatório, tornando-se um procedimento eficaz.

A via laparoscópica tem uma eficácia semelhante à via aberta.30,22 Outras abordagens descritas, como o tratamento conservador com antibioterapia e a drenagem per-cutânea de abcessos contidos, podem ser utilizadas em doentes seleccionados que têm elevado risco cirúrgico, que apresentem estabilidade hemodinâmica, necessitando de uma vigilância clínica apertada.31,11,24,28 Relativamente a esta complicação verifica-se uma taxa de mortalidade entre os 10,5 aos 29% 4,44,45,15, e está associada ao aumento da idade, co-morbilidades, choque, acidose metabólica, hipoalbuminemia, insuficiência renal aguda e atraso no tratamento cirúrgico.33,34,35, No nosso estudo a taxa de morbilidade foi de 24% e a taxa de mortalidade de 8,4%, números inferiores à maioria dos estudos.

A abordagem da hemorragia por UGD é multidisciplinar, envolvendo internistas, gastroenterologistas, intensivistas e cirurgiões.

Inicialmente deve ser avaliado o estado hemodinâmico do doente e implementadas medidas de ressuscitação. O risco do doente é estratificado através de scores baseados em dados clínicos e analíticos como o de Blatchford ou Rockall antes da realização da endoscopia (Quadros 8 e 9).36,37,13

Os doentes de elevado risco deverão ser internados e ser submetidos a endoscopia digestiva alta, hemostase, terapêutica endovenosa com inibidores da bomba de protões e monitorização clínica.36,37,38,39 A endoscopia digestiva alta mostrou ser eficaz em reduzir a recorrência da hemorragia, diminuir a necessidade de cirurgia urgente e a mortalidade global associada à hemorragia por UGD.40,41 A angioembolização é referida como uma opção antes da abordagem cirúrgica, nomeadamente em doentes com elevado risco cirúrgico e quando é desconhecida a localização da hemorragia.36,38 No entanto a recorrência de hemorragia após hemostase por endoscopia pode ir de 0% a 31%, consoante as séries.4,42,43,44 A classificação de Forrest que se baseia nos achados endoscópicos na hemorragia por UGD, é um instrumento importante para a planificação do tratamento endoscópico e da cirurgia urgente, predizendo o risco de recidiva hemorrágica, a necessidade de cirurgia urgente e a mortalidade associada a cada achado.

(Quadro_10) As úlceras classificadas como tipo Ia (hemorragia activa em jacto), tipo Ib (hemorragia activa em toalha) e tipo IIa (vaso visível) estão associadas a uma necessidade de intervenção cirúrgica urgente em cerca de 35% dos casos.45,46,47,48

As indicações para cirurgia são 41,47,8,37:

falência do tratamento endoscópico; instabilidade hemodinâmica apesar das medidas de ressuscitação; recurrência da hemorragia necessidade de > 4 unidades de glóbulos vermelhos em 24h ou de 8 U em 48h.6

As indicações relativas são tipo de sangue raro, recusa transfusional, úlceras gigantes (> 2cm), hemorragia de grande volume, choque na apresentação do quadro, idade avançada, co-morbilidades severas.37,13 A taxa de mortalidade associada à hemorragia por UGD é de 8,6 %, estando relacionada com a presença de co-morbilidades, idade superior a 60 anos, primeira manifestação da doença e choque hipovolémico. 4,17,50,5,15,51,52,53 A cirurgia é o último recurso para evitar a exsanguinação do doente quando a endoscopia ou a angioembolização falham 23,35.54,44,47,49,37, verificando-se um aumento da taxa de mortalidade para 15 a 25 % 45,37,51. Esta taxa está relacionada com o numero de episódios de hemorragia e de tentativas endoscópicas, população idosa e úlceras de abordagem difícil.37,48,55,44 Verificamos que os doentes que nos foram referenciados por hemorragia foram submetidos a pelo menos uma tentativa de controlo endoscópico (máximo de 3).

Todos os doentes foram operados de emergência em choque hemorrágico. A necessidade média de U CE foi de 10,5 U / doente. Dois casos faleceram intra- operatoriamente. Em 5 doentes houve recorrência de hemorragia no pós- operatório. A mortalidade global foi de 29,4%.

Tratam-se de doentes críticos, politransfundidos, em coagulopatia, refractários a todas abordagens médicas. Existem autores que defendem a intervenção cirúrgica precoce nestes doentes de alto risco.28,49,37 A estenose ou obstrução à drenagem gástrica é o resultado do edema e da cicatrização no bulbo duodenal ou piloro. A sua abordagem inicial é conservadora, com descompressão gástrica colocando uma sonda naso-duodenal, a administração de inibidores da bomba de protões de forma a reduzir o processo inflamatório e a erradicação do H. Pylori. Se o doente permanecer com sintomas de obstrução à drenagem gástrica podem ser realizadas dilatações endoscópicas.19,9 A cirurgia poderá estar indicada quando a patologia for refractária às medidas anteriormente descritas. Esta pode consistir na vagotomia e procedimentos de drenagem gástrica.9 No nosso estudo constatamos que os doentes tinham todos tentativas prévias falhadas de tratamento conservador. A intervenção eleita foi a vagotomia troncular associada a ressecção gástrica (56,3%).

A intratabilidade de uma UGD pode estar associada a outras patologias que deverão ser excluídas (Sindrome de Zollinger-Ellison, neoplasia). 56Normalmente são situações refractárias às múltiplas tentativas terapêuticas médicas. A cirurgia preconizada envolve o tratamento definitivo da doença ulcerosa. Em 10 anos apenas se operou um caso por intratabilidade, confirmando a trajectória decrescente do tratamento desta complicação pelo cirurgião.

CONCLUSÕES A cirurgia electiva da úlcera gastroduodenal não complicada desapareceu da nossa prática. A intratabilidade é hoje uma indicação rara para cirurgia. Os doentes que necessitam de cirurgia, são-no maioritariamente em contexto de urgência e em condições clínicas hostis.


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