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variedadeEu
ano2013
fonteScielo

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Modernização da Cirurgia Torácica em Portugal: Contributo da Cirurgia Geral CARTA AO EDITOR Modernização da Cirurgia Torácica em Portugal: Contributo da Cirurgia Geral Carlos Janelas Chefe de Serviço de Cirurgia Geral do CHUC - Hospital Geral Correspondência

A "cirurgia", por oposição a "medicina", desenvolveu-se a par desta, sendo durante muito tempo menos elaborada e elegante, quando se resumia a extirpar, ressecar ou amputar o que não se conseguia tratar doutro modo. Sempre, por isso, menos conceituada e "intelectual" do que a medicina, mesmo quando, na realidade, conseguia manter vivos doentes que de outro estavam condenados. Embora se continue, obviamente a admitir que o futuro da medicina está nos tratamentos médicos, globalmente na bioquímica, englobando nesta designação também a biologia molecular, a engenharia genética e tantas outras coisas que a realidade actual nos faz imaginar sem ser em sonhos utópicos, a verdade é que a cirurgia evoluiu para uma modalidade mais elaborada, do ponto de vista técnico e também de concepção.

Muitas das grandes intervenções ainda hoje praticadas o eram no fim do século XIX, e à entrada no século XX eram apanágio duma especialidade, a cirurgia geral. Com o advento de novos conhecimentos, algumas áreas de patologia foram-se diferenciando no seu tratamento cirúrgico, muitas vezes tornando-se médico-cirúrgico, o que levou a que passasse a haver especialistas apenas nessas áreas. Assim apareceram as várias sub-especialidades cirúrgicas, que acabaram por ganhar asas e independência em relação à mãe.

A especialidade base manteve-se, sendo muito importante no manuseio de doentes cirúrgicos englobando várias patologias ou de patologia menos definida, e permitindo que o mesmo médico possa tratar vários tipos de doentes, com ganhos de eficácia e económicos para as instituições. Sem pôr em causa, naturalmente, a super-especialização, o treino cirúrgico global e eclético continua a ser altamente desejável, servindo para fornecer a cada cirurgião os recursos técnicos que pode depois aplicar nas várias situações clínicas, mais ou menos especializadas.

A aplicação translacional de um treino cirúrgico completo e variado pode ser muito vantajosa e não deve ser ignorada, num momento em que, muito por comodidade de quem se tem de preparar, se procura cingir o treino ao estritamente necessário. É, pois, ainda da cirurgia geral que tem surgido uma grande ajuda para as várias subespecialidades cirúrgicas. Ela tem funcionado muitas vezes como um elo de transmissão, aplicando nalgumas áreas o que se desenvolveu especificamente noutras, e nestas ficaria enquistado não fôra a prática global de alguém menos limitado a um tipo exclusivo de cirurgia. É disto que se trata quando se fala do contributo da cirurgia geral para a modernização da cirurgia torácica.

A organização da cirurgia torácica no Centro Hospitalar de Coimbra (Hospital dos Covões) teve o seu embrião na necessidade sentida pelo Serviço de Pneumologia de dispor de apoio cirúrgico específico para avaliação e tratamento dos seus doentes.

A visão e persistência do Dr. Abreu Barreto, que fundou e dirigiu o Serviço de Pneumologia do Hospital dos Covões até Agosto de 1993, data em que se aposentou, foram determinantes e marcaram tudo o que viria a acontecer.

No segundo semestre de 1987, um Cirurgião Geral do Serviço de Cirurgia II do Hospital dos Covões, do então Centro Hospitalar de Coimbra, fez formação em Cirurgia Torácica.

Em Janeiro de 1988, com envolvimento multidisciplinar, teve início uma actividade de estreito convívio com o Serviço de Pneumologia, fundamental para integração na clínica pneumológica e formação de raciocínio cirúrgico adequado a estas patologias.

Os resultados foram encorajadores, a Direcção do Hospital acreditou que era importante continuar, que havia espaço e oportunidade de desenvolvimento e que os doentes, os Serviços e o Hospital iriam beneficiar desse investimento.

Este projecto foi sendo desenvolvido por uma Equipa de Cirurgia Geral, com actividade concomitante de Cirurgia Geral.

Em Abril de 1992 foi precisamente esta Equipa que operou as primeiras colecistectomias endoscópicas no nosso Hospital, e no dia 16 de Junho do mesmo ano, beneficiando da sinergia proporcionada pela experiência de cirurgia abdominal e cirurgia torácica, iniciámos no nosso Serviço a VATS (Video Assisted Thoracic Surgery), quando esta técnica estava a dar os primeiros passos em todo o Mundo.

Durante 25 anos foram operados doentes com todo o tipo de patologia torácica não cardíaca, mas foi com a tecnologia de vídeo que se inovou e alterou a abordagem de algumas patologias.

A partir de 1992 os doentes com pneumotórax passaram a ser operados por VATS.

Passaram também a ser operados doentes bilateralmente, na mesma sessão anestésica, e realizaram-se reoperações por VATS quer em doentes operados anteriormente pelo mesmo processo quer por cirurgia clássica.

Os doentes com patologia do interstício de etiologia não esclarecida em que a última oportunidade de diagnóstico era biópsia pulmonar, até realizada por toracotomia, passaram a ser intervencionados por VATS, com todas as vantagens, incluindo melhor avaliação de toda a cavidade pleural. Outras lesões do tórax e mediastino tornaram-se também objecto de VATS, com propósito diagnóstico, terapêutico curativo ou paliativo. Tudo isto obtido de forma mais rápida e menos traumatizante.

Os derrames pleurais e toda a patologia pleural de etiologia não esclarecida passaram a ser abordados mais precocemente por VATS, uma vez esgotados os meios ao dispor ou quando o objectivo era terapêutico. Nos doentes com hemotórax pós- operatório ou pós-traumático, a VATS passou a ser uma nova oportunidade quando foi necessário fazer uma adequada limpeza pleural ou descorticação nos casos de evolução mais arrastada, com espessamento pleural. Nos pacientes com derrame pleural septado ou empiemas septados passámos a propor indicação cirúrgica por VATS, representando nesta opção uma inovação e um enorme benefício para os doentes, com recuperação mais rápida, menor sofrimento e menos complicações.

Hoje esta opção é consensual na literatura internacional.

Em doentes idosos, em cuidados continuados, doentes com vários tipos de patologias associadas e risco cirúrgico elevado, a VATS surgiu como uma oportunidade da qual usufruiram muitos a quem a cirurgia convencional tinha sido recusada em grandes centros.

Enquanto cirurgiões gerais, adaptámos aparelhos cirúrgicos que nos permitiram realizar descorticações pulmonares em doentes com empiemas em estádio III (crónicos) quando a VATS ainda era internacionalmente considerada ineficaz neste tipo de empiemas.

Depois de conhecida a técnica e reconhecidos os resultados que com ela obtínhamos, passámos a receber doentes referenciados de todo o país e até do estrangeiro, alguns após terem passado por grandes centros de cirurgia torácica, onde a técnica não era usada. Fomos assim construindo, com segurança, uma casuística de cirurgia torácica vídeoassistida sem paralelo em Portugal.

Os gráficos que se apresentam a seguir pretendem traduzir a nossa experiência e de alguma forma tornar mais compreensível a nossa mensagem.

A VATS passou a ser a técnica de eleição em muitas patologias, como se pode inferir da figura_1.

Como se pode verificar pela figura seguinte, foi realizado por VATS, durante 20 anos, um elevado número de Intervenções Cirúrgicas.

Sendo a VATS menos traumatizante que a cirurgia aberta, a sua indicação foi alargada a doentes clinicamente mais graves e mais idosos.

A figura_3 mostra, em percentagem, a distribuição etária dos doentes operados, sendo que o mais novo tinha 10 anos e o mais velho 96 anos.

Esta experiência foi possível graças à aceitação que esta técnica teve junto dos doentes e especialistas de Pneumologia, Medicina Interna, Cirurgia Geral e Cuidados Intensivos de vários Hospitais, como o mapa que apresentamos demonstra.

A actividade de cirurgia torácica, incluindo esta videoassistida, no Hospital Geral (Hospital dos Covões), cessou em Julho de 2012, por circunstâncias que nos são alheias e não conseguimos ultrapassar. A primeira intervenção por VATS no CHC foi realizada no dia 18 de Junho de 1992, a última, no CHUC, no dia 28 de Junho de 2012.

Temos consciência de ter podido enveredar por este caminho pela experiência que tínhamos como cirurgião geral, transpondo os respectivos conhecimentos e gestos técnicos, nomeadamente de laparoscopia, para esta nova aplicação. E foi deste modo que a cirurgia torácica pôde ser modernizada recorrendo-se à cirurgia geral, no nosso país e no nosso hospital, com benefício claro dos doentes que a nós recorreram ou foram referenciados. Temos também de enaltecer a colaboração, entusiástica até, com muitos médicos de vários Hospitais, que nos estimularam e ajudaram a continuar, tendo agora a consciência de termos prestado, enquanto cirurgião geral dedicado à cirurgia torácica, no então CHC, um bom serviço a muitos doentes do nosso País.

Correspondência: CARLOS JANELAS e-mail: carlos@janelas.org

Data de recepção do artigo: 29-1-2013 Data de aceitação do artigo: 28-4-2013


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