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EuPTCVHe1646-69182013000400010

EuPTCVHe1646-69182013000400010

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN1646-6918
ano2013
Issue0004
Article number00010

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O estadiamento ganglionar na actualidade

MUDANÇAS RECENTES; PROBLEMAS NOVOS Os anos noventa do século XX assistiram ao início da segunda grande revolução na abordagem cirúrgica do cancro da mama (CM): o Conceito de Gânglio Sentinela (GS).

Durante décadas o esvaziamento ganglionar axilar (EA) fez parte integrante do tratamento cirúrgico. Numa altura em que os doentes se apresentavam com tumores local e regionalmente avançados, o EA era encarado como parte do tratamento, intervindo no controle regional da doença.

Mais tarde, nos anos sessenta do século passado, perante tumores de menor volume e numa altura em que se começa a desenvolver o tratamento sistémico, quer com citostáticos quer com antagonistas de receptores hormonais, o EA passou a ser também encarado como uma ferramenta para o estadiamento. É por essa altura que se desenvolve o sistema TNM, de que faz parte integrante a avaliação ganglionar, e que no caso do CM se conseguia com o estudo morfológico dos gânglios da axila.

Em 1993 o EA era considerado um elemento fundamental do tratamento loco- regional do CM, cujos principais objectivos eram a obtenção de informação prognóstica e o planeamento de tratamentos adjuvantes; simultaneamente, o EA promovia o controlo loco-regional da doença.

É em 1993 que Armando Giuliano e David Krag surgem com as primeiras publicações [1; 2] que aplicam o Conceito de Gânglio Sentinela (GS) a doentes com CM.

A ideia de GS surge para resolver problemas específicos: 1 - de um modo geral, 50% dos doentes com CM não têm metástases ganglionares axilares e por isso não beneficiam com o EA; 2 - o EA é a maior causa de morbilidade associada ao tratamento cirúrgico do CM (o linfedema, nos seus diferentes graus, atinge uns 20% dos doentes); 3 - o EA faz parte de uma abordagem sistemática que trata todos os doentes por igual, esquecendo outras áreas de drenagem ganglionar a partir da mama.

O conceito de GS e as técnicas para a identificação do GS foram validados em inúmeros trabalhos publicados em revistas de oncologia cirúrgica, no final do século XX e início do século XXI [3-5]. O impacto científico foi sério, de tal modo que o conceito de GS foi aceite pela comunidade médica mundial como o método adequado para estadiar, do ponto de vista ganglionar, os doentes portadores de CM, permitindo identificar correctamente aqueles que são pN0.

Simultaneamente estabeleceu-se que os doentes cujo GS estava metastizado deveriam ser submetidos a EA.

A evidência científica acumulada permitiu compreender que, de todos os doentes cujo GS estava metastizado e eram submetidos a EA, apenas cerca de 30-60% (entre nós, cerca de 45%) [6-8] apresentavam metástases em outros gânglios axilares (gânglios não sentinela, GNS). Desse modo, ainda uma boa parte dos doentes com CM é submetido a EA sem disso nada beneficiar, quer no controle loco-regional quer na informação obtida para estadiamento, ficando, por outro lado, sujeita à morbilidade associada ao EA.

Assim, surgem outros desafios, de novo para responder a questões concretas: 1 - Como poderemos identificar aqueles doentes que têm metástases apenas nos GS? 2 - E aqueles doentes que supostamente terão GNS metastizados necessitarão mesmo de serem submetidos a EA? A SELECÇÃO DE DOENTES PN+ PARA ESVAZIAMENTO GANGLIONAR AXILAR Muitos trabalhos publicados mostraram que quando o GS está metastizado apenas 13 a 66% dos doentes apresentam metástases ganglionares adicionais [9; 10].

Este facto levou investigadores a analisar factores, ou grupos de factores, que possam predizer a ausência de metástases nos GNS e, desse modo, poupar doentes ao EA.

Alguns autores desenvolveram ferramentasnomogramas - para avaliar o risco de metastização em GNS. São ferramentas complexas, que combinam a análise de diversas variáveis, e que emitem um resultado que quantifica o risco de metastização. Fica depois ao critério dos clínicos o julgamento e a actuação em função desse resultado.

As variáveis em questão são, em geral, as mesmas nos diferentes nomogramas: o tamanho do tumor, o grau de malignidade, a invasão vascular linfática, a multifocalidade, o tamanho da maior metástase no GS, a relação entre o n.º de GS metastizado e o n.º de GS biopsados [6-10]. Mais recentemente um grupo estudou e desenvolveu um novo conceito, o de Carga Tumoral Total no(s) GS(s), que nasceu com a análise dos GS em OSNA (one step nucleic acid amplification) [11; 12].

O nomograma desenvolvido no Memorial Sloan Kettering Cancer Center [13], o mais antigo, foi testado em diferentes ambientes hospitalares e regiões do globo. Os resultados da sua aplicação variam entre as séries de doentes, o que levou a algumas modificações por forma a torná-lo mais adequado.

Outros têm sido desenvolvidos e validados: Stanford [14], Universidade de Cambridge [15], Hospital Tenon [16], Internacional Multicentrico [17].

Uma das limitações destas ferramentas é a sua modesta adaptação a diferentes contextos sociais e hospitalares. Existe uma profunda diversidade mundial na interpretação do conceito de GS, na técnica para a identificação do GS e no estudo do GS pela Anatomia Patológica. A uniformização das técnicas para a biópsia do GS e para o seu estudo morfológico seriam desejáveis. Todavia, será impossível consegui-lo.

Desse modo, e procurando obter ferramentas adaptadas à realidade diária, outros autores desenvolveram e validaram uma ferramenta mais simples, que engloba apenas 3 variáveis, e nenhuma delas dependente do putativo GS: o estadio pT (T1 vs T2+), a presença ou ausência de multifocalidade e a presença ou ausência de invasão vascular linfática (IVL) [8;18]. Na presença de um tumor de tamanho igual ou inferior a 20 mm, unifocal e sem IVL, a probabilidade de haver GNS metastizado é inferior a 11% e este grupo de doentes pode ser poupado com segurança ao EA. Estima-se que, numa amostra comum de doentes com CM e cujo GS está metastizado, cerca de 20% dos doentes apresentam tumores com estas características, o que significa que 1 em cada 5 doentes com GS metastizado poderá ser poupado ao EA, e representa um considerável interesse clínico.

O ESVAZIAMENTO AXILAR É MESMO NECESSÁRIO? Se é claro que o EA não é necessário nem útil quando o GS não está metastizado, o contrário é motivo de intensa discussão, quando o GS está metastizado.

No contexto da metastização axilar, determinada por uma biópsia de GS positiva, a realização de EA pode trazer potenciais vantagens.

Diminuição das taxas de recorrência loco-regional e melhores índices de sobrevivência Em 1971 o NSABP (National Surgical Adjuvant Breast and Bowel Project) abriu o ensaio B04 [19]. Este ensaio dividiu-se em dois grupos de doentes, em função da existência ou não de gânglios regionais clinicamente envolvidos. O grupo de doentes sem gânglios clinicamente envolvidos foi randomizado em três ramos: mastectomia radical modificada, mastectomia total com radioterapia axilar e mastectomia total. O grupo de doentes com gânglios clinicamente envolvidos foi randomizado em dois ramos: mastectomia radical modificada ou mastectomia total com radioterapia axilar. Os investigadores verificaram que o grupo de doentes tratados apenas com mastectomia total apresentou uma taxa de recidiva ganglionar axilar abaixo do esperado (tendo em conta a taxa de metastização axilar observada nos doentes tratados com mastectomia radical modificada), embora maior que nos outros ramos, e que não houve diferenças significativas nos resultados do tratamento (sobrevivência global e sobrevivência livre de doença) nos três ramos do estudo.

Em 1999 Orr publica uma meta-análise [20] sobre o impacto do EA profilático na sobrevivência, que estuda 6 ensaios, desenvolvidos em diferentes instituições, entre 1951 e 1987. A meta-análise enfatiza que todos os estudos mostram um benefício na sobrevivência, que varia entre 4 e 16%, com a realização do EA. No entanto, devemos assinalar que os estudos englobam poucos doentes com tumores até 5 mm, e por isso os resultados não devem ser extrapolados para este grupo, e, mais importante, dizem respeito a uma era onde o tratamento sistémico era inexistente ou dava os primeiros passos. Devemos admitir que a redução do risco proporcionada pelo EA seja, hoje, suplantada pelo tratamento sistémico disponível.

Mais recentemente um grupo de autores publica um estudo retrospectivo [21] que analisa 97314 doentes com CM e GS metastizado, a partir do registo nacional de cancro dos EUA. Cerca de 80% destes doentes (n=77097) foi submetido a EA e cerca de 20% (n=20217) não fez EA. Com uma mediana de acompanhamento superior a 5 anos, os autores verificaram que, quer para os doentes com micrometastases no GS, quer para aqueles com macrometastases, os resultados para a recorrência ganglionar axilar e para a sobrevivência global são semelhantes, com ligeiras vantagens para o grupo que fez EA, mas sem significância estatística.

O grupo para a oncologia do Colégio Americano de Cirurgiões promoveu um estudo para avaliar o impacto da não realização de EA em doentes com CM e GS metastizado; o recrutamento de doentes começou em maio de 1999, terminou em dezembro de 2004 e os resultados desse ensaio clínico randomizado foram publicados em 2011 [22]. O ensaio, de não inferioridade, previa a inclusão de 1900 casos; no entanto, o período de inclusão foi fechado apenas com 891 casos, operados em 115 diferentes centros, dos quais 446 foram randomizados para não fazer EA e 445 para fazer EA. A mediana do período de acompanhamento foi superior a 6 anos.

Os resultados no que diz respeito à recorrência ganglionar axilar são de 0.5% para o grupo que fez EA e de 0.9% para o grupo que fez apenas GS. No que diz respeito à sobrevivência global e à sobrevivência livre de doença observaram-se ligeiras vantagens para o grupo que fez apenas GS (embora sem significância estatística). Os autores concluem que a utilização única do GS, comparada com a realização de EA, não resulta em piores índices de sobrevivência.

Postulou-se que este seria um estudo que resultaria numa mudança da prática clínica, pelo menos para os doentes que reproduzissem os critérios de inclusão: tumores de tamanho inferior a 5 cm, sem adenopatias palpáveis, submetidas a cirurgia conservadora e com 1 ou 2 GS metastizado em hematoxilina-eosina (H-E), sem invasão extraganglionar e sem tratamentos neoadjuvantes. A comunidade científica está dividida entre a aceitação do ensaio, traduzida pela inclusão dos seus resultados em consensos internacionais [23-25] e a crítica aos métodos. Os críticos relevam vários aspectos do ensaio: a dimensão da amostra, que inicialmente previa 1900 e acabou por analisar apenas 856 (45%), os critérios usados para definir não-inferioridade, a ausência de dados significativos referentes a diversas variáveis (por exemplo, em 98 doentes desconhece-se o número de GS metastizados, quando este era um critério de inclusão), o facto de não haver ocultação para o braço a que estavam alocados os doentes, o número de doentes perdidos para follow-up, enviesamentos de selecção e a ausência de informação clara quanto aos campos de radioterapia utilizados. Os críticos defendem que este estudo não deve mudar a prática clínica e que mais estudos deverão ser realizados entretanto.

este ano, um outro grupo de autores, de diferentes instituições [27], publicou um outro ensaio clínico randomizado [26], que comparou doentes com CM e GS envolvido por micrometastases, de forma randomizada: um grupo foi submetido a EA e o outro grupo não foi submetido a EA. Foram estudados 934 doentes cT1-2 pN1sn mi (células tumorais isoladas e metástases até 2 mm, estudadas preferencialmente em H-E). Em 13% dos casos submetidos a EA foram identificadas metástases em GNS. As curvas de sobrevivência global e livre de doença são sobreponíveis, com ligeira vantagem para o grupo que não fez EA, embora sem significância estatística. Os autores defendem que as doentes com CM inicial e micrometastases no GS podem ser poupadas ao EA.

Aguarda-se, ainda, a publicação dos resultados do ensaio AMAROS (After Maping of the Axilla: Radiotherapy or Surgery). Este ensaio, promovido pela EORTC (European Organization for the Research and Treatment of Cancer), randomizou um grupo de doentes com CM e GS metastizado para a realização de EA ou para a realização de RT (radioterapia) axilar. Alguns resultados foram apresentados no congresso da ASCO (American Society of Clinical Oncology), em maio de 2013, em Chicago. Os autores observaram que a recorrência axilar, no grupo submetido a EA foi de 0.54% e no grupo tratado com RT axilar foi de 1.03%; o aparecimento de linfedema foi de 28% no grupo tratado com EA e de 14% no grupo da RT axilar; a avaliação dos índices de qualidade de vida foi idêntica nos dois braços e verificou-se uma maior tendência para dificuldades na mobilização do ombro no grupo tratado com RT axilar. A mediana do período de acompanhamento foi de 5 anos [dados não publicados].

Estes ensaios, aqui sumariamente discutidos, parecem mostrar que a recorrência ganglionar axilar é maior quando não se procede ao EA; no entanto, este facto não parece ter impacto significativo na sobrevivência global.

Informação adicional para estadiamento Nas últimas décadas, o EA tem sido mais um guia para o tratamento adjuvante do que um tratamento por si .

A existência de gânglios metastizados é um factor de prognóstico; o número de gânglios metastizados tem um peso importante em índices de prognóstico, como por exemplo o Índice de Prognóstico de Nottingham; a classificação TNM classifica os casos em N1, N2 ou N3 em função do número de gânglios metastizados. A indicação para tratamentos adjuvantes, sistémicos ou regionais, baseia-se nesta organização.

No entanto, a biologia tumoral é hoje melhor entendida do que alguns anos; o reconhecimento da diversidade tumoral levou a alterações no tratamento, sendo hoje mais vulgar o uso de tratamento sistémico, independentemente do estado dos gânglios da axila. A nova classificação molecular, fundamentada em diferentes características biológicas do tumor, dividindo os CM em luminais e não- luminais, acaba por selecionar doentes para a realização de quimioterapia independentemente do estadio ganglionar. Assim, questiona-se também a utilidade do EA para fornecer informação necessária aos tratamentos complementares.

Straver e colaboradores [27], aproveitando os doentes randomizados para o ensaio AMAROS (que compara o EA com a RT axilar, em doentes com GS metastizado), analisaram o impacto da ausência da informação fornecida pelo EA na decisão para a realização de tratamentos sistémicos adjuvantes. Concluíram que a ausência da informação obtida com o EA não parece ter grande impacto na administração de tratamentos adjuvantes.

No entanto, Montemurro e colaboradores [28] publicam um estudo onde verificaram que cerca de 16% dos doentes podem ver a sua proposta de quimioterapia alterada em função do número de gânglios metastizados, e que este risco é maior se os tumores forem de tipo luminal.

Além disso, as linhas de orientação clínica da NCCN (National Comprehensive Cancer Network) [24] continuam a apresentar como indicada a RT às áreas de drenagem ganglionar se houver 4 ou mais gânglios metastizados (pN2) e a considerar se houver apenas 1 a 3 gânglios metastizados (pN1), reforçando assim a utilidade da informação que o EA pode proporcionar.

Verifica-se, então, que a informação revelada pelo EA vem a perder progressivamente importância, sendo substituída pelo estudo de características biológicas do tumor; todavia, em algumas situações continua a ser útil o conhecimento do número de gânglios envolvidos por tumor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Vivemos uma fase de mudança de paradigmas no que diz respeito ao EA em doentes com CM.

O EA, que sempre foi entendido como parte integrante do tratamento e como fundamental para o estadiamento, foi substituído pelo GS na sua função de estadiamento quando este é negativo (pN0sn) e vem perdendo importância e protagonismo quando o GS está metastizado.

Todavia, o EA mantém o seu papel nas situações em que o risco de metástases em GNS é considerável e naquelas onde o número de gânglios metastizados é determinante. A quantificação do risco de metástases em GNS pode ser determinada pela utilização de ferramentas preditivas, disponíveis online, ou pela definição de critérios institucionais, que se adaptem às práticas e à realidade de cada Centro.

Se considerarmos a possibilidade de não realizar EA quando o GS está metastizado, outros detalhes da actividade clínica devem ser ponderados. São exemplos a utilidade da ecografia axilar e/ou da citologia de gânglios ecograficamente suspeitos, ou a utilidade do exame extemporâneo do GS.

O estadiamento ganglionar de doentes com CM, e o que devemos fazer à axila, devem ser individualizados e pensados para cada doente em particular.


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