A PTHi pode prever as variações do Cálcio após Tiroidectomia Total?
INTRODUÇÃO
A hipocalcemia pós-operatória é a complicação mais frequente nos pacientes
submetidos a tiroidectomia total. A sua incidência na literatura é altamente
variável, com valores descritos entre os 10 e os 60%.[1,2,3,4,6,7,8,10,
11,12,13] Habitualmente resulta da lesão intra-operatória das glândulas
paratiróides, seja por desvascularização, manipulação excessiva ou remoção
inadvertida.[2,3,7, 12,13] A grande maioria das hipocalcemias são transitórias
e ligeiras, mas num pequeno número de casos podem ser permanentes ou graves.
[1,3,4,7,11,12]
Actualmente, a preocupação crescente com a gestão de custos hospitalares
favorece a realização de intervenções cirúrgicas em regime de ambulatório e a
tiroidectomia total não é excepção. No entanto, a hipocalcemia pós-operatória é
um dos principais obstáculos à alta do doente até às 24h após a cirurgia.
[1,2,5,9,10,12] A hipocalcemia e os sintomas associados a hipocalcemia
geralmente manifestam-se nas primeiras 24 a 48h após cirurgia, mas podem ser
mais tardios e surgirem até ao 4º dia pós-operatório.[1,2,3,5,6,7,12]
Não é fácil identificar os doentes mais susceptíveis de desenvolverem esta
complicação. É essencial encontrar factores preditivos, com elevada acuidade,
que identifiquem os doentes com maior risco de desenvolverem uma hipocalcemia
clinicamente relevante. Na ausência destes factores preditivos, os doentes
devem ser submetidos a uma monitorização rigorosa, com múltiplas determinações
do cálcio sérico, o que pode prolongar o seu internamento hospitalar.
[1,2,3,5,7,9,10,12] Nos últimos anos, vários parâmetros bioquímicos foram
avaliados como preditores do desenvolvimento de hipocalcemia pós-operatória.
Nomeadamente, o cálcio total, o cálcio ionizado, a vitamina D activada, a PTHi,
as variações temporais destes parâmetros ou a combinação de alguns deles. A
PTHi por ser o principal mediador da homeostasia do cálcio e por apresentar uma
semi-vida curta com possibilidade de uma previsão precoce, tem sido
extensamente avaliada na literatura com resultados muito promissores.
[1,2,3,4,5,6,7,8,10,11,12]
A Unidade Funcional de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital de Braga já
utilizava um protocolo de reposição de cálcio e calcitriol após tiroidectomia
total, baseado em determinações seriadas do cálcio total. Este protocolo
permitia que todos os doentes submetidos a tiroidectomia total tivessem alta no
primeiro dia pós-operatório. Apenas exceptionalmente alguns doentes foram
reinternados para reposição com gluconato de cálcio por via endovenosa. No
entanto, todas as tiroidectomias totais eram realizadas em regime de
internamento. Com o objectivo de tentar melhorar os resultados obtidos
anteriormente e de permitir a identificação dos doentes que podiam ser
submetidos a tiroidectomia total em regime de ambulatório, de forma segura, o
protocolo utilizado foi adaptado para incluir determinações da PTHi e do cálcio
ionizado.
MATERIAIS E MÉTODOS
Foi realizado um estudo prospectivo através da análise de 100 tiroidectomias
totais sucessivas realizadas no período entre Novembro de 2008 e Novembro de
2009.
Técnica cirúrgica
Todas as cirurgias foram realizadas pelos dois elementos da Unidade Funcional
de Cirurgia de Cabeça e Pescoço ou por internos de formação específica sob
supervisão. Foi utilizada uma técnica cirúrgica padronizada que incluía a
dissecção extracapsular da glândula tiróide bilateralmente e a identificação de
pelo menos uma das glândulas paratiróides em cada um dos lados. Em caso de
remoção inadvertida de uma das glândulas paratiróides era realizada a sua
reimplantação no músculo esternocleidomastoideu. Para além das tiroidectomias
totais simples, foram incluídas as tiroidectomias totais associadas a
esvaziamentos ganglionares.
Protocolo
Foi adaptado o protocolo da Unidade Funcional de Cirurgia de Cabeça e Pescoço
para a reposição de cálcio e calcitriol após tiroidectomia total. Para além das
determinações do cálcio total já realizadas, foram acrescentadas as
determinações da PTHi e do cálcio ionizado no pré-operatório, às 12 e 24h após
a cirurgia.
Em todos os casos foi realizada a reposição profilática com gluconato de cálcio
endovenoso às 6, 12, 18 e 24h após cirurgia, como realizado anteriormente.
Depois das primeiras 24h todos os doentes sem necessidade de terapêutica com
gluconato de cálcio endovenoso tiveram alta. A necessidade de reposição, a
posologia da terapêutica com cálcio e calcitriol per os para o ambulatório e a
periodicidade das determinações subsequentes do cálcio total, foram definidas
com base nas variações dos valores de cálcio total.
Métodos analíticos
O cálcio total plasmático foi determinado por espectrofotometria e os seus
valores de referência no nosso hospital variam de acordo com a idade do doente.
O valor plasmático do cálcio ionizado foi determinado por eléctrodo selectivo
de iões e os seus valores de referência variam entre 1,11-1,30mmol/L.
O valor plasmático da PTHi foi determinado por electroquimioluminescência e os
valores de referência variam entre 15-65pg/ml. A taxa de declínio da PTHi foi
calculada de acordo com a seguinte fórmula: [(PTHi pré-operatória - PTHi
pós-operatória) / PTHi pré-operatória] x 100.
As hipocalcemias foram classificadas quanto ao seu aparecimento, duração e
gravidade. As hipocalcemias precoces foram aquelas que surgiram nas primeiras
24h após a cirurgia e as tardias, as que surgiram após este período. Foram
definidas como hipocalcemias transitórias aquelas que resolveram sem
necessidade adicional de reposição com cálcio per os no máximo até aos 6 meses
após cirurgia e como permanentes, as que persistiram ou mantiveram a
necessidade de reposição após os 6 meses. Em relação à gravidade, as
hipocalcemias severas foram aquelas que atingiram em alguma altura um valor
inferior a 7 mg/dl ou a 0,96mmol/L conforme se considere o cálcio total ou o
cálcio ionizado, respectivamente.
Métodos estatíticos
Os dados recolhidos de forma prospectiva foram analisados através do SPSS®
versão 17.0. Um valor de p < 0,05 foi considerado como estatisticamente
significativo. Foi realizada uma comparação entre o cálcio total e o cálcio
ionizado como parâmetros para o diagnóstico de hipocalcemia através do teste t
de Student. Foram determinados factores de risco de hipocalcemia através de uma
regressão logística binominal. Por último, foi determinada a acuidade de uma
PTHi < 15pg/ml e da sua taxa de declínio para preverem uma hipocalcemia no pós-
operatório, com recurso a curvas ROC.
RESULTADOS
Dos 100 doentes incluídos no estudo, a maioria eram do sexo feminino (sexo
feminino - 87, sexo masculino - 13) e a idade variou entre os 22 e
os 88 anos, com um predomínio de doentes na sexta década de vida. A causa mais
frequente para a realização de tiroidectomia total foi o Bócio Multinodular
(BMN), sendo responsável por 50 cirurgias. Um total de 25 cirurgias foram
realizadas devido a patologia maligna (Carcinoma Papilar - 21, Carcinoma
Medular - 4) e as restantes devido a tumor folicular em BMN (n = 22) e
Doença de Graves (n = 3). Na maioria dos casos foi realizada uma tiroidectomia
total simples (n = 78) e nos restantes casos, devido ao diagnóstico pré-
operatório de malignidade, esta foi associada a esvaziamentos ganglionares
(esvaziamento central - 20, esvaziamento central e lateral - 2).
A hipocalcemia pós-operatória foi definida como um valor de cálcio abaixo dos
valores de referência do cálcio total ou do cálcio ionizado, em qualquer altura
do pós-operatório. Se considerarmos os valores do cálcio total, a hipocalcemia
pós-operatória ocorreu em 50% dos casos. Se considerarmos os valores do cálcio
ionizado, foi diagnosticada uma hipocalcemia em 60% dos casos.
Independentemente do parâmetro utilizado, a grande maioria das hipocalcemias
foram precoces, não severas e todas elas transitórias. Todos os doentes tiveram
alta no primeiro dia pós-operatório e apenas 5 foram reinternados para
terapêutica com gluconato de cálcio endovenoso.
Para avaliarmos se existia alguma diferença entre a utilização do cálcio total
ou do cálcio ionizado para a definição de hipocalcemia pós-operatória,
comparamos os resultados destes dois parâmetros através do teste t de Student.
Verificamos que na nossa série não existia diferença estatisticamente
significativa entre eles (p > 0,05).
Para identificarmos factores de risco para hipocalcemia pós-operatória na nossa
série, realizamos uma regressão logística binominal incluindo factores de risco
amplamente descritos na literatura como predisponentes para hipocalcemia. Foram
considerados um valor de PTHi > ou < a 15pg/ml às 12 e 24h após cirurgia, o
número de paratiróides identificadas intra-operatoriamente, o diagnóstico que
motivou a cirurgia ter um carácter benigno ou maligno e a realização de uma
tiroidectomia total simples ou associada a qualquer tipo de esvaziamento
ganglionar. Da análise realizada, verificou-se que de todos os factores
considerados, apenas um valor de PTHi < 15pg/ml às 12h após cirurgia acarretou
uma aumento do risco de desenvolvimento de hipocalcemia estatisticamente
significativo.
Para além de avaliar se um valor de PTHi inferior aos seus valores de
referência aumenta o risco de desenvolvimento de hipocalcemia pós-operatória, é
essencial avaliar com que acuidade é que a PTHi prevê essa alteração. Quanto
maior for a acuidade menor será a taxa de falsos negativos.
No nosso estudo, a acuidade da PTHi para prever o desenvolvimento de
hipocalcemia pós-operatória foi determinada com recurso a curvas ROC. Foram
analisados os seus valores às 12 e 24 h após cirurgia e também a sua taxa de
declínio, através da fórmula [(PTHi pré-operatória - PTHi pós-operatória)
/ PTHi pré-operatória]
Foi constatado que uma PTHi < 15pg/ml às 12h e 24h após cirurgia apresentava
uma acuidade baixa a intermédia para prever a ocorrência de hipocalcemia. No
entanto, nas determinações às 24h esta acuidade aumenta na previsão de
hipocalcemias severas. Estas hipocalcemias são precisamente aquelas que
implicam um prolongamento do internamento do doente.
A taxa de declínio da PTHi no pós-operatório apresentava uma acuidade baixa na
previsão do aparecimento de hipocalcemia.
DISCUSSÃO
Nos últimos anos, os avanços na técnica cirúrgica de tiroidectomia total
levaram a uma diminuição acentuada das complicações pós-operatórias graves. No
entanto, a hipocalcemia pós-operatória continua a ser um factor limitante do
encurtamento do tempo de internamento e da realização de tiroidectomias totais
em regime de ambulatório.[1,2,4,5,9,10,12]
Na literatura, foram descritos vários factores associados a um maior risco de
desenvolvimento de hipocalcemia. Nomeadamente, a idade do doente, o sexo do
doente, o número de glândulas paratiróides identificadas, a presença de
hipertiroidismo, o diagnóstico de malignidade e a realização de uma
tiroidectomia total associada a esvaziamento ganglionar.[4,8,9,10,11,12,13] No
nosso estudo avaliamos como factores de risco para hipocalcemia o número de
paratiróides identificadas intra-operatoriamente, o diagnóstico que motivou a
cirurgia ter um carácter benigno ou maligno e a realização de uma tiroidectomia
total simples ou associada a qualquer tipo de esvaziamento ganglionar. Nenhum
deles demonstrou um aumento de risco para hipocalcemia. Estes resultados podem
ser explicados pelo facto de todas as cirurgias terem sido realizadas pelos
dois elementos da Unidade Funcional de Cirurgia de Cabeça e Pescoço ou por
internos de formação específica sob supervisão, utilizando uma técnica
cirúrgica padronizada. Diversos estudos têm demonstrado existir uma relação
entre a menor morbilidade após cirurgia da glândula tiróide e a maior
experiência e formação especializada dos cirurgiões.[14]
O doseamento pós-operatório do cálcio e as suas variações têm sido amplamente
utilizados em muitas instituições para determinar a presença de hipocalcemia e
prever a sua gravidade. Isto exige uma monitorização rigorosa, com múltiplas
determinações do cálcio sérico, o que pode prolongar o tempo de internamento
hospitalar. [1,2,3,6,7,9,10,12] Alguns estudos defendem que deve ser utilizado
o cálcio ionizado e não o cálcio total para a definição de hipocalcemia, visto
que este último pode ser influenciado em algum grau pela hemodiluição pós-
operatória.[12] Segundo outros estudos, na maioria dos casos o cálcio total
reflecte de maneira aceitável a quantidade de cálcio livre sérico e é usado
habitualmente pelas instituições.[13] No nosso hospital, o nosso protocolo de
reposição de cálcio após tiroidectomia total utilizava os valores de cálcio
total. Verificamos que na nossa série não existia uma diferença
estatisticamente significativa entre a utilização do cálcio total ou cálcio
ionizado para a definição de hipocalcemia pós-operatória.
A utilização da PTHi para prever a hipocalcemia após tiroidectomia total tem
sido um tema extensamente abordado na literatura recente. Com muitos autores a
demonstrarem uma relação entre o níveis da PTHi após tiroidectomia e o
desenvolvimento de hipocalcemia.[1,2,3,4,5,6,7,8,9,10,12] No entanto, a
definição de um protocolo pós-operatório que inclua a PTHi, eficaz e seguro e
que permita uma alta precoce até às 24h pós-operatórias, não é fácil. Não
existem guidelines que definam a melhor altura para determinar a PTHi no pós-
operatório. Para além disso, nos estudos publicados existe uma grande
heterogeneidade de valores de cut off utilizados.[2,3,6,7,9,10,11] Analisando
os nossos resultados, verificamos que um valor de PTHi < 15pg/ml às 12h após
cirurgia nos permite identificar os doentes com um maior risco de desenvolver
uma hipocalcemia. No entanto, a PTHi < 15pg/ml às 12h e 24h após cirurgia
apresenta uma acuidade baixa a intermédia para prever a ocorrência de
hipocalcemia. Nas determinações às 24h esta acuidade aumenta na previsão de
hipocalcemias severas. Estas hipocalcemias são precisamente aquelas que
implicam um prolongamento do internamento do doente. Estes resultados sugerem
que a determinação isolada de uma PTHi < 15pg/ml não tem acuidade suficiente
para determinar os doentes em risco de desenvolverem hipocalcemia pós-
operatória, embora apresente uma melhor acuidade na previsão de hipocalcemias
severas, quando presente às 24h após cirurgia.
Uma das limitações deste estudo é o facto de todos os pacientes terem sido
submetidos a reposição profilática com gluconato de cácio endovenoso às 6, 12,
18 e 24h após cirurgia. Para além disso, a suplementação com cálcio e
calcitriol per os para o domicílio foi decidida tendo em conta apenas os
valores do cálcio total, independentemente do valor da PTHi.
CONCLUSÃO
É lícito utilizar os valores do cálcio total sérico nos protocolos de reposição
de cálcio após tiroidectomia total.
A realização da tiroidectomia total por uma equipa dedicada e com formação
especializada diminui a influência de alguns factores intra-operatórios no
desenvolvimento de hipocalcemia pós-operatória.
A PTHi tem um papel promissor na previsão precoce do desenvolvimento de
hipocalcemias após tiroidectomia total. No nosso estudo a PTHi não nos permitiu
identificar de uma forma inequívoca os doentes que poderiam ter beneficiado,
sem riscos acrescidos, da realização de uma tiroidectomia total em regime de
ambulatório. Para além disso, a sua utilização isolada não iria melhorar os
resultados já obtidos com as determinações do cálcio total e a sua determinação
implica custos que não são negligenciáveis.
São necessários outros estudos em que a PTHi seja utilizada para definir
diferentes grupos de risco para hipocalcemia, isoladamente ou em conjunto com o
cálcio total e em que o tratamento com o cálcio e o calcitriol seja realizado
de acordo com esse risco. Para além disso, podem ser considerados outros
timings após a cirurgia para a sua determinação e podem ser utilizados outros
valores de cut off. Uma utilização eficaz da PTHi, com uma única determinação
pós-operatória de elevada acuidade, pode evitar múltiplas determinações
seriadas do cálcio e permitir a tiroidectomia total em regime de ambulatório,
acabando por ser economicamente vantajosa.