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EuPTCVHe1646-69182015000100006

EuPTCVHe1646-69182015000100006

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN1646-6918
ano2015
Issue0001
Article number00006

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Traumatismo penetrante dos vasos subclávios: revisão da literatura a propósito de um caso clínico

INTRODUÇÃO A lesão dos vasos subclávios constitui um desafio diagnóstico e terapêutico. O seu difícil acesso anatómico e a sua baixa incidência contribuem para a pouca experiência da maioria dos cirurgiões no seu tratamento e abordagem [1,2,3].

Em 3% dos traumatismos penetrantes do pescoço e tórax lesão dos vasos subclávios e em 20% dos casos, o envolvimento é arterial e venoso [2,4]. O indivíduos mais frequentemente afetados são jovens do sexo masculino (20-40 anos)[3].

A mortalidade do traumatismo penetrante com lesão dos vasos subclávios atinge os 60% em contexto pré-hospitalar e 5-30% de mortalidade cirúrgica [1,2].

São fatores determinantes de sobrevivência o mecanismo de lesão, a rapidez de acesso ao centro de trauma e o tipo de estruturas lesadas. A mortalidade associada às lesões venosas é superior à das lesões arteriais (82 vs 60%), devido à maior perda de volume sanguíneo e à embolização gasosa que lhe estão associadas [1].

A eficiente exposição dos vasos subclávios é um fator determinante na adequada e atempada reparação da lesão [1]. A abordagem transclavicular constitui uma alternativa mais rápida de acesso aos vasos subclávios por comparação com as toracotomias clássicas.

A propósito de um caso clínico de traumatismo penetrante da região supraclavicular direita abordado por via transclavicular, os autores fazem uma revisão bibliográfica sobre a abordagem cirúrgica das lesões penetrantes dos vasos subclávios.

CASO CLÍNICO Homem de 19 anos, vítima de agressão por arma branca que à entrada no Serviço de Urgência apresentava 2 feridas: uma supraclavicular direita (Figura_1A) e outra na face lateral do hemitórax direito. Encontrava-se normotenso, taquicárdico e eupneico. Sem sinais de isquemia do membro superior, com pulso radial palpável. Efetuou radiografia de tórax com evidência de pneumotórax.

Dada a presença de hemorragia ativa com ponto de partida na ferida supraclavicular o doente foi transferido para o bloco operatório. Após indução anestésica foi submetido a toracostomia, tendo-se feito drenagem de pneumotórax e hemotórax de pequeno volume (cerca de 100 cc de sangue). Optou-se por uma abordagem transclavicular direita, com desarticulação esternoclavicular, secção da inserção clavicular dos músculos esternocleidomastóideo e grande peitoral e luxação inferior da clavícula (Figura_1B/C). Esta manobra permitiu a exposição dos vasos subclávios na sua origem, constatando-se lesão da veia subclávia proximal à confluência com a jugular interna (Figura_1D). Efectuou-se rafia primária sob clampe de Satinsky com Prolene 6 0' (Figura_2A/B).

O encerramento da ferida operatória foi efetuado após fixação da articulação esternoclavicular com ponto transfixivo de Nylon 0 e sutura do grande peitoral e esternocleidomastoideu ao periósteo da clavícula. Foi deixado um dreno de silastic ao contacto com a reparação vascular. No total, foram efetuadas no intra-operatório 3 unidades de concentrado eritrocitário e 2 unidades de plasma.

No dia de pós-operatório verificou-se a presença de edema generalizado do membro superior direito sem compromisso vascular, neurológico ou funcional, apesar da instituição de enoxaparina em dose profilática. Eco-Doppler excluiu trombose venosa. O doente teve alta ao dia de pós-operatório, tendo-se verificado uma melhoria progressiva do edema que não se encontrava presente ao fim de um mês.

Como morbilidade pós-operatória a referir infeção da ferida operatória que foi tratada em ambulatório com antibioterapia de largo espectro (amoxicilina e ácido clavulânico).

DISCUSSÃO A abordagem cirúrgica clássica dos vasos subclávios (Zona I cervical) defendida por Schaff faz depender a incisão do lado onde se verifica a lesão: à direita defende a abordagem por esternotomia associada a incisão supraclavicular; à esquerda por toracotomia anterior associada a incisão supraclavicular ou, nas situações menos urgentes em que o tempo despendido no posicionamento do doente não é determinante, por toracotomia posterolateral (Figura_3) [5]. Esta via de abordagem encontra-se associada com maior tempo operatório, maior volume de perdas hemáticas, dor e insuficiência respiratória pós-operatórias [1,2].

A primeira referência a uma abordagem dirigida aos vasos subclávios data de 1818 em que V. Mott descreve a incisão cervical em V. O primeiro relato de excisão clavicular surge posteriormente em 1859 com Cooper. Várias técnicas de exposição dos vasos subclávios e inominados emergiram ao longo dos anos, tendo em 1929 Greenough publicado um artigo que relata 17 técnicas para esse efeito [6].

Para o adequado controlo de um foco hemorrágico existem 2 princípios cirúrgicos básicos a cumprir, o controle proximal à lesão e sua adequada exposição [7]. A via transclavicular permite abordar os dois terços distais dos vasos subclávios cumprindo estes princípios [7].

Esta abordagem consiste numa incisão supra-clavicular com prolongamento para o sulco deltopeitoral (Figuras_2A,2C) associada a ressecção parcial do terço médio da clavícula ou desarticulação esternoclavicular, que é independente do lado da lesão (Figura_4). Segundo os autores esta via permite o controle dos dois terços distais dos vasos subclávios, podendo no entanto necessitar de uma esternotomia acessória nos casos de lesão vascular mais proximal ao confluente arteriovenoso [1,2,4]. A grande vantagem desta abordagem é o rápido acesso ao foco hemorrágico, limitando assim a mortalidade associada à hipovolémia [1].

O traumatismo penetrante na imediação de estruturas vasculares centrais resulta habitualmente na lesão das mesmas [3]. A região periclavicular é rica em estruturas neurovasculares, pelo que o traumatismo penetrante desta região deve fazer suspeitar de lesão destas estruturas [3].

A abordagem inicial do doente com traumatismo penetrante nesta localização vai depender da sua estabilidade hemodinâmica e dos sinais clínicos de isquemia do membro [1,2,4] (Figura_5).

Os doentes em paragem cardiorrespiratória têm indicação para toracotomia emergente, apesar de esta associar a uma taxa de mortalidade que se aproxima dos 100% [1].

Os doentes hemodinamicamente instáveis têm indicação cirúrgica emergente, sendo preconizada a abordagem clássica: esternotomia mediana com extensão supraclavicular em lesões localizadas à direita e toracotomia anterolateral esquerda transclavicular em lesões à esquerda [1-4,8,11].

Os doentes hemodinamicamente estáveis devem ser avaliados clinicamente tendo em atenção à presença de de pulso, sopros, hematoma em expansão, atraso no esvaziamento capilar e défices neurológicos [1-4,8]. É importante ter em conta que em 40-50% dos casos de lesão da artéria subclávia o pulso periférico mantém-se palpável à custa de circulação arterial colateral proximal (artérias supraescapular e escapular dorsal) e distal (artérias subescapular e circunflexa escapular) à lesão [3]. Sendo assim, os que apresentam sinais de alto risco para lesão vascular (hemorragia arterial, ausência de pulso, hematoma em expansão, presença de frémito à palpação ou sopro à auscultação e sinais de isquemia do membro) devem ser ser abordados por via clássica ou, quando se suspeite de lesão distal dos vasos subclávios, por via transclavicular. Na ausência de sinais de alto risco, mas com sinais suspeitos para lesão vascular, deverão ser submetidos a avaliação imagiológica. Este estudo poderá ser feito por angiografia, eco-Doppler ou angio-CT [1,8]. A angiografia é considerada o exame gold-standardpara a avaliação de lesões vasculares, permitindo o diagnóstico e, em alguns casos, uma atitude terapêutica [1]. No entanto, trata-se de um exame invasivo, pouco disponível, apenas indicado em doentes hemodinamicamente estáveis e que está associado a complicações em 1% dos casos (hematoma no local de punção arterial, espasmo vascular, reações alérgicas ao contraste, lesões da íntima, embolização de placas de ateroma e sépsis) e a falsos negativos e positivos em 3% dos casos [9]. O eco-Doppler e angio-CT apresentam como vantagens serem menos invasivos, encontrarem-se amplamente disponíveis, permitindo ainda a sua realização à cabeceira do doente, no caso do eco-Doppler, e a exclusão de outras lesões, no caso da angio-CT [1,3]. Atualmente, uma das principais vantagens do uso da angiografia no contexto do traumatismo penetrante dos vasos subclávios é a abordagem endovascular de complicações como a fístula arteriovenosa ou o falso aneurisma [1,2,10].

Quanto ao tipo de reparação vascular a efetuar, esta vai depender da etiologia da lesão (arterial, venosa ou mista) [1,2].

Se a lesão for arterial, na maioria dos casos é possível efetuar a reparação primária através rafia lateral ou anastomose termino-terminal (Figura_6). Em lesões arteriais mais extensas, poderá ser necessária a interposição de um enxerto vascular protésico ou autólogo (veia safena) [1,2]. Os defensores da utilização de enxertos protésicos referem como vantagem o menor tempo operatório [1], enquanto a utilização do enxerto de veia safena está associada a um menor risco de infeção, complicação frequente no pós-operatório destes doentes (21% dos casos) [2].

Se a lesão for venosa, está indicada a sua reparação primária desde que esta não condicione estenose ou necessidade de enxerto. Quando estas condições não estão garantidas dever-se-á proceder à laqueação [1,2,7].

As lesões venosas associam-se a uma maior mortalidade devido à maior perda de volémia e propensão à embolização gasosa [1], pelo que o fator tempo na reparação da lesão é determinante. Por outro lado, verifica-se que 50% dos doentes submetidos a reparação venosa apresentam trombose venosa a curto/ médio prazo [1]. Sendo assim, em lesões venosas de difícil reparação primária ou nos casos de lesão arterial associada está preconizada a laqueação venosa. A morbilidade associada a este procedimento é o edema do membro, que habitualmente não compromete a sua função e é transitória [1,2,7].

Apesar da elevada mortalidade inicial, 80% dos doentes apresentam as reparações/reconstruções vasculares patentes a longo prazo. A principal causa de morbilidade tardia são as lesões neurológicas e de partes moles que condicionam perda de função e amputação do membro em 33% dos casos [2,3,4].

No caso apresentado, a presença de sinais de alto risco para lesão vascular (hemorragia ativa) em doente com traumatismo penetrante da região supraclavicular determinou a necessidade de intervenção cirúrgica emergente. A opção pela via de acesso transclavicular foi determinada pela localização e mecanismo da lesão (arma branca de pequenas dimensões), sugerindo lesão limitada aos vasos retroclaviculares distais. Optou-se pela desarticulação esternoclavicular com luxação inferior da clavícula por ser mais rápida e estar associada a menor compromisso funcional do que a secção clavicular. Esta via permitiu um rápido acesso ao foco hemorrágico com adequada exposição e controlo da veia subclávia que se encontrava lesada junto à sua origem, sem necessidade de esternotomia acessória. A opção pela reparação primária da lesão venosa prendeu-se com o tipo de lesão encontrada e idade do doente, uma vez que se tratava de uma lesão lateral de pequenas dimensões da veia subclávia direita a nível da confluência com a jugular interna, em que a rafia da veia permitiu evitar o edema do membro num indivíduo jovem, sem condicionar aparente estenose do lúmen venoso ou prolongar tempo operatório. Em termos funcionais, a reparação efetuada não comprometeu a mobilidade do membro superior mantendo o doente toda a função da cintura escapular e o edema verificado no pós- operatório imediato resolveu espontaneamente, encontrando-se a reconstrução patente como verificado por eco-Doppler. A única morbilidade pós-operatória a assinalar foi a infeção da ferida operatória, frequente neste contexto, passível de tratamento em ambulatório.

CONCLUSÃO O traumatismo penetrante dos vasos subclávios é pouco frequente e o sucesso do seu tratamento depende do rápido diagnóstico e acesso aos vasos lesados.

O diagnóstico depende de um elevado grau de suspeição face a lesão penetrante da região periclavicular. A abordagem cirúrgica está indicada na maioria dos casos, sendo determinada pela instabilidade hemodinâmica ou pela presença de sinais de alto risco para lesão vascular. Os restantes casos deverão ser mantidos em vigilância, obrigando no entanto a um estudo imagiológico adequado.

Nos doentes em que suspeita de lesão limitada aos vasos subclávios distais, a via transclavicular pode ser uma alternativa à abordagem clássica das lesões da zona I cerviucal que permite uma rápida e adequada exposição vaso lesado.

Apesar de em 50% dos casos poder necessitar de uma esternotomia acessória para exposição vascular proximal, esta é efetuada com maior tranquilidade com o foco hemorrágico adequadamente controlado.


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