Reconhecer os limites da revascularização: reflexão sobre 3 anos de experiência
em amputações de um centro cirúrgico
INTRODUÇÃO
A revascularização é o tratamento de eleição para a isquemia crítica dos
membros inferiores. Os parâmetros que habitualmente avaliamos quando intervimos
nesse sentido são: o tempo de permeabilidade do bypass ou tratamento
endovascular, as taxas de limb salvage, o tempo de sobrevida dos doentes. No
entanto, estes parâmetros mais técnicos têm pouco significado para um indivíduo
quando este desconhece se poderá conseguir readquirir a sua capacidade de
deambulação ou mesmo de retornar à sua profissão.[1]
Estão a ser continuamente desenvolvidas novas ferramentas que permitem, por um
lado, garantir um sucesso terapêutico mais prolongado e, por outro, o
tratamento de estruturas vasculares que antes se pensavam inacessíveis.
Tratamentos bem sucedidos nem sempre cursam com melhoria imediata da autonomia
e capacidade de deambulação, podendo verificar-se a perpetuação de um estado de
convalescência e um maior compromisso da reabilitação.
A amputação, nomeadamente major, é frequentemente vista como um insucesso.
Pode, no entanto, representar um tratamento definitivo para uma patologia
crónica causadora de sofrimento prolongado, por vezes ele próprio mais
incapacitante.[2,3,4,5]
O grupo TASC faz a recomendação para que questionários de quality of life (QOL)
façam parte do processo de avaliação dos nossos doentes no sentido de apreciar
o impacto, tanto da doença arterial periférica como dos tratamentos efectuados,
na vida do doente.[6]
Após o estudo de múltiplos factores intervenientes, os parâmetros que parecem
determinar a qualidade de vida dos doentes incluem: comorbilidades; dor
fantasma[7]; factores relacionados com a capacidade de deambulação[8,9].
São múltiplos os questionários utilizados na comunidade científica para
descrever e estudar parâmetros de QoL. Alguns dos mais validados incluem: PGI
(Patient Generated Index); GQPLA (The Groningen Questionnaire Problems after
Leg Amputation); RAND-DLV ou SF-36 (Short form Health Survey).
Embora a amputação major possa ser benéfica como tratamento definitivo para um
indivíduo com um processo isquémico avançado e irreversível, a perda de um
membro faz-se sempre acompanhar de uma perda de independência, o que poderá ter
um impacto severo na qualidade de vida do doente. Existem muitos estudos que
avaliam parâmetros de QOL, sendo que a maioria compara amputação com limb
salvage. Alguns com resultados que favorecem a amputação major[10], outros que
favorecem a revascularização.[11,7] Outros não verificaram diferença[12,2,3,4]
Face a um panorama futuro de possibilidades quase ilimitadas para
revascularização, quando deveremos nós, cirurgiões vasculares, desistir de
tentar revascularizar e optar por uma amputação major? Será possível devolver
qualidade de vida com esta atitude terapêutica?
MÉTODOS E RESULTADOS
Foi feita uma pesquisa bibliográfica sobre a temática da qualidade de vida em
doentes amputados, utilizando bases de dados informáticas disponíveis online
através do uso de palavras chave e procura de referências nos artigos obtidos.
Foi efectuada uma apreciação retrospectiva dos últimos 3 anos (Janeiro de 2009
a Janeiro de 2012) de experiência de amputações realizadas no serviço de
Angiologia e Cirurgia Vascular do Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia, assim
como uma análise comparativa dos doentes previamente revascularizados e não
revascularizados.
Foi possível a caracterização da população estudada no referido período, com
avaliação da sua morbimortalidade.
Foi aplicado um questionário sobre qualidade de vida ao grupo que foi submetido
a amputações major, com o intuito de averiguar se a revascularização prévia
representou um acréscimo da mesma. São exploradas questões como a capacidade
física, autonomia, dor, a vitalidade, a socialização, o estado emocional e a
auto-percepção do doente em relação ao seu estado de saúde.
No questionário foram aplicados conceitos adaptados à realidade da patologia
vascular a partir de diversos questionários existentes, sendo que o SF-36
pareceu-nos ser o mais completo. Foram elaboradas questões mais direcionadas
para a patologia vascular e com menos hipóteses de resposta (múltipla), assim
como foram adicionadas questões específicas do âmbito da especialidade. Neste
trabalho os parâmetros foram analisados como variáveis independents e não para
obtenção de um score. O questionário foi aplicado por contacto telefónico e
inclui as seguintes questões apresentadas:
> Percepção do doente em relação à sua saúde:
1. De um modo geral, diria que a sua saúde é…
2. Comparativamente há um ano atrás a sua saúde agora é…
3. Acha que adoece mais facilmente do que os outros?
4. Acha que é tão saudável como os outros?
5. A sua saúde é excelente?
6. Dentro de 1 ano espera que a sua saúde…
> Capacidade funcional:
7. Carregar e levar objectos com as 2 mãos
8. Subir vários lanços de escadas
9. Subir um lanço de escadas
10. Agachamento
11. Caminhar 1 Km
12. Caminhar centenas de metros
13. Caminhar 100 m
14. Tomar banho e vestir-se sozinho
15. Outras actividades de vida diária (buscar um copo de água, alimentar-se, …)
> Âmbito das actividades diárias de trabalho ou lazer:
• Devido à limitação física,
16. Faz menos do que gostaria?
17. Faz pior ou com mais dificuldade?
• Devido à limitação emocional,
18. Faz menos do que gostaria?
19. Faz pior ou com mais dificuldade?
> Âmbito da socialização:
20. Após a amputação de que modo o seu estado de saúde, a sua capacidade física
ou o seu estado emocional afectaram o contacto com amigos e familiares?
COMPONENTE EMOCIONAL
> Com que frequência costuma sentir-se:
21. Nervoso
22. Triste
23. Deprimido, de forma que nada o alegrava
24. Calmo
25. Cheio de energia
26. Desgastado física e psicologicamente
27. Cansado
28. Feliz
29. Compromisso na deambulação pré-operatoriamente
30. Compromisso na deambulação pós-operato-riamente
> Dor
31. Presença de dor fantasma
32. Intensidade da dor pós amputação
33. Interferência na actividade diária pela dor
34. Protetização
Dada a elevada quantidade de resultados obtidos neste trabalho são apresentados
apenas aqueles cuja análise estatística teve significância estatística
(p<0,05). Como excepção são também apresentados alguns resultados relevantes
que se aproximam desta significância, sendo estes assinalados de acordo.
Durante 3 anos 212 indivíduos foram amputados (92 de tipo minor, 120 major). A
média de idades é de 70,83 anos. A distribuição de idades por estrato etário é
apresentada no GRÁFICO 1.
| GRÁFICO 1 | Distribuição de idades (por estratos)
Cerca de dois terços (66%) são do sexo masculino.
Relativamente ao contexto de amputação inicial, a isquemia grau IV, de acordo
com a classificação de Leriche-Fontaine, verificou-se na maioria dos indivíduos
(86,8%). Em 6,6% o contexto de amputação foi a isquemia aguda em estadio
irreversível ou sem indicação para revascularização (na maioria dos casos por
estados avançados de dependência). Sintomas em repouso motivaram amputação em
5,7% e estes incluiram maioritariamente quadros isquémicos sem alternativas de
revascularização. Traumatismo verificado apenas em 2 casos.
Não se verificou predomínio de lateralidade (Direito=45,8%; Esquerdo=53,3%;
Bilateral no internamento inicial=0,9%)
Existiu um ligeiro predomínio da amputação em ambiente electivo, 59,4%, tendo
sido as restantes 40,6% das amputações realizadas em âmbito de urgência. Pouco
menos de metade dos doentes (46,2%) apresentavam descrita infecção associada no
momento do procedimento.
As amputações primárias incluiram 47,6% da nossa população. Dos que foram
previamente revascularizados (52,4%), 41,2% foram submetidos a cirurgia aberta,
50,9% submetidos a tratamento endovascular, 7,9% foram submetidos a uma
combinação destes tratamentos.
Verificou-se um ligeiro predomínio de amputações major (56,6%).
A média de número de internamentos relacionados com o membro inicialmente
afectado é de 1,96.
Optou-se por apenas contabilizar o número de internamentos relativos a
tratamentos unicamente do membro inicialmente amputado no sentido de diminuir
os vieses obtidos para individuos com amputações bilaterais.
A amputação mais vezes realizada foi de tipo major, acima do joelho, seguida da
amputação de dedos. Os resultados relativos ao nível de amputação estão
apresentados no GRÁFICO 2.
| GRÁFICO 2 | Tipos de amputação
A prevalência dos factores de risco cardio-vascular são apresentados na TABELA
1. Verificou-se um predomínio da Diabetes Mellitus (63,7%) e Hipertensão
Arterial (64,6%).
| TABELA 1 | Prevalência dos factores de risco em percentagem
De referir que no parâmetro “Sim” para tabagismo consideraram-se não só os
indivíduos fumadores como também ex-fumadores.
Foi efectuada uma análise das complicações pós amputação assim como a
necessidade de novos internamentos ou novos tratamentos. Dadas as limitações
inerentes a um estudo retrospectivo e para fins de padronização não foi
efectuada uma divisão relativamente ao tipo de complicação, embora estas
contenham na sua maioria infecção do coto de amputação e/ou não cicatrização do
mesmo. Foram consideradas complicações do procedimento mortes precoces. Os
resultados relativos a estas frequências estão apresentados GRÁFICO 3.
| GRÁFICO 3 | Complicações
Considerou-se morte precoce ou peri-operatória aquela que ocorresse até 30 dias
após o procedimento cirúrgico. Neste trabalho verificou-se que a mortalidade
precoce foi de 11,3%.
A maioria dos indivíduos não teve qualquer complicação (68,4%) pós-
operatoriamente.
Relativamente à necessidade de re-amputação, esta verificou-se em apenas 12,7%
dos casos. Esta, por sua vez, foi na sua maioria do tipo major, acima ou abaixo
do joelho (40,7 e 29,6% respectivamente). As restantes frequências são
apresentadas na TABELA 2.
| TABELA 2 | Tipo de reamputação
A TABELA 3 refere-se à necessidade de amputação do membro contra-lateral, tendo
em conta o intervalo considerado neste trabalho. A maioria dos indivíduos não
tem ou teve necessidade desta amputação. No entanto 7,6% tiveram de ser
posteriormente amputados no membro contra-lateral (relativamente ao membro que
foi inicialmente amputado no intervalo considerado).
| TABELA 3 | Amputação do membro contra-lateral
A necessidade de nova revascularização verificou-se em 11,3%. Foi efectuada uma
análise descriminativa do sector ou sectores intervencionados. Estes foram
divididos em sector proximal, femoro-poplíteo e distal. Constatou-se que, no
que se refere ao primeiro episódio de amputação, neste caso amputações do tipo
secundário, o sector mais revascularizado foi o sector femoro-poplíteo '
havendo ainda uma percentam considerável relativas ao sector ou sectores mais
proximais ', na fase pós amputação, neste caso relativa aos casos de má
evolução cicatricial, o sector mais revascularizado foi, predominantemente, o
distal ou os 2 sectores mais distais (41,7 e 37,5% respectivamente). Estes
resultados estarão intimamente relacionados com o uso de técnicas de
angioplastia/stenting. Os dados relativos aos sectores revascularizados
encontram-se apresentados nos GRÁFICOS 4 e 5.
| GRÁFICO 4 | Sector Revascularizado Inicialmente
| GRÁFICO 5 | Sector Revascularizado Posteriormente
No grupo das amputações secundárias, tendo em conta o tipo de revascularização,
constata-se que existe uma associação estatística entre amputações minor e
revascularização do tipo endovascular; assim como existe uma maior percentagem
de amputações major no grupo revascularizado por via cirúrgica. No entanto,
esta maior taxa de limb salvage e também sobrevida, acarreta uma maior taxa de
complicações e maior necessidade de re-internamentos e re-intervenções, tanto
no sentido da revascularização como no da amputação. Estes dados são
apresentados nos GRÁFICOS 6, 7 e 8 e TABELA 4.
| GRÁFICO 6 | Necessidade de reamputação por tipo de revascularização inicial
| GRÁFICO 7 | Necessidade de revascularização pós amputação
| GRÁFICO 8 | Amputação com ou sem revascularização prévia
| TABELA 4 | Mortes por tipo de revascularização
Por sua vez, as amputações em âmbito de urgência são frequentemente primárias e
do tipo major e a este tipo está associada uma maior taxa de mortalidade (o que
parece estar associado com uma maior taxa de co-morbilidades e atingimento de
outros sectores vasculares, nomeadamente cerebral e cardíaco) | ver GRÁFICOS 9
e 10 |.
| GRÁFICO 9 | Âmbito de amputação
| GRÁFICO 10 | Âmbito de amputação
Quando avaliamos os dados obtidos por ano de trabalho vemos que em número
absoluto de amputações se mantiveram estáveis nos 3 anos analisados. No
entanto, e pensa-se que isto estará relacionado com o desenvolvimento de
técnicas de revascularização endovascular e o tratamento de sectores cada vez
mais distais, vemos que existe uma inversão da tendência no sentido das
amputações de tipo minor | ver GRÁFICO 11 | obtendo-se portanto, maiores taxas
de limb salvage.
| GRÁFICO 11 | Tipo de amputação por ano de trabalho
Neste estudo a taxa de mortalidade peri-operatória foi de 11,8/100/mês. De um
modo grosseiro a percentagem de falecidos após os 30 dias é de cerca de 20%. É
possível uma análise no decorrer do tempo de evolução pós operatório, através
do recurso a uma curva de sobrevida de acordo com o modelo de Kapplen-Meyer |
GRÁFICOS 12 e 13 |.
| GRÁFICO 12 | Outcomes sobrevida/mortalidade
| GRÁFICO 13 | Curva de Sobrevida
Relativamente à mortalidade, de acordo com o tipo de amputação considerada, é
fundamental ter em conta que os doentes foram seguidos por períodos de tempo
diferentes de modo que os dados relativos devem ser analisados cautelosamente,
sendo por este motivo mais fiável a mortalidade peri-operatória. A mortalidade
precoce das amputações acima do joelho foi de 18,1% portanto, de acordo com a
literatura[13]. Nenhum dos doentes submetidos a amputação abaixo do joelho (7
doentes) faleceu peri-operatoriamente e, mesmo no fim do tempo de seguimento, a
maioria se mantinha viva (5 doentes). Estes resultados estarão certamente
relacionados com o número reduzido de doentes neste grupo. A mortalidade
associada a amputações major bilaterais, foi cerca de 54%, sendo que neste
grupo tanto a mortalidade peri-operatória como a posterior são difíceis de
criticar uma vez que se tratam de doentes com pelo menos 2 episódios de
amputação em membros diferentes.
Tendencialmente os indivíduos submetidos a amputações minor apresentam taxas de
mortalidade inferior, tal como é largamente descrita na literatura[14] O número
de doentes submetidos a amputações de um único tipo (minor) foi reduzido, pelo
que a análise destes resultados fica comprometida.
Quando dividimos a nossa população por género verificamos que percentualmente
as mulheres têm um maior número de amputações major | GRÁFICO 14 |.
| GRÁFICO 14 | Tipo de amputação por género
Constatou-se que existem alguns factores determinantes/relacionados com um
maior número de internamentos, podendo então estes relacionar-se com o
prolongamento de um periodo de convalescência, assim como maior investimento de
recursos. São estes as amputações programadas em detrimento das urgentes; as
amputações minor, nomeadamente as mais distais, de dedos; a revascularização
por via endovascular; doença do sector distal; maior número de complicações; a
ins. renal crónica; a necessidade de re-amputações.
Existe uma maior morbi-mortalidade e insucesso no limb-salvage expectáveis
associada a factores de risco vascular, sendo os de maior impacto a diabetes
mellitus, dislipidemia e ins. renal crónica, tal como foi já largamente
estudado.
Neste trabalho não foi encontrada uma relação estatística directa entre grau de
isquemia/contexto inicial de amputação e mortalidade, não tendo sido
identificada a razão para tal facto.
Relativamente aos dados obtidos para a aplicação dos questionários de qualidade
de vida são apresentados os dados relevantes e as respectivas questões.
Relativamente aos parâmetros de QoL, considerando um dos principais outcomes
avaliados neste trabalho, não se constataram diferenças estatisticamente
significativas quando comparámos directamente indivíduos com amputações
primárias ou secundárias. No entanto obtiveram-se piores resultados na
capacidade/limitação de deambulação em indivíduos submetidos a revascularização
por via endovascular (em relação à cirurgia convencional aberta).
Dos 144 indivíduos que foram submetidos a amputações major no decorrer do tempo
considerado no estudo, foram 39 aqueles a que foi possível aplicar o
questionários deste trabalho. Sessenta e oito indivíduos haviam já falecido, 22
encontravam-se inacessíveis, 15 encontravam-se não colaborantes.
Apresentam-se de seguida os resultados obtidos às questões aplicadas assim como
as questões a que se referem:
> Indivíduos na década de 60/70/80
• Devido à limitação física fazem menos do que gostariam (16)
• Pior compromisso físico após amputação (30)
> Mulheres
• Sem capacidade para deambulação de 1 Km (11 ' quase com significância
estatística)
• Percentagem inferior de protetização (34), mesmo quando ajustado para o tipo
de amputação
• Tendência para se sentirem mais deprimidas (23 ' quase com significância
estatística)
> Dor fantasma foi descrita em 64,1% dos doentes (tal como descrita na
literatura 49-78%).[7]
> Existe uma aparente relação estatística entre hipertensão arterial e dor de
tipo fantasma (ainda não descrita na literatura).
> Lateralidade não afecta qualquer parâmetro da qualidade de vida
> Indivíduos com amputação electiva (directamente relacionado com maior número
de amputações minor, revascularização do tipo endovascular, maior número de
internamentos e re-intervenções…)
• referem pior qualidade de vida (1)
• referem agravamento da mesma em relação há um ano (2)
• maior percentagem de indivíduos sem capacidade para realização de muitas
actividades da vida diária (14/15)
• maior percentagem de indivíduos sem capacidade para subir vários ou mesmo um
lanço de escadas (8/9)
• maior percentagem de indivíduos que não conseguem fazer agachamento (10)
• tendência para maior incapacidade para deambulação para distância de 1 Km,
várias centenas de metros ou mesmo 100 metros (aproxima-se da significância
estatística ' 11/12/13)
• maior percentagem de indivíduos julga que adoece mais facilmente do que as
outras pessoas (3) e que julga ter pior saúde do que os outros (quase com
significância estatística
Quando procuramos avaliar o impacto da Diabetes Mellitus na qualidade de vida
verificou-se:
> Referem igual ou pior qualidade de vida (2)
> Menor capacidade de andar centenas de metros (12)
> Menor capacidade de realizar as actividades do dia a dia (15)
> Maior percentagem de indivíduos referem conseguir fazer menos do que
gostariam, por limitação física (16)
> Maior percentagem sente-se mais desgastado física e psicologicamente (26)
> Maior limitação na deambulação pós-operatoriamente (30 ' quase significância
estatística)
Indivíduos bi-amputados (major) tem parâmetros de qualidade de vida semelhantes
aos mono-amputados (major)
> Mas apresentam maior limitação na generalidade das actividades de vida diária
(15)
> Maior afectação da socialização como consequência de problemas físicos e
emocionais (20)
> Maior percentagem julga que a sua qualidade de vida irá agravar dentro de 1
ano (6)
Por fim a taxa de protetização para amputações acima do joelho a 1 ano pós
operatório foi de 31%, sendo que 6,9% dos indivíduos se encontra a aguardar
colocação de prótese proximamente. Os dados para amputação abaixo do joelho são
os expectáveis (75% protetizados ao fim de 1 ano pós amputação). Estes dados
estão de acordo com os dados obtidos na literatura.[6]
DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
Os nossos resultados de capacidade de protetização, de capacidade de
deambulação e deste modo, dos parâmetros obtidos para a QoL estão relacionados
com a capacidade do SNS e serviços de Medicina Física e Reabilitação de
proceder à rápida fisioterapia e reforço muscular, assim como fornecer o
material protésico mais adequado para cada doente.[7] Embora as taxas de
protetização verificadas neste trabalho estejam de acordo com as descritas na
literatura foi possível constatar que existe um atraso importante na resposta
dos serviços de reabilitação e no intervalo até protetização (muitos doentes
informam que fizeram fisioterapia para serem protetizados e depois não foram
pois teriam perdido indicação.)
Do ponto de vista economicista é fácil contextualizar a necessidade de
perseguir a revascularização em detrimento da amputação major. No entanto,
embora não existam resultados estatísticos neste estudo ou prévios que possam
corroborar, será seguro dizer que a nossa populacão de amputados major não
retorna à sua actividade profissional frequentemente (muitos encontram-se no
desemprego ou estão reformados).
Um dos factores de risco conhecidos como mais determinantes de uma rápida
progressão da doença arterial periférica é o tabagismo. É muito difícil avaliar
com fiabilidade este parâmetro no que respeita ao actual consumo de tabaco,
sendo que neste trabalho não foi verificada esta relação. Um trabalho
prospectivo seria o mais indicado para avaliar as verdadeiras implicações da
cessação tabágica nos outcomes avaliados.
A análise por género revela que as mulheres da população estudada apresentam,
percentualmente, doença isquémica mais avançada do que os homens, o que poderá
estar relacionada com o diagnóstico tardio desta sub-população. Tal se poderá
justificar com o facto das queixas das mulheres serem frequentemente mais
desvalorizadas por si e pelos medicos assistentes. O estado debilitado e
dependente das mulheres na altura da amputação poderá justificar porque estas
apresentam uma percentagem inferior de protetização, mesmo quando ajustado para
o tipo de amputação (relembra-se que as mulheres tiveram uma maior percentagem
de amputações major).
Relativamente ao ambiente inicial da amputação, urgente ou electivo, parece-nos
que a percentagem de indivíduos amputados em urgência fora elevado, o que
poderá estar relacionado com a recorrente indisponibilidade do bloco operatório
electivo e a necessidade de remeter estes doentes para o bloco operatório de
urgência sem que estes reunam de facto critérios de amputação urgente.
Arena e Magni[7] associam stress e problemas emocionais com dor fantasma
(stress pode anteceder episódios de dor fantasma), o que nos remete para a
necessidade de um acompanhamento psicológico na reabilitação emocional
(“depression may promote chronic pain and chronic pain may promote
depression”).
O componente emocional, nomeadamente negativo, é também um factor com grande
influência a nível da capacidade de deambulação e auto-percepção em relação ao
seu estado de saúde, logo estará intimamente relacionado com alguns dos
parâmetros de qualidade de vida.
É portanto fundamental reconhecer que a abordagem ideal destes doentes é a
holística/multidisciplinar para o correcto controlo da dor, a reabilitação em
tempo útil e o acompanhamento pela psiquiatria de ligação, no sentido de levar
os doentes a olhar para a amputação major, não como o fim das suas vidas mas,
como início de uma nova etapa.
Este trabalho permitiu inferir acerca da qualidade de vida dos nossos doentes
amputados através da análise independente das questões formuladas e não pela
quantificação de um score, uma vez não se tratar de um questionário
padronizado.
Embora não se tivesse obtido resultados estatisticamente significativos quando
comparamos directamente os parâmetros de QoL das amputações primárias e
secundárias, alguns dos dados remetem para uma reflexão igualmente importante.
Verificou-se uma maior limitação da deambulação em indivíduos submetidos a
revascularização por via endovascular, como já vimos, habitualmente associadas
a indivíduos submetidos a mais procedimentos de revascularização, mais
internamentos e sujeitos a maior número de complicações e necessidade de re-
tratamentos. Obviamente que é necessário ter em conta que estes indivíduos
serão também aqueles com lesões mais extensas, lesões mais distais, e mais co-
morbilidades, nomeadamente estados diabéticos mal controlados. Também os dados
relativos à QoL em indivíduos submetidos a amputações electivas corroboram esta
linha de raciocínio uma vez que nestes se verificou um maior impacto negativo
no âmbito dos parâmetros para qualidade de vida, da autonomia e capacidade de
execução de tarefas.
Portanto, este trabalho permite-nos reflectir sobre situações em que a
revascularização foi incessantemente perseguida e a amputação major
continuamente rejeitada. É fulcral relembrar que tentativas infrutíferas de
revascularização e a procura incessante de preservar o membro, embora cursem
com uma maior percentagem de limb salvage e diminuição de mortalidade, podem
não condicionar melhor deambulação e podem mesmo aumentar o número de
internamentos/tratamentos/complicações e, consequentemente, o custo
relacionado.
São necessários mais trabalhos para confirmar os resultados obtidos e para
melhor caracterização dos parâmetros de QoL nos nossos doente.