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EuPTCVHe1646-706X2013000400003

EuPTCVHe1646-706X2013000400003

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN1646-706X
ano2013
Issue0004
Article number00003

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Influência da agressividade do tratamento da Doença Arterial Periférica na cessação tabágica

Introdução A carga da dependência tabágica pode ser medida através do número de mortes prematuras devido a doença aterosclerótica acelerada, neoplasias e custos económicos de perda de produtividade e cuidados médicos1. Os esforços para promover a cessação tabágica foram impulsionados pelos contínuos desenvolvimentos farmacológicos, maior sensibilização do público, campanhas de sensibilização agressivas e o reconhecimento dos muitos efeitos primários e secundários da exposição ao fumo do público em geral1. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que actualmente existem 1,1 bilhão de fumadores em todo o mundo, o que corresponde a cerca de um terço da população mundial com idade igual ou superior a 15 anos2. A morte relacionada com o tabagismo foi ajustada para mais de 4,9 milhões de pessoas por ano2.

O tabagismo é o mais importante factor de risco modificável de doença arterial periférica (DAP), quer em homens, quer em mulheres2-6. A DAP afecta cerca de 10-25% dos adultos com mais de 55 anos e nos fumadores o seu diagnóstico é feito, em média, uma década antes do diagnóstico de DAP em não fumadores1,2,4,6,7. Observou-se uma relação dose-resposta entre a carga tabágica e o desenvolvimento, progressão e gravidade da doença2,4. Os cirurgiões vasculares ocupam uma posição privilegiada para envolver e educar o doente no compromisso de cessação tabágica, para promover a abstinência mantida e fornecer apoio permanente para evitar recaídas1.

O objectivo deste trabalho foi determinar se nos doentes com Doença Arterial Periférica (DAP), o tipo de tratamento e o grau de isquemia influenciam os seus hábitos tabágicos, condicionando alguma susceptibilidade destes doentes à cessação tabágica.

Material e métodos Realizou-se um estudo retrospectivo dos doentes com DAP fumadores, tratados entre Janeiro de 2010 e Dezembro de 2011, procedendo-se à consulta dos registos clínicos hospitalares. Foram definidos 3 grupos de intervenção: doentes em tratamento médico, submetidos a tratamento endovascular e sujeitos a tratamento cirúrgico.

Em cada grupo foram recolhidos dados referentes à idade, género, factores de risco cardiovasculares, co-morbilidades associadas, gravidade da doença, indicação para tratamento, tipo de tratamento e hábitos tabágicos durante o seguimento ou após revascularização.

A presença de DAP foi definida como Índice Tornozelo-Braço (ITB) em repouso =0,97. A classificação de DAP utilizada foi a de Fontaine: I assintomático; IIa claudicação intermitente não incapacitante; IIb claudicação intermitente incapacitante; III dor isquémica em repouso; IV úlcera ou necrose7. O tratamento médico procurou estar de acordo com as guidelines estabelecidas no Inter-Society Consensus for the management of Peripheral Arterial Disease TASC II: promoção de estilo de vida saudável (exercício físico, dieta equilibrada, cessação tabágica, controlo ponderal); programa de marcha; anti-agregante plaquetário; estatina; colesterol LDL < 100 mg/dL ou < 70 mg/dL se doença noutros leitos vasculares; TA < 140/90 mmHg ou < 130/80 mmHg se diabético ou insuficiente renal; HbA1c < 7%7. A decisão de tratamento endovascular ou cirúrgico também teve em consideração as recomendações do Inter-Society Consensus for the management of Peripheral Arterial Disease TASC II7.

Os dados recolhidos foram inseridos e processados numa base de Microsoft® Excel 2010. A análise estatística descritiva e inferencial foi realizada com o recurso ao programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS), com a aplicação dos testes Mann-Whitney U-Test, one-way ANOVA e Fisher's exact test.

A significância estatística foi definida como um valor de p = 0,05.

Resultados De Janeiro de 2010 a Dezembro de 2011 foram tratados 317 fumadores, 304 homens e 13 mulheres, média de idades 66 ± 9,7 anos. Destes, 44% foram sujeitos a tratamento médico, 22% a revascularização endovascular e 34% a cirurgia.

Relativamente à idade, género, presença de diabetes mellitus, hipertensão arterial, doença cerebrovascular, doença coronária e insuficiência renal, os três grupos eram bastante homogéneos, não se verificando diferenças estatisticamente (tabela_1 e 2). A idade média localizou-se masculino, 42-51% eram diabéticos, 48-60% hipertensos e 48-52% dislipidémicos. A concomitância de doença coronária ocorreu em 28-41%, de doença cerebrovascular em 23-29% e de insuficiência renal crónica terminal em 4,8-5,3% (tabela_1 e 2).

A análise estatística revelou uma proporção maior de doentes que cessaram hábitos tabágicos quando submetidos a um procedimento endovascular em relação àqueles em tratamento médico (66% vs 51%, p = 0,036) e ainda superior quando revascularizados cirurgicamente (66% vs 80%, p = 0,021) (tabela_3).

As indicações para tratamento endovascular foram Isquemia de Grau IIb em 58% dos doentes, Isquemia de Grau III em 10% e Grau IV em 32% (fig._1). no grupo submetido a revascularização cirúrgica, 42% eram claudicantes, 23% apresentavam dor em repouso e 35% lesão trófica (fig._2).

No grupo de tratamento endovascular, 65% dos ex-fumadores correspondiam a claudicantes e 69% a doentes com isquemia crítica, sem diferença estatisticamente significativa (p = 0,36) (fig._3). No grupo de tratamento cirúrgico, a percentagem de doentes que deixou de fumar foi superior entre aqueles com isquemia crítica em relação aos tratados por claudicação, uma diferença que alcançou significância estatística (86% vs 72%, p = 0,039) (fig.

3).

Discussão A relação entre tabagismo e DAP tem sido reconhecida desde 1911, quando Erb reportou que a claudicação intermitente era três vezes mais comum em fumadores e seis vezes mais comum em fumantes pesados, quando comparados com não fumadores1,2,6-8. Desde então, numerosos estudos foram realizados sobre a relação entre tabagismo e DAP2,4-6,9-11. O tabagismo é considerado o mais importante factor de risco de DAP, condicionando um aumento de 4-16 vezes do risco de desenvolvimento da doença2,4-7,9,10. A associação entre tabagismo e DAP é ainda mais forte do que entre tabagismo e doença coronária1,2,11. Pelo menos 80% dos doentes com DAP são fumadores ou ex-fumadores6,10. A carga tabágica medida em unidades-maço-ano (UMA) tem uma relação de proporcionalidade directa com a gravidade da doença, o aumento do risco de amputação e a mortalidade1,4-7,9. A taxa de amputação em fumadores com DAP é duas vezes superior à dos não fumadores, a taxa de oclusão de bypass é três vezes maior e a mortalidade aos 5 anos é de 40-50%1,2,4-6 .

A nicotina, a par da heroína e da cocaína, é uma das substâncias mais viciantes que se conhece e os cigarros representam os meios mais eficazes de entrega de nicotina ao cérebro6. Assim, talvez não seja surpreendente que embora 70% dos fumadores expresse o desejo de parar de fumar, menos de um terço tenta fazê-lo e apenas 2% ao ano são bem sucedidos6,9. A cessação do tabagismo está associada a uma redução rápida do risco cardiovascular e uma redução mais lenta mas constante do risco de neoplasias tanto respiratórias e como não respiratórias1,6. Parar de fumar é, portanto, de extrema importância para doentes com patologia coronária ou arterial periférica e deve ser considerada pedra basilar da boa prática clínica1,4. Este pressuposto foi confirmado por estudos que comprovaram que após bypass coronário, a cessação tabágica leva a um incremento de 3 anos na esperança média de vida12,13. Willigendael e colaboradores afirmam que a cessação tabágica, mesmo se instigada após a revascularização, restaura a taxa de permeabilidade de bypass para valores sobreponíveis às dos não fumadores5. Estes resultados implicam que se estabeleçam estratégias adequadas de cessação do tabagismo em doentes elegíveis para cirurgia de revascularização do membro inferior5. A cessação total e permanente do tabaco é, de longe, a intervenção clínica e economicamente mais eficaz em doentes ateroscleróticos, incluindo na DAP: terapia de substituição de nicotina/ bupropiona < £2000 por ano de vida ganho versus estatinas £13,000 por ano de vida ganho6,9,14. O aconselhamento médico, a terapia de reposição de nicotina, a bupropiona e a vareniclina constituem tratamentos baseados em evidência científica de eficácia reconhecida1,6,9,10,14.

O reconhecimento destes prossupostos motivou uma maior consciencialização da importância do tabagismo na DAP e das estratégias de cessação e constituiu o motor impulsionador deste trabalho.

O nosso estudo, à semelhança de outros3-6, demonstrou que os doentes mais graves e submetidos a estratégias de revascularização mais invasivas, estão mais propensos a deixar de fumar do que aqueles com estádios menos severos de DAP e sujeitos apenas a tratamento médico. Talvez a tomada de consciência da gravidade da doença, o reconhecimento do risco de perda do membro e até a ameaça de um desfecho fatal, quando ocorrem complicações pós-operatórias, constituam fortes motivações no auxílio contra uma dependência extremamente forte como reconhecidamente é a dependência de nicotina. Assim, os fumadores não devem ser vistos como um grupo no qual o nosso investimento de tempo e recursos humanos e materiais é inútil, mas antes como um grupo no qual a nossa intervenção pode efectivamente constituir uma enorme mais-valia. Este estudo demostrou que o nosso compromisso com o doente é reconhecido por ele, que nos responde com um grande esforço para vencer uma dependência biológica e psicologicamente muito vinculativa.

Conclusão O tabagismo é o mais importante factor de risco para doença arterial periférica sintomática grave, com uma importante e consistente dose-resposta e é um factor modificável, pelo que merece intervenção médica agressiva2-6.

Os doentes com Doença Arterial Periférica submetidos a procedimentos de revascularização mais invasivos, como a cirurgia, são mais propensos à cessação tabágica do que os sujeitos a tratamento endovascular ou médico. A presença de isquemia crítica aquando do tratamento cirúrgico influenciou, de forma estatisticamente significativa, a cessação tabágica. O reconhecimento de que a cessação tabágica está associada a uma redução rápida do risco cardiovascular e de que, mesmo se instigada após a revascularização, restaura a taxa de permeabilidade de bypass para valores sobreponíveis às dos não fumadores5,6, leva-nos a concluir que a proposta de tratamento constitui um momento crucial para fomentar a desabituação tabágica. Comprovadamente, esta constituirá a intervenção clínica e economicamente mais eficaz em doentes com DAP.

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*Autor_para_correspondência: Correio eletrónico: sandrinafigueiredo@portugalmail.pt (S.F. Braga).

Notas * Apresentado no XII Congresso Nacional da Sociedade Portuguesa de Angiologia e Cirurgia Vascular.


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