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EuPTCVHe1646-706X2015000200004

EuPTCVHe1646-706X2015000200004

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN1646-706X
ano2015
Issue0002
Article number00004

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Evolução e tendências formativas em angiologia e cirurgia vascular: a experiência de uma instituição

Introdução A especialidade de angiologia e cirurgia vascular sofreu uma profunda alteração com a introdução e generalização das técnicas endoluminais. Com a cirurgia endovascular a ocupar uma proporção crescente entre os procedimentos1-3deduz-se que esta mudança na abordagem terapêutica da especialidade tenha também repercussões na formação dos internos. Para além disto, os próprios programas de formação do internato de angiologia e cirurgia vascular, bem como a visão do internato, mudaram, havendo uma preocupação crescente pela atividade científica, para além da atividade assistencial4. Esta preocupação e necessidade de uma maior dedicação à atividade científica durante o internato estão implícitas na atual grelha de avaliação final no exame nacional para o grau de especialista5.

Por isto, os autores propõem-se a fazer um estudo retrospetivo da atividade realizada durante o internato nos últimos 15 anos na instituição, com o objetivo de mostrar as tendências na formação durante o internato complementar de angiologia e cirurgia vascular ao longo do tempo, nomeadamente quanto à exposição a procedimentos cirúrgicos e atividade científica.

Materiais e métodos Após identificação dos médicos que terminaram o Internato Complementar de Angiologia e Cirurgia Vascular entre janeiro de 2001 e março de 2014, inclusive, no Hospital de Santa Marta, os currículos submetidos para realização do exame nacional para o grau de especialista foram consultados. A consulta e a colheita de dados foram realizadas após aprovação da Direção de Serviço.

Foi criada uma base de dados onde foram introduzidos dados dos diferentes currículos, nomeadamente os procedimentos realizados dos principais grupos de patologias vasculares (doença cerebrovascular, doença arterial obstrutiva periférica [DAOP] aorto-ilíaca e infrainguinal, aneurismas aorto-ilíacos [AAA] e periféricos, acessos vasculares, traumatismos vasculares e doença venosa crónica), sendo diferenciados em cirurgia convencional e endovascular. A classificação dos procedimentos em convencional e endovascular baseou-se no European Board of Vascular Surgery(EBVS)6: - Um procedimento vascular via cirurgia convencional é aquele que requer a exposição cirúrgica de uma ou mais artérias e/ou veias para a correção de doenças arteriais/venosas, reparação de lesões arteriais/venosas e tratamento de outras doenças que exigem a reconstrução arterial e/ou venosa.

- Um procedimento via endovascular é aquele em que se utilizam fios guia e/ou cateteres em uma ou mais artérias ou veias, guiados por fluoroscopia, para os mesmos fins atrás referidos.

Todos os procedimentos foram diferenciados, quanto à realização, como cirurgião principal ou cirurgião ajudante.

Os procedimentos realizados como cirurgião principal foram ainda divididos em básicos, intermédios e avançados relativamente à diferenciação técnica exigida ao cirurgião, tendo como base a classificação do EBVS6(tabela_1). Todos os procedimentos endovasculares por DAOP foram considerados como intermédios devido à dificuldade em determinar em cada procedimento o tipo de lesão (estenose vs. oclusão). As arteriografias diagnósticas, apesar de classificadas no EBVS como um procedimento endovascular de grau básico, foram excluídas da classificação no estudo, pois não são consideradas como intervenções cirúrgicas.

Para além dos procedimentos, foi consultada a atividade científica realizada durante o internato, incluindo resumos apresentados em reuniões ou congressos e publicações como primeiro e coautor.

Os endpointsdeste estudo foram: número total de intervenções cirúrgicas, número de procedimentos endovasculares, diferenciação da atividade como cirurgião principal, número de procedimentos para correção (convencional vs.

endovascular) de AAA e atividade científica (publicações e comunicações) realizada.

Análise estatística Foram apresentados números absolutos dos endpoints(N) ou média +− desvio padrão em anos com mais do que um candidato. Os totais foram expressos como média +/− desvio padrão. A correlação entre os endpointse o ano de conclusão do internato complementar foi testada usando o coeficiente de correlação de Spearman.

Adicionalmente, a correlação entre os diferentes endpointse a idade e o género dos candidatos foi testada. Valores de correlação (rho) entre 0,7-0,9 foram considerados como uma forte correlação, entre 0,50,7 como moderada correlação e abaixo de 0,5 como fraca correlação. Todos os testes foram realizados de forma bilateral e foi considerado significado estatístico se o valor p < 0,05. Para a análise estatística foi utilizado o software SPSS para Windows (versão 20).

Resultados De 2001-2014 concluíram o internato de angiologia e cirurgia vascular na instituição 13 sujeitos, com idade média 35 ± 5,9, sendo 4 sujeitos (31%) do sexo feminino. A exposição média a procedimentos cirúrgicos foi 2.518 ± 310, dos quais 2.026 ± 291 foram procedimentos vasculares. A média de trabalhos científicos apresentados como primeiro autor foi 9,7 ± 5,7 e a média de publicações como primeiro autor foi 4,5 ± 5,9.

Apesar da exposição a intervenções cirúrgicas se ter mantido constante, verificou-se um gradual incremento na proporção de procedimentos endovasculares (fig._1). Constatou-se uma forte correlação entre o número de procedimentos endovasculares e o ano de conclusão do internato complementar (rho = 0,869, p < 0,001). Não existiu correlação entre o número de procedimentos ou proporção endovascular no que respeita a idade ou género.

Relativamente à atividade científica, verificou-se uma forte correlação entre o período de tempo e o número de publicações, tanto quanto ao número total de publicações (rho = 0,879, p < 0,001) como publicações como primeiro autor (rho = 0,885, p < 0,001), e entre o período de tempo e o número total de resumos apresentados (primeiro e coautor) (rho = 0,753, p < 0,001) (fig._2). Não se verificou uma correlação entre o período de tempo e o número de abstractsapresentados como primeiro autor (rho = 0,526, p = 0,065).

De igual forma, em relação à atividade científica, não se identificou correlação entre a atividade científica e a idade ou sexo.

Quanto à realização de cirurgias com diferentes graus de diferenciação, verificou-se uma correlação positiva entre o ano de conclusão de internato e os procedimentos endovasculares de grau avançado (rho = 0,839, p < 0,001), os procedimentos endovasculares de grau intermédio (rho = 0,857, p < 0,001) e as cirurgias convencionais de grau avançado (rho = 0,573, p = 0,041) (figs._3 e 4).

Não houve correlação com a idade de conclusão do internato e sexo, com exceção de uma correlação negativa entre a idade e as cirurgias convencionais de grau avançado (rho = −0,742, p < 0,001) e intermédio (rho = −0,604, p = 0,029).

Dentro dos procedimentos mais diferenciados, como cirurgião principal, na patologia aneurismática da aorta abdominal verificou-se um incremento da correção endovascular desta (de 2007-2014 um aumento de cerca de 257%, até 2007 não foram realizados EVAR como cirurgião principal). O número de procedimentos endovasculares para correção desta patologia foi sempre inferior à cirurgia convencional, com exceção do ano de 2014 (fig.5).

Verificou-se uma forte correlação entre o ano de conclusão do internato e os procedimentos de EVAR (rho = 0,821, p = 0,001). Não se identificou correlação entre estes procedimentos e a idade ou sexo.

Tendo em conta os procedimentos vasculares de diferenciação avançada, convencionais e endovasculares, verificou-se uma correlação fortemente positiva entre estes e o total de abstracts apresentados e publicados (rho = 0,839 e rho = 0,856, p < 0,001), bem como com os abstracts apresentados e publicados como primeiro autor (rho = 0,858, p < 0,001 e rho = 0,846, p < 0,001, respetivamente).

Discussão O presente estudo revela uma interessante evolução na formação em angiologia e cirurgia vascular nos últimos 15 anos de um serviço terciário de volume elevado. Verificou-se uma exposição cirúrgica total relativamente constante, com uma proporção crescente de procedimentos endovasculares, bem como de procedimentos mais diferenciados. A atividade científica teve uma evolução tendencialmente crescente e ainda uma correlação positiva com a realização de procedimentos mais diferenciados. No geral, verificou-se que o género ou idade de conclusão de internato não influenciam a atividade assistencial e científica.

Apesar da exposição total a intervenções cirúrgicas se ter mantido estável, verificou-se um incremento exponencial no número de procedimentos endovasculares e um correspondente decréscimo na cirurgia convencional. Dentro destes procedimentos, tendo em conta o grau de diferenciação técnica exigida ao cirurgião, houve um aumento significativo no número de procedimentos de elevado grau de diferenciação realizados como cirurgião principal, quer por cirurgia convencional quer endovascular. Não se verificou correlação entre a idade de conclusão do internato ou sexo e estes endpoints, com exceção de uma correlação negativa entre a idade de conclusão do internato e as cirurgias convencionais realizadas como cirurgião principal de diferenciação intermédia e avançada.

Schanzeret al.7avaliaram a exposição cirúrgica entre 2001-2007 num serviço terciário nos Estados Unidos da América e encontraram uma exposição crescente a procedimentos cirúrgicos, à custa principalmente dos procedimentos endovasculares. Concluíram que este aumento do número total de procedimentos estava relacionado com a menor invasibilidade dos procedimentos endoluminais e, consequentemente, um número maior de doentes com elevado risco operados. O número de cirurgias convencionais manteve-se relativamente estável, sendo o tipo de cirurgia realizado mais complexo. Os resultados de Schanzeret al.7estão de acordo com os encontrados neste estudo, com exceção do número de procedimentos via cirurgia convencional se ter mantido constante nesse estudo.

Apesar de não estar especificado por Schanzeret al.7, o que se entende por cirurgias mais complexas subentende-se que corresponderão na maioria dos casos aos procedimentos classificados neste estudo, como de maior diferenciação técnica, estando assim em concordância com os resultados deste estudo.

No presente estudo constatou-se uma exposição decrescente à cirurgia convencional (embora sem significado estatístico), mas claramente predominante à cirurgia endovascular. Apesar da preocupação expressa em outros trabalhos relativa a uma menor aquisição de competências para a cirurgia convencional durante o internato de angiologia e cirurgia vascular8,9, o presente estudo não suporta esse ponto de vista ao demonstrar que a formação em cirurgia convencional continua a ser predominante e com gradual incremento na diferenciação dos procedimentos.

No caso específico da patologia aneurismática da aorta abdominal, Choiet al.8concluíram que, durante o internato, a exposição a correção endovascular de AAA está a aumentar ao contrário da cirurgia convencional. Dado o risco na cirurgia convencional eletiva do AAA estar diretamente relacionado com a experiência do cirurgião10,11,a menor exposição a cirurgias convencionais durante o internato pode ter implicações no futuro. No presente estudo verificou-se também um aumento da proporção de procedimentos endovasculares para exclusão de AAA ao longo do tempo. Contudo, o número absoluto de cirurgias convencionais foi sempre superior ao número de procedimentos endovasculares, com exceção do último ano analisado. Apesar de se ter verificado uma prática crescente de cirurgia convencional de maior diferenciação, o que traduz, em princípio, uma maior aquisição de competências técnicas, e não se verificar um decréscimo do número de correções de AAA por cirurgia convencional, a patologia aneurismática da aorta abdominal em concreto, pelo desafio técnico que impõe, chama a atenção para a questão atrás referida da preocupação da menor aquisição de competências técnicas para a cirurgia convencional. Uma vez que a tendência evolutiva da especialidade é para a correção endovascular desta patologia, quando tecnicamente possível, faz sentido uma maior diferenciação nesta área durante o internato, para que se torne uma prática global. Assim, para que os melhores resultados na cirurgia convencional sejam atingidos talvez deva haver uma subespecialização desta num centro. Uma limitação inerente a este sistema e de difícil contorno seria a intervenção urgente/emergente nesta patologia.

Quanto à atividade científica, verificou-se um aumento gradual e constante no número total de publicações científicas e apresentações de resumos em congressos e/ou reuniões científicas. Este incremento está associado a uma tendência global para elevar o padrão científico dos médicos-cirurgiões, com maior envolvimento em investigação básica e clínica como complemento da sua atividade assistencial. Esta tendência é bem expressa nas grelhas de avaliação nacionais e europeias, que servem como estímulo adicional à publicação e comunicação científica. Estas variações não se correlacionaram com a idade ou o género do candidato.

Relacionando a atividade científica e assistencial, constatou-se que os sujeitos que mais realizaram procedimentos de diferenciação avançada, como cirurgião principal, também foram os que mais realizaram atividade científica, havendo uma forte correlação entre estes 2 endpoints. Este resultado sugere que os mais interessados em ter um bom currículo cirúrgico assistencial são também aqueles que mais procuram atividade científica. Contudo, não foram encontrados dados na literatura relativamente a variações temporais na atividade científica durante o internato médico, não sendo assim possível confirmar se esta observação é um fenómeno local ou se pelo contrário espelha uma tendência global.

Este estudo está limitado pelo desenho retrospetivo, pela pequena amostragem e por tratar-se de uma série de uma única instituição. Estes fatores limitam a generalização dos resultados. No entanto, é expectável que, apesar das diferenças inerentes às características de diferentes serviços, estes resultados sejam reprodutíveis em contexto de instituições terciárias com elevado volume cirúrgico.

Conclusão Este estudo espelha a evolução da especialidade de angiologia e cirurgia vascular, com o desenvolvimento das técnicas percutâneas, sendo estas uma prática crescente e que reflete as preocupações formativas atuais, com uma maior procura de atividade científica e realização de procedimentos mais diferenciados. Vem também demonstrar que o advento endovascular passou de exclusivo a especialistas altamente diferenciados para influenciar fortemente a formação cirúrgica durante o internato complementar.

Responsabilidades éticas Proteção de pessoas e animais.Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.

Confidencialidade dos dados.Os autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.

Direito à privacidade e consentimento escrito. Os autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.

Conflito de interesses Os autores declaram não haver conflito de interesses.


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