Mortalidade depois da amputação
Introdução
Apesar do aumento da taxa de revascularização, a amputação de membro inferior
continua a ser um procedimento prevalente na prática clínica, o que pode estar
associado a um envelhecimento da população com cada vez mais comorbilidades1. A
taxa de mortalidade após amputação do membro inferior é extremamente alta,
podendo chegar aos 22% após 30 dias, 44% após um ano e 77% aos 5 anos1.
O objetivo deste trabalho foi determinar a frequência, taxa de sobrevivência e
determinantes de mortalidade em doentes amputados na nossa instituição.
Material e métodos
Foram incluídos 297 doentes, consecutivos, submetidos a amputação entre janeiro
de 2008 e agosto de 2009, na nossa instituição. A colheita de dados foi feita
através da análise retrospetiva dos processos clínicos eletrónicos.
Foi recolhida informação relativa aos dados demográficos (idade e género),
fatores de risco cardiovascular (FRCV) e comorbilidades: hipertensão arterial
(HTA), tabagismo, dislipidemia, diabetes mellitus(DM), doença cardíaca
isquémica (DCI), doença cerebrovascular (DCV) e insuficiência renal crónica
(IRC).
Foram também analisados dados relativos ao procedimento, tendo sido dissociadas
as amputações major (pela coxa e perna) e minor (amputação no pé). Foram
obtidos dados de seguimento para estimativa de sobrevivência.
A análise estatística foi efetuada com o softwareSPSS Statistics (SPSS Inc.
Released 2011. SPSS Statistics for Windows, Version 20.0. Chicago: SPSS Inc).
As taxas de eventos dependentes do tempo foram estimadas com recurso a curvas
de Kaplan-Meier e as diferenças entre grupos investigadas pelo teste de log
rank. O impacto da idade na mortalidade foi avaliado através de um modelo de
regressão de Cox. Considerou-se estatisticamente significativo um valor de p <
0,05.
Resultados
Foram incluídos 297 doentes, 199 (67%) eram homens e 98 (33%) mulheres, com
idade média de 69,5 anos (DP = 11,623). A mediana do tempo de seguimento foi 41
meses. Durante este período realizaram-se 378 amputações: 185 transfemorais, 60
transtibiais, 43 transmetatársicas, 89 amputações de dedo do pé e uma
desarticulação do membro inferior. A etiologia predominante subjacente à
cirurgia foi a doença arterial obstrutiva periférica (DAOP) (87%) (fig._1).
Quarenta e dois por cento (n = 146) das cirurgias de amputação foram precedidas
de cirurgia de revascularização; 58% foram amputações primárias. Quando
analisamos as amputações major verificamos que houve uma maior percentagem de
amputações primárias: 64% foram amputações primárias e 36% foram amputações
precedidas de revascularização. Ao contrário, nas amputações minor foi maior a
percentagem de doentes em que se realizou cirurgia de revascularização prévia
(57%) (fig._2).
Ao avaliarmos o número de membros amputados por grupo etário verificamos que foi
maior na oitava década de vida, correspondendo a 35,4% (n = 105) (fig._3).
Dos fatores de risco estudados observou-se maior prevalência de HTA (56%)
seguida de DM (50%) (fig._4). A presença de cardiopatia isquémica e DCV teve
impacto significativo como fatores preditivos de menor sobrevivência (tabela_1).
Ao analisar a presença de diabetes verificou-se que a sobrevivência foi maior
neste grupo de doentes (fig._5) e que a idade média dos diabéticos aquando a
amputação (68 anos) era menor do que a idade média dos não diabéticos (71
anos). Noutros fatores estudados (IRC, HTA, dislipidemia e género) não foi
identificada diferença com significado estatístico na sobrevivência. No entanto,
esta foi sempre inferior quando presentes e nos doentes do sexo feminino.
Embora sem significado estatístico, observou-se uma menor sobrevida nos doentes
com tabagismo em relação aos não fumadores.
A taxa de sobrevivência aos 30, 90, 365 dias e aos 5 anos nos doentes
submetidos a amputação minor foi de 95% (EP = 0,02), 91% (EP = 0,03), 79% (EP =
0,04) e 55% (EP = 0,05), respetivamente. Nos doentes submetidos a amputação
major foi de 82% (EP = 0,03), 70% (EP = 0,03), 62% (EP = 0,03) e 35% (EP =
0,03), respetivamente (fig._6).
A taxa de mortalidade global aos 30, 90, 365 dias e aos 5 anos foi de 12% (EP =
0,02), 23% (EP = 0,03), 33% (EP = 0,03) e 59% (EP = 0,03), respetivamente (fig.
7). Observou-se uma associação estatisticamente significativa entre a idade e a
mortalidade (p< 0,05).
Discussão
A amputação do membro inferior continua a fazer parte integrante da prática
clínica do cirurgião vascular, apesar das consistentes abordagens para tentar
salvar o membro que se refletem no crescente número de cirurgias de
revascularização.
A DAOP e DM permanecem como os fatores de risco major para amputação do membro
inferior2. Na nossa série, a grande maioria dos doentes amputados (87%) tinham
DAOP tendo sido incluídos neste grupo os doentes diabéticos com DAOP. A infeção
apareceu como a segunda causa mais frequente (7%) onde foram incluídos os
doentes diabéticos não isquémicos. Ao estudarmos o impacto das comorbilidades
na mortalidade dos doentes amputados verificamos que a presença de cardiopatia
isquémica e DCV são fatores preditivos de menor sobrevivência. Fortington et
al. referiram a presença de DCV como o fator mais importante com influência na
mortalidade a 30 dias e a presença de IRC aos um e 5 anos1.
No corrente estudo, ao analisar a presença de DM verificou-se que a
sobrevivência foi maior neste grupo de doentes. A influência da DM na
sobrevivência tem sido descrita como dependente do tempo, com resultados a
curto prazo iguais ou melhores do que na população não diabética, mas piores a
longo prazo3,4. Outros autores não encontraram diferença na taxa de mortalidade
nos diabéticos e não diabéticos1,4. Estes dados conflituosos podem resultar de
diferenças na população estudada, como inclusão de amputações em doentes
diabéticos sem DAOP ou doentes submetidos a amputações minor, sendo que nestes
casos a amostra poderá ser mais jovem o que se refletirá na sobrevivência.
Apesar da taxa de mortalidade após cirurgia de amputação ser extremamente alta,
constata-se alguma variabilidade entre as séries, que pode ser justificada pelos
diferentes critérios de inclusão. A taxa de mortalidade a um ano pode ser
apenas de 22% quando estudamos uma população submetida a amputação minor5e pode
chegar aos 52% nas amputações major6,7. No nosso estudo observou-se uma
sobrevivência ligeiramente inferior: a mortalidade a um major e minor. ano foi
21% nos doentes submetidos a amputação minor e 38% nos doentes submetidos a
amputação major. Relativamente à mortalidade aos 5 anos, nos doentes submetidos
a amputação major, os valores na literatura variam entre 56-70% conforme as
publicações8--10. Os nossos resultados são equiparáveis, apresentando-se uma
taxa de mortalidade nos doentes submetidos a amputação major de 65% aos 5 anos.
A sobrevivência dos doentes submetidos a amputação major foi inferior quando
comparada com os doentes submetidos a amputação minor. A proporção de doentes
submetidos a amputação major precedida de cirurgia de revascularização também
foi inferior, quando comparámos com as amputações minor. Estes resultados
poderão ser explicados pelo envolvimento sistémico da doença aterosclerótica
que é refletido tanto na ausência de território arterial que possibilite a
revascularização dos membros inferiores, nas amputações major primárias, como
na presença de doença aterosclerótica noutros leitos vasculares, nomeadamente
cerebral, coronário e renal.
Como estudo retrospetivo, uma das principais limitações é a carência de
informação nos registos, nomeadamente da causa de morte. Apenas foram
registadas as comorbilidades e fatores de risco que constavam nos registos
médicos, consequentemente os nossos resultados podem ter subestimado a sua
prevalência. Um exemplo importante é o tabagismo, cujo registo pode ter sido
negligenciado apesar da conhecida influência no pós-operatório da cirurgia de
amputação10.
Conclusão
A taxa de mortalidade global nos doentes amputados, logo nos primeiros 30 dias,
é elevada. Quando consideramos as amputações major, a taxa de mortalidade é
sempre maior. Estes resultados estão associados ao crescente envelhecimento da
população com um maior número de comorbilidades e menor capacidade de
recuperação, não esquecendo o importante componente sistémico da doença
aterosclerótica envolvendo vários territórios arteriais que espelha esta
realidade. No entanto, devemos refletir no papel não menos significativo da
procura e do acesso a cuidados diferenciados.
Responsabilidades éticas
Proteção de pessoas e animais. Os autores declaram que para esta investigação
não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dados. Os autores declaram ter seguido os protocolos do
seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.
Direito à privacidade e consentimento escrito. Os autores declaram que não
aparecem dados de pacientes neste artigo.
Conflito de interesses
Os autores declaram não haver conflito de interesses.