Cirurgia de varizes em Portugal: que outcomes interessa avaliar?
Introdução
A doença venosa crónica (DVC) é a patologia vascular mais frequente, com uma
prevalência estimada nos países ocidentais de 40% nas mulheres e 17% nos
homens1. Estima-se que a prevalência de veias varicosas (VV) seja ainda mais
elevada, estando relatada em até 70% das mulheres e 56% dos homens1. Uma
recente colaboração internacional «The Vein Consult Program» demonstrou que 60%
dos mais de 91.000 indivíduos avaliados com base nos critérios CEAP
apresentavam DVC entre C1 e C62. Os recursos humanos, técnicos e orçamentais
necessários para permitir o tratamento de uma patologia tão prevalente são
enormes3. Sendo a DVC uma patologia historicamente considerada ligeira e
benigna, numa altura de contenção orçamental generalizada, há já países que não
estão a oferecer tratamento a todos os doentes diagnosticados3,4. Torna-se,
assim, imperativo conhecer as consequências da DVC e realçar os benefícios do
seu tratamento cirúrgico5,6.
A melhoria de outcomesdomina a prática da cirurgia vascular. Enquanto a
diminuição da mortalidade, do risco de AVC e do risco de amputação são
facilmente compreendidos como os objetivos de determinadas cirurgias arteriais,
os outcomesa avaliar na cirurgia de varizes são menos intuitivos. No sentido de
comparar os resultados nacionais com a literatura internacional é importante
definir um conjunto claro e validado de outcomes. Para maximizar os benefícios
do tratamento cirúrgico das VV é igualmente importante perceber quais os
cirurgiões mais aptos para promover um tratamento eficaz e com o mínimo de
comorbilidades7. Nesse sentido, será importante comparar os resultados obtidos
entre as diferentes especialidades que operam as varizes em Portugal.
Este artigo propõe a criação de um protocolo de avaliação centrado em
outcomesvalidados internacionalmente. É também elaborada uma revisão com o
objetivo de destacar as diferentes áreas em que a DVC afeta a vida de um doente
e de sistematizar, com base na evidência atual, as vantagens do seu tratamento
cirúrgico.
Insuficiência venosa crónica: uma doença inofensiva?
A sensação de peso, cansaço, dor e edema dos membros inferiores que se agrava
ao longo do dia, típica da DVC, é facilmente subvalorizada pelos agentes
reguladores da saúde8. Estes sintomas aparentemente inocentes podem, contudo,
mascarar um conjunto de problemas que não devem de todo ser desconsiderados.
A DVC é uma patologia progressiva onde aproximadamente 30% dos doentes têm um
agravamento de 2 ou mais classes CEAP após 5 anos sem tratamento9. O
prognóstico de um doente com úlcera venosa é desanimador, sendo esta uma
condição de difícil tratamento e sucessivas recorrências10,11. Também o seu
impacto socioeconómico é dramático, com estimativas a apontar para a perda de 2
milhões de dias de trabalho por ano só em Portugal12e reforma antecipada em
mais de 12% dos doentes12.
Contudo, não é só nos estádios mais avançados da DVC que é possível objetivar
alterações importantes no quotidiano dos doentes. A qualidade de vida de um
doente com insuficiência venosa tem sido amplamente estudada na última década e,
mesmo nas fases mais precoces da DVC (CEAP C1 e C2), foi possível demonstrar
alterações importantes13,14. Até serem publicados os primeiros estudos, esta
patologia nos seus estádios mais precoces era considerada maioritariamente
cosmética, afetando principalmente a estética e autoestima dos doentes. De
facto, foi inicialmente Kurz et al. que em 2001 descreveram que eram
maioritariamente as dimensões físicas do questionário SF36 as que registavam
maiores alterações na DVC15. Estes dados foram corroborados por Kaplan et al.
numa população de maiores dimensões (SanDiegoPopulationStudy)13. A dimensão em
que a DVC afeta a qualidade de vida dos doentes ganhou uma nova dimensão com o
recente trabalho de Sritharan at al., que descreveram que até 30% dos doentes
com doença venosa sintomática apresentam critérios de depressão crónica16.
Outra dimensão que não deve ser desvalorizada é a relação entre a DVC e a
trombose venosa superficial (TVS) e profunda (TVP). O aumento do risco de TVS em
doentes com VV está bem descrito17--19. Se a TVS foi no passado considerada uma
patologia benigna de menor importância, estudos recentes vieram alertar para a
elevada percentagem de doentes com TVP concomitante20,21. De facto, Galanaud et
al. descrevem, numa amostra de 788 doentes com TVS, a presença de TVP em 29%
dos doentes20, enquanto o grupo«Prospective Observational Superficial
Thrombophlebitis» (POST) relatou a sua presença em 25% dos 844 doentes
avaliados com TVS21. Independentemente do aumento do risco de TVS, foi descrita
recentemente uma relação relevante entre a DVC e a TVP22. Com efeito, Müller-
Bühl et al. avaliaram uma população superior a 83 mil indivíduos e descreveram
um aumento importante do risco de TVP em doentes com VV (odds ratioajustado de
7,33)22.
Cirurgia de varizes: análise de outcomes
O que esperar após a cirurgia de varizes
Os benefícios do tratamento cirúrgico das varizes, que vão desde uma importante
melhoria da qualidade de vida à diminuição de diversas complicações associadas
à DVC5,23, são irrefutáveis. A cirurgia mantém-se, por isso, como o gold
standarddo tratamento da DVC classe C2 a C623.
O impacto da cirurgia de varizes na qualidade de vida dos doentes com DVC é
provavelmente o outcomemais claro e simples de avaliar. Existe atualmente
evidência indiscutível a suportar uma melhoria importante em todos os domínios
de qualidade de vida relacionada com a saúde após a cirurgia de varizes24,25.
Os custos globais desta melhoria de qualidade de vida foram quantificados por
Ratcliffe et al., que demonstram que a cirurgia de varizes custa ao sistema de
saúde do Reino Unido 4.682 £ por quality-ajusted live year(QALY), um valor bem
abaixo das 20.000 £ que aquele sistema de saúde está disposto a pagar por
QALY26.
Em doentes com DVC mais grave (CEAP C5 e C6), a cirurgia de varizes demonstrou
ser um poderoso instrumento para diminuir a recorrência da úlcera venosa,
embora não tenha demonstrado ser mais eficaz que a compressão isolada na
cicatrização da mesma26,27. A diminuição do risco de progressão da DVC é mais
difícil de avaliar, uma vez que sendo uma doença de evolução lenta não é
eticamente correto randomizar um grupo de doentes com DVC classes C2-3 com e
sem tratamento cirúrgico por diversos anos. Contudo, extrapolações da base de
dados dos serviços de saúde suecos estimam que será necessário operar 100
doentes com DVC classe C2-C3 e 10 doentes classe C4 para evitar o aparecimento
de uma úlcera venosa28.
O grau de recorrência após o tratamento cirúrgico mantém-se desanimador,
estando descrita recorrência clínica em até 50% dos doentes 5 anos após serem
submetidos a cirurgia29. O grau de recorrência avaliado por eco-Doppler é ainda
maior, com perto de 70% dos doentes a apresentar recorrência detetada por eco-
Doppler passados 5 anos29.
Influência da técnica cirúrgica no resultado da cirurgia de varizes
Nos últimos anos foi possível observar o desenvolvimento e massificação das
novas técnicas de cirurgia de varizes. Inclusivamente, a cirurgia endovenosa já
é proposta como a primeira linha de tratamento para as VV nas últimas
guidelinesda SVS e American Venous Forum23.É, contudo, importante realizar uma
análise imparcial da melhor evidência disponível a comparar as diferentes
técnicas cirúrgicas. Foram publicadas em 2014 e 2015 3 meta-análises que
demonstram uma aparente homogeneidade entre as diferentes técnicas, quer em
termos de recorrência quer em termos de melhoria na qualidade de vida do
doente30--32. Adicionalmente, uma técnica que não deve ser desprezada é a
cirurgia de varizes por «Cure Conservatrice et Hemodynamique de l'Insufficience
Veineuse en Ambulatoire» (CHIVA), uma vez que tem o potencial de restaurar a
dinâmica do fluxo sanguíneo de uma forma minimamente invasiva. De facto, uma
recente meta-análise publicada na Cochranerefere que o método CHIVA está
associado a menor taxa de recorrência e a menos efeitos laterais que o
strippingclássico33. Este procedimento tem ainda a vantagem de preservar o
património venoso dos doentes que dessa forma se mantém disponível para no
futuro ser usado como bypassarterial.
Cirurgia vascular versus cirurgia geral: há diferenças nos outcomes?
A cirurgia de varizes é singular no sentido em que há diversas especialidades
cirúrgicas a operar esta patologia. Particularmente, em Portugal, a cirurgia
geral é responsável por uma percentagem importante, mas desconhecida, das
cirurgias de varizes. Do nosso conhecimento, apenas um estudo retrospetivo, de
pequeno volume, comparou os resultados desta cirurgia entre cirurgia geral e
vascular num centro único finlandês34. Neste estudo é descrito que os doentes
operados por cirurgia geral apresentam maior taxa de recorrência da doença,
avaliada por eco-Doppler, 3 anos após a cirurgia34. A preocupação de que a
cirurgia geral possa estar a operar as varizes de forma subótima também já foi
levantada em Espanha7. Um estudo comparativo, baseado em outcomesclaros e bem
definidos, da cirurgia de varizes realizada por cirurgiões vasculares e
cirurgiões gerais será de enorme interesse.
O desenvolvimento de um protocolo de avaliação
A criação de um protocolo de avaliação da cirurgia venosa em Portugal deverá
incluir uma série de componentes que abranjam a avaliação pré-operatória dos
doentes, a técnica cirúrgica utilizada e os resultados da mesma. No sentido de
comparar os doentes operados por cirurgiões vasculares e cirurgiões gerais será
importante incluir indivíduos com patologia semelhante e submetidos à mesma
técnica cirúrgica. O protocolo proposto encontra-se esquematizado na figura_1.
A avaliação por eco-Doppler venoso de todos os doentes com sintomas de DVC é
uma indicação classe 1A das mais recentes guidelinesde doença venosa23. Avaliar
se todos os doentes que são submetidos a cirurgia de varizes realizaram
previamente um eco-Doppler venoso será por isso de enorme importância. Está
descrito que o mapeamento venoso com eco-Doppler no momento da cirurgia melhora
os outcomesda mesma35, embora resultados opostos já tenham sido publicados36.
Terá interesse avaliar a taxa de doentes operados com o apoio de eco-Doppler
para mapeamento venoso e se este procedimento afeta os resultados da cirurgia.
O nosso protocolo contempla a avaliação da realização deste exame antes e no
momento da cirurgia de varizes (fig._1).
A lesão do nervo safeno é uma complicação bem descrita do strippingda veia
safena magna (VSM)37. Esta complicação é consideravelmente mais frequente se
for realizado strippinglongo (até ao tornozelo) em comparação com o curto (até
ao joelho) da VSM38,39. Embora a lesão do nervo safeno esteja associada a algum
desconforto, há autores que questionam se esta complicação deve influenciar a
escolha da técnica cirúrgica40,41. Propomos avaliar a percentagem de doentes
tratados por strippingcurto versus longo e avaliar se a diferença técnica
altera o seu outcome(fig._1).
Foram desenvolvidos diversos questionários com o objetivo de avaliar
especificamente a qualidade de vida relacionada com a patologia venosa crónica,
tendo o seu desenvolvimento e validação sido detalhadamente descritos por
Vasquez numa recente revisão42. Um dos mais utilizados é o «Chronic Venous
Insufficiency Questionnaire» (CIVIQ)43,44, inicialmente desenvolvido por
Launois45e recentemente simplificado e validado por um grupo coordenado pelo
professor Armando Mansilha, tendo sido criado o CIVIQ-1446. O CIVIQ-14 é
formado por 14 perguntas que abrangem 3 dimensões dor, física e psicológica,
variando o resultado entre 14 (melhor qualidade de vida) e 70 (pior qualidade
de vida). O resultado bruto obtido pode ser convertido num scoreglobal de 0-100
conforme as normas fornecidas pelos autores46. O CIVIQ-14 encontra-se
atualmente amplamente validado e o seu resultado correlaciona-se quer com a
gravidade clínica da patologia venosa (com base no CEAP), quer com os restantes
inquéritos específicos da doença, bem como de qualidade de vida geral
relacionada com a saúde47. O protocolo de avaliação que propomos inclui a
avaliação do scoreCIVIQ-14 antes e depois da cirurgia de varizes (no mínimo 6
meses após) (fig._1).
Muitos dos outcomesassociados à cirurgia de varizes são de maior subjetividade
e dependem da perceção de cada doente operado. A escala visual analógica (EVA)
é um importante instrumento de medição para caraterísticas subjetivas que não
são facilmente mensuráveis de forma direta. A dor pós-operatória é um fator
relevante na avaliação de qualquer procedimento cirúrgico e é um dos sintomas
mais frequentemente medidos por EVA48. No nosso protocolo é incluída a
avaliação da dor numa escala de 1-5, nos dias que imediatamente se seguem à
cirurgia (fig._1). A cirurgia de varizes tem uma componente estética inegável,
sendo esta a principal razão da cirurgia em aproximadamente 26% dos doentes
operados49. A perceção cosmética é uma caraterística que pela sua subjetividade
é dificilmente mensurável de forma direta. As varizes residuais e as cicatrizes
após a cirurgia são 2 dos maiores componentes com importância estética na perna
submetida a cirurgia de varizes. Propomos a avaliação por EVA, de uma escala de
1-5, do número de varizes residuais que cada doente perceciona após a cirurgia
(onde 1 é nenhumae5é numerosas) e da estética das cicatrizes operatórias (onde
1 corresponde a serem impercetíveis e 5 corresponde a serem deformadoras) (fig.
1). Também propomos avaliar por EVA a satisfação geral com o procedimento (fig.
1).
Uma vez que a cirurgia de varizes não é um procedimento curativo e que uma
percentagem importante dos doentes tem recorrência da doença29, será
interessante perceber qual a percentagem de doentes que seria de novo submetida
a cirurgia em caso de reaparecimento dos sinais e sintomas da doença (fig._1).
Face à enorme prevalência da DVC, a cirurgia de varizes é um dos mais
frequentes procedimentos cirúrgicos em Portugal. O período de inatividade
laboral que se segue a esta cirurgia pode por isso significar a perda de milhões
de dias de trabalho por ano. O nosso protocolo propõe avaliar o número de dias
de ausência laboral após a cirurgia (fig._1). Também propomos avaliar o número
de dias de total dependência de terceiros para as atividades de vida diárias
(AVD) e, dessa forma, estimar o número de perda secundária de dias de trabalho
(fig._1). Com o objetivo de analisar o número total de dias com limitações
associados à cirurgia de varizes, é incluída a avaliação do tempo necessário
para retomar a atividade física (fig._1).
Conclusão
A DVC é uma patologia ubíqua e de inegável gravidade. A cirurgia de varizes
mantém-se na primeira linha do seu tratamento e não há, até ao presente,
evidência que confira vantagens inequívocas às novas técnicas endovenosas. Até
ao presente, nenhum estudo comparou de forma clara os resultados desta cirurgia
realizada por cirurgiões vasculares e cirurgiões gerais. Propomos a criação de
um protocolo de avaliação, que inclua os parâmetros previamente referidos (fig.
1), permitindo a comparação desta cirurgia entre as especialidades de cirurgia
vascular e cirurgia geral, possibilitando a avaliação dos resultados nacionais
à luz da literatura internacional.
Responsabilidades éticas
Proteção de pessoas e animais.Os autores declaram que para esta investigação
não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dados.Os autores declaram que não aparecem dados de
pacientes neste artigo.
Direito à privacidade e consentimento escrito.Os autores declaram que não
aparecem dados de pacientes neste artigo.
Conflito de interesses
Os autores declaram não haver conflito de interesses.