Falsos aneurismas traumáticos da artéria renal a nossa experiência
Introdução
Os aneurismas e as fístulas arteriovenosas (FAV) da artéria renal são entidades
raras. Geralmente, são assintomáticas, mas as suas manifestações clínicas podem
ser variadas.
Os falsos aneurismas (FA) da artéria renal estão normalmente associados a
traumatismo prévio. Constituem complicações bem documentadas de cirurgia renal,
nomeadamente da nefrectomia parcial, e de procedimentos percutâneos renais como
biópsia, nefrostomia e nefrouretelolitotomia1. Podem também estar associados a
traumatismo abdominal aberto/penetrante; raramente sur-gem após traumatismo
fechado/contusão abdominal2. Estas lesões apresentam maior tendência a rutura,
sendo potencialmente fatais.
Os FA da artéria renal surgem após lesão da parede arterial, que origina uma
hemorragia. Esta é inicialmente contida pelos tecidos envolventes, nomeadamente
o parênquima e a cápsula renal,3e a pressão que as mesmas exercem, pela
coagulação local e eventualmente por algum grau de hipotensão. Posteriormente,
vai haver uma degradação do coágulo formado, podendo ocorrer recanalização
entre os espaços intra e extravascular, e consequente formação do FA4.
Este pode crescer e erodir os tecidos envolventes, nomeadamente o sistema
pielocalicial, o que se traduz clinicamente pelo aparecimento de hematúria
macroscópica. Esta pode constituir manifestação clínica isolada da lesão. Pode
também causar erosão de uma parede venosa, estabelecendo-se assim uma
comunicação entre as duas circulações, isto é, uma FAV. O agravamento da função
renal não é uma manifestação típica destas lesões. Quando ocorre, é pela
presença de coágulos de sangue no sistema excretor (lesão renal aguda pós-
renal) ou pela combinação de hipotensão e hipovolémia (lesão renal aguda pré-
renal).
A indicação de tratamento destas lesões não é consensual, assim como o método a
ser utilizado.
Objetivo
Faz-se a revisão de doentes tratados no nosso serviço, com o diagnóstico de
falso aneurisma da artéria renal, no período de 2011-2015.
Material e métodos
Estudo retrospetivo dos doentes tratados com FA traumáticos da artéria renal,
no período de 2011-2015, incluindo manifestação clínica, diagnóstico,
tratamento e resultado em posterior controlo.
Resultados
Os resultados encontram-se apresentados na tabela_1.
Foram tratados 6 doentes, 4 do sexo masculino e 2 do sexo feminino, com uma
idade média de 59 anos (entre 42-80).
Em todos os casos, havia história recente de algum procedimento urológico,
nomeadamente nefrectomia parcial, nefrolitotomia percutânea ou biopsia renal.
A manifestação clínica inaugural foi hematúria macroscópica em 4 doentes,
instabilidade hemodinâmica em um doente e queda do valor de hemoglobina em um
doente.
O doente 1 foi submetido a nefrectomia parcial esquerda por cirurgia
convencional. Apresentou hematúria macroscópica no 7.◦dia de pós-operatório,
tendo realizado tomografia computadorizada (TC) no próprio dia, na qual foi
detetada lesão compatível com FA no polo inferior do rim esquerdo. Realizou
angiografia que identificou um FA com FAV associada, foi tratado no mesmo momento
com embolização com micro-coils. O doente 2 foi submetido a nefrectomia parcial
direita laparoscópica. Por episódio de retenção urinária aguda no 8.◦dia de
pós-operatório, por hematúria macroscópica observada após introdução de sonda
vesical, fez TC. Esta revelou imagem sugestiva de FA na dependência de ramo de
artéria polar superior, sem sinais de sangramento ativo, e imagem compatível
com urinoma infetado. Ao 16.◦dia de pós-operatório foi submetido a lombotomia
exploradora com rafia do excretor e do parênquima renal, com resolução da
sintomatologia. Por reaparecimento e manutenção de hematúria macroscópica,
realizou nova TC ao 42.◦dia de pós-operatório com manutenção de FA. Realizou
angiografia no próprio dia, com identificação de FA e FAV associada, tratado no
mesmo momento com embolização com micro-coils, com exclusão das lesões. O
doente 3 (fig._1) foi submetido a nefrolitotomia percutânea. Por hematúria
macroscópica persistente, realizou TC no 10.◦dia de pós-operatório com
identificação de FA. No próprio dia realizou angiografia, que confirmou o
diagnóstico, e procedeu-se a embolização com micro-coils no mesmo ato, que
excluiu a lesão. O doente 4 foi submetido a nefrolitotomia percutânea e a
manifestação clínica que motivou realização de TC foi manutenção de hematúria
persistente no pós-operatório. Estabelecido o diagnóstico de FA por TC, foi
realizada angiografia que confirmou o diagnóstico de FA em artéria lobar distal e
foi terapêutica no mesmo ato, com recurso a embolização com micropartículas. O
doente 5 (fig._2) foi submetido a biopsia renal. Por queda no valor de
hemoglobina em hemograma de controlo com necessidade de suporte transfusional,
realizou TC ao 10.◦dia após intervenção. Esta revelou imagem compatível com FA
no polo inferior do rim esquerdo. Foi realizada angiografia com identificação do
FA e o tratamento foi efetuado no mesmo momento, com embolização com micro-
coils que excluiu a lesão. O doente 6 foi submetido a biopsia renal, por
instabilidade hemodinâmica realizou TC no próprio dia, que revelou volumoso
hematoma retroperitoneal com extravasamento de contraste. Realizou nova TC ao
2.◦dia após a intervenção, com manutenção dos achados. Foi submetido a
angiografia no próprio dia, que confirmou o diagnóstico de FA e na qual se
procedeu a tratamento com embolização com micro-coils.
Assim, o diagnóstico foi feito por TC em todos os casos, posteriormente
confirmado por angiografia, tendo sido realizado no mesmo ato embolização
terapêutica. Dois doentes apresentavam falso aneurisma e FAV concomitante.
O tratamento foi feito por oclusão arterial em todos os doentes, 5 dos quais
com micro-coils e um com recurso a micropartículas. O acesso vascular foi
obtido por punção da artéria femoral comum direita em todos os casos. Para
cateterização da artéria renal foi preferencialmente utilizado o cateter guia
RDC 6 French (6 F), a cateterização seletiva do ramo arterial pretendido foi
feita com recurso ao cateter Cobra 5 French (5 F), com posterior embolização
com microcateter. Após se conseguir a cateterização suprasseletiva do ramo
aferente ao falso aneurisma, procedeu-se à oclusão arterial, nomeadamente com
recurso a embolização com micro-coils. O tamanho dos micro-coils utilizados
variou entre 3-4 mm. O número utilizado variou entre os procedimentos, até
obtenção de bom resultado final, com resolução do falso aneurisma.
Em nenhum dos casos houve agravamento da função renal em estudo analítico de
controlo. Em todos os doentes foi obtido sucesso.
Discussão/Conclusões
Em todos os doentes avaliados, um procedimento do aparelho renal/excretor
antecedeu o evento, podendo estabelecer-se uma relação causal e entender-se as
lesões como iatrogénicas.
Os FA da artéria renal são lesões graves, potencialmente fatais. Estão bem
documentadas como complicações possíveis de alguns procedimentos urológicos,
como a nefrectomia parcial, a nefrolitotomia e a biopsia renal. Relativamente à
nefrectomia parcial, há que salientar o número crescente deste procedimento. Em
parte, pela maior incidência de tumores renais, constituindo muitas destas
lesões incidentalomas, e, por outro lado, pelo esforço no sentido de preservar
a função renal, o que é conseguido com recurso à nefrectomia parcial em
detrimento da total. Sendo a tendência atual a cirurgia laparoscópica, ainda a
referir a maior incidência de FA da artéria renal após nefrectomia parcial
laparoscópica comparativamente à cirurgia convencional5. Várias explicações
possíveis são apontadas, entre elas, a pressão exercida pelo
pneumoretroperitoneu, que poderá impedir hemorragia de alguns vasos lesados
durante o procedimento que irão posteriormente sangrar, e também a maior
laxidão dos pontos de sutura. Ainda assim, o balanço é a favor do procedimento
laparoscópico, pelo que a tendência será o aumento deste procedimento e, com
ele, das suas complicações. É ainda importante referir que os FA da artéria
renal podem representar complicações de procedimentos endovasculares, podendo
surgir após angioplastia ou stenting das artérias renais, assim como na
sequência de procedimentos complementares no tratamento de aneurismas com
próteses ramificadas ou fenestradas, e a nossa instituição não tem experiência
nestes casos. Deste modo, é expectável um aumento da incidência de FA da
artéria renal.
O aparecimento de hematúria ou a sua manutenção prolongada após procedimentos
renais, por vezes acompanhada por dor no flanco, deve levar à suspeição de
doença renovascular. Geralmente, estas manifestações surgem nas primeiras
semanas após a cirurgia, mas podem ocorrer várias semanas a meses depois. A TC
é o exame de eleição para o despiste destas lesões, sendo a angiografia o gold
standard para o diagnóstico, devendo ser terapêutica no mesmo ato. No caso de
grande suspeita clínica e um estudo de imagem por TC negativo, deve ser
realizada angiografia.
A história natural destas lesões varia desde resolução espontânea até rutura6.
Deste modo, a indicação de tratamento não é consensual. Se para lesões em
expansão em doentes hemodinamicamente instáveis a necessidade de tratamento se
impõe, para lesões estáveis em doentes, sem qualquer repercussão hemodinâmica,
a indicação de tratamento da lesão está ainda longe de consenso.
Relativamente às opções de tratamento, tratando-se na maioria dos casos de
lesões intraparenquimatosas, envolvendo vasos de pequeno calibre, a cirurgia
convencional tem poucas alternativas terapêuticas para além da nefrectomia.
Assim, o tratamento endovascular é o único que poderá minimizar a perda de
tecido renal, sendo a embolização o mais frequentemente utilizado. Vários
agentes estão disponíveis para embolização, sendo os coils e micro-coils os
preferidos para tratamento destas lesões7. Nos casos apresentados, procedeu-se
a embolização com micro-coils em 5 casos e com micropartículas em um caso, uma
vez que se tratava de uma artéria de menor tamanho (artéria lobar distal). A
embolização com recurso a coils mostrou-se um método seguro e efetivo para o
tratamento deste tipo de lesões8. Tratando-se de circulação terminal, a oclusão
de um ramo proximal é um método eficaz de tratamento. Sendo um método
minimamente invasivo, a morbilidade associada é menor quando comparada à
cirurgia convencional9.As complicações da embolização incluem dissecção
acidental da artéria renal, síndrome pós-embolização e agravamento da função
renal. A função renal pode ser adversamente afetada pela nefrotoxicidade do
material de contraste usado e pela desvascularização de uma porção do
parênquima renal saudável como consequência direta da embolização, tanto maior
quanto mais proximal for a mesma. A embolização suprasseletiva com recurso a
micro-coils minimiza este último efeito sobre o parênquima renal. A
cateterização suprasseletiva do ramo arterial pretendido, por vezes laboriosa,
foi conseguida com recurso ao material já referido. Dos doentes apresentados,
em nenhum ocorreu agravamento da função renal provavelmente reflexo da presença
de rim contralateral funcionante e traduzindo a perda mínima de tecido renal,
associada a embolização suprasseletiva. O tratamento endovascular é normalmente
realizado no mesmo ato, imediatamente após a realização da angiografia
diagnóstica. Em FA de artérias de maior calibre, o tratamento poderá ser feito
com recurso a stents recobertos.
Todos os nossos casos foram tratados com sucesso, como demonstrado clinicamente
e por TC de controlo. Assim, na nossa experiência, o tratamento endovascular
mostrou-se um método de tratamento eficaz dos FA traumáticos renais
intraparenquimatosos.
Responsabilidades éticas
Proteção de pessoas e animais.Os autores declaram que para esta investigação
não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dados.Os autores declaram que não aparecem dados de
pacientes neste artigo.
Direito à privacidade e consentimento escrito.Os autores declaram que não
aparecem dados de pacientes neste artigo.
Conflito de interesses
Os autores declaram não haver conflito de interesses.