Hipertensão renovascular no contexto de arterite de Takayasu: a propósito de um
caso clínico
Introdução
A arterite de Takayasu é uma doença inflamatória crónica, idiopática e rara que
envolve a aorta, os seus principais ramos, as artérias pulmonares e as
coronárias1-3. A sua incidência apresenta uma variação geográfica, sendo mais
frequente na Ásia, África do Sul, Mediterrâneo e América Latina1-3. A doença
surge habitualmente na segunda ou terceira décadas de vida e verifica-se uma
preponderância feminina na ordem dos 80-90% dos casos, na maioria das séries
publicadas1-3.
A arterite de Takayasu manifesta-se histopatologicamente como uma panarterite
granulomatosa, com inflamação mediada por células, traduzindo-se por
espessamento da adventícia, infiltração leucocitária da camada média e
hiperplasia da íntima. Estas alterações inflamatórias resultam habitualmente em
estenose ou oclusão arterial, podendo, em casos raros, progredir para doença
degenerativa da média e dilatação aneurismática1-3.
A etiologia da doença permanece desconhecida, apesar de um artigo, publicado
relativamente a um estudo efetuado durante a autópsia de 107 cadáveres, ter
demonstrado uma associação entre a arterite de Takayasu e a tuberculose, da
mesma forma como alguns autores defendem uma associação entre a doença e o
sistema do antigénio leucocitário humano (HLA), nomeadamente os HLA-B5 e HLA-
B39 (este último reportado com maior frequência nos doentes com estenose da
artéria renal)4,5.
Clinicamente, a arterite de Takayasu pode manifestar-se em 3 fases distintas: a
primeira fase é caracterizada por sintomas constitucionais, como a febre,
mialgias, artralgias, anorexia, perda ponderal e cefaleias; a segunda fase diz
respeito à inflamação arterial, manifestando-se por dor ou hipersensibilidade
localizada, como é o caso da carotidínia; a terceira fase, a qual está
relacionada com a fibrose ou degeneração aneurismática arterial, manifesta-se
por sintomas e sinais de isquemia, como a claudicação de membros, dor torácica,
amaurose fugaz, acidente isquémico transitório, hipertensão arterial sistémica
ou pulmonar, ausência ou diminuição de pulsos periféricos, sopros arteriais e
assimetria de valores de tensão arterial nos membros superiores3,6.
Os critérios de diagnóstico atualmente aceites são os propostos por Sharma, em
que a combinação de 2 critérios major, de um critério major e 2 minor, ou de 4
critérios minor apresenta uma sensibilidade de 92,5-96% e uma especificidade de
95-96% no diagnóstico da doença de Takayasu (tabela_1)1,2,6.
O envolvimento de artérias viscerais na doença de Takayasu ocorre em 11-68% dos
casos, sendo a artéria renal a mais frequentemente envolvida (24-68%), o que
pode resultar em hipertensão renovascular e comprometimento da função renal1-3.
A publicação deste caso clínico tem como objetivos a apresentação de um caso
bem-sucedido de tratamento por intervenção endovascular de hipertensão
renovascular refratária à terapêutica médica associada a arterite de Takayasu e
uma revisão da literatura relacionada com este tema.
Caso clínico
Caso clínico de uma mulher de 58 anos, com antecedentes de arterite de Takayasu
diagnosticada aos 47 anos de idade. À data do diagnóstico, a doente apresentava
claudicação incapacitante do membro superior direito, ausência de pulsos
arteriais no referido membro, febre e aumento da velocidade de sedimentação
eritrocitária (118 mm), tendo sido submetida a arteriografia do referido membro
com diagnóstico de oclusão de artéria subclávia. Nessa data, foi iniciada
prednisolona na dose de 60 mg por dia, com diminuição progressiva da dose
durante um mês, até atingir 5 mg por dia, data em que a velocidade de
sedimentação diminuiu para 19 mm, tendo-se procedido a bypass carotídeo-
subclávio à direita. Aos 51 anos, por evolução de claudicação do membro
superior esquerdo para dor em repouso, com diagnóstico arteriográfico de oclusão
de artéria subclávia esquerda, foi submetida a bypass carotídeo-subclávio à
esquerda. Aos 58 anos de idade, a doente inicia hipertensão arterial, com
valores de tensão arterial sistólica entre 160-180 mmHg, refratária a
terapêutica com propanolol 40 mg, 2 vezes por dia; indapamida 2,5 mg, uma vez
por dia; enalapril 20 mg, 2 vezes por dia e amlodipina 10 mg, uma vez por dia.
Nesta fase é importante mencionar que, na tentativa de aumentar a dose diária
de propanolol, a doente desenvolveu bradicardia sintomática (frequência
cardíaca entre 40-45 bpm, associada a eventos de síncope).
A doente apresentava permeabilidade de ambos os bypasses carotídeo-subclávios,
sem evidência de estenoses, função renal dentro da normalidade, sem evidência
de lesão de órgãos-alvo, com evidência imagiológica de parênquima renal de
diferenciação dentro da normalidade e rins de 10 cm de dimensões. É importante
salientar que, nesta data, a doente encontrava-se numa fase inativa da doença,
encontrando-se apirética, com uma velocidade de sedimentação de 18 mm e sem
terapêutica corticoide ou imunossupressora instituída. A doente foi submetida a
arteriografia aortovisceral, após realização de angiodinografia aortorrenal que
não foi conclusiva, através de punção femoral comum retrógrada à direita,
introdução de bainha arterial de calibre 5 French na mesma artéria e cateter
pigtail 5 French na aorta abdominal suprarrenal. O resultado imagiológico
demonstrou estenose superior a 70% do segmento médio da artéria renal direita
(fig._1), pelo que decidiu-se proceder a terapêutica endovascular imediata,
através de cateterização seletiva do óstio da artéria renal direita com cateter
Cobra 2, 5 French, ultrapassagem da lesão com fio guia hidrófilo 0,035 e a
angioplastia transluminal de estenose da artéria renal com balão de 4 x 20 mm
de dimensões (fig._2). Não houve necessidade de utilização de cateter guia ou
de bainha longa neste procedimento.
O procedimento descrito decorreu sem intercorrências, com confirmação
arteriográfica de sucesso técnico do mesmo e sem complicações (fig._3). A doente
teve alta no dia seguinte ao procedimento, assintomática, com valores de tensão
arterial dentro dos parâmetros normais, sem necessidade de terapêutica anti-
hipertensora, mantendo esta estabilidade clínica aos 30 dias de follow-up.
Durante o follow-up a longo prazo, aos 10 meses, a doente mantém tensão
arterial estável, com valores de tensão arterial sistólica entre 120-138 mmHg e
de diastólica entre 70-85 mmHg, sem qualquer terapêutica anti-hipertensora
administrada.
Discussão
A artéria renal é a artéria visceral acometida com maior frequência na doença
de Takayasu, sendo a estenose a sua lesão mais comum, o que pode manifestar-se
por hipertensão renovascular refratária à terapêutica médica e comprometimento
da função renal1,7. O diagnóstico desta patologia pode ser obtido por
angiodinografia renal, tomografia computadorizada angiográfica (angio TC),
ressonância magnética angiográfica (angio RMN) ou arteriografia de subtração
digital aortovisceral1,3.
O tratamento da estenose da artéria renal está indicado na arterite de Takayasu
quando o doente manifesta hipertensão arterial não controlada apenas com um
fármaco e evidência angiográfica de uma estenose igual ou superior a 70%, ou com
um gradiente de pressão superior a 20 mmHg1. A terapêutica de eleição atual é a
intervenção endovascular com angioplastia da estenose renal, devendo o
stentingser reservado para os casos de insucesso técnico ou complicações1,3. A
atividade da doença deve ser avaliada e excluída previamente ao tratamento,
pois está associada a recidiva de estenose e a estenose intra-stent, pelo que
os procedimentos de revascularização não devem ser efetuados nesta fase (quando
a velocidade de sedimentação seja superior a 25 mm)1,8.
A angioplastia é considerada tecnicamente bem-sucedida quando o lúmen arterial
apresenta uma estenose residual inferior a 30%; o diâmetro do lúmen arterial
apresenta, no mínimo, um crescimento 50% superior ao diâmetro prévio ao
tratamento; o gradiente de pressão arterial é inferior a 20 mmHg e diminuiu 15
mmHg, no mínimo, relativamente ao gradiente prévio1. O sucesso clínico, por
outro lado, define-se como cura (quando os valores de tensão arterial após o
procedimento se encontram dentro dos parâmetros normais, sem necessidade de
terapêutica anti-hipertensora); melhoria (quando há, pelo menos, uma redução de
15% no valor da pressão arterial diastólica ou esta se encontra inferior a 90
mmHg, com um número de fármacos anti-hipertensores inferior ao número prévio) e
insucesso (sem alteração dos valores de tensão arterial após o procedimento)1.
O follow-up aconselhado inclui a avaliação da tensão arterial e da terapêutica
anti-hipertensora administrada pelo doente no dia seguinte ao procedimento, uma
semana após o mesmo, às 4 semanas, 6 semanas e a partir dessa data deverá ser
efetuado semestralmente. A arteriografia está aconselhada no follow-up apenas
quando se dá uma recidiva da HTA1.
O sucesso técnico da angioplastia da estenose da artéria renal, nas diferentes
séries publicadas, varia entre 89-100% e o sucesso clínico entre 89-91% (tabela
2)1,3,8-12.
As complicações secundárias à angioplastia da artéria renal, publicadas nas
diferentes séries, incluem as complicações relacionadas com a punção da artéria
femoral, como o hematoma da coxa, o falso aneurisma femoral e a fístula
arteriovenosa femoro-femoral, e as complicações relacionadas com a angioplastia
per si, como o espasmo da artéria renal e a dissecção oclusiva1,3.
A taxa de reestenose da artéria renal varia entre 14-20%, sendo o risco mais
elevado nos doentes que apresentem doença aórtica concomitante, estenose
proximal, lesão longa ou doença clinicamente ativa. Nas séries publicadas,
todos os casos que apresentaram reestenose da artéria renal foram tratados com
sucesso1,3,8-12.
O stenting primário está desaconselhado no tratamento da arterite de Takayasu
por diversos motivos. Em primeiro lugar, os doentes são jovens, o espasmo da
artéria renal é frequente, assim como a presença de doença aórtica perirrenal,
o que dificulta a implantação do stent; a doença aorto-ostial e o comprimento da
estenose renal com envolvimento da bifurcação da artéria renal comprometem as
zonas de fixação proximal e distal do stent. Em segundo lugar, a natureza rígida
da estenose pode impedir a completa expansão do stent, mesmo a altas pressões,
aumentando o risco de estenose intra-stent no futuro. Em terceiro lugar, a
propensão à exacerbação da atividade da doença aumenta o risco de hiperplasia
da íntima que, por sua vez, aumenta o risco de estenose intra-stent, a qual é
muito difícil de reverter com a angioplastia, mesmo quando utilizados cutting
balloons. Em quarto e último lugar, o stenting das artérias renais complica uma
eventual revascularização cirúrgica das mesmas porque, ao cobrir o segmento
extra-hilar da artéria, compromete a construção de uma anastomose distal1,3.Um
estudo retrospetivo, efetuado com o objetivo de comparar os resultados a longo
prazo entre os doentes com estenose da artéria renal secundária a arterite de
Takayasu tratados por angioplastia versus implantação de stent, demonstrou
taxas de sucesso técnico e clínico semelhantes em ambos os procedimentos (95 e
87%, respetivamente), com uma taxa de reestenose significativamente inferior no
grupo da angioplastia (8% versus 66%). Relativamente à taxa de permeabilidade
aos 5 anos, nos doentes tratados por angioplastia esta correspondia a 91,7%, ao
passo que, nos doentes submetidos a stenting, a mesma taxa era de apenas
33,3%10. No entanto, a fibrose associada às lesões da arterite de Takayasu pode
condicionar fenómeno de recoile estenose residual, o que obriga a recorrer ao
stentingsecundário/bail-out stentingem alguns casos.
A complexidade das alterações patológicas na parede arterial da aorta e dos
seus ramos, na doença de Takayasu, tornam a revascularização cirúrgica difícil,
assim como os bypasses estão associados a uma elevada prevalência de oclusão e
de taxa de recidiva de estenose e a uma incidência de falsos aneurismas de 12-
14% aos 20 anos, pelo que a intervenção cirúrgica deve ser delegada em prole da
intervenção endovascular1,3. No caso particular de estenose da artéria renal, a
intervenção cirúrgica deverá ser reservada para os doentes sintomáticos nos
quais a intervenção endovascular não foi bem-sucedida, ou que apresentem
oclusão da artéria renal ou lesão estenótica longa, ou então, quando se
verifique atingimento aórtico ou multivisceral concomitante, pois nestes casos a
intervenção cirúrgica convencional é considerada o tratamento de primeira
linha8.
Conclusão
A angioplastia da estenose da artéria renal na doença de Takayasu é um método
seguro, eficaz e pouco invasivo, associado a uma elevada taxa de permeabilidade
a longo prazo, pelo que atualmente constitui o tratamento de eleição desta
patologia. O stentingprimário não está indicado, dada a reduzida taxa de
permeabilidade a longo prazo e as implicações nas técnicas de revascularização
subsequentes, devendo, por isso, ser reservado para os casos de insucesso
técnico da angioplastia ou complicações relacionadas com a mesma. No futuro
serão necessários estudos relativamente à ação dos drug-eluting balloonse drug-
elluting stentsnesta patologia.
Responsabilidades éticas
Proteção de pessoas e animais.Os autores declaram que para esta investigação
não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dados.Os autores declaram que não aparecem dados de
pacientes neste artigo.
Direito à privacidade e consentimento escrito.Os autores declaram que não
aparecem dados de pacientes neste artigo.
Conflito de interesses
Os autores declaram não haver conflito de interesses.