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EuPTCVHe1647-21602011000100006

EuPTCVHe1647-21602011000100006

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN1647-2160
ano2011
Issue0001
Article number00006

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Implicações Psicológicas da Experiência Informal de Cuidar Implicações Psicológicas da Experiência Informal de Cuidar Introdução Os cuidadores, familiares ou não, são figuras centrais para a pessoa que padece de demência e a sua importância relaciona-se com a globalidade da pessoa. O papel por si desempenhado ultrapassa de sobremaneira a satisfação das necessidades básicas e é encarado pelas equipas de saúde como pedra basilar no esclarecimento do diagnóstico, no acompanhamento, na avaliação/intervenção e consecução dos planos terapêuticos.

O conhecimento pela equipa de saúde dos mecanismos de coping (Au et al., 2010), habitualmente usados pelo cuidador, potencia a intervenção partilhada e permite identificar situações que reclamam intervenção atempada. Sabe- se que estratégias de coping centradas no problema têm mais sucesso que as estratégias centradas nas emoções (Tschanz et al., 2010). São múltiplas as formas de demência o que se associa com maiores dificuldades de diagnóstico e maiores dificuldades para assumir perante a pessoa ou o seu familiar o aparecimento desta patologia com os riscos que este tipo de informação pode despoletar (Draper, Peisah, Snowdon, & Brodaty, 2009). Consequentemente também mais necessidade de esclarecimento ao cuidador (Rocca et al., 2011). A experiência de cuidar requer tarefas adaptativas pelas implicações psicológicas que provoca. Habitualmente o diagnóstico é feito numa fase avançada da doença mas segundo Jansen et al. (2011), nem sempre é benéfico para o cuidador conhecer precocemente o percurso da doença.

A reversibilidade de algumas demências leva a que as equipas de saúde intervenham rapidamente com o cuidador para repor a normalidade da pessoa e reduzir ao máximo os défices resultantes da presença de elementos responsáveis pelas alterações. O conhecimento da irreversibilidade de outras demências, como acontece, por exemplo, com as de origem vascular e que surgem na sequência de AVCs, conduz a equipa de saúde às atitudes de formação que visam a prevenção das potenciais demências integrando no acompanhamento de consultoria a importância da vigilância de saúde em geral e, particularmente, nas pessoas idosas. Perante processos demenciais de características não preveníveis, a atitude que deve nortear as equipas de saúde é relevante para permitir melhor qualidade de vida aos que deles possam padecer e àqueles que voluntariamente ou por falta de opção assumiram o nobre papel de cuidar (Ducharme, Lévesque, Lachance, Kergoat, & Coulombe, 2011). Sabe-se que no envelhecimento diferenças individuais marcadas, nos padrões de declínio cognitivo e de identidade (Caddell & Clare, 2009), relacionados com aspectos socioeconómicos, de escolaridade, de saúde física e outros, sendo necessário cuidado na análise dos resultados individuais. A relevância da história clínica, do exame clínico, da avaliação neuropsicológica e funcional indica o cuidador principal como parceiro no diagnóstico e elemento fulcral para viabilizar o plano de intervenção. O cuidador faz parte integrante do sucesso das intervenções farmacológicas ou não farmacológicas (Sotto Mayor, 2009). A escuta empática do cuidador permite identificar as suas dificuldades, reduzir riscos (Douglas, Letts, & Richardson, 2011), reconhecer momentos de satisfação, perceber o coping utilizado pelas famílias e potenciais alterações psicológicas, sendo um meio privilegiado para prevenir o aparecimento de sintomatologia depressiva. Todas as intervenções com a pessoa que padece de demência exigem a atenção do cuidador. Diversos estudos demonstram que existe correlação positiva entre os sintomas comportamentais e psicológicos na demência e a redução da funcionalidade com sensação de sobrecarga por parte do cuidador (Miyamoto, Tachimori, & Ito, 2010) e o sentimento de sobrecarga. A equipa de saúde, na posse desta informação, para todos, inquestionável, deve tomar consciência que da sua intervenção com os cuidadores resultará o sucesso ou não, para todos os envolvidos. Com este trabalho, as autoras pretendem produzir um texto em torno das implicações psicológicas associadas à actividade de cuidar através de uma aproximação à revisão sistemática sobre "caregiving".

Métodos e Técnicas Foi efectuada uma pesquisa na Elsevier e seleccionados da base de dados 9609 abstracts, referentes ao período de publicação compreendido entre 2002 e 2011, tendo como condição de procura, em todas as fontes e em todas as ciências, a temática de "caregiving". Seguiu-se uma procura mais específica considerando-se apenas os abstracts alusivos a "caregiving dementia" num total de 1624 ficando apenas com textos relacionados com cuidadores de doentes que padeciam de demência. Com base numa análise qualitativa destes 1624 abstracts foram seleccionados apenas 64 textos integrais, originais, tendo como critérios de selecção uma abordagem multidisciplinar da actividade de cuidar e a assumpção do acompanhamento dos cuidadores como condição inerente ao bem-estar da díade cuidador-idoso. Depois desta primeira análise de conteúdo foram escolhidos todos os textos que referiam "as implicações psicológicas do acto de cuidar".

Com referência a estas leituras e posteriores análises foi efectuada a produção deste texto de revisão subdividindo-o em "implicações psicológicas da experiencia informal de cuidar", "implicações psicológicas", "coping e cuidar" e "estratégias de intervenção".

Resultados/Discussão Subjacente à análise de conteúdo efectuada é assumida a posição pessoal das autoras da investigação face à temática em estudo bem como dos seus percursos profissionais de cuidadores formais e como investigadoras (Serrano, 1996). Este trabalho, tendo a realidade como premissa orientadora, não abarca toda a literatura publicada sobre o tema mas, obedece aos critérios predefinidos pelas investigadoras. Teve em conta a diversidade metodológica usada nos diferentes estudos, a solidez dos respectivos desenhos de investigação e o tipo e características das populações em análise.

Os diversos estudos sobre cuidadores informais indicam que estes estão sujeitos a grande sobrecarga (Garcés, Carretero, Ródenas, & Sanjosé, 2009). Para alguns autores trata-se mesmo de uma situação que ultrapassa a sua capacidade física e mental com vivência de grandes períodos de stress (Zarit, Charles, & Irene, 2008). É uma actividade que tem custos directos e indirectos com graves implicações sociais, problemas de saúde devidamente identificados, como depressão, ansiedade, distúrbios psicossomáticos, alterações imunológicas e alterações cardiovasculares (Yee & Schulz, 2000; Lee et al., 2003).

Alguns autores mencionaram também o desconforto emocional vivido pelos cuidadores e o impacto que esta vivência tem na pessoa alvo dos cuidados sendo que muitas vezes sofre uma queda na assistência, estando também mais sujeita a negligência e consequentemente à mercê de uma institucionalização precoce.

Por outro lado, a sobrecarga económica a que estas famílias estão sujeitas aumenta também a sensação de impotência pessoal levando estes cuidadores a ser consumidores do sistema de saúde, pondo em causa a sustentabilidade dos sistemas de protecção social e de saúde das gerações vindouras (Garcés, Carretero, Ródenas, & Alemán, 2010).

Implicações Psicológicas da Experiência Informal de Cuidar São múltiplas as implicações psicológicas que resultam da experiência de cuidar. O confronto com o diagnóstico de demência num familiar, requer da parte da pessoa cuidadora algumas tarefas adaptativas entre elas as relacionadas especificamente com a doença tais como: lidar com a dor, incapacidade e outros sintomas do doente; lidar com o ambiente hospitalar e procedimentos especiais de tratamento que têm de aprender; desenvolvimento e manutenção de um relacionamento adequado com a equipa de saúde ' e tarefas mais gerais onde se incluem: a preservação de um equilíbrio emocional razoável (Chang, Chiou, & Chen, 2010), perante as perdas a enfrentar nomeadamente do familiar; preservação de uma auto-imagem satisfatória e manutenção de um sentido de competência e de mestria; manutenção dos relacionamentos com familiares e amigos tendo em consideração a tendência para o isolamento e a preparação para um futuro incerto, não esquecendo o carácter degenerativo e progressivo das demências embora com apresentações diversificadas (Rocca et al., 2011). A componente de informação é uma preciosa ajuda para auxiliar o cuidador a lidar com a doença e com a progressiva incapacidade física e cognitiva associadas.

Para tal, o fornecimento de informação (acerca das "situações- problema" resultantes das reacções dos doentes com esta patologia, tipificadas, organizadas e conhecidas dos técnicos), pode ser um elemento chave para gerir com eficácia e eficiência a procura de assistência médica.

A prestação de cuidados a um familiar, tem um impacto negativo no bem-estar físico e emocional do cuidador (Monin & Schulz, 2009), repercutindo-se em múltiplas esferas da sua vida, quer no âmbito social e económico, quer no âmbito da saúde física e mental. Neste contexto, e de acordo com Garcia (2010), estas podem ser directas (e.g. dores nas costas) ou indirectas (e.g. perda de oportunidades profissionais); explícitas (e.g. conflitos familiares), ou implícitas (e.g. motivação), considerando-se que os efeitos sobre a saúde mental são os mais significativos, comparativamente à saúde física do cuidador.

Do ponto de vista da saúde mental são vários os autores que referem, o stress (Boerner, Schulz, & Horowitz, 2004; Garcia, 2010; Musil, Morris, Warner, & Saeid, 2003) a ansiedade (Sala, 2002), e a depressão (Garcia, 2010; Loss, Change & Grief, 2003) como as consequências directas mais prevalentes nos cuidadores de familiares com demência.

Alguns autores (Baltar, Cerrato, Fernández de Trocóniz e González, 2006) referem ainda os sentimentos de culpa, a raiva, o desamparo, a frustração, a ira, a solidão e a negação de necessidade de ajuda, como os aspectos emocionais e comportamentais relevantes, presentes nos cuidadores. A ira e a hostilidade são ainda reforçadas por Marks, Lambert e Choi (2002).

Garcia (2010) também nos alerta para o facto de estar subjacente à prestação de cuidados um conjunto de consequências (físicas, emocionais, económicas e sociais) que interagem entre si, criando sinergias que podem ser negativas (e.g. cansaço físico, stress e depressão, diminuição dos rendimentos e das interacções sociais) ou positivas (e.g. aumento da actividade física, reconhecimento social e familiar). Do ponto de vista psicológico, o desenvolvimento da empatia (compreensão do sofrimento dos outros), satisfação e sensação de controlo, representam os aspectos positivos essenciais, assim como a "aprendizagem vital" (Crespo & López, 2004, citado por Garcia, 2010).

A sobrecarga, ou o stress, oriundos da prestação de cuidados não são percepcionados igualmente por todos os cuidadores, estando dependentes das características da personalidade, dos comportamentos do doente, do grau de parentesco com o doente, do sexo do cuidador, do suporte social, e das estratégias de coping utilizadas. Losada-Baltar & Montorio-Cerrato (2005), referem ainda as crenças e pensamentos disfuncionais e Crespo, López, & Zarit (2005) a auto-estima e o sentimento de auto-eficácia. A emissão de comportamentos disruptivos por parte dos doentes (Mittelman, Roth, Haley, & Zarit, 2004), a existência de um laço de familiaridade (Sala, 2002), e a exposição constante ao sofrimento físico e psicológico da pessoa amada, podem influenciar directamente a experiência emocional dos cuidadores (Monin & Schulz, 2009). A comprovar a importância do apoio social como variável preditiva da saúde mental, surgem-nos os resultados dos estudos desenvolvidos por Leite, Guerra e Garrett (2007).

Crenças e pensamentos disfuncionais (e.g. "seria egoísta cuidar de mim mesma que é o meu familiar que está doente"; "não devo pedir ajuda aos meus familiares, que estes têm a sua vida própria e problemas"), podem condicionar o desenvolvimento adequado de estratégias de coping, sendo necessárias intervenções no sentido de promover o desenvolvimento de comportamentos que facilitem a adaptação à prestação de cuidados, como por exemplo, pedir ajuda (Losada-Baltar & Montorio-Cerrato, 2005).

Crespo López e López Martínez (2007) explicam que "recursos e estratégias son elementos de los que el cuidador dispone para tratar de amortigar el posible impacto de la situación de cuidado" (p. 48). No entanto, apesar de Lazaun, Arrazola, & Arrazola (2001) considerarem o apoio social e as estratégias de coping, como variáveis modeladoras e modificadoras do stress da prestação de cuidados, advertem-nos para a inexistência de um padrão único de adaptação e coping.

Coping e Cuidar O apoio social e as estratégias de coping surgem na literatura como as variáveis moduladoras e modificadoras do stress oriundo da prestação contínua de cuidados (Lazaun, Arrazola, & Arrazola, 2001).

O coping define o conjunto de sentimentos, pensamentos e comportamentos que permitem ao indivíduo manter um estado psicológico satisfatório quando ele é ameaçado (Ramos, 2005).

Trata-se de um processo que é simultaneamente emocional e cognitivo e a partir do qual o indivíduo avalia acerca dos potenciais efeitos dos acontecimentos no seu bem-estar (R. S. Lazarus & Folkman, 1984). Envolve tarefas adaptativas e, perante as exigências internas e externas, as pessoas são postas à prova. De acordo com os autores, ao coping são geralmente atribuídas duas funções primordiais: regular emoções desajustadas e alterar a situação ou o problema, classificando as estratégias de coping, como centradas nas emoções ou centradas no problema.

É assim que a pessoa centrada na emoção, e com referência aos esforços para diminuir a tensão, pode auto punir-se, culpabilizar-se, distanciar-se ou evidenciar fuga ao problema que a aflige, procurar ajuda na sua rede de suporte, aceitar a responsabilidade e papéis, fazer uma reavaliação positiva da situação ou problema, desvalorizar a situação que parece ameaçadora.

Outra hipótese, será centrar-se na resolução do problema e agir sobre a natureza da perturbação, ter percepção alternativa sobre a situação-problema e, no sentido de a alterar, ser por vezes mais pró-activo e agir ou usar de mais racionalidade tendo como objectivo central a sua resolução.

Quando as situações-problema são susceptíveis de mudança, o coping, mais frequentemente adoptado, centra- se na resolução de problemas. Quando estão em causa situações avaliadas como sendo de difícil solução, como a inevitabilidade de uma cirurgia, por exemplo, ou ter de cuidar até à morte de uma pessoa que padece de demência, é mais usado o coping centrado nas emoções.

Relacionando os vários tipos de estratégias de coping com o sexo do cuidador, verifica-se a utilização predominante de estratégias confrontativas por parte das mulheres, comparativamente com os homens, que preferem estratégias de fuga ou evitamento (Mackey, Diemer, & OメBrien, 2000).

López (2008) defende que o facto de os homens cuidadores encararem a prestação de cuidados de uma forma "profissional", permite-lhes ter um maior domínio e controlo das situações. Em situações de demência, as estratégias de confronto, podem revelar-se contraproducentes, potenciar no doente um aumento significativo do stress vivencial, podendo inclusive culminar com alterações de comportamento. Estratégias de "validação" (mostrar-se cooperante com a atitude/ pensamento do doente, dominando e conduzindo a situação a seu favor) são mais bem sucedidas.

Parece central a ideia do dinamismo subjacente à tomada de decisões, resultante da avaliação que a pessoa faz da situação, dos obstáculos à resolução do mesmo, e dos seus recursos (internos ou externos). Neste sentido, a inexistência de um padrão único de coping, resulta da consciência de que, um acontecimento ou situação poderá ser stressante para um determinado indivíduo mas não o ser para outro, dependendo dos seus recursos internos, externos, valores culturais e experiências vivenciais. Neste contexto, tanto o processo como as estratégias de coping assumem uma natureza eminentemente transaccional, isto é, pessoa e ambiente estão em permanente interacção, a qual se apresenta como dinâmica, mútua, recíproca e bidireccional (Fonseca, 2005). Ainda segundo este autor o aspecto contextual interfere na adopção de determinadas estratégias em detrimento de outras.

Perante os problemas ou situações, a apreciação ou a avaliação cognitiva da situação e as reacções do indivíduo para lhe fazer face constituem processos mediadores entre a pessoa e o seu meio ambiente (Fonseca, 2005). Esta apreciação cognitiva é um processo de julgamento em que a pessoa avalia se um possível agente stressante é relevante, ou não, para o seu bem-estar e em caso afirmativo, se é potencialmente bom ou mau (Ribeiro, 1998).

A apreciação de um acontecimento como benigno-positivo, por parte do cuidador, ocorre se as consequências são valorizadas como positivas, o mesmo será dizer, se preservam ou promovem o bem-estar, ou se parecem ajudar a consegui-lo. Estas apreciações caracterizam-se por gerar emoções agradavéis, tais como, alegria, amor, felicidade ou tranquilidade (R. Lazarus, 1991, 2000; R. S. Lazarus & Folkman, 1984). Com esta avaliação a pessoa assegura que a auto-estima ou o auto conceito, valores e objectivos, não serão postos em causa. Os acontecimentos ameaçadores referem-se a danos ou perdas que, embora não tenham ocorrido, são previsíveis. Mesmo que tenham ocorrido, podem ser igualmente considerados como ameaça pela carga de implicações negativas que essa perda traz consigo (R. Lazarus, 1991). O dano significa que as exigências do meio ultrapassam a capacidade da pessoa para lidar com elas: numa situação de dano, é como se tivéssemos perdido (Ramos, 2001, 2005).

Nestas apreciações reflectem-se traços de personalidade, locus de controlo, expectativas de auto-eficácia, afectividade, auto-estima, estilos de coping, suporte social, crenças e valores pessoais. Também tem influência, para a avaliação das situações tidas como stressantes, o neuroticismo da pessoa e a tendência para experimentar emoções negativas como resposta às situações (Hooker, Monahan, Shifren, & Hutchinson, 1992). Predomina o foco da atenção nas reacções internas e o recurso a estratégias de coping menos eficazes, sendo o evitamento (Olshevski, Katz, & Kight, 1999), uma delas e com consequências para o receptor de cuidados.

Reportando-nos à prestação de cuidados, a situação de doença e dependência funcional de um familiar pode ser avaliada como uma ameaça, um desafio ou uma perda.

Dependendo das características de cada pessoa, do seu projecto de vida, da fase em que se encontra e da cultura em que está inserida (Helman, 2003), a situação de cuidado (e.g. uma situação que ameaça o seu bem-estar) poderá assim, apresentar-se como desafiante, ou ainda pode significar uma perda para a pessoa. Como dissemos atrás, a avaliação que se faz está muito dependente dos recursos internos e externos dos cuidadores, que se vão alterando ao longo da vida, o que indica que cada caso terá os seus resultados e desfechos próprios.

Alguns autores (Moos, 1984; Paúl & Fonseca, 2005), que vêem no cuidado uma actividade que gera sobrecarga, referem que a situação de doença prolongada de um familiar pode ser interpretada como uma situação de crise geradora de stress.

Alguns cuidadores, de fracos recursos pessoais e sociais, passam por processos de doença e desequilíbrio emocional, na sequência de tempo prolongado de cuidado, culpabilizando-se pela situação que vivem e por não poderem, simultaneamente, alterar ou modificar as dificuldades do seu dia-a-dia. Perante situações adversas, na ausência de mecanismos de resolução de problemas imediatos, ficam sujeitos a situações de alguma gravidade, que podem conduzir a um estado de desorganização psico-emocional e social, frequentemente acompanhado de sentimentos negativos, como o medo, a ansiedade e a culpa.

A utilização de estratégias antecipatórias no cuidado às pessoas com demência tem-se mostrado bastante eficaz para prevenir, situações de agitação ou de confusão nos doentes nas diversas fases da sua patologia. Um exemplo que reflecte a importância deste tipo de estratégias é retirar a chave da porta se a pessoa a cuidar tem tendência para fuga. Esta atitude previne momentos de sofrimento e de culpa para os cuidadores.

O coping orientado para as emoções (R. S. Lazarus & Folkman, 1984), no caso dos cuidadores, também pode ser uma forma de viver a situação que dificilmente se alterará. Cuidar, acreditando que a pessoa que está a cargo não tem nem culpa da situação, nem dos comportamentos que assume, e relativizar a experiência vivida (Nolan, Grant, & Keady, 1998), ajuda os cuidadores a continuar a tarefa com esperança, uma vez que em termos cognitivos pode não haver mais nada a fazer (Nolan et al., 1998). Tudo isto exige um reformular da situação que culmina com a regulação da resposta emocional do indivíduo às exigências (R. S. Lazarus & Folkman, 1984).

Estratégias de Intervenção O seguimento sistemático do doente/família por uma equipa de saúde facilita o relacionamento adequado entre cuidadores, doentes e técnicos tornando menos problemática a procura de cuidados de saúde. Em relação às tarefas adaptativas mais gerais, como a preservação do equilíbrio (perante as perdas que na situação de demência são consecutivas), o sentido de competência e de mestria (apesar dos repetidos insucessos), e a manutenção dos vínculos sócio-afectivos (não obstante o elevado número de horas a cuidar), estão fortemente ligadas com as características biológicas, sociais e culturais, e com os recursos internos e externos de cada pessoa e o modo como habitualmente reage em situações de desprazer. De qualquer modo, a experiência informal de cuidar contempla implicações psicológicas que resultam da "perda da pessoa", com origem no declínio cognitivo e funcional com danos irreparáveis nos aspectos relacionais e, a "perda simbólica", que deriva da impossibilidade de projectar o futuro, de realizar sonhos, em suma, da vivência em família (Mulligan, 2010). O não reconhecimento do cuidador por parte do doente, primeiramente de modo esporádico, depois de modo definitivo contribui decisivamente para esta "perda simbólica" sob a forma de forte impacto psicológico.

Em algumas situações pode até significar a "perda do eu" como resultado da aquisição ou alteração constante dos papéis desempenhados com risco de crise de identidade. , como referiu Morton (2004), uma jornada psicológica a percorrer. A fase da negação em que o cuidador assume uma atitude recriminatória face aos défices do doente; a fase do diagnóstico com uma avaliação médica especializada, e a vivência de períodos de angústia associada a uma consciência da irreversibilidade da situação e a entrada na nova situação, a fase da aceitação (procura incessante de informação e a delineação de mudanças na tentativa de gestão dos novos papéis). Na sequência, surge a fase de tentativa de controlo da situação sendo esta caracteristicamente uma fase muito activa e de reestruturação (Lovell & Wetherell, 2011) inclusive das relações familiares. São necessários muitos ajustes pessoais e familiares e podem surgir conflitos. Com o passar do tempo progride para uma espécie de rendição, sendo um processo habitualmente de grande stress, com avaliação da própria vida, sentimentos de raiva e de desespero, algumas vezes deslocados para familiares ou amigos. Dependendo do grau de parentesco (filhos cônjuges ou outros), surge a necessidade de reaprender a individualidade em contraposição ao "nós" com transformação na pessoa. A jornada psicológica termina com o sentimento de que se está encurralado, é uma altura de tarefas intensas, de cuidados e o momento em que o cuidador precisa de grande ajuda pois está exausto física e psicologicamente. Necessita de reforços positivos para o trabalho até desenvolvido. Precisa de se sentir em paz com o papel desempenhado. Esta fase, normalmente evolui para outra que culmina com a separação que pode ocorrer mesmo antes da morte do doente (transferência do doente para instituições especializadas, ou contratação de serviços em casa).

Na vivência de Morton (2004), está expresso o turbilhão de sentimentos que pode estar presente em muitos dos cuidadores que atendemos e estudamos. São visíveis os esforços, progressos e retrocessos que qualquer cuidador pode experimentar na procura do equilíbrio psicológico que lhe permita continuar a cuidar.

Conclusões Dado o carácter vasto e geral do conteúdo de uma revisão, encerra-se com uma recapitulação dos achados mais pertinentes e com algumas considerações e propostas de intervenção.

Actualmente defendem-se as oportunidades de descanso, grupos de auto ajuda, programas psicoeducativos e programas psicoterapêuticos (individualizados), como as estratégias de intervenção mais eficazes na optimização dos recursos (internos e externos) dos cuidadores, diminuindo o impacto psicológico e o risco de morbilidade associada. No entanto, a sua eficácia implica a participação activa dos cuidadores, sobretudo nos modelos de intervenção baseados no stress e no desenvolvimento de estratégias de coping.

Para além disso, e na linha de pensamento de Carretero & Garcés (2011), também nós reconhecemos a urgência na revisão das políticas globais que suportam o bem-estar físico e psicológico dos cuidadores informais levando os governos europeus a tomar medidas que visem o sucesso deste grupo de pessoas, com vista a reduzir a sua fragilidade, a sobrecarga a que estão sujeitos sem preparação prévia e sem possibilidade de escolha consciente, de modo a reduzir os encargos com o sistema de saúde e a optimizar os recursos técnicos disponíveis. Da maioria dos textos consultados e investigações realizadas é quase unânime a ideia de que proporcionar temporariamente alívios associados com períodos de formação pessoal tem efeitos benéficos na díade-cuidador idoso.

Neste contexto, revela-se crucial uma revisão cuidadosa e especializada dos principais programas psicopedagógicos e sociais utilizados com estes cuidadores com a finalidade de melhorar de forma substancial as práticas de apoio, reduzir as implicações psicológicas e prevenir situações graves de negligência e agravamento recorrente da saúde e bem-estar dos cuidadores informais de pessoas que padecem de demência.


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