Carga mental e carga psíquica em profissionais de enfermagem
Introdução
O trabalho tanto pode ser uma atividade extremamente enriquecedora para o
individuo como constituir uma fonte de stresse, que gradualmente o desgasta
(Sagehomme, 1997). As instituições de saúde constituem ambientes de trabalho
particularmente stressantes. Quando as exigências laborais são percebidas pelo
sujeito como excedentes aos recursos que tem para lidar com as mesmas, emerge o
stress que pode conduzir à desmotivação, absentismo, angústia, baixo
desempenho, e quebra de produtividade. O nível de stress será tanto maior
quanto mais elevado for o desequilíbrio entre a perceção dos indivíduos e as
caraterísticas objetivas do ambiente de trabalho (Serra, 2007).
Consideram-se como fontes de stresse ocupacional, os fatores intrínsecos da
profissão, o desenvolvimento da própria atividade profissional, as relações no
trabalho, a estrutura e o clima organizacional, a progressão na carreira e a
interface trabalho-família. Os enfermeiros vivenciam situações de stresse muito
intensas, provenientes de conflitos de equipa, da sobrecarga de trabalho, da
insegurança, da falta de autonomia, de conflitos de autoridade e, em grande
parte, da atenção e dos cuidados que têm que disponibilizar continuamente aos
doentes. São afetados por transtornos psicológicos superiores aos dos médicos e
da população em geral, e quando em stresse, também se envolvem no consumo
exagerado de álcool, tabaco e drogas ilícitas ou psicofármacos (Serra, 2007).
O stress ocupacional constitui um problema de saúde pública, sendo responsável
por elevados custos diretos e indiretos. Tendo em conta o seu impacto na saúde,
qualidade de vida e economia torna-se indispensável intervir na sua gestão.
Carga Mental
Fazer trabalhar a nossa massa cinzenta é uma atividade mental, que por sua vez
origina carga mental. Esta pode estar relacionada com as tarefas que
qualificamos de intelectuais, mas qualquer tarefa, mesmo a de maior esforço
físico, implica carga mental. Independentemente do interesse ou da motivação,
da natureza física ou intelectual da tarefa, existe uma carga mental ligada ao
trabalho. Tudo o que vai perturbar o desenvolvimento de uma atividade de
trabalho aumentará a nossa carga mental, mesmo que essa atividade seja
aparentemente física (Magalhães, Riboldi & Dall'Agnol, 2009).
A carga mental é um conceito que se utiliza para referir tensões induzidas numa
pessoa pelas exigências do trabalho mental, tais como o processamento de
informação relacionado com o conhecimento, a memorização, a procura de soluções
em determinados momentos e a relação entre as exigências do trabalho e as
capacidades mentais de que dispõe para fazer frente a tais exigências. Está
relacionada com as tarefas que implicam fundamentalmente processos cognitivos e
aspetos afetivos, tais como, a concentração, a atenção, a memorização, a
coordenação de ideias e a tomada de decisão. São tarefas que requerem uma certa
intensidade e esforço mental, mas necessárias para um bom desempenho
profissional (Arquer, 2004).
Nas situações de trabalho, são diversos os fatores que contribuem para a carga
de trabalho mental e que exercem pressões sobre a pessoa que o desempenha
(Arquer, 2004). Alguns autores debruçaram-se sobre estes fatores, agrupando-os
em fatores inerentes à tarefa, como a informação, decisão/indecisão, incerteza,
imprecisão e pressão de tempo e fatores Inerentes à organização do trabalho,
como a comunicação, interrupções, ambiguidade de funções, tomada de decisão,
satisfação profissional, carga e ritmo de trabalho (Sapata, 2012).
Carga Psíquica
A enfermagem é considerada uma profissão carregada de fortes emoções, pela
natureza do seu trabalho. Implica cuidar de pessoas doentes ou em situações de
saúde particularmente penosas, deparando-se os enfermeiros frequentemente com
situações de inquietação, sofrimento, degradação e morte. Estas situações podem
desencadear emoções ou sentimentos de natureza psíquica ou afetiva, intervindo
na carga de trabalho, tornando este doloroso (Serra, 2007).
São, sobretudo os sentimentos e emoções desagradáveis que podem ter
consequências nefastas no organismo, tais como a fadiga, a irritabilidade, a
instabilidade de caráter, a depressão e as somatizações. Outras consequências
ainda se podem manifestar, tais como a dificuldade em realizar convenientemente
as tarefas, a degradação da qualidade dos cuidados, o absentismo e abandono da
profissão. Sobre o efeito emocional, é mais provável a ocorrência de erros,
comportamentos inadequados e dificuldade de planificação do trabalho. A
emotividade e a sensibilidade não diminuem propriamente com a experiência, pois
quem é que se mantém indiferente perante um doente em fase de agonia, com dor
ou perante a morte? Existe um limite além do qual as emoções e sentimentos se
acumulam e provocam desequilíbrios na saúde, ou no próprio trabalho (Gestal,
2009; Ribeiro, 2004; Sapata, 2012).
A carga psíquica do trabalho de Enfermagem é influenciada por fatores
específicos da profissão, com uma elevada implicação emocional e por fatores
relacionados com a organização do trabalho, comuns a outras profissões
(Frasquilho, 2005). Alguns autores consideram que na base destes fatores de
risco estão o contacto contínuo com os doentes e família, em especial como o
sofrimento e morte, as relações entre colegas e superiores hierárquicos, a
valorização social da profissão, a necessidade de tomar decisões e o nível de
responsabilidade, as qualificações profissionais, a valorização pessoal e a
necessidade de reconhecimento, bem como o ambiente e a organização do trabalho,
a carga de trabalho e os horários irregulares. (Puerto, Soler, Montesinos &
Cortés, 2011)
Considera-se que a carga mental e a carga psíquica estão presentes no
desempenho da nossa atividade profissional, podendo-se afirmar que todos temos
um limite além do qual as emoções e sentimentos se acumulam e começam a
provocar desequilíbrios na nossa saúde e no nosso trabalho.
Material e Métodos
Tratou-se de um estudo transversal ou de prevalência, cujo objetivo foi
analisar os fatores que contribuem para a carga mental e psíquica em
profissionais de enfermagem e identificar sinais de stresse profissional. A
população foi constituída pelos profissionais de enfermagem a exercer funções
em duas unidades de internamento hospitalar, um Centro Hospitalar (CH) e um
Hospital Oncológico (HO). A amostra foi constituída por todos os enfermeiros
que exerciam funções nos Serviços de Medicina e Cirurgia de internamento de
adultos de ambos os hospitais, perfazendo um total de 359 elementos, dos quais
191 pertenciam ao CH (53%) e 168 ao HO (47%).
A recolha de informação foi processada através de um questionário elaborado com
base num já validado (Fiestas, 1995; Estryn-Behar 1999), utilizando alguns
indicadores de acordo com a realidade portuguesa. Para o tratamento e análise
dos dados obtidos foi utilizado o programa informático de Estatística Package
of the Social Science (SPSS 19.0) e o programa informático Microsoft Excel.
Resultados e Discussão
As caraterísticas sociodemográficas da nossa amostra apontam para uma amostra
predominantemente do sexo feminino, em ambas as instituições, com valores de
81.6% no HO e 83.3% no CH. (Figura_1) O estado civil de solteiro também
predomina em ambas as instituições, com valores que se situam entre os 55.3% no
HO e 54.5% no CH (Figura_2).
Trata-se de uma população predominantemente jovem, atendendo a que 68.9% dos
enfermeiros do CH e 57.4% do HO se situam na classe etária dos 21 aos 30 anos,
com uma média de idades, respetivamente de 29 e 25 anos. Os profissionais em
estudo são maioritariamente licenciados (Figura_3 e Figura_4).
Em ambas as Instituições, os profissionais apresentam uma experiência
profissional predominante inferior a 10 anos. O regime de horário mais
praticado é o horário por turnos de 35 horas semanais, com 64% no HO e 56.8% no
CH (Figura_5 e Figura_6). A acumulação do exercício profissional noutra
Instituição foi referenciada por 38.6% dos enfermeiros que trabalham no CH e
por 30.1% do HO.
Em termos de carga mental, constatou-se que o índice de carga mental atingiu
valores percentuais elevados, apresentando um valor mais elevado no Centro
Hospitalar quando comparado com o Hospital Oncológico. Este é considerado
alto para 51.5% dos enfermeiros no HO e para 67.4% dos enfermeiros no CH e
médio para 45.6% e 32.6% dos enfermeiros, respetivamente no HO e CH.. Já o
índice de carga psíquica predominante é o índice médio, com 68.0% dos
enfermeiros no HO e 65.9% no CH. O mesmo é considerado alto apenas para 9.7%
no HO e 7.6% no CH (Figura_7 e Figura_8).
A avaliação inferencial revela diferenças significativas para os índices de
carga psíquica no CH (p <0.05) e altamente significativas no HO (p <0.001),
permitindo inferir que o índice de carga psíquica é maior nos enfermeiros que
trabalham em Oncologia. Evidenciaram-se também diferenças estatisticamente
significativas para o desenvolvimento de carga mental em ambos os sexos
(p<0.05) e para a carga psíquica no sexo feminino (p<0.01). Estes resultados
são concordantes com um estudo realizado, que refere um nível de carga psíquica
elevado nas mulheres, com risco aumentado de fadiga emocional de cerca de sete
vezes (OR= 6.9) (Cuenca, 2003).
O tempo de exercício profissional mostra evidência estatística para o
desenvolvimento de carga mental em todas as classes etárias (p<0.05), sendo
esta mais manifesta na classe dos 20 aos 30 anos e com idade superior a 51 anos
(p<0.05). Já para a carga psíquica, essa evidência observa-se na classe etária
entre os 20 e os 40 anos (p<0.05). Observou-se também relação entre o tempo de
exercício profissional e a carga mental (p<0.01) e psíquica p<0.05) nos
enfermeiros que exercem a profissão à menos de dez anos. Os inquiridos com mais
de vinte e um anos de experiência profissional, apresentam-se diferenças
significativas para o desenvolvimento de carga psíquica (p<0.01) e mental
(p<0.05).
A prevalência de carga mental e psíquica no grupo dos 0-10 anos de experiencia
profissional pode estar relacionada com a inexperiência profissional, a fase de
adaptação à vida profissional, as caraterísticas inerentes da profissão, a
integração no serviço e na instituição, a insegurança no trabalho e falta de
autonomia profissional. No grupo com mais de vinte e um anos de experiência
profissional, a maior prevalência de carga psíquica poderá estar relacionada
com uma maior participação na tomada de decisão, o nível de responsabilidade
exigido, a necessidade de valorização pessoal e reconhecimento, os horários
irregulares e o confronto diário com o sofrimento e a morte.
Observa-se ainda relação entre o regime dehorário praticado e a prevalência de
carga psíquica, com mais evidencia para o trabalho por turnos de 35 horas
semanais (p<0.01). A acumulação do exercício profissional apresenta maior
predisposição para o desenvolvimento de carga mental e psíquica (p <0.05),
podendo considerar-se que o trabalho por turnos constitui um risco acrescido de
carga psíquica e a acumulação de funções um risco acrescido de carga mental e
psíquica. Alguns autores referem que os enfermeiros que trabalham por turnos
estão mais predispostos à fadiga e desgaste, com implicações no seu bem-estar e
segurança (Sapata, 2012).
São diversos os fatores que contribuem para a carga de trabalho mental e que
exercem pressões sobre a pessoa que o desempenha. Na nossa amostra foram
identificados alguns destes fatores contributivos de carga mental, sendo os
mais referenciados as interrupções (68% no HO e 82% no CH) e sua interferência
no trabalho, respetivamente com 33% e 39%, a sobrecarga de trabalho, com 45% no
HO e 13% no CH e o ritmo rápido de trabalho, respetivamente com 64% e 62%.
Alguns autores referem que a sobrecarga de trabalho e a escassez de pessoal são
fatores que mais tensão e stresse produzem no pessoal de Enfermagem. As
interrupções dos atos realizados pelos enfermeiros, nomeadamente chamadas
telefónicas, perguntas de familiares e utentes, são uma constante no dia-a-dia,
que obrigam a retomar o ato inicial, sendo responsáveis por uma maior
complexidade na memorização das atividades e à necessidade de uma reprogramação
mental. Um estudo efetuado cita que 44.0% dos enfermeiros são interrompidos
frequentemente e 37.0% têm que reorganizar o trabalho planeado, do qual 26.0%
referem sensação de sobrecarga de trabalho (Magalhães, Riboldi &
Dall'Agnol, 2009; Sapata, 2012).
Os fatores de carga psíquica que mais contribuíram para o índice de carga
psíquica foram as caraterísticas inerentes aos doentes submetidos a cuidados
(87% no HO e 77% no CH), as repercussões do trabalho na vida privada (72% no HO
e 61% no CH), a não valorização e progressão na carreira (60% no HO e 54% no
CH) e a falta de tempo para falar com utentes e familiares (38% no HO e 41% no
CH).
Alguns sinais de stresse foram referenciados pelos profissionais do HO,
nomeadamente aumento de fadiga (77.7%), o medo de cometer erros (68.9%), a
dificuldade de concentração (67.0%), as perturbações do sono (61.2%) e a
irritabilidade fácil (55.3%). Relativamente aos enfermeiros do CH assumem
maior relevância percentual o aumento de fadiga, (75.0%), a dificuldade de
concentração (56.8%), as perturbações do sono (56.1%), a irritabilidade
fácil (53.8%), as falhas de memória (50.8%) e o medo de cometer erros
(47.7%).
A análise estatística dos sinais de stresse com os índices de carga mental
evidencia diferenças estatisticamente significativas para a dificuldade de
concentração, perturbações do sono e falhas de memória (p<0.05) e altamente
significativas para o aumento da fadiga e medo de cometer erros (p<0.01).
Relativamente à carga psíquica, verificaram-se diferenças estatisticamente
significativas para o medo de cometer erros e perturbações do sono (p<0.05) e
altamente significativas para as falhas de memória e irritabilidade fácil
(p<0.01). Estes resultados permitem confirmar a nossa hipótese, constatando a
existência de relação entre os índices de carga mental e psíquica e a presença
de alguns sinais de stresse.
Estudos referem que os fatores maioritariamente causadores de stresse são a
sobrecarga de trabalho, a falta de tempo para realizar todas as tarefas, as
condições de trabalho, o espaço físico, a falta de tempo para os doentes e o
receio de cometer erros (Puerto, Soler, Montesinos, & Cortés, 2011). Outros
autores identificaram ainda a sobrecarga de trabalho, o contato com a morte e o
cuidar de doentes graves (Vázquez, Varela, García & Fernández, 2001).
Conclusões
As conclusões do estudo evidenciam: em ambas as instituições observou-se um
índice elevado de carga mental e índice médio de carga psíquica; o sexo
feminino apresenta risco aumentado de desenvolver carga psíquica; maior
prevalência de carga mental no grupo etário dos 21-30 anos e nos profissionais
com mais de 51 anos; maior prevalência de carga psíquica nos profissionais com
idades compreendidas entre os 21-40 anos de idade; os profissionais com menor
experiencia profissional apresentam risco acrescido de desenvolver carga
mental; os profissionais com mais de 21 anos de experiencia profissional
apresentam risco aumentado de desenvolver carga psíquica; os enfermeiros que
trabalham por turnos apresentam maior prevalência de carga psíquica, enquanto
os que acumulam funções apresentam maior prevalência de carga mental e
psíquica.