Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

EuPTCVHe1647-21602014000100011

EuPTCVHe1647-21602014000100011

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN1647-2160
ano2014
Issue0001
Article number00011

O script do Java parece estar desligado, ou então houve um erro de comunicação. Ligue o script do Java para mais opções de representação.

Prevalência de perfis lipídico e glicémico alterados em pacientes com esquizofrenia

Introdução A SCZ é um transtorno complexo e multifatorial que se caracteriza por sintomas designados como positivos (delírios e alucinações), negativos (apatia e embotamento afetivo), cognitivos (défices na atenção e memória trabalho) e afetivos (ansiedade e depressão). A SCZ tem elevada prevalência, cerca de 1% da população mundial, distribuindo-se por todo o mundo de modo semelhante (Freedman R, 2003).

Atualmente, a intervenção terapêutica na SCZ focaliza-se desde a minimização dos sintomas à reabilitação do paciente. O controlo da sintomatologia positiva faz-se mediante a administração de fármacos antipsicóticos (AP). São vários os fatores que poderão entrar na análise da efetividade dos AP, para além da ação sobre a sintomatologia da SCZ, como a adesão à terapêutica e efeitos colaterais. Os efeitos colaterais descritos para os AP são extrapiramidais (Thomas, 2007), síndrome maligno dos neurolépticos, taquicardia, disfunção sexual, aumentos de níveis de prolactina, de peso, dislipidemias, diabetes, discrasias hematológicas, entre outros (Davis, 2006). Estes efeitos estão muitas vezes relacionados com a afinidade que cada fármaco tem para os diversos neurorecetores, por exemplo, os AP de primeira geração, com maior afinidade para os recetores dopaminérgicos (D2), estão mais associados a efeitos extrapiramidais e hiperprolactinémia. os de segunda geração, com mais afinidade para recetores 5-HT2A, têm sido associados a aumento ponderal e alterações do metabolismo da glicose e perfil lipídico (Haddad & Sharma, 2007).

Os pacientes com SCZ apresentam elevada prevalência de fatores de risco cardiovascular (FRCV) (Ferreira, Belo, & Abreu-Lima, 2010), e têm duas vezes maior mortalidade por doença cardiovascular que a população geral (Vargas & Santos, 2011). A observação da prevalência de múltiplos FRCV conduziu à recomendação do controlo do perfil lipídico anualmente nestes pacientes quando o fármaco prescrito é de baixo risco, e de 3 em 3 meses quando é de elevado risco (Davis, Chen, & Glick, 2003). Se a dislipidemia persistir, pode ser administrada terapêutica para baixar os níveis ou alterar a prescrição de AP para outro com menor risco de alteração do perfil lipídico (Meyer, 2007). No entanto, na SCZ os AP são apenas um dos fatores a considerar quando se analisa o excesso de peso, dislipidemia ou alterações do metabolismo da glicose, que existem fatores inerentes à própria doença que contribuem para a não adoção de estilos de vida saudável e assim com maior probabilidade de DCV (Van Dorn et al., 2013).

O presente estudo teve como objetivo analisar a prevalência de alterações nos perfis lipídicos e glicémicos e a terapêutica AP numa amostra de pacientes SCZ.

Metodologia Realizámos um estudo descritivo retrospetivo na população de pacientes com patologia de SCZ do Hospital de Dia (HD) do serviço de Psiquiatria do Hospital São João (HSJ).

A amostra foi constituída pelos registos de pacientes com diagnóstico de SCZ de acordo com os critérios do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders  (DSM-IV-TR) (APA, 2010), do referido serviço, nos anos de 2011, 2010 e 2009. Foram incluídos os pacientes com o mínimo de 3 anos de diagnóstico, idades entre os 18 e os 65 anos e registo da terapia AP e de análises laboratoriais bioquímicas no período temporal em estudo.

Após o consentimento da Comissão de Ética do HSJ, foram consultadas as bases de dados dos participantes, para aceder aos registos dos 5 anos anteriores ao início do estudo (2011) e recolher dados quanto a: (i) Caracterização clínica e sociodemográfica: idade; sexo; estado civil; escolaridade; idade de diagnóstico SCZ; história familiar de doenças, incluindo do foro psicológico (DFP); (ii) Estilo de vida: hábitos tabágicos; consumo de álcool; consumo de drogas de abuso; atividade física; (iii) Avaliação antropométrica: peso; altura; índice de massa corporal (IMC) e perímetro abdominal; (iv) Pressão arterial: sistólica (PAS) e diastólica (PAD); (v) Terapêutica farmacológica antipsicótica: fármaco; dose e período de administração; (vi) Parâmetros bioquímicos séricos: colesterol total; colesterol das LDL (Lipoproteínas de Baixa Densidade, do inglês: Low Density Lipoprotein); colesterol das HDL (Lipoproteínas de Alta Densidade, do inglês: High Density Lipoprotein); triglicerídeos e glicose.

Realizámos uma avaliação longitudinal e comparativa dos registos individuais de terapia AP para o(s) período(s) temporal(ais) com alteração dos parâmetros analíticos para os pacientes que cumpriam pelo menos um dos seguintes critérios: (i) presença concomitante de pelo menos três FRCV (De Hert, Dekker, Wood, Kahl, Holt, & Moller, 2009), (ii) hiperglicemia indicadora de Diabetes Mellitus (DGS, 2011), (iii) presença concomitante de pelo menos três fatores indicadores de síndrome metabólica (Usher, Foster, & Park, 2006).

Realizou-se a análise descritiva das variáveis utilizando o software SPSS® versão 17.0.

Resultados Caracterização sociodemográfica e clínica A amostra foi constituída pelos registos de 51 indivíduos com SCZ, maioritariamente do sexo masculino (n=42, 82,4%), com idade média de 39,3±9,2 anos, com as características sociodemográficas e clínicas apresentadas na Tabela_1. A idade média de diagnóstico foi nos homens 24,1±8,5 anos e, nas mulheres, 26,6±8,5 anos.

Nos consumidores de álcool registámos antecedentes pessoais, bem como história familiar de alcoolismo (n=3). Na atualidade, a maioria (n=40, 89,0%) não consome drogas de abuso, mas no registo histórico (n=28) cerca de 60,7% (n=17) referem ter consumido na juventude. Não obtivemos registos relativamente à avaliação antropométrica e pressão arterial.

Em relação aos fármacos mais frequentemente prescritos, estes foram haloperidol e risperidona, em doses dentro do intervalo recomendado (Infarmed, 2013).

Perfil lipídico e glicémico Os resultados dos parâmetros analíticos colesterol total, LDL e HDL, triglicerídeos e glicemia registados para os pacientes estão sistematizados na Tabela_2.

Do total da amostra, 35 (68,6%, 27 homens e 8 mulheres) pacientes SCZ apresentavam pelo menos um fator indicador de síndrome metabólica. A presença concomitante de dois destes fatores foi encontrada em 30 (58,8%, 24 homens e 6 mulheres) pacientes SCZ.

Análise individualizada de casos A aplicação dos critérios resultou na seleção de 10 casos para análise individualizada (Tabela_3). Destes pacientes, seis apresentam valores de glicemia indicadores de diabetes mellitus e cinco apresentam FRCV (hiperglicemia, hipercolesterolemia e colesterol LDL elevado). Registámos sete pacientes SCZ (13,7%) com presença concomitante de três fatores de indicadores de síndrome metabólica, todos com alteração dos valores de colesterol HDL, triglicerídeos e glicemia.

Em relação à análise longitudinal aos dados do Paciente 1 a variação dos valores de colesterol HDL evidência valores sempre inferiores ao intervalo de referência (IR). É observado um período de hiperglicemia pré-diabetes após a introdução cumulativa de terapia com risperidona ao haloperidol. normalização da glicose quando a prescrição passa a apenas haloperidol. Quanto ao Paciente 2, com história familiar de alcoolismo, observam-se valores de colesterol total e triglicerídeos sempre superiores aos IRs. No colesterol LDL registaram-se valores superiores ao IR, seguindo-se a sua normalização com passagem de AP de risperidona para haloperidol. Os valores de colesterol HDL encontram-se sempre dentro do IR. O Paciente 3 apresentou valores de colesterol HDL sempre inferiores ao IR. A glicemia mantém-se dentro da normalidade, verificando-se um aumento para valores indicativos de diabetes (valor médio de 124,3 mg/dL) com a introdução de olanzapina em adição ao haloperidol. os valores de colesterol total e LDL mantiveram-se dentro dos IRs até ao momento em que se verificou aumento para valores superiores ao IR. A terapia de AP foi alterada 6 meses antes, com a introdução da clozapina em adição ao haloperidol.

O Paciente 4, tem sempre valores de colesterol HDL e triglicerídeos fora do IR.

Quanto à terapia AP, registou-se a administração de haloperidol conjugado com levomepromazina ou olanzapina, tendo estes 2 últimos fármacos sido suspensos a meio do período temporal em questão. Em relação ao Paciente 5, os valores de colesterol HDL baixos e de glicemia pré-diabetes foram observados após o início da administração de haloperidol. No Paciente 6 os valores de colesterol total, LDL, HDL, triglicerídeos e glicose evidenciaram valores sempre fora dos respetivos IR. Para este período temporal, a terapia AP administrada foi risperidona. No Paciente 7 observou-se uma alteração de valores normais dos parâmetros colesterol total, HDL e triglicerídeos para fora dos respetivos IR.

Neste período existe registo de administração risperidona e levomeprozamina. No Paciente 8 registaram-se valores superiores aos IR para os parâmetros colesterol total e triglicerídeos, e dentro dos IR para colesterol LDL e HDL.

Quanto à glicose sérica, registou-se apenas um valor ligeiramente superior ao limite máximo do IR. A terapia AP administrada foi inicialmente haloperidol, seguidamente acrescido de quetiapina e posteriormente de risperidona.

No Paciente 9, observou-se valores de colesterol total sempre superiores ao IR, com valor mínimo de 247 mg/dL e máximo de 317 mg/dL e um aumento da glicose para valores de hiperglicemia pré-diabética. Observou-se esta situação após a introdução de haloperidol e quetiapina. Por fim, o Paciente 10 apresentou alterações a nível do todo o perfil lipídico em estudo. Realizava terapia com haloperidol e clozapina.

De entre estes casos, em relação ao estado civil, 8 são solteiros e 2 casados; na escolaridade, 6 têm escolaridade igual ou inferior ao 12º ano e 4 sem dados.

Quanto à história familiar de outras doenças, apenas registo para o Paciente 2 (alcoolismo).

Discussão A maioria da amostra é do sexo masculino o que não é congruente com dados nacionais, em que a patologia atinge de igual modo ambos os sexos (Rabasquinho e Pereira, 2007). Este desequilíbrio na distribuição poderá ser explicado por um possível viés de Berkenson e limita a interpretação dos resultados quando analisado na perspetiva desta variável.

O predomínio do estado civil solteiro na amostra também é descrito em outros estudos internacionais (86,7%) (Faulkner, Cohn, Remington, & Irving, 2007).

Esta constatação é compatível com debilitação observada em muitas vertentes relacionais, limitando a capacidade de estabelecer relações sociais de amizade ou outras (APA, 2010). Comparando os resultados da escolaridade com o de outros estudos, verificámos maior frequência de pacientes SCZ com nível de escolaridade elevado (Ferreira et al., 2010). Quanto ao sexo masculino e a idade de diagnóstico verifica-se, como em outros estudos, que idade média de diagnóstico é inferior a 25 anos (De Hert, Dekker, Wood, Kahl, Holt, & Moeller, 2009). Quanto à história de doença familiar, os casos de SCZ distribuem-se de igual modo pelos grupos com e sem história de DFP, o que não vai de encontro ao predomínio da mesma nos familiares de e grau descrito na literatura. (Myles-Worsley, Tiobech, Blailes, Yano, & Faraone, 2007).

De entre as variáveis de estilo de vida, a amostra tem registo de hábitos sedentários (67%), a maioria (59,5%) são fumadores, o que está de acordo com outros estudos (57,8%) (Chaves & Shirakawa, 2008). Apesar de a maioria (77,3%) não apresentar hábito de consumo de álcool, foram identificados 3 casos com registos de consumo de álcool com antecedentes pessoais de alcoolismo, assim como história familiar. Estes casos apresentam prognóstico grave de evolução no tempo. Quanto ao consumo de drogas de abuso, apesar de na atualidade a maioria não as consumir, mais de metade dos pacientes estudados (60,7%) refere ter consumido tóxicos na juventude, com a cannabis a ser a mais frequente. Estes dados são coerentes com descrito em outros estudos que apontam o consumo de tóxicos na juventude para um conjunto elevado de casos com SCZ (Sevy et al., 2010). Para estas variáveis, observou-se a ausência marcada de dados ao longo do período em estudo. O estilo de vida nestes pacientes resulta em parte das terapêuticas farmacológicas e ocupacionais, e do maior ou menor controlo que estes pacientes têm. Assim, pensamos que o registo e integração destes dados deverão ser significativamente melhorados.

Quanto aos parâmetros bioquímicos, foi possível obter uma quantidade apreciável de informação cuja diversidade dificulta a análise. A sistematização desta informação, na tabela_2, parece-nos poder dar uma visão abrangente sobre estes dados na amostra. Assim, em 10 de 51 doentes verificam-se alterações metabólicas indicadoras de síndrome metabólico (n=7, 13,7%), risco cardiovascular (n=5) ou de diabetes mellitus (n=6). Estudos transversais apontam que a prevalência de síndrome metabólica nos pacientes SCZ é superior à registada na população geral, variando entre 30,4% e 37% (Vargas & Santos, 2011), especialmente nos que fazem terapia AP de geração (Usher et al., 2006). Na nossa amostra, registámos 13,7% pacientes com alteração dos valores de colesterol HDL, triglicerídeos e glicemia, fatores de indicadores de síndrome metabólica. A ausência de registo de dados relativos à pressão arterial e perímetro abdominal, parâmetros determinantes no diagnóstico desta síndrome, impossibilita a sua classificação. Contudo, a presença concomitante destes três fatores em pacientes SCZ com síndrome metabólica é indicadora de necessidade de intervenção clínica imediata (Usher et al., 2006).

Existe evidência de associação entre o uso de antipsicóticos de geração e o aumento da prevalência da obesidade e diabetes nos pacientes SCZ, em relação à população geral (American Diabetes Association, American Psychiatric Association, American Association of Clinical Endocrinologists & North American Association for the Study of Obesity, 2004).

A literatura define como fatores de prognóstico negativos na sobrevida destes pacientes a elevação do colesterol LDL e diminuição do HDL, que quando associados a outros fatores (ex. estilos de vida não saudáveis) obrigam a follow-up analítico mais apertado. Os nossos dados claramente indicam a necessidade de um acompanhamento neste âmbito e de estabelecimento de medidas corretivas (alimentares, estilo de vida e medicamentosa).

Conclusões Apesar da adoção de terapêutica farmacológica com AP ter permitido desintitucionalizar estes pacientes na tentativa de os integrar na sociedade, estes não melhoram sintomas da patologia, como o comprometimento cognitivo e o embotamento afectivo. Acresce, ainda, a elevada frequência dos FRCV nestes pacientes, que releva a importância da ação de equipas multidisciplinares que implementem e acompanhem intervenções psicossociais e comportamentais que permitam a adoção sustentável de estilos de vida mais saudáveis. Com o presente estudo foi observada a necessidade de estabelecer protocolos de follow-up dos pacientes com maior risco cardiovascular. Pode-se concluir que é fundamental para garantir um acompanhamento efetivo destes pacientes bem como o sucesso da investigação a existência de diretrizes terapêuticas e de registos padronizados.


transferir texto