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EuPTCVHe1647-21602014000100012

EuPTCVHe1647-21602014000100012

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN1647-2160
ano2014
Issue0001
Article number00012

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Investigação em enfermagem de saúde mental e psiquiatria: Uma análise documental

Introdução Os cuidados prestados por enfermeiros devem basear-se em evidências científicas. A investigação em Enfermagem constitui um meio poderoso para responder a questões sobre as intervenções dos cuidados de saúde e de encontrar melhores formas de promover a saúde, prevenir a doença e prestar cuidados e serviços de reabilitação à pessoa e família ao longo do ciclo vital e em diferentes contextos.

À semelhança de outras realidades internacionais, a Saúde Mental representa uma área emergente pela complexidade de áreas de intervenção. Certos de que um problema de investigação surge de uma inquietação, o desiderato dos enfermeiros em geral, e em particular dos enfermeiros da área de Saúde Mental e Psiquiátrica, deverá assentar na procura de uma melhor adequação entre o que se investigação e o que se prática. Significa que a prática de cuidados pressupõe um questionamento constante, que poderá ser compreendido através da investigação e, por seu turno, implementada na prática clínica a melhor evidência.

São inquestionáveis os avanços no domínio da investigação em Enfermagem na última década. Uma grande parte através de trabalhos académicos de Mestrado e Doutoramento, e outra através de esforços coletivos dos enfermeiros, que nos diferentes contextos de Saúde Mental, fizeram com que a investigação se tornasse parte do quotidiano na prática de cuidados. Sem este questionamento constante, não será possível pôr em prática a melhor evidência, nem acrescentar conhecimento a uma disciplina e profissão que queremos ver advogada e reconhecida como tal.

A investigação em Enfermagem de Saúde Mental tem a vindo a projetar-se e afirmar-se enquanto dispositivo de produção de conhecimento e desenvolvimento de competências profissionais. Por conseguinte, e alicerçados no paradigma de procura da melhor investigação para uma melhor praxis tivemos como desafio, conhecer o tipo de investigação e as diferentes áreas temáticas neste domínio.

Metodologia De modo a perceber quais as tendências da investigação em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria (ESMP) ao longo dos últimos anos, no contexto português, foi desenhado um trabalho de análise documental dos títulos e abstracts de artigos publicados na Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental (RPESM) entre os anos 2009 e 2013 (inclusive), ou seja, num horizonte temporal de cinco anos.

Para a definição dos artigos a analisar foram delineados os seguintes critérios de inclusão: a) ser um artigo de investigação (incluindo-se neste grupo trabalhos de revisão sistemática ' com ou sem meta-análise ou meta-síntese ' e integrativa da literatura); b) ser um artigo publicado numa fonte com peer review; c) ter como primeiro autor (autor principal) um enfermeiro. Na análise documental realizada foram encontrados 52 artigos que davam resposta aos critérios de inclusão pré-definidos. Assim, e dado o número significativo de artigos a apreciar, optou-se por limitar a análise a apenas dois itens: a) o paradigma de investigação utilizado; b) a área temática abordada.

Tanto para analisar o paradigma de investigação utilizado como a área temática abordada optou-se por realizar uma análise de conteúdo lato sensu com categorização a posteriori, concretizada através de uma leitura detalhada dos títulos e abstracts dos artigos selecionados procurando, a partir daí, identificar as categorias emergentes. Após estar concluída a categorização foi realizada análise quantitativa dos dados, tendo o tratamento dos mesmos sido de âmbito descritivo, realizado com recurso ao software Microsoft Excel 14.0 (Office 2010) para Windows®.

Resultados Dos 52 resumos analisados, e conforme pode verificar-se pela análise do Gráfico 1, os trabalhos de natureza quantitativa são maioritários (46%), seguidos pelos trabalhos de revisão de literatura (33%). Os trabalhos de índole qualitativa são os que apresentam menor expressão (21%).

Ao nível das áreas temáticas e conforme se pode verificar peloQuadro_1, salienta-se o interesse em investigar resultados de intervenções de âmbito psicoterapêutico (40%), dirigidas a diferentes grupos-alvo, em diferentes situações clínicas, e em que se incluíram temáticas como: gestão/intervenção no regime terapêutico, consulta de Enfermagem em Saúde Mental, grupos de apoio e Educação para a Saúde.

Em segundo lugar, situam-se as vivências em saúde mental (15%), onde se incluíram temáticas como, por exemplo, a problemática da morte e do luto e a utilização do humor no contexto de cuidados. A Enfermagem de família é também uma temática de interesse para a investigação por parte dos enfermeiros de Saúde Mental, reconhecendo-se a importância do papel do prestador de cuidados.

Contudo, evidencia-se igualmente a emergência de novas temáticas de investigação, como a Enfermagem Transcultural (4%). Na categoria «outros» incluíram-se temáticas como: Supervisão Clínica em Saúde Mental, teorias de Enfermagem em Saúde Mental e literacia em Saúde Mental.

Discussão A Organização Mundial de Saúde, tendo em conta a problemática da Saúde Mental a nível mundial, recomendava a adoção de medidas urgentes e «apelava ao reforço do papel da investigação enquanto meio, não para aprofundar o conhecimento sobre esta problemática, mas também para apoiar as definição de prioridades, o planeamento e a avaliação de vários tipos de intervenção» (Sousa, 2006, p.

105). Quando se olha para a investigação em Enfermagem realizada em Portugal, Basto faz uma análise aos temas das teses de Doutoramento em Enfermagem realizados no nosso país e verifica que apenas uma pode ser relacionada com a área da Saúde Mental, sendo um trabalho na área das dependências (Basto, 2008).

Ainda assim, importa perceber que a Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica é, de todas as áreas de especialidade de Enfermagem em Portugal, a que tem um menor número de enfermeiros especialistas, e que grande parte dos profissionais de Enfermagem que exercem funções em contexto hospitalar o fazem em serviços médico-cirúrgicos.

Nos últimos anos, quando se tenta analisar a produção científica na área da Saúde Mental e Psiquiatria em Portugal, esta tem sido escassa. No entanto com o aparecimento d' A Sociedade Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, cuja missão passa por promover e por divulgar a investigação na área da Enfermagem de Saúde Mental, este aspeto parece ter sido colmatado. A criação da Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, pode ser um instrumento importante para disseminar a evidência científica sobre promoção da saúde, prevenção da doença, tratamento, reabilitação e reintegração de pessoas com doença mental ao longo do seu ciclo de vida.

No Brasil foi efetuada uma revisão das publicações - Cartografia da Publicação Brasileira em Saúde Mental - entre 1980 e 1996. Das temáticas dominantes neste texto, salientam-se a organização de serviços (34,6%) e a análises de experiências (35,5%) com maior destaque e aparecendo a seguir os estudos clínicos (14,1%) e os estudos epidemiológicos (11,3%) (Passos, 2003). Num outro documento, também do Brasil, verificámos que a práticas assistencial (práticas terapêuticas relacionadas com a área da Enfermagem Psiquiátrica) foi o tema mais abordado nos estudos efetuados (Munari, Oliveira, Saeki, & Souza, 2008). Na Irlanda foi efetuado um estudo semelhante, com análise de 75 artigos publicados. Verificou-se que os assuntos refletem os debates e discussões no contexto da Enfermagem, com 40% relativos aos problemas da prática clínica, 31% à educação em Enfermagem, 18% à gestão e 6% aos aspetos metodológicos (Higgins & Farrelly, 2007).

No estudo conduzido por Zauszniewski e Suresky, em que foram analisados 227 estudos publicados nos cinco jornais de Enfermagem Psiquiátrica mais lidos num período de três anos, são referidas como cinco grandes áreas de investigação: a perspetiva global, os enfermeiros psiquiátricos como sujeitos, os estudos sobre os cuidadores familiares, investigação com os doentes ao longo do ciclo de vida, e por último a utilização (verificação/teste) das intervenções de Enfermagem. Destes estudos publicados, 88% foram conduzidos nos Estados Unidos, 63% eram referentes aos destinatários dos serviços de saúde mental, e apenas 11% foram sobre as intervenções de Enfermagem Psiquiátrica (Zauszniewski & Suresky, 2004). Na realidade portuguesa, e pelos números de trabalhos analisados, parece verifica-se algo contrário, em que as intervenções psicoterapêuticas (40%) são a área de maior destaque nas investigações realizadas. Contudo, este dado deve ser ponderado de forma cautelosa, visto que apenas os estudos empíricos constituíram material de análise no presente trabalho, embora o mesmo se verifique no estudo conduzido por Zauszniewski e Suresky (2004).

Em termos de prioridades de investigação, a Ordem dos Enfermeiros considera que «tendo em conta a realidade nacional, as áreas de investigação recomendadas incluem as funções e contributos dos enfermeiros na redução do risco e prevenção de comportamentos suicidários; instrumentos de avaliação de risco e de intervenção; estratégias para melhoria das práticas nos contextos de internamento e comunitários e, principalmente, dar prioridade ao estudo da efectividade das intervenções realizadas por enfermeiros de Saúde Mental» (Ordem dos Enfermeiros, 2012, p. 75), indo de encontro àquelas que parecem ser, efetivamente, as tendências de investigação atuais em Enfermagem de Saúde Mental.

Salienta-se, igualmente, a importância da família e do prestador de cuidados informal como objeto de estudo: «o diagnóstico de «risco de sobrecarga» ou de «sobrecarga do cuidador» possibilita a implementação de intervenções em estádios mais precoces, o que terá como consequências a diminuição das repercussões negativas para a pessoa dependente e o prestador de cuidados, bem como a redução dos custos globais, individuais e familiares que lhe estão associados» (Sequeira, 2010, p. 62). Estes aspetos são muito relevantes, uma vez que fazer investigação em saúde e em enfermagem implica, muitas vezes, estudar uma população constituída por indivíduos fragilizados física ou psicologicamente, de uma forma temporária ou permanente: por isso, devem ser alvo de cuidados redobrados atendendo ao dever de protecção daqueles que estão mais fragilizados e vulneráveis (Nunes, 2013, p. 9). Mendes apresentou alguns dados, em 2012, sobre o estado da arte, com referência aos trabalhos referenciados na RPESM, destacando os trabalhos com os cuidadores (30,4%) e com o doente adulto (26%) (Mendes, 2012).

Conclusões Recentemente, a investigação em Enfermagem de Saúde Mental tem-se centrado, cada vez mais, na implementação e avaliação da efetividade de intervenções de âmbito psicoterapêutico. Este facto deve ser realçado, uma vez reflete a iniciativa e o interesse por parte dos enfermeiros de Saúde Mental em divulgar as suas práticas e que que contribui para o crescimento da profissão e do seu reconhecimento. A emergência de novas temáticas de investigação, como a Enfermagem transcultural, parece traduzir o interesse dos enfermeiros em acompanhar as mudanças sociais (e.g., imigração).

O incremento de qualidade da Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, ao longo dos anos, particularmente pela sua recente integração na SciELO Portugal®, traduziu-se também por uma maior procura da revista por parte de autores / investigadores interessados em publicar e, consequentemente, numa tendência para o aumento da qualidade dos trabalhos de investigação publicados.

Este é o caminho, mas existe ainda um grande percurso a ser feito. Como refere Mendes, é necessário mais investigação e de melhor qualidade, equipas de investigação com peritos tanto em área clínica como no ensino, e por último maior ligação entre a academia e prática (Mendes, 2012). Por outro lado, como salientam Zauszniewski e Suresky (2004), alcançar a prática baseada em evidências nesta área de especialização de Enfermagem deverá exigir que os investigadores sejam qualificados e que façam estudos relevantes para a prática, e não menos importante, que façam a divulgação das suas investigações e dos seus resultados.

O presente estudo centrou-se unicamente nos estudos empíricos publicados na RPESM entre 2009 e 2013, portanto, num horizonte temporal demasiado curto para se realizar uma análise da evolução das tendências de investigação em Enfermagem de Saúde Mental ao longo do tempo. Porém, a análise dessa evolução constitui um objetivo  pertinente e com prováveis implicações para a Enfermagem enquanto disciplina científica e, em particular, para a Enfermagem de Saúde Mental. Assim, em estudos futuros recomenda-se a realização de trabalhos centrados neste tipo de análise, dada a importância, a nível académico e profissional, que a ela poderá estar associada.


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