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EuPTCVHe1647-21602015000100013

EuPTCVHe1647-21602015000100013

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN1647-2160
ano2015
Issue0001
Article number00013

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Ritmos sociais e volume de atividade social de pessoas em programa de substituição com metadona

Introdução A cronobiologia (do grego, crono = tempo + bio = vida + logo = ciência) salienta o estudo do quando (ritmos), sendo a disciplina que estuda os ritmos biológicos, a sua origem, os processos de sincronização com os ritmos ambientais, as alterações da estrutura temporal dos organismos e a aplicação destes conhecimentos na promoção da saúde e bem-estar.

Os ritmos biológicos são funções do nosso organismo que variam no tempo de forma cíclica. A unidade do ritmo que se repete chama-se "ciclo" (Silva, 2000).

Existem diversos ritmos biológicos: os ritmos ultradianos, cuja frequência é superior a um ciclo por dia (ex., ritmo cardíaco), ritmos infradianos, quando a sua frequência é inferior a um ciclo por dia (ex., ritmo menstrual) e ritmos circadianos, cuja frequência é de cerca de 1 dia (ex., ritmo sono-vigília) (Silva et al., 1996; Silva, 2000). Para os ritmos em que não se comprovou o caráter endógeno fala-se em ritmos ultradiais, infradiais e circadiais (Silva et al., 1996).

Os ritmos circadianos no ser humano, para além de serem alinhados ou sincronizados por zeitgebers (do alemão zeit = tempo, geber = dar) de natureza física (ex., ciclo claro/escuro), também são sincronizados por zeitgebers de natureza social (ex., horários de trabalho, atividades de lazer, rotinas pessoais e sociais).

O comportamento humano diário é também influenciado pelas exigências quotidianas da vida social. O padrão de rotinas sociais diário para a maior parte das pessoas desenrola-se segundo uma sequência específica, ou seja, sono (durante a noite); trabalho (compreendido entre a manhã e a tarde) e; tempo livre (desde o fim do trabalho até à hora de um novo período de descanso). A forma como as atividades estão estruturadas na sociedade também reforça esta sequência (Silva, Rodrigues, Klein, & Macedo, 2000). A alteração do zeitgebers expõe a pessoa a grandes possibilidades de adoecer em várias dimensões apenas porque desalinha os ritmos biológicos (ex., ritmo sono/ vigília, alimentação, ritmo cardíaco, ritmos menstrual, entre outros).

A cronobiologia provoca, desta forma, reflexão sobre a organização temporal da sociedade e traz para o mundo académico questões ligadas à qualidade de vida, seja no sentido estrito do mundo do trabalho, seja no sentido amplo do enriquecimento dos conceitos de qualidade do ambiente (Rotenberg, Marques, & Menna-Barreto, 1997).

Diversas opiniões sugerem que pessoas dependentes de substâncias psicoativas ilícitas têm um estilo de vida próprio, isto é, ritmos próprios que não se sincronizam com os ritmos da sociedade, nem com os ritmos biológicos.

Frequentemente o mundo é dividido em duas partes distintas: em "Nós" ' "endogrupo" e "Eles" ' "exogrupo" (Neto, 1998). O mesmo autor acrescenta que "O mero facto de categorizar as pessoas em dois grupos, um ao qual se pertence (endogrupo) e o outro a que não se pertence (exogrupo) tem influência sobre o comportamento e a perceção do indivíduo" (p. 543).

Frequentemente, chega-nos informação sobre pessoas que usam no seu quotidiano substâncias psicoativas ilícitas, que nos induz a pensar que vivem à margem das normas sociais instituídas, sem horários determinados para as atividades diárias, sem interesses (interesses da sociedade ou aquilo que a sociedade espera do cidadão), às quais são também atribuídos os furtos na cidade, a maioria das perturbações da ordem pública e até a disseminação de algumas doenças. Importa referir que, como afirma Cabral (1998), "Quer se queira quer não a palavra "droga" tem ligada a si uma carga "moral" no sentido mais geral deste último conceito, isto é, referente a hábitos de vida relacionados com condutas consideradas correctas e incorrectas" (p. 4).

Apesar de não se conhecer investigação sobre os ritmos sociais dos toxicodependentes, parece haver um elevado grau de concordância entre a opinião pública e a de profissionais de saúde que trabalham de perto com toxicodependentes, no que respeita à dessincronização do estilo de vida desse grupo ' "exogrupo".

Tendo por base a apreciação dos ritmos sociais do toxicodependente e a literatura que sugere que este tem uma forma de se relacionar com o tempo muito própria e exclusiva, alterando o bem-estar físico, psicológico e social, pretende-se, com este estudo, identificar os ritmos sociais de sujeitos que consomem substâncias psicoativas ilícitas integrados num programa de substituição com metadona.

Metodologia Participantes:participaram no estudo 47 sujeitos toxicodependentes integrados no programa de substituição com metadona de um centro de atendimento a toxicodependentes da zona norte de Portugal. A seleção dos sujeitos foi efetuada de forma aleatória de entre o total de utentes inseridos nesse programa terapêutico. Foram tidos em consideração todos os procedimentos éticos de acordo com os padrões estabelecidos na Declaração de Helsínquia.

Instrumentos: O Instrumento utilizado para a identificação dos ritmos sociais foi a Métrica de Ritmos Sociais desenvolvida por Monk, Flaherty, Frank, Hoskinson, & Krupfer (1990). no âmbito de uma investigação sobre a possível ação de alteração dos zeitgeberssociais na etiologia da depressão e traduzida e adaptada à população portuguesa por Silva e Silvério (1997). Este instrumento foi preenchido pelos sujeitos durante duas semanas (14 dias consecutivos). Para caracterização da amostra foi elaborado um questionário de dados sociodemográficos e clínicos. Para a caracterização socioeconómica foi aplicado o Índice de Graffar do qual resultam cinco níveis de classes sociais: baixa; média/baixa; média; média/alta e alta.

Análise dos dados: Na análise estatística foram determinadas médias, medianas e desvios-padrão; efetuadas correlações utilizando o coeficiente de correlação de Pearson e, ainda, realizadas estatísticas não paramétricas com os testes de Kruskal-Wallis e Mann-Whitney. Para calcular o índice de ritmicidade social foi aplicado o algoritmo desenvolvido pelos autores (Monk et al., 1990, Monk, Kupfer, Frank, & Ritenour, 1991) na versão informática de cotação automática do Laboratório de Psicologia da Universidade do Minho. Em termos de cotação, os dados relativos a cada semana foram analisados como uma unidade, de modo a chegar-se a um score que pode variar entre 0 (mínimo) e 7 (máximo). A um maior valor na cotação corresponde uma maior regularidade dos ritmos sociais.

Para a medição da quantidade ou volume das atividades sociais, foi desenvolvido o Índice do Nível de Atividade Social (INA), independentemente da regularidade com que foram executadas. Este índice tem sempre uma referência temporal semanal variando entre 0 e 119.O tratamento estatístico para o teste das hipóteses foi efetuado com o programa Statistical Package for Social Sciences ' IBM SPSS versão 19.0. Em todas as análises foi considerado estatisticamente significativo um valor de p  <.05.

Resultados A ritmicidade social e o volume de atividade social foram avaliados em 47 sujeitos integrados num programa de substituição com metadona, os quais preencheram durante 14 dias consecutivos (2 semanas) a métrica dos ritmos sociais (Tabela_1).

Verificámos que os indivíduos da nossa amostra revelam regularidade dos ritmos sociais (M= 4.16; SD= 0.99), embora apresentem muito baixo nível de atividade social (M= 38.2; SD= 12.2) (Tabela_2).

A análise de Kruskal-Wallis revelou que os solteiros, casados e separados/ divorciados se distinguem entre si relativamente ao nível médio de atividade social (c2=12.00, p=.002), sendo os sujeitos casados ou a viverem em união de facto que apresentam valores mais baixos (Tabela_3).

Relativamente à comparação dos sujeitos empregados e desempregados com o INA e o MRS, pelos postos médios, verificou-se que os desempregados possuíam maior nível de atividade social (MR= 26.85) e maior ritmicidade social (MR= 25.42), apresentando um significado estatístico residual no que diz respeito ao INA (U= 183.5, p= .077)  . Pela análise de Mann-Whitney, e pelos postos médios, verificámos que os sujeitos que têm filhos possuíam menor INA (MR= 19.74) e menor MRS (MR= 21.76), encontrando-se também um significado estatístico marginal para o INA (U = 185, p =.079).          

Discussão Pela pesquisa realizada, deteta-se que a cronobiologia não tem sido alvo de análise no que diz respeito aos comportamentos sociais das pessoas que consomem substâncias psicoativas ilícitas. Neste sentido, os resultados deste estudo são difíceis de comparar devido à inexistência de investigação do fenómeno em estudo. Assim, a discussão destes resultados baseia-se, essencialmente, na experiência que os investigadores possuem com este grupo clínico.

Neste estudo, os sujeitos que têm uma ocupação, comparados com os que não têm, possuem valores de INA mais baixos, provavelmente pela indisponibilidade de tempo para se envolverem na realização de atividades sociais. Por outro lado, a ritmicidade social dos sujeitos que têm uma ocupação é mais baixa do que a dos desempregados, talvez porque os horários de trabalho não são cumpridos rigorosamente, o que altera as horas do diário das atividades medidas pela MRS.

Também, a experiência que possuímos com pessoas toxicodependentes, diz-nos que, frequentemente, não se vinculam o suficiente à atividade profissional e que o absentismo é frequente. Por outro lado, os dados confirmam maiores valores de INA e de MRS para os desempregados. Arriscamos afirmar que, frequentemente, se observa que os toxicodependentes dependem de outrem (normalmente da família ou de instituições que lhes oferecem abrigo) durante muito tempo e até muito tarde. Este facto poderá ajudar a interpretar este resultado na medida em que os horários destes sujeitos estão dependentes, a maior parte das vezes, do agregado familiar ou das instituições que os recebem. O volume de atividades sociais é mais elevado também nos sujeitos desempregados, provavelmente pela disponibilidade de tempo que lhe permite aumentar a interação social.

Os dados sugerem, ainda, que os sujeitos que têm filhos apresentam um valor de INA mais baixo do que os que não têm filhos, provavelmente pela dificuldade que ainda mantêm de socialização e de integração social.

Conclusão Os dados apontam para que os sujeitos da nossa amostra estejam sincronizados com os horários que a sociedade estruturou para a vida diária e apresentem relações sociais pobres em termos de quantidade, isto é, revelam regularidade dos ritmos sociais (MRS) embora apresentem muito baixo nível de atividade social (INA).

Desta forma, constatamos que, no que diz respeito à ritmicidade social, atendendo ao indicador de índice de atividade social (INA), a nossa amostra está empobrecida em termos de "volume" de atividades, o que nos indica uma diminuição da interação social, com todas consequências negativas que este facto tem para a saúde.

No que diz respeito aos sujeitos desta amostra torna-se necessário ter atenção redobrada relativamente à vida social.A reinserção social traz consigo alterações positivas na interação social e, portanto, deve ser pensada logo desde o início de qualquer processo terapêutico. Tal como Patrício (2002) afirma, "Promover a inserção social, profissional ou escolar, sem socializar é promover um equívoco" (p.168).

Implicações para a Prática Clínica Atendendo ao encontrado, o tratamento das pessoas dependentes de substâncias psicoativas deve proporcionar-lhes relações sociais de qualidade e ajuda na criação de meios pessoais e humanos para conseguirem, para eles próprios, interações sociais satisfatórias.

Parece-nos que a promoção da saúde neste campo deve ser mais enfatizada, devendo também ter como objetivo preencher essa carência de socialização. A reinserção social deve fazer parte de qualquer projeto terapêutico nesta área de intervenção. Para além da frequência das consultas, da administração, neste contexto, da substância agonista, do apoio social, os toxicodependentes podem necessitar de outras estruturas de suporte, e alguns precisam, com os técnicos de saúde, de fazer grandes esforços para atingir um nível adequado de socialização.

Os centros de dia ou unidades socio-ocupacionais são recursos que permitem promover a socialização e, ainda, potencializar o processo terapêutico desenvolvido em regime ambulatório. O indivíduo mantém, regularmente, a frequência das consultas e frequenta estas estruturas com as suas atividades de dinâmica de grupo. Aqui, os toxicodependentes (re)aprendem a fazer a gestão das atividades diárias, atendendo ao tempo disponível, do espaço e dos limites, desenvolvendo competências de socialização e o treino da autonomia.

Parece-nos que o indivíduo poderá ultrapassar dificuldades internas e relacionais através de atividades lúdicas, ocupacionais, pedagógicas e pré- profissionais, possibilitando o reencontro do sujeito consigo mesmo e com os outros.


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