Impacto da literacia em saúde nos comportamentos promotores de saúde em gestão
de stresse em adolescentes
Introdução
A literacia em saúde define-se como as competências pessoais, cognitivas e
sociais que determinam a capacidade dos indivíduos para aceder, compreender e
utilizar informação com vista à promoção e manutenção de bons níveis de saúde.
Esta definição implica resultados como melhoria do conhecimento e compreensão
dos determinantes de saúde, alteração das atitudes e motivações relacionadas
com os comportamentos em saúde, bem como uma autoeficácia melhorada na
definição de tarefas (Nutbeam, 2000). Um jovem que possua competências de
literacia em saúde deverá ser capaz de cuidar de si a nível físico, emocional,
social, mental e espiritual (Fetro, 2010).
Uma revisão sistemática da literatura realizada por Sanders, Federico, Klass,
Abrams, & Dreyer (2009) revela que, de acordo com os estudos analisados, a
prevalência de níveis baixo de literacia em saúde de adolescentes e jovens
adultos varia de 10 a 40%. Wu, et al. (2010) avaliaram a literacia de 275
adolescentes canadianos, de ambos os sexos, concluindo que os jovens rapazes
apresentaram resultados inferiores em relação às raparigas.
O European Health Literacy Survey (HLS-EU) Consortium realizou um estudo
europeu de literacia em saúde, onde inclui 8 países: Áustria, Bulgária,
Alemanha, Grécia, Irlanda, Holanda, Polónia e Espanha. Da população questionada
(cerca de 1000 cidadãos por país com idade igual ou superior a 15 anos), 12,4%
apresentou níveis de literacia em saúde inadequados (variando de 1,8% a 26,9%),
35,2% uma literacia em saúde problemática, 36,0% apresentou um nível de
literacia em saúde suficiente e os restantes 16,5%, um nível excelente de
literacia em saúde. Valores mais elevados foram encontrados nos indivíduos que
reportam um status de saúde mais elevado, bem como no sexo feminino (HLS-EU
Consortium, 2012).
Também o estudo dos estilos de vida saudáveis na adolescência se tem tornado um
foco importante na área da investigação (Wang, Ou, Chen, & Duan, 2009). Os
comportamentos adolescentes são fenómenos complexos e multidimensionais,
influenciados por fatores importantes (Spear & Kulbok, 2001), sendo
comportamentos que partilham antecedentes psicológicos, ambientais e biológicos
semelhantes (Igra & Irwin, 1996).
Na China, aplicou-se a AHP Scale a 407 estudantes universitários, com idade
entre os 16 e os 25 anos, de ambos os sexos. Os valores mais elevados foram
observados nas subescalas de apreciar a vida, suporte social e gestão de
stresse (`x=67,59; σ=16,29). O sexo feminino apresenta valores mais elevados de
comportamento promotores de saúde em gestão de stresse do que o sexo masculino
(Wang, et al., 2009).
Existem fatores ou ações protetoras que facilitam os resultados positivos, ou
que reduzem ou evitam os resultados negativos na presença de fatores de risco
para comportamentos não promotores de saúde na adolescência: fatores
individuais (autoestima, autoeficácia, regulação emocional) e ambientais
(oportunidades positivas providenciadas pelos adultos na família, escola e
comunidade alargada), sendo os primeiros os mais importantes na prevenção de
comportamentos de risco (Wang, Hsu, Lin, Cheng, & Lee, 2009). A relação
entre a estrutura familiar (famílias monoparentais ou biparentais) e os
comportamentos de risco é influenciada pela interação conjunta de outros
fatores protetores e de risco, como o stresse diário, os comportamentos de
risco adotados pela figura materna e os comportamentos de risco realizados
pelos pares (Wang, et al., 2009).
Apesar da relação causal entre uma limitada literacia em saúde e comportamentos
promotores de saúde não ter ainda sido provada (Committee on Health Literacy,
2004; Nutbeam, 2008), existem resultados de investigação cumulativos e
consistentes que permitem afirmar que o desenvolvimento de literacia em saúde
permite a promoção deste tipo de comportamentos (Borzekowski, 2009; Committee
on Health Literacy, 2004). Os comportamentos de saúde dos adolescentes estão
fortemente associados às suas competências em literacia (Sanders, et al.,
2009). Adolescentes com níveis mais elevados de literacia em saúde, apresentam
comportamentos e relações interpessoais mais saudáveis entre pares (Chang,
2010). Um estudo realizado na China, com uma amostra de 8008 adolescentes a
frequentar escolas primárias e secundárias do país, permitiu perceber que
existe uma correlação positiva entre os conhecimentos em saúde e as práticas e
atitudes promotoras de saúde (Yu, Yang, Wang, & Zhang, 2012).
Também Chang (2010) realizou um estudo na Tailândia, utilizando uma amostra de
1601 adolescentes estudantes do ensino secundário, de ambos os sexos, com uma
idade média de 17 anos (σ=1,02), concluindo que os rapazes apresentaram níveis
mais baixos de literacia em saúde. Os comportamentos promotores de saúde foram
menores em adolescentes que apresentaram níveis mais baixos de literacia em
saúde, demonstrando-se que a literacia em saúde é um preditor independente dos
comportamentos promotores de saúde. Não foram no entanto encontradas relações
estatisticamente significativas entre os níveis de literacia em saúde e os
comportamentos promotores de saúde na subescala gestão de stresse.
Metodologia
Com os objetivos de conhecer os níveis de literacia em saúde e comportamentos
promotores de saúde em gestão de stresse numa amostra de adolescentes
portugueses, considerando o seu sexo, idade e ano de escolaridade, e conhecer o
impacto da literacia em saúde nos comportamentos promotores de saúde em gestão
de stresse, foi realizado um estudo quantitativo, descritivo-correlacional e
transversal.
A população selecionada compreendeu os adolescentes a frequentar o ensino
secundário no distrito de Leiria, e a amostra, selecionada por um método de
amostragem não probabilístico por conveniência, englobou 1215 adolescentes, com
idade entre os 14 e os 20 anos, de ambos os sexos, a frequentar duas destas
escolas do distrito de Leiria. Como critérios de inclusão definiram-se ter
idade compreendida entre 14 e 20 anos, frequentar o ensino secundário numa
escola do distrito de Leiria e aceitar participar no estudo, e como critérios
de exclusão, não pertencer às escolas selecionadas para a amostra e não ter
autorização dos encarregados de educação para participar no estudo (jovens com
idade inferior a 18 anos).
Os dados foram recolhidos através de um questionário de autopreenchimento,
constituído por questões sociodemográficas, a Adolescent Health Promotion Scale
(elaborada por Chen, Wang, Yang & Liou, 2003) e o Instrumento de Avaliação
da Literacia em Saúde. A Adolescent Health Promotion Scale, traduzida e
validada para a população portuguesa por nós, permite avaliar seis categorias
ou dimensões de um estilo de vida saudável na população adolescente (nutrição,
exercício físico, suporte social, responsabilidade pela saúde, gestão do
stresse e apreciação da vida), sendo constituída por 40 itens de resposta tipo
Likert e com 5 opções de resposta, sendo que pontuações mais elevadas (sendo
possível pontuar de 1 a 5) correspondem a comportamentos promotores de saúde
mais frequentes. O Instrumento de Avaliação da Literacia em Saúde, por nós
elaborado, pretende avaliar as competências em literacia em saúde, partindo de
9 temáticas em saúde e 7 parâmetros de desempenho. É constituída por 11
cenários e 60 questões de escolha múltipla. Quanto mais elevada a pontuação,
maiores os níveis de literacia em saúde, sendo possível pontuar de 0 a 1.
Consideraram-se todos os procedimentos formais e éticos inerentes a este tipo
de estudo, tendo os dados sido tratados com recurso a testes paramétricos.
Resultados
A amostra selecionada foi constituída por 1215 jovens, de ambos os sexos, sendo
47,24% do sexo feminino e 52,76% do sexo masculino, com idades entre os 14 e os
20 anos, com uma média de 16,31 anos e a moda 16 anos (34,40%). A maioria
frequentava o 11º ano de escolaridade (38,68%), no curso científico-humanístico
de ciências socioeconómicas, sendo que os jovens frequentavam cursos
científico-humanísticos (76,05%) e cursos profissionais (23,95%). Dos
participantes, 96,13% eram de nacionalidade portuguesa e 93,99% de naturalidade
portuguesa, tendo sempre vivido em Portugal. A maioria (98,11%) considera
pertencer à cultura portuguesa, sendo que 97,78%, 97,45% e 99,01% afirma
dominar a língua portuguesa para ler e escrever, comunicar com a família e
comunicar com os amigos e nas relações sociais, respetivamente.
Considerando os níveis de literacia em saúde em gestão de stresse, como se
observa na Tabela_1, foi encontrada uma média de 0,68 (σ=0,228) na amostra
total, sendo este valor mais elevado no sexo feminino (`x=0,74; σ=0,190;
p=0,000) e nos adolescentes a frequentar o 12º ano de escolaridade (`x=0,73;
σ=0,205). Os níveis de literacia em saúde diminuem com a idade (R=-0,092;
p=0,002), sendo mais elevados no grupo de adolescentes até aos 18 anos
(`x=0,69; σ=0,220; p=0,063), não sendo, esta diferença estatisticamente
significativas.
Na Tabela_2 apresentam-se os níveis de comportamentos promotores de saúde em
gestão de stresse obtidos na amostra, percebendo-se que o valor médio é de 3,58
(σ=0,660). Também aqui o sexo feminino apresenta os valores mais elevados
(`x=3,59; σ=0,640; p=0,370), apesar da diferença entre sexos não ser
estatisticamente significativa. Os jovens a frequentar o 11º ano de
escolaridade, apresentam a menor frequência deste tipo de comportamentos
(`x=3,50; σ=0,627). Os adolescentes mais novos apresentam níveis de
comportamentos promotores de saúde mais elevados, apesar de ser uma diferença
estatisticamente não significativa, e de não ter sido encontrada qualquer
correlação entre este conceito e a idade dos participantes (R=-0,037; p=0,198).
Relativamente à relação entre ambos os conceitos (Tabela_3), encontraram-se
correlações estatisticamente significativas positivas entre os dois conceitos
na amostra total (R=0,066; p=0,027), no grupo de adolescentes mais novos
(R=0,091; p=0,019), e nos adolescentes a frequentar o 11º ano de escolaridade
(R=0,155; p=0,001). Uma pequena percentagem da variância dos comportamentos
promotores de saúde em gestão de stresse é explicada pelos níveis de literacia
em saúde nesta área, de forma positiva, na amostra total (R2=0,004; p=0,027),
nos adolescentes mais novos (R2=0,008; p=0,019) e nos adolescentes a frequentar
o 11º ano de escolaridades (R2=0,024; p=0,001).
Discussão
Considerando as características amostrais, a utilização da língua portuguesa de
forma dominante na quase totalidade da amostra, bem como quase todos os
adolescentes questionados considerarem pertencer à cultura portuguesa, revelam-
se características importantes neste tipo de estudo, uma vez que a literacia em
saúde implica, não apenas competências pessoais e cognitivas, mas também
sociais, permitindo aos jovens aceder, compreender e utilizar a informação
acerca de saúde (Nutbeam, 2000). Desta foram, estas características são
importante, como vista a uma compreensão linguística e cultural das questões
utilizadas para avaliação deste conceito. Também as questões culturais são
importantes de atender nas questões que pretendem avaliar os comportamentos
promotores de saúde, dado que determinados hábitos em determinadas culturas
poderão enviesar os resultados.
Os adolescentes da amostra selecionada apresentaram níveis de literacia em
saúde, considerados bons, com 25% a amostra a apresentar resultados menos
satisfatórios, inferiores a 0,57. Sanders, Federico, Klass, Abrams, &
Dreyer (2009) referem resultados semelhantes de acordo com a revisão
sistemática de literatura que realizaram, apontando para percentagens de níveis
baixos de literacia em saúde nos adolescentes entre 10 e 40%. 25% dos jovens
inquiridos apresentam níveis de literacia em saúde elevados, acima de 0,86,
sendo que o HLS-EU Consortium (2012) encontrou valores de 16,5% para níveis
excelentes de literacia em saúde, numa amostra de adultos europeus. Níveis de
literacia em saúde mais elevados foram encontrados nos adolescentes do sexo
feminino, confirmando os resultados encontrados por Wu, et al. (2010), Chang
(2010) e pelo HLS-EU Consortium (2012), bem como nos adolescentes a frequentar
o 12º ano de escolaridade. Foi encontrada uma relação estatisticamente
significativa entre este conceito e a idade, sendo que os níveis de literacia
em saúde diminuem com esta, e embora sem diferenças estatisticamente
significativas, valores mais elevados foram encontrados nos adolescentes com
idades entre os 14 e os 18 anos. Percebe-se assim, uma tendência de aumento da
literacia em saúde nos adolescentes a frequentar o ensino secundário ao longo
dos anos, decrescendo nos jovens que permanecem neste nível de ensino após os
18 anos.
Os níveis de comportamentos promotores de saúde encontrados são considerados
bons, sendo que apenas 25% dos jovens apresentam níveis abaixo de 3,17, tal
como no estudo de Wang, et al. (2009). Níveis mais elevados foram encontrados
no sexo feminino, e nos adolescentes a frequentar o 10 e o 12º ano de
escolaridade, não tendo sido encontrada relação entre este conceito e a idade
dos jovens.
Uma correlação positiva entre os conceitos, bem como a explicação de uma
percentagem dos comportamentos promotores de saúde pela literacia em saúde em
gestão de stresse foram encontrados na amostra total, nos adolescentes até aos
18 anos de idade e nos adolescentes a frequentar o 11º ano de escolaridade, tal
como nos estudos realizados por Yu, Yang, Wang, & Zhang (2012) e
contrariamente ao estudo realizado por Chang (2010) que não encontrou esta
predição na temática gestão de stresse, apesar de a ter encontrado nos
comportamentos de saúde em geral. O facto de apenas uma pequena percentagem dos
comportamentos promotores de saúde ser explicada pela literacia em saúde em
gestão de stresse, permite perceber que, tal como referem Wang, Hsu, Lin,
Cheng, & Lee (2009) e Wang, et al. (2009), outros fatores ajudarão a
explicar este tipo de comportamentos, como os fatores ambientais, sociais
(associados à influencia familiar e de pares) e outros fatores pessoais. No
entanto, parte destes comportamentos é explicada pela literacia em saúde, na
amostra estudada, confirmando que, apesar de não ser uma associação forte como
refere Sanders, et al. (2009), é estatisticamente significativa, podendo
concluir-se que este tipo de competências influenciam os comportamentos
adolescentes (Borzekowski, 2009; Chang, 2010; Committee on Health Literacy,
2004)
Conclusão
A amostra apresenta bons níveis de literacia em saúde e de comportamentos
promotores de saúde em gestão do stresse. Os valores mais elevados de literacia
em saúde encontram-se em adolescentes do sexo feminino e a frequentar o 12º ano
de escolaridades, diminuindo com a idade, o que indica que os valores mais
baixos são encontrados nos adolescentes a frequentar o ensino secundário e com
mais de 18 anos. Já os comportamentos promotores de saúde em gestão de stresse,
são mais baixos no ano intermédio de escolaridade e no sexo masculino.
Encontrou-se uma relação de causalidade, apesar de fraca entre os níveis de
literacia em saúde e comportamentos promotores de saúde em gestão de stresse no
grupo estudado, percebendo-se assim a importância da enfermagem investir em
intervenção promotoras de literacia em saúde nesta faixa etária, com vista à
melhoria da saúde mental dos adolescentes.
Implicações para a Prática Clínica
Compreender os fatores que potenciam os comportamentos promotores de saúde
torna-se útil na medida em que o enfermeiro passa a conhecer os fatores que
deverá considerar na sua intervenção, com vista a melhorá-la e torna-la mais
eficaz. Conhecer o impacto da literacia da saúde nos comportamentos, permite ao
enfermeiro atuar enquanto educador e promotor dessa literacia, de forma
indicada para as necessidades educacionais da população alvo.