Estudo RADAR: Risco Aumentado de Diabetes em Amarante
INTRODUÇÃO
A diabetes mellitus tipo 2 (DM2) é uma doença crónica associada a complicações
bem conhecidas e com impacto negativo significativo na qualidade de vida dos
doentes e das suas famílias. Algumas destas complicações podem constituir uma
séria ameaça à sobrevivência dos doentes. Para além de ser uma importante causa
de morbimortalidade, implica elevados gastos em saúde. Em 2008, os custos
diretos com a doença, em Portugal, ascenderam aos 900-1100 milhões de euros, o
que representou 7% da despesa em saúde para o mesmo ano.1,2
O aumento da prevalência de DM2 tem sido identificado como um importante
problema de Saúde Pública.3 Em 2000 estimava-se que o número de pessoas com
DM2, em todo o mundo, era de 171 milhões. Para 2030 prevê-se que esse número
mais do que duplique.4 Em Portugal, segundo o Relatório Anual do Observatório
Nacional da Diabetes, em 2008 a prevalência de DM foi de 11,7% e a de Pré-
Diabetes de 23,2% da população portuguesa, com idades compreendidas entre os 20
e os 79 anos.2
Assim, é reconhecida a necessidade de desenvolver estratégias de prevenção
primária da DM2 que permitam, através da redução dos factores de risco
modificáveis associados à doença, reduzir a prevalência da mesma.3,5,6 Para tal
é fundamental identificar os indivíduos com risco acrescido de DM2 quando ainda
se encontram normoglicémicos, intervindo no sentido de prevenir a evolução para
Pré-diabetes e, posteriormente, Diabetes.3,5,6
Nesse sentido têm sido desenvolvidas várias escalas com o objetivo de
estratificar o risco de vir a desenvolver DM2.3 São disso exemplo o «Diabetes
Risk Test» da Associação Americana de Diabetes e o «Finnish Diabetes Risk
Score» (FINDRISC) desenvolvido na Finlândia e validado para a língua inglesa. O
FINDRISC demonstrou ser um método simples, rápido, pouco dispendioso e não
invasivo para determinar o risco de desenvolver DM2 nos próximos 10 anos.7
Também tem demonstrado ser útil para identificar indivíduos com Diabetes não
diagnosticada e Pré-Diabetes.8-9
As escalas de estratificação do risco de DM2, ao possibilitarem a identificação
dos indivíduos com risco acrescido de desenvolver a doença, permitem que as
estratégias de prevenção primária sejam direccionadas ao grupo de indivíduos
que delas realmente beneficiam.3,5,6 Vários ensaios clínicos têm demonstrado
que os indivíduos com risco acrescido de diabetes podem reduzir
significativamente o seu risco e protelar o início da doença adoptando uma
dieta saudável, aumentando o nível de actividade física e mantendo ou reduzindo
o seu IMC.10-15
A Sociedade Europeia de Cardiologia e a Associação Europeia para o Estudo da
Diabetes recomendam, nas Guidelines da Diabetes, Pré-Diabetes e Doenças
Cardiovasculares, que a avaliação do risco de desenvolver DM2, usando as
escalas disponíveis, deve fazer parte da rotina dos cuidados de saúde (nível de
evidência A e classe de recomendação II) e que o rastreio do potencial de
diabetes pode ser realizado de forma eficiente usando um score de risco não
invasivo combinado, subsequentemente, com uma prova da tolerância à glicose
oral (PTGO) naqueles com score de risco elevado (nível de evidência A e classe
de recomendação I).16
O Programa Nacional de Prevenção e Controlo de Diabetes de 2008 contempla, como
estratégia de intervenção, a identificação de grupos de risco acrescido de
desenvolvimento de diabetes, através do preenchimento do Questionário de
Avaliação do Risco de Diabetes Mellitus Tipo 2, a ser aplicado pelos
profissionais de saúde.17 Embora esta versão traduzida do FINDRISC conste no
Programa Nacional de Prevenção e Controlo de Diabetes e esteja disponível no
programa informático SAPE®, ainda não está validada para a população
portuguesa. Contudo, a Sociedade Portuguesa de Diabetologia, em colaboração com
a Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal, a Faculdade de Medicina de
Coimbra e a Direção-Geral de Saúde pretendem, até Novembro de 2013, desenvolver
o projeto de «Validação da Escala de Risco de Desenvolver Diabetes para a
População Portuguesa – FINDRISC Portugal».18
Estudos realizados na Europa aplicando o questionário FINDRISC obtiveram
valores médios de risco de 9,1 (Finlândia) e 10,7 (Espanha).8,19 Nos estudos de
Makrilakis et al (Grécia) e Salinero-Fort et al (Espanha), 19,1% e 19,5% dos
participantes apresentaram FINDRISC igual ou superior a 15,
respetivamente.19,20
Este estudo teve como objectivo caracterizar os utentes dos Cuidados de Saúde
Primários quanto ao risco de virem a desenvolver Diabetes Mellitus tipo 2
através da aplicação do questionário FINDRISC.
MÉTODOS
Tipo de estudo: Observacional, analítico transversal
Local do estudo: Centro de Saúde de Amarante
População do estudo: Utentes inscritos nas Unidades de Saúde do CS de Amarante
(duas Unidades de Cuidados Personalizados, uma Unidade de Saúde Familiar e uma
Unidade de utentes sem médico de família atribuído) com idades compreendidas
entre os 18 e os 79 anos (N=28523).
Critérios de exclusão: Pessoas com diabetes, grávidas, pessoas acamadas,
internadas ou a viver em instituições não se podendo deslocar ao CS, pessoas
afásicas, surdas ou com doença mental incapacitante ou com dificuldades de
compreensão da língua portuguesa.
Caracterização da amostra e técnica de amostragem: Com base no estudo de
Salinero-Fort et al definiu-se como prevalência esperada de FINDRISC ≥ 15 o
valor 19%. Partindo deste valor e para uma população de 28523 utentes, um nível
de precisão de 5% e um intervalo de confiança de 95%, calculou-se, através do
programa EpiInfo® 3.4.3, uma dimensão amostral de 235 indivíduos. Prevendo-se
50% de perdas por recusa na participação ou ausência de contactos atualizados,
aumentou-se a dimensão da amostra para 470, tendo sido arredondado esse valor
para 500 utentes. Através do programa «Gerador de amostras aleatórias para
centros de saúde portugueses v 1.0», efetuou-se uma amostragem aleatória
simples, estratificada por sexo e idade.
Variáveis em estudo: Foram estudadas a variável género e as variáveis incluídas
no questionário FINDRISC – idade, peso, altura, índice de massa corporal (IMC),
perímetro abdominal, prática de atividade física, alimentação com vegetais e
fruta, história pessoal de Hipertensão Arterial, história pessoal de
hiperglicemia, história familiar de diabetes – e a pontuação FINDRISC. O
questionário FINDRISC é composto por 8 perguntas, o risco total é calculado
somando o valor dos parâmetros individuais e varia entre 0 e 24. O risco
individual é expresso em probabilidade de vir a desenvolver DM2 nos próximos 10
anos (Anexo_1).
Métodos de recrutamento de participantes: Os utentes aleatorizados foram
convidados a participar no estudo através de uma carta de motivação, explicando
o objectivo do estudo e convidando a pessoa a deslocar-se ao CS para uma
entrevista individual com um dos investigadores, com dia e hora marcados. Nessa
carta era disponibilizado o contacto telefónico do investigador para o caso do
participante desejar marcar para outro dia e hora.
Plano de minimização de viéses: Para aumentar a taxa de resposta os utentes
foram contactados por telefone na véspera do dia marcado com o objetivo de
confirmar a participação. Nos casos em que foi demonstrado interesse em
participar mas noutro dia, foi feita nova marcação de acordo com a
disponibilidade do utente. Nos casos em que a carta foi devolvida, o utente foi
contactado por telefone tendo sido efetuadas um máximo de três tentativas, em
dias e horas diferentes. Foi elaborado um texto modelo para o contacto
telefónico. Para uniformizar critérios inter-observador as primeiras 10
entrevistas foram realizadas pelos investigadores a pares definindo-se como
proceder às medições directas. O peso e a altura foram medidos sem sapatos e
acessórios e o perímetro abdominal avaliado ao nível da linha média entre a
última costela e a crista ilíaca.
Métodos de recolha de informação: Os dados foram recolhidos através do
Questionário de Avaliação de Risco de DM2 (FINDRISC), preenchido por entrevista
pessoal e observação direta (peso, altura e perímetro abdominal) após
explicação detalhada do estudo e assinado o consentimento informado pelo
investigador e pelo participante.
O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética da Administração Regional de Saúde
do Norte.
Tratamento dos dados: Os dados foram codificados e registados em base de dados
informática (Microsof Excel®). Para o tratamento estatístico, utilizou-se o
programa SPSS® v. 17.0. Realizou-se uma análise descritiva de cada uma das
variáveis do estudo, as variáveis quantitativas expressaram-se em medidas de
tendência central e de dispersão e as qualitativas em frequências absolutas e
relativas. Procedeu-se à divisão da amostra entre utentes com pontuação de
FINDRISC ≥ 15 e <15. Foi usado o teste t de Student para comparação de médias e
o teste de qui-quadrado ou o teste de Fisher para a comparação de proporções.
Em todos os casos o nível de significância adoptado foi de 0,05.
RESULTADOS
Participaram no estudo 203 utentes, o que corresponde a uma taxa de resposta de
40,6%. Em relação aos não respondentes (Quadro_I), 55% eram do sexo masculino e
maioritariamente pertenciam à faixa etária entre os 28 e os 38 anos.
A média de idades dos participantes no estudo foi de 45 anos (DP=15) e 62% eram
do género feminino. Relativamente aos fatores de risco de DM2 considerados no
questionário FINDRISC (Quadro_II), constatou-se que 17% dos participantes eram
obesos, 42% apresentavam valores de perímetro abdominal definidores de
obesidade central e 45% tinham história familiar de DM2. Quanto aos fatores de
risco relacionados com estilos de vida verificou-se que 25% dos participantes
não ingeria frutas e legumes diariamente e 45% não praticava atividade física
regularmente.
A média da pontuação total obtida no questionário FINDRISC foi de 9,3 (IC95%:
4,5-14,3) e 12,8% (IC95%: 7,8% – 17,8%) dos participantes apresentaram alto
risco de desenvolver DM2 nos próximos 10 anos (FINDRISC ≥ 15). Considerando
apenas os participantes com idade superior a 45 anos, 22% apresentaram alto
risco de desenvolver a doença (FINDRISC ≥ 15).
A estratificação do risco dos participantes no estudo desenvolverem DM2 nos
próximos 10 anos, segundo o questionário FINDRISC, encontra-se representada no
Gráfico_1. Considerando como ponto de corte a pontuação FINDRISC ≥ 15 usado nos
estudos grego e espanhol para definir os indivíduos com risco elevado de
desenvolver DM2, procedeu-se à análise comparativa dos dois grupos (Quadro
IV).19-20
DISCUSSÃO
Os resultados obtidos revelaram que, ao nível dos cuidados de saúde primários,
cerca de 13% dos utentes apresentam um alto risco de desenvolver DM2 nos
próximos 10 anos. Esta percentagem foi inferior à obtida noutros estudos
realizados na Europa, usando a mesma escala de risco. Nos estudos de Makrilakis
et al e de Salinero-Fort et al 19,1% e 19,5% dos participantes, respetivamente,
apresentaram FINDRISC ≥ 15.19-20 Contudo, salienta-se que estes estudos usaram
diferentes metodologias de seleção dos participantes e a média de idades foi
superior à do nosso estudo, e sendo a idade um dos fatores de risco
considerados no questionário, tal pode ter contribuído também para a diferença
observada. Por outro lado, as características particulares da população
portuguesa poderão ter contribuído para o valor obtido, uma vez que a escala
FINDRISC ainda não foi validada em Portugal.
Dentro do grupo de pessoas de alto risco, as médias de FINDRISC e de IMC estão
próximas dos valores encontrados no estudo de prevenção primária finlandês que
utilizou o score FINDRISC para identificar e referenciar os indivíduos de alto
risco.21 A prevalência de excesso de peso (46,3%) e obesidade (17,2%) é
superior à encontrada no estudo de prevalência realizado em Portugal entre 2003
e 2005 (39,4% e 14,2%, respetivamente).22
O presente estudo apresenta algumas limitações. O questionário FINDRISC usado
para avaliar o risco dos utentes virem a desenvolver DM2 ainda não está
validado para a população portuguesa. A taxa de resposta obtida foi inferior à
prevista pelo que não foi possível obter a dimensão calculada da amostra. A
impossibilidade de contactar alguns dos utentes da amostra constituiu o
principal motivo de não participação no estudo e incluiu os que apresentavam
moradas incompletas e/ou desatualizadas, números de telefone ou telemóvel
errados e/ou desatualizados e aqueles que não foram contactáveis nas 3
tentativas de contacto telefónico estabelecidas no protocolo do estudo. Um dos
fatores que pode ter contribuído para esta baixa taxa de resposta foi a
desatualização da base de dados SINUS® do Centro de Saúde. Salienta-se ainda
que o estudo foi realizado numa população de uma zona geográfica específica de
Portugal pelo que não é possível generalizar os resultados à população
portuguesa.
Consideram-se como pontos fortes deste estudo o uso de uma amostra aleatória de
base institucional, a avaliação do risco de DM2 usando uma escala de risco
internacional aplicada em inúmeros estudos e a implementação de um plano para
minimização de viéses para diminuir as diferenças entre observadores na recolha
de dados. Destaca-se ainda que este estudo constituiu uma oportunidade para
iniciar estratégias de prevenção primária, na medida em que, os utentes que
apresentaram fatores de risco de DM2 modificáveis, independentemente do risco
total, foram alertados e aconselhados sobre as medidas a adotar para reduzirem
o seu risco individual. Para além disso, aqueles que apresentaram FINDRISC ≥ 15
foram sinalizados aos respetivos médicos de família, para poderem ser melhor
caracterizados através da PTGO e consequentemente, desenvolvidas estratégias
mais intensivas de modificação dos estilos de vida.
Por fim, este estudo sugere que um em cada oito utentes apresenta um risco
elevado de desenvolver DM2 nos próximos 10 anos. Tendo em conta que um dos
pilares da Medicina Geral e Familiar é a promoção da saúde e prevenção da
doença, a divulgação destes resultados é importante no sentido de promover a
aplicação de questionários simples e rápidos que permitam a identificação dos
indivíduos com elevado risco de desenvolver DM2.
Uma vez que os recursos são limitados, a aplicação do questionário FINDRISC vai
permitir selecionar os indivíduos (com risco aumentado de desenvolver DM2) que
deverão ter o seu estado glicémico caracterizado, recorrendo à determinação da
glicemia em jejum ou a uma PTGO, sendo que apenas esta última permitirá
diagnosticar a pré-diabetes (anomalia da glicemia em jejum ou tolerância
diminuída à glicose).3 Para além disso, vai permitir que a intensidade das
intervenções para modificação dos estilos de vida seja ajustada ao nível de
risco, assegurando que os que apresentam risco aumentado recebem intervenções
mais intensivas.3
No futuro, seria interessante a realização de ensaios clínicos a longo prazo,
com indivíduos de alto risco submetidos a diferentes programas de intervenção
nos estilos de vida no sentido de verificar se na população portuguesa os
resultados são sobreponíveis aos de outros países europeus, avaliando o custo-
eficácia desses programas e procurando atingir como objetivo final e primordial
– a diminuição da prevalência da diabetes no nosso país.