Efectividade do tratamento da obesidade ao nível dos Cuidados de Saúde
Primários: revisão sistemática da U.S. Preventive Services Task Force
CLUBE DE LEITURA
Efectividade do tratamento da obesidade ao nível dos Cuidados de Saúde
Primários – revisão sistemática da U.S. Preventive Services Task Force
Hélder Aguiar
Interno de Medicina Geral e Familiar, USF Vale do Vouga – S. João da Madeira
Leblanc ES, O’Connor E, Whitlock ED, Patnode CD, Kapka T. Effectiveness of
Primary Care-Relevant Treatments for Obesity in Adults: a Systematic Evidence
Review for the U.S. Preventive Services Task Force. Ann Intern Med 2011;155:
434-447
Contexto
O excesso de peso e a obesidade são comuns no adulto e afectam negativamente a
saúde em múltiplos domínios. O objectivo desta revisão sistemática consistiu em
resumir a efectividadee os efeitos negativos das intervenções dirigidas à perda
de peso relevantes para os Cuidados de Saúde Primários (CSP).
Métodos
Inicialmente, foram pesquisadas revisões sistemáticas e meta-análises
publicadas após a última revisão da U.S. Preventive Services Task Force
(USPSTF), tendo sido identificadas duas revisões cujos critérios de inclusão e
exclusão eram concordantes com os desta revisão sistemática, com resultados até
ao ano de 2005. Posteriormente, foi realizada uma pesquisa nas bases de dados
da Pubmed, PsycINFO e Cochrane, para artigos publicados de 2005 a 9 de Setembro
de 2010, que, para a população de adultos (≥18 anos), incluíssem programas de
rastreio ou intervenções, farmacológicas e não farmacológicas, relacionadas com
os CSP (conduzidas pelos CSP ou que, em teoria, pudessem ser implementadas num
sistema de saúde no qual os médicos de família pudessem referenciar) dirigidas
à perda de peso em adultos e comparadas com o placebo. Os outcomes avaliados
foram a perda de peso, a melhoria de aspectos clínicos (pressão arterial,
diabetes mellitus, dislipidemia, eventos cardiovasculares, morte, cancro,
osteoartrose, asma, apneia do sono, depressão, funcionalidade física/
psicológica e incapacidade) e efeitos adversos. Para os primeiros dois outcomes
foram apenas incluídos ensaios clínicos aleatorizados (ECAs) e, para o último,
foram também incluídos estudos observacionais. A qualidade metodológica de
todos os artigos foi avaliada por dois investigadores independentes, segundo os
critérios definidos pela USPSTF, e um terceiro investigador esclareceria
eventuais discrepâncias. Os artigos foram classificados em boa, razoável ou
fraca qualidade metodológica, tendo sido estes últimos excluídos. Foram
conduzidas meta-análises para cada intervenção e outcome, com estratificação do
risco dos indivíduos (cardiovascular, sub-clínico e de baixo risco), tendo em
conta a heterogeneidade dos estudos e a influência de factores externos para o
efeito encontrado.
Resultados
Foram identificados 648 estudos, tendo sido seleccionados 58 estudos. Após a
sua análise e aplicação de meta-análise quando possível verificou-se que não
foram encontrados estudos comparando programas de rastreio com a ausência
deste. Por outro lado, as intervenções comportamentais (incluídos 7343
indivíduos de 21 estudos) estão associadas a uma perda de peso média de 3.0 kg
(IC 95%: –4.0 a –2.0, p<0,001) aos 12 a 18 meses, correspondendo a perda de
cerca de 4%. A utilização de orlistat com a intervenção comportamental
(incluídos 5190 indivíduos de 12 estudos) está associada a uma perda de 3.0 kg
(IC 95%: –3.9 a –2.0, p<0,001) quando comparado com o placebo após 12 meses. A
utilização de metformina (incluídos 2518 indivíduos de 3 estudos) com a
intervenção comportamental mostrou tendência para uma perda de 1.5 kg (IC 95%:
–2.8 a –0.2, p=0,056) quando comparado com o placebo, porém no limiar da não
significância estatística. As intervenções com maior número de sessões (12 a 26
num período de 12 meses) associaram-se a maior percentagem de perda de peso,
mas não foi encontrada associação entre nenhum tipo específico de intervenção e
o efeito. Todas as intervenções reduziram a incidência de diabetes (em 50%),
glicemia em jejum (5.4, 5.5 e 12.1 mg/dl com intervenções comportamentais
isoladamente, combinação com metformina e combinação com orlistat,
respectivamente), pressão arterial (redução média de -2 mmHg aos 12 a 18 meses;
redução de risco de diagnóstico de hipertensão em 34% e 22%, aos 12 ou 18
meses, respectivamente, para aqueles com pré-hipertensão submetidos a terapia
comportamental) e perímetro abdominal. O colesterol LDL diminuiu apenas com o
uso de orlistat (-11.4 mg/dl, IC 95%: -15.8. a -7.0, p<0.001). Indivíduos
alocados ao grupo do orlistat ou metformina tinham mais probabilidade de
desistirem do estudo por distúrbios gastrointestinais. Não foram registados
efeitos adversos severos.
Discussão
A qualidade metodológica dos estudos de intervenção comportamental foi, de um
modo geral, de elevada qualidade, enquanto que os que utilizaram o orlistat
foram, geralmente, de qualidade inferior. A maioria dos estudos epidemiológicos
não conseguiu provar que perdas de peso inferior a 9 kg, como as obtidas com as
intervenções-alvo desta meta-análise, se associem a redução na mortalidade,
doença cardiovascular, hospitalizações ou depressão. Como limitações desta
revisão destacou-se o facto de poucos estudos reportaram efeitos clínicos da
perda de peso. Por outro lado, as intervenções comportamentais foram
heterogéneas e os seus elementos específicos não foram bem descritos, assim
como cerca de um terço dos estudos não puderam ser englobados na meta-análise
por informação insuficiente relativamente aos resultados. Por fim, os estudos
de efeitos adversos tiveram uma elevada taxa de abandono e um poder
insuficiente para efeitos raros. De realçar ainda que poucos estudos foram
conduzidos pelos CSP, sendo a maioria das intervenções intensivas e de difícil
aplicabilidade em CSP.
Conclusão
As intervenções comportamentais associadas ou não a orlistat ou metformina são
seguras e efectivas para a perda de peso clinicamente significativa. O
conhecimento dos efeitos a longo prazo para o peso e para a saúde são, neste
momento, insuficientes e devendo ser prioridade para futuros estudos.
Comentário
Segundo a OMS, a obesidade é a epidemia do século e a segunda causa de morte
evitável a seguir ao tabagismo.1 O seu tratamento envolve uma alta dose de
empenho e motivação do doente em alterar, muitas vezes radicalmente, os seus
estilos de vida. Atendendo à sua alta prevalência e cronicidade na sociedade,
os CSP estão, obviamente, numa posição fundamental para o seu rastreio e
controlo. Contudo, vários factores dificultam a sua intervenção na obesidade.
Estudos demonstram que os médicos de família e os doentes têm visões diferentes
do problema – o médico de família apontando a factores intrínsecos do doente, e
este apontando a factores extrínsecos como causa do problema.2 Por outro lado,
a complexidade psicológica dos casos, a elevada taxa de recorrência, a
percepção de insuficiente eficácia das intervenções, a falta de tempo e de
recursos e a falta de opções de referenciação são barreiras reais ao
envolvimento efectivo dos CSP.2
Previamente a esta revisão, existia conhecimento da evidência sólida de
intervenções dietéticas, comportamentais, de exercício físico e farmacológicas
(metformina, orlistat) para a diminuição do peso.2,3 No entanto, as
intervenções comportamentais são muito variáveis (auto-monitorização,
estabelecimento de objectivos, terapia cognitiva, resolução por problemas e
gestão do ambiente psicossocial), tendo em comum um seguimento estruturado
destes doentes num número variável de sessões. Esta revisão sistemática
procurou rever o conhecimento das intervenções efectivas para o controlo da
obesidade e com aplicabilidade no contexto dos CSP. Seguiu um protocolo
metodológico de elevado rigor, de acordo com as recomendações PRISMA4 para a
elaboração de revisões sistemáticas, incluindo critérios de inclusão e exclusão
bem estabelecidos, métodos de classificação da qualidade metodológica dos
estudos seleccionados e de diminuição do risco de viéses.
Sendo um estudo dirigido ao interesse dos CSP, e face ao conhecimento prévio, a
questão que se coloca é qual o tipo de intervenções que terão o melhor perfil
de aplicabilidade/eficácia. Esta revisão acabou por falhar, não acrescentando
nada de muito novo, face ao conteúdo de revisões recentes anteriores. Reforçou
porém a evidência para o benefício das intervenções comportamentais na
diminuição do peso em indivíduos obesos ou com excesso de peso, mas, ao
descriminar as intervenções, não encontrou nenhuma associação entre cada uma
destas com o tamanho do efeito. Reforçou ainda a evidência do pequeno benefício
adicional passível de ser obtido com o orlistat ou a metformina.
O teor dos resultados apurados torna difícil retirar ilações passíveis de
recomendação para o médico de família de forma isolada. Para que se reproduzam
resultados semelhantes no domínio dos CSP, é necessário um envolvimento
estruturado e multidisciplinar, num período temporal dedicado e específico.
Tendo em conta a evidência crescente nesta área, reforçada pelo aumento
progressivo da epidemia da obesidade, é cada vez mais premente que as
autoridades competentes possam estabelecer um plano adequado para adereçar a
obesidade e o excesso de peso a nível nacional. Para este plano ser viável e se
traduzir em resultados, os CSP estão, sem dúvida, numa posição privilegiada
para rastrear e coordenar os cuidados, mas é fundamental a integração e apoio
de profissionais de outras áreas relevantes, como da nutrição ou actividade
física. O Programa Nacional de Combate à Obesidade,5 caducado em 2010,
estabelecia efectivamente como prioridade a elaboração de uma “proposta de
desenvolvimento multidisciplinar ao obeso, nomeadamente na área da nutrição,
nos cuidados de saúde primários”. Os resultados sustentados na evidência e
reforçados nesta revisão aclamam para a concretização na prática das ideias já
expostas na circular normativa da DGS.