Repensar o Encontro Nacional
EDITORIAL
Repensar o Encontro Nacional
Raquel Braga*
*Directora da Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar
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O 29.o Encontro Nacional de Medicina Geral e Familiar que decorreu em Vilamoura
de 14 a 17 de Abril, como a Associação e a Revista, também mudou de nome e de
formato.
Foi um encontro sereno, económico, congregador. Soube aliar um programa
científico interessante a uma componente de discussão de questões políticas e
organizacionais relevantes e necessárias ao momento que vivemos.
Contou com a presença do Ministro da Saúde, o Dr. Paulo Macedo, que sublinhou
que «as crises não são desculpa para o que não se faz, mas que deverão servir
de motivação para fazer melhor com maior eficiência e com consciência dos
nossos atos»1 e do Prof. Roberto Carneiro que emocionou a plateia com uma
magnífica conferência inaugural subordinada ao tema «Liderança e Mudança».
Em ambas as intervenções a importância do Médico de Família foi realçada e o
seu papel foi enaltecido enquanto líder motivado e motivador e como
potenciador do equilíbrio necessário a uma sociedade fragilizada e em mudança.
Longe vai a multidão ruidosa do velho «Encontrão» de anos anteriores. O número
de participantes foi também menor.
O espaço que habitámos no clássico Hotel Tivoli Marina Vilamoura tornou-se mais
reduzido e calorento, as salas mais cheias de gente, os corredores mais vazios.
O ruído ensurdecedor e o ambiente feérico de outros anos deram lugar à conversa
animada ou conspiradora dos velhos companheiros que se regozijam com o ansiado
encontro anual. A pasta deu lugar a uma sacola leve, a caneta reduziu-se para
metade do tamanho, o almoço de trabalho do primeiro dia deu lugar a uma singela
e europeia caixa de piquenique. A sessão de inauguração foi empurrada para
quinta-feira, querendo talvez demonstrar que a nossa ausência ao trabalho se
deveria restringir a dois dias, a menos que houvesse interesse específico na
frequência de algum workshop, de inscrição prévia. Em boa verdade, só o livro
de resumos, em formato sóbrio, não emagreceu, estava sólido e bem recheado de
assuntos interessantes.
Vimos apresentar estudos científicos de boa qualidade e apercebemo-nos da
afirmação do trabalho académico que tem vindo a ser desenvolvido por algumas
Escolas Médicas a nível de investigação, a par de estudos desenvolvidos por
internos e Médicos de Família, trabalhos esses que revelaram maturidade
científica.
Se muitos opinam que o Encontro Nacional tem vindo a melhorar o conteúdo
programático, sem descurar a discussão política e organizacional no âmbito da
saúde, resta perguntar se a diminuição da afluência pelos Médicos de Família
resulta apenas da crise económica e da falta de investimento da Indústria
Farmacêutica, ou se será uma manifestação de real desinteresse, de desacordo
com o novo formato, ou resultado das «novas» exigências condicionadas pela
reforma dos Cuidados de Saúde Primários.
Podemos indagar se as exigências assistenciais e o cumprimentos dos indicadores
ou o pagamento associado ao desempenho (pay for performance) levam parte
importante dos Médicos de Família a ser mais selectivos e restritivos
relativamente aos momentos formativos que escolhem e que podem, de facto,
aceder. Estarem inseridos em Unidades de Saúde mais pequenas (como as Unidades
de Saúde Familiar), com menor possibilidade de intersubstituição e terem a
pressão assistencial e a pressão de cumprimento de indicadores poderão ser um
facto dissuasor, no momento da escolha de um Encontro, Curso ou Congresso.
É tempo de começarmos a ponderar que influência na formação contínua dos
Médicos de Família (e sobretudo na das gerações futuras de Médicos de Família)
é que modelos em que o pagamento é associado ao desempenho poderão vir a ter e
pensar em desenvolver estratégias para preparar o futuro.2
Podemos também inquirir se o actual formato do Encontro Nacional interessa à
maioria, ou se porventura alguns, mesmo apesar das limitações apontadas, se
desviarão para outras escolhas, em que o programa seja mais fácil de digerir e
o acesso mais facilitado...
Independentemente da importância e da necessidade de reflectir acerca destas
questões, é interessante observar o que se perdeu e o que se ganhou com a crise
económica, neste repensar e remodelar o Encontro Nacional.
Perdeu-se o ruído, ficou talvez o essencial.