Rastreio do consumo de álcool nos cuidados de saúde primários - atitudes dos
utentes
Introdução
Em Portugal, o consumo de álcool é dos mais elevados do mundo, tendo-se
situado, no ano 2003, em 9,6 litros de álcool puro per capita,1 tornando-nos
assim o oitavo consumidor a nível mundial. Desta forma, a alcoolização da
sociedade portuguesa é uma realidade. De facto, de acordo com estudos de Balsa
et al., entre 2001 e 2007 a prevalência do consumo de bebidas alcoólicas
aumentou 3,5%, de 75,6% para 79,1%, referindo 38,5% dos jovens entre os 20 e os
24 anos e 34,6 % dos jovens dos jovens entre os 15 e os 19 anos embriaguez pelo
menos uma vez (2,8% dos jovens dos 20 aos 24 anos e 1,2% dos jovens dos 15 aos
19 anos embriagou-se dez ou mais vezes).2
Deste modo é cada vez maior o ênfase dado, a nível nacional,3,4 ao papel dos
Cuidados de Saúde Primários (CSP) enquanto estruturas de proximidade, tendo em
vista uma detecção e sinalização precoce de indivíduos em risco.
Para auxiliar os clínicos nesta tarefa foram desenvolvidos vários instrumentos
que permitem um rastreio sistemático. Entre estes instrumentos encontram-se
vários questionários (CAGE, AUDIT-C, T-ACE, TWEAK, CRAFFT) que, com uma
sensibilidade entre os 69 e os 95% e uma especificidade que varia entre os 71 e
os 90%,5,6 permitem o rastreio de uma larga maioria da população, indicando a
presença de grupos com possíveis consumos de alto-risco, abuso e dependência.
Os estudos sobre instrumentos de rastreio nos CSP concentram-se num amplo
espectro de consumos, incluindo situações de risco, consumo nocivo/abuso e
dependência de álcool. O consumo de risco é geralmente definido através do
estabelecimento de um limiar de consumo de álcool e é também referido como
consumo problemático ou excessivo. Neste padrão de consumo encontram-se os
utentes em risco de apresentar consequências relacionadas com o consumo de
álcool, quer através da quantidade consumida, quer devido ao efeito do álcool
sobre outras co-morbilidades. Os consumidores nocivos apresentam danos físicos
ou psicológicos secundários ao consumo de álcool. Pacientes com abuso de álcool
e dependência experienciam de forma marcada e repetida efeitos físicos e
sociais negativos, incluindo um desejo intenso, descontrolo sobre o uso,
continuação dos consumos independentemente das consequências, alta prioridade
dada aos consumos em detrimento de outras actividades e obrigações, aumento da
tolerância ao álcool e sintomas de privação quando o consumo é descontinuado.7
Estes esquemas de classificação são habitualmente usados para estratificar os
utentes com relação ao prognóstico, gravidade e regimes de tratamento
apropriado.
No entanto, vários estudos referem que ao nível dos CSP o rastreio se encontra
em níveis bastante inferiores ao desejado.9,10,13 Nos Estados Unidos da América
um estudo demonstrou que, apesar de 88% dos médicos referirem realizar um
rastreio ao consumo de álcool por parte dos seus doentes, apenas 13% utilizava
um questionário formal de rastreio e, mesmo nos indivíduos com rastreio
positivo, uma correcta abordagem e referenciação não era realizada.5 A
utilização de meios de diagnóstico laboratorial (marcadores bioquímicos como a
gama-glutamiltranspeptidase, o volume globular médio ou a transferrina
deficiente em hidratos de carbono) apresentam uma utilização ainda mais
reduzida.6
Esta reduzida utilização dos instrumentos de rastreio é justificada pelos
clínicos por: conhecimento e capacidades insuficientes para lidar com o
problema, noções pessimistas acerca da utilidade do rastreio e receio que os
seus doentes se sintam ofendidos com as questões e que isso, consequentemente,
acabe por fragilizar a relação médico-doente.10-12 No entanto, estudos
realizados a nível internacional parecem não acompanhar os receios dos
clínicos, demonstrando uma grande abertura dos doentes em relação ao tema.13,14
Em Portugal desconhece-se a receptividade em relação à abordagem deste tipo de
questões em consulta.
Outro dos grandes entraves apontados pelos médicos dos CSP a uma mais ampla
utilização dos questionários de rastreio é o tempo reduzido de que dispõem para
cada consulta e a multiplicidade de tarefas que se impõem a um médico
generalista.10,15
Assim, são objectivos deste trabalho:
• Caracterizar o consumo de álcool dos utentes dos Cuidados de Saúde Primários
(CSP) com idade igual ou superior a 16 anos;
• Determinar as atitudes dos participantes face ao rastreio do consumo de
álcool pelo seu médico de família no decorrer da consulta;
• Analisar factores associados (idade, escolaridade, consumo de álcool) às
atitudes encontradas.
Métodos
A população participante do estudo foram os utentes dos Agrupamentos de Centros
de Saúde I, III e VI da região da grande Lisboa, letrados e com idade igual ou
superior a 16 anos. A amostragem foi de conveniência, sendo solicitado aos
utentes, com idade igual ou superior a 16 anos, com consulta marcada durante os
8 dias (um por semana, com rotação no dia) de Janeiro e Fevereiro de 2010 em
que decorreu o estudo, o preenchimento, a título voluntário, de um inquérito de
opinião para investigação científica. Os participantes preencheram o
questionário de forma anónima (não tendo sido utilizados identificadores de
qualquer tipo) enquanto aguardavam pela consulta médica. O tempo de
preenchimento do questionário foi cerca de cinco minutos.
O questionário referido, usado como instrumento de medida, foi uma folha de
registo anónima, inspirada nos trabalhos de Miller,13,14 traduzida pelo autor,
constituída por 10 itens, de auto-preenchimento pelos participantes e que
abordava as suas atitudes em relação ao consumo de álcool, focando as seguintes
temáticas: 1) Atitude acerca da adequação de questões de rastreio alcoólico; 2)
Abertura ao rastreio bioquímico do consumo de álcool; 3) Reacção emocional ao
rastreio; 4) Abertura ao aconselhamento com vista à redução de consumos
nocivos; 5) Honestidade na resposta a questões de rastreio (ver Quadro_IV). As
frases/opiniões foram classificadas, de acordo com o questionário de Miller,
através de uma escala de Likert de cinco pontos (concordo totalmente, concordo,
sem opinião, discordo, discordo totalmente).
As outras variáveis em estudo foram: género, idade (anos) e escolaridade (4, 9,
12 e mais que 12 anos).
De seguida, foi aplicada uma ferramenta de rastreio ao consumo nocivo de
álcool, o AUDIT-C, composto pelas três primeiras questões do rastreio AUDIT
(questionário aplicado internacionalmente e validado para a língua portuguesa,
constituído por dez questões que avaliam o consumo nocivo de álcool, sintomas
de dependência e consequências nocivas da utilização abusiva de álcool).16 A
pontuação AUDIT-C varia de 0 a 12 pontos, considerando-se o rastreio positivo
se a pontuação obtida for igual ou superior a quatro pontos (para um nível de
sensibilidade entre os 91 e os 100% e uma especificidade que varia dos 53 aos
68%).17
Fez-se um estudo estatístico sequencial dos dados recolhidos utilizando o
software SPSS v.17 para Windows. Foi realizada primeiramente uma caracterização
da população em estudo, tendo em seguida sido realizados dois conjuntos de
análises, recorrendo ao teste t de Student (no caso de variável contínua) e ao
χ2 (restantes situações). Inicialmente foi efectuada uma análise de frequências
das respostas obtidas que revelou uma distribuição não normal das respostas a
cada uma das dez afirmações, sendo que a maioria dos participantes respondeu
concordo ou concordo totalmente ou, no caso de afirmações negativas, discordo
ou discordo totalmente. Posteriormente realizou-se uma recodificação das
respostas obtidas para apenas duas variáveis dicotómicas: concordante (concordo
totalmente e concordo) e não concordante (sem opinião, discordo e discordo
totalmente). Para aquelas afirmações em que a discordância reflecte uma opinião
favorável acerca do rastreio (por ex: «a quantidade de álcool que bebo é
pessoal e confidencial e o meu médico não devia questionar-me acerca disso»)
para a análise estatística combinaram-se as respostas discordo totalmente e
discordo.
A proporção de participantes com respostas concordantes com o rastreio, com
base na recodificação realizada, foi considerada a variável dicotómica
dependente na análise estatística efectuada para avaliar o efeito dos factores
demográficos nas respostas obtidas. O valor p foi considerado significativo se
inferior a 0,05.
A recolha de dados decorreu de acordo com os princípios estabelecidos na
declaração de Helsínquia e o relatório de investigação obteve, a posteriori,
parecer favorável da Comissão de Ética do Hospital de Santa Maria/Faculdade de
Medicina da Universidade de Lisboa, em Lisboa.
Resultados
Um total de 224 utentes tinham consulta durante o período do estudo e foram
convidados a preencher o questionário. Destes, 30 recusaram e 13 não cumpriam
os critérios de inclusão. Desta forma o questionário foi aplicado a 181
utentes. Destes, 6 foram anulados, 4 por não se apresentarem completamente
preenchidos e 2 após desistência do participante. Desta forma, os resultados
são baseados numa amostra total de 175 utentes.
Como referido no Quadro_I, a amostra era constituída maioritariamente por
mulheres (62,9%) e a idade média era de 49,7 anos (desvio-padrão 18,7 anos,
mediana de 51 anos, variando as idades entre os 16 e os 86 anos). Dos
indivíduos participantes, 41,7% apresentavam um nível de escolaridade igual ou
inferior a nove anos e 71,4% igual ou inferior a doze anos de ensino.
Dos questionários obtidos, 16 mulheres (14,5%) e 25 homens (38,5%) apresentaram
um rastreio AUDIT-C positivo, totalizando 41 indivíduos (23,4%) com um rastreio
AUDIT-C igual ou superior a quatro pontos, indicador de possível consumo
nocivo.
O Quadro_II apresenta as questões AUDIT-C com a proporção de respostas
positivas e negativas a cada pergunta, onde se verifica que 73,7% dos
indivíduos apresenta um consumo habitual de álcool. Destaca-se o facto de 27,4%
dos indivíduos referirem consumos tipo binge, uma proporção superior aos 10,3%
que referem consumo habitual de bebidas alcoólicas.
O Quadro_III compara os dados sócio-demográficos de acordo com a pontuação
AUDIT-C. A aplicação do teste χ2 e do teste t de Student revelou uma associação
estatisticamente significativa entre o consumo nocivo de álcool e o género
masculino (χ2 = 13,03; p = 0,001).
A maioria dos pacientes expressou opinião francamente positiva em relação ao
rastreio do consumo de álcool por parte do seu médico assistente. O Quadro_IV
mostra a proporção de concordância/discordância com cada afirmação.
É importante salientar que a menor taxa de concordância/discordância foi obtida
com a afirmação «Ficaria incomodado se o meu médico me perguntasse a quantidade
de álcool que eu bebo» com 60% dos participantes a discordar da afirmação.
Contudo, de um modo geral, a maioria dos questionados (> 80%) eram favoráveis e
receptivos ao rastreio do consumo nocivo de álcool.
Cada afirmação foi analisada com cada um de quatro factores: género, idade,
escolaridade e score AUDIT-C, verificando-se que em 6 das 10 afirmações as
respostas dadas não foram significativamente influenciadas por nenhuma das
variáveis estudadas. As restantes quatro afirmações demonstraram a presença de
relações significativas entre a resposta dada e a demografia do utente.
Desta forma, em relação à afirmação «Ficaria incomodado se o meu médico me
perguntasse a quantidade de álcool que bebo», verificou-se uma associação
estatisticamente significativa entre a resposta e escolaridade (χ2 = 11,42; p =
0,001) e/ou idade (χ2 = 7,34; p = 0,025). Especificamente os utentes mais
jovens ou com maior escolaridade têm maior probabilidade de discordar da
afirmação.
No que se refere às afirmações «A quantidade de álcool que bebo é pessoal e
confidencial e o meu médico não devia questionar-me acerca disso» e «Ficaria
aborrecido se o meu médico me perguntasse a quantidade de álcool que eu bebo»,
foram identificadas como factores significativamente influentes na resposta
obtida a escolaridade (χ2 = 12,98, p = 0,001 e χ2 = 18,45, p = 0,001) e a idade
(χ2 = 8,60, p = 0,014 e χ2 = 6,468, p = 0,039) respectivamente. Desta forma os
utentes mais jovens ou com maior nível de escolaridade tem uma maior tendência
a discordar das afirmações.
Em relação à afirmação «Se o meu médico me perguntasse quanto álcool eu bebo,
provavelmente não lhe daria uma resposta honesta», foram identificados como
factores estatisticamente influentes na resposta obtida a escolaridade (χ2 =
6,43; p = 0,011), a idade (χ2 = 6,33; p = 0,042) e o score AUDIT-C (χ2 = 3,31;
p = 0,069). Assim, um maior nível de escolaridade, uma menor idade ou um score
AUDIT-C negativo conduzem a uma maior probabilidade de discordar da afirmação.
Torna-se importante salientar que, apesar destes resultados estatisticamente
significativos, a maioria dos utentos de ambos os grupos apresentou
receptividade ao rastreio de consumos nocivos de álcool.
Discussão
Os resultados acima descritos não apoiam o receio de muitos clínicos de que os
seus doentes irão rejeitar ou melindrar-se com a realização de rastreio e
aconselhamento sobre consumos etanólicos nocivos. A análise efectuada mostra
mesmo que mais de 80% dos indivíduos estão receptivos ao rastreio (quer através
de questionário, quer bioquímico) e ao aconselhamento sobre consumos nocivos.
É igualmente possível afirmar que os dados demográficos e o score AUDIT-C não
são preditivos da opinião dos utentes acerca do rastreio do consumo nocivo de
álcool. Os doentes em risco de desenvolver problemas ligados ao álcool não
apresentam respostas diferentes quanto à receptividade em relação ao rastreio
de consumos nocivos de álcool, apoiando assim a presença universal do rastreio
na prática clínica.
A proporção de indivíduos com o rastreio positivo é de 23,4%, um valor que está
de acordo com os resultados obtidos em outros trabalhos, quer a nível
nacional,18 quer a nível internacional.4,13-14 No entanto, este valor pode
estar subestimado, pois começam a aparecer evidências de que a sensibilidade do
rastreio diminui com o aumento da faixa etária da população analisada, em
virtude das alterações associadas ao envelhecimento,19,20 de que são exemplo a
diminuição da função hepática e dos níveis de álcool desidrogenase. O que faz
com que, apesar de tendencialmente existir um menor consumo nas faixas etárias
mais avançadas, a concentração de álcool no sangue pode ser superior à de
populações mais jovens.21,22 Tendo em conta que a faixa de população em maior
crescimento em todo o mundo é a das pessoas com mais de 65 anos, uma
reavaliação e construção de rastreios específicos deve ser ponderada,
acrescendo às razões apontadas anteriormente o facto de este estudo ter apurado
uma taxa de 31,7% de rastreios positivos para consumos nocivos no escalão
etário acima dos 65 anos.
Na análise das respostas ao rastreio AUDIT-C destaca-se o facto de 27,4% dos
indivíduos referirem pelo menos um consumo tipo binge, enquanto apenas 10,3%
referem consumos superiores a duas bedidas por dia. Estes resultados apontam
para um consumo de álcool mais concentrado no tempo que até recentemente não
era valorizado na literatura, não se encontrando indicadores para avaliar esta
realidade nos principais estudos epidemiológicos nacionais, como os Inquéritos
Nacionais de Saúde.18 Esta realidade tradicionalmente encontra-se associada aos
indivíduos mais jovens e a países do norte da Europa. Esta problemática
necessita de mais investigação no sentido de avaliar uma possível alteração no
padrão de consumo de álcool.
A principal diferença estatisticamente significativa encontrada entre os grupos
AUDIT-C positivo e negativo está relacionada com uma maior proporção de homens
no subgrupo AUDIT-C positivo (38,5%). Este facto parece sugerir a manutenção de
um padrão de consumo alcoólico individual tipicamente masculino.
Na prática clínica diária, a maioria dos rastreios positivos será constituída
por consumidores de risco, sem critérios para o diagnóstico de consumo nocivo/
abuso ou dependência de álcool. No entanto, isto não significa que nada deva
ser feito, sendo importante o aconselhamento e, se possível, a realização de
intervenção breve tendo em vista a redução do consumo.23
As variáveis demográficas investigadas e o status AUDIT de uma forma geral não
estavam relacionados com a atitude em relação ao rastreio, demonstrando todos
os subgrupos analisados, sem diferença estatística significativa, uma opinião
bastante favorável sobre todas as temáticas abordadas.
Contudo, a idade e a escolaridade foram associadas à reacção emocional ao
rastreio, atitude acerca da adequação de questões de rastreio alcoólico e
honestidade na resposta a questões de rastreio, sendo que os indivíduos mais
jovens e/ou academicamente mais diferenciados apresentavam maior abertura para
o rastreio. Tal poderá dever-se a uma maior liberalidade e desmistificação do
conceito de abuso de substâncias, assim como a uma noção mais holística da
saúde, em que esta está dependente dos estilos de vida adoptados. Desta forma,
os utentes mais jovens e/ou academicamente mais diferenciados parecem mais
disponíveis para uma entrevista clínica abrangente, integrada num conceito de
Medicina mais preventiva, enquanto a população mais idosa e/ou menos
diferenciada tende a valorizar uma Medicina mais dirigida e essencialmente
curativa, centrada no médico.
De salientar que o efeito das variáveis idade e escolaridade está ausente no
caso do rastreio bioquímico do consumo de álcool, onde se verificou que mais de
90% dos indivíduos eram favoráveis a esta forma de rastreio. Os utentes AUDIT-
C positivos não apresentam uma menor probabilidade de adesão a este tipo de
rastreio. Mais estudos para avaliar esta situação devem ser realizados.
É também importante notar que o score AUDIT-C não influencia as respostas
obtidas. Este facto deve ser salientado pois um dos receios expressos pelos
clínicos dos CSP é o facto de se considerar que os pacientes com possíveis
consumos nocivos não estão disponíveis para abordar o problema ou aceitar
aconselhamento por parte do seu médico assistente.8,10
A questão na qual o AUDIT se encontra mais próximo da significância estatística
(p = 0,07) é uma questão que aborda a honestidade das respostas dadas. Tal pode
ser atribuído à noção do indivíduo de que apresenta um consumo exagerado que
poderá ser problemático, mas que não deseja ou não se sente preparado para
discutir no âmbito da actual consulta.
A diferença entre as questões «Se o meu médico me perguntasse quanto é que eu
bebo, responderia honestamente» e «Se o meu médico me perguntasse quanto é que
eu bebo, provavelmente não lhe daria uma resposta honesta» (94,9% concordando
vs 74,3% discordando), pode ser entendida, pelo menos parcialmente, como
consequência do efeito de Hawthorn (tendência dos participantes de realizar
aquilo que pensam ser esperado deles), no entanto, tendo em conta o nível de
literacia da amostra, uma interpretação incorrecta da afirmação não pode ser
excluída.
São limitações importantes do presente estudo o tratar-se de uma população
exclusivamente urbana, o tipo de amostragem de conveniência (utentes presentes
nos centros de saúde e predominantemente no período da tarde) e o tamanho
reduzido da amostra, aceitando-se no entanto esta metodologia pelo facto de se
tratar de um estudo exploratório.
Outras limitações do estudo são a utilização de escalas e classificações cuja
validade não foi analisada previamente para a população em estudo.
Ainda, a realização do questionário nas salas de espera dos centros de saúde
participantes e o facto de o entrevistador ser um estudante de Medicina
introduz um viés, relacionado com as atitudes socialmente esperadas.
Sugere-se futuramente a realização de um estudo de âmbito nacional, em que a
dimensão amostral e respectiva técnica fossem determinadas de forma a obter uma
amostra representativa. Seria também mais adequada a entrevista com recurso a
chamada telefónica, previamente notificada mediante aviso postal. A colheita
dos dados deveria ser realizada em pelo menos quatro meses correspondentes a
diferentes períodos do ano, com vista à não interferência nos resultados de
potenciais variações/alterações cíclicas nos padrões de consumo.
Pelo exposto acima não é possível uma generalização dos resultados obtidos, que
no entanto se apresentam de uma forma geral semelhantes a outros estudos a
nível internacional.13,14
Os resultados deste trabalho mostram uma grande abertura dos pacientes em
relação ao rastreio e aconselhamento, independentemente da quantidade de álcool
que consomem e de outras variáveis sociodemográficas, esvaziando assim os
argumentos dos que afirmam que os utentes se podem sentir ofendidos por estas
perguntas. Este estudo encontrou, através de uma simples ferramenta de
rastreio, o AUDIT-C, uma prevalência provável de consumo alcoólico nocivo de
23,4%, entre os utentes dos CSP. Desta forma, e tendo em conta a facilidade com
que este rastreio pode ser realizado, sugere-se a aplicação anual deste
rastreio por parte dos clínicos (como recomendado pela Organização Mundial de
Saúde).24,25