Bacteriúria assintomática na gravidez, tratar durante quanto tempo?
CLUBE DE LEITURA
Bacteriúria assintomática na gravidez, tratar durante quanto tempo?
Ana Catarina Maia
3.o Ano formação específica de Medicina Geral e Familiar, USF Castelo
Widmer M, Gülmezoglu AM, Mignini L, Roganti A. Duration of treatment for
asymptomatic bacteriuria during pregnancy. Cochrane Database Syst Rev 2011 Dec;
7 (12): CD000491. DOI: 10.1002/14651858.CD000491.pub2.
Introdução
Uma revisão sistemática da Cochrane revelou que o tratamento da bacteriúria
assintomática em mulheres grávidas reduz substancialmente o risco de
pielonefrite e diminui o risco de parto pré-termo. Contudo, não é claro se o
esquema terapêutico de toma única é tão eficaz como a antibioterapia
convencional mais longa.
Objectivos
Determinar a efectividade clínica das diferentes durações do tratamento da
bacteriúria assintomática na gravidez.
Metodologia de pesquisa
Foi pesquisada a Cochrane Pregnancy and Childbirth Group’s Trial Register (a 31
de Agosto de 2011) e lista de referências dos artigos seleccionados.
Critérios de selecção
Pretendiam-se ensaios aleatorizados e quasi-aleatorizados comparando regimes de
terapêutica anti-microbiana que se diferenciem pela sua duração
(particularmente comparando toma única com esquemas mais longos) em mulheres
grávidas com diagnóstico de bacteriúria assintomática.
Recolha e análise de dados
A avaliação da qualidade dos ensaios e extracção de informação foram efectuadas
de forma independente.
Resultados principais
Foram seleccionados 13 estudos, incluindo 1622 mulheres. Todos se apresentavam
como comparações de tratamento de toma única com esquemas terapêuticos de
quatro a sete dias. Os ensaios eram na maioria de qualidade limitada. A taxa de
«não cura» da bacteriúria assintomática nas mulheres grávidas foi ligeiramente
maior para o tratamento de toma única em relação ao esquema terapêutico de
curta duração; no entanto, estes resultados não foram estatisticamente
significativos e mostraram heterogeneidade. Quando comparando os ensaios que
utilizaram o mesmo antibiótico nos grupos de tratamento e de controlo com os
ensaios que usaram diferentes antibióticos nos dois grupos, a taxa de «não
cura» foi semelhante. Não houve diferença estatisticamente significativa na
taxa de recorrência da bacteriúria assintomática entre os grupos de tratamento
e de controlo. Foram detectadas ligeiras diferenças para o parto pré-termo e
pielonefrite, embora, com excepção de um ensaio, a dimensão da amostra dos
ensaios fosse inadequada. O tratamento de dose única foi associado com uma
redução na descrição de «quaisquer efeitos secundários».
Conclusões dos autores
O esquema de antibioterapia em dose única poderá ser menos eficaz que o de sete
dias. As mulheres com bacteriúria assintomática na gravidez deverão ser
tratadas com o esquema convencional de tratamento com antibióticos até que
esteja disponível mais informação testando esquemas terapêuticos de sete dias
em comparação com os de três ou cinco dias.
Comentário
É consensual que o rastreio de bacteriúria assintomática na gravidez e o seu
tratamento são de crucial importância na prevenção da pielonefrite e parto pré-
termo. Assim é premente a uniformização de esquemas terapêuticos designados
para esta situação clínica. A presente revisão mostra-nos estudos de comparação
entre tratamentos antibióticos de um e sete dias. Parece haver um padrão de
efeitos secundários ligeiramente menor no grupo de um dia, taxas de resultados
negativos (pielonefrite e parto pré-termo) semelhantes, mas uma ligeira
inferioridade da taxa de cura no grupo de tratamento mais curto, aconselhando-
se assim o esquema mais longo (sete dias). Não são discriminados fármacos em
particular como mais aconselhados, se bem que foram testados diversos
(ampicilina, fosfomicina, amoxicilina, amoxicilina/ácido clavulânico,
nitrofurantoína, trimetoprim/sulfametoxazol).
No que se refere às normas portuguesas da Direcção-Geral de Saúde, podemos
aferir a indicação do rastreio trimestral da bacteriúria assintomática da
grávida através de urocultura com eventual teste de sensibilidade antibiótica.1
A fundamentação de tal procedimento remete para várias recomendações anglo-
saxónicas e uma meta-análise que relaciona a bacteriúria assintomática na
gravidez com o parto pré-termo e baixo peso ao nascer. Alegam assim que a
bacteriúria assintomática não tratada está associada a pielonefrite (20%) e
parto pré-termo (10%). Quanto ao tratamento, com grau de recomendação A e nível
de evidência III, é recomendado o esquema com fosfomicina 3g, dose única ou
amoxicilina/ácido clavulânico 500mg/125mg, 8/8h, 5-7 dias, sendo que este
último deverá ser evitado no 1º trimestre.2 Assim, verifica-se que no 1º
trimestre da gravidez apenas é indicado um tratamento que os autores deste
artigo mostraram ser menos eficaz. A nitrofurantoína é aconselhada na mulher
não grávida mas não está explícita no tratamento da grávida.
Após consulta do manual de referência na Obstetrícia, os Protocolos de Medicina
Materno-Fetal3 verifica-se que é referido como tratamento de eleição o esquema
de três dias com amoxicilina/ácido clavulânico 800mg/125mg, 12/12h ou 500mg/
125mg 8/8h, cefalexima 250mg 6/6h, cefixime 400mg numa toma diária única,
trimetoprim/sulfametoxazol 160mg/800mg 12/12h ou amoxicilina 250mg 8/8h; sete
dias com nitrofurantoína 100 mg 6/6h ou fosfomicina 3g toma única. A vigilância
deverá ser efectuada 10 dias após o término do tratamento, com urocultura. É
novamente referido que o ácido clavulânico não deverá ser utilizado no 1º
trimestre, bem como o trimetoprim. Contudo, estas opções são bem mais ousadas
que as das normas, incluindo vários antibióticos não contemplados nestas (todos
eles também incluídos nos estudos da presente revisão). Se bem que
compreensível a precaução aplicada nas normas da Direcção-Geral de Saúde, é
também vital que os clínicos possam medicar correctamente mulheres grávidas com
bacteriúria assintomática cujo teste de sensibilidade antibiótica revele
resistência aos fármacos defendidos. Na ausência de normas orientadoras, a sua
prescrição não será tão uniformizada e, como tal, poderá estar sujeita a uma
eventual maior taxa de erros médicos.
Estes protocolos levantam uma questão essencial que também é colocada na
conclusão da revisão como dúvida a esclarecer futuramente: qual o papel dos
esquemas terapêuticos intermédios, nomeadamente de três dias de duração. O
esquema de um dia parece ser eficaz mas talvez não tanto como o convencional,
pelo que não deverá ser o privilegiado. No entanto, o esquema de sete dias
parece só ser absoluta e comprovadamente necessário na infecção urinária
sintomática (cistite não complicada). Assim, deverão as grávidas ser submetidas
a sete dias de administração de antibiótico quando algo entre um e sete dias de
tratamento será eficaz e seguro? Os protocolos de Medicina Materno-Fetal
adiantam-se a estas dúvidas e defendem na maioria dos fármacos a duração de
três dias de tratamento. Eventualmente, será após o esclarecimento desta
questão que se conseguirá chegar a novas evidências e novas recomendações para
esta situação aparentemente benigna mas potencialmente grave.