Aumento de peso após cessação tabágica, como prevenir?
CLUBE DE LEITURA
Aumento de peso após cessação tabágica, como prevenir?
Joana Sequeira
Interna de Medicina Geral e Familiar, USF Flor de Sal - Aveiro
Farley AC,Hajek P, LycettD, Aveyard P. Interventions for preventing weight gain
after smoking cessation. Cochrane Database of Systematic Reviews 2012, Issue 1.
Art. No.: CD006219. DOI: 10.1002/14651858.CD006219.pub3.
Introdução
A maioria das pessoas que pára de fumar aumenta de peso. Algumas intervenções
de cessação tabágica foram desenvolvidas para a sua promoção e simultaneamente
controlar o aumento de peso. Existem outros tratamentos que foram desenvolvidos
com o único objectivo de promover a cessação tabágica, sem contemplarem o
aumento de peso.
Objectivos
Com este trabalho pretendeu-se rever a evidência do efeito de intervenções que
visam limitar o aumento de peso pós cessação tabágica, avaliando a variação de
peso (no fim do tratamento, 6 meses e 12 meses), e cessação tabágica (aos 6 e
12 meses) e qual o efeito de intervenções destinadas a auxiliar a cessação
tabágica que possam também afectar o peso no período pós cessação.
Métodos de pesquisa
Foi realizada uma pesquisa no «Cochrane Tabacco Addition Group’s Specialized
Register» e CENTRAL, em Setembro de 2011. Adicionalmente, pesquisou-se em
Cochrane reviews os estudos que incluíram terapêutica de substituição de
nicotina (TSN), antidepressivos, agonista parcial do receptor da nicotina,
antagonista do receptor tipo 1 dos canabinóides e intervenções de exercício
físico para cessação tabágica, publicados no volume 9, Cochrane Library 2011.
Critérios de selecção
Seleccionaram-se ensaios com intervenções orientadas para o ganho de peso pós
cessação tabágica e que mediram o peso em qualquer consulta de seguimento e/ou
seis ou mais meses depois do dia de abandono do tabaco. Posteriormente foram
incluídos ensaios da Cochrane reviews que reportaram aumento de peso em
qualquer momento.
Análise e colecta de dados
Foram extraídos dados sobre as características de base da população,
intervenção, resultados e qualidade do estudo. A alteração do peso foi expressa
como a diferença relativamente ao peso base e foi relatado apenas em fumadores
abstinentes. A abstinência do tabaco foi expressa numa relação de risco (RR).
Quando apropriado foi realizada uma meta-análise dos dados.
Principais resultados
Algumas intervenções farmacológicas testadas para limitar o aumento de peso pós
cessação resultaram numa redução significativa do aumento de peso no final do
tratamento (dexfenfluramina (diferença média (DM) -2,50 Kg; IC 95%: -2,98 a -
2,02; 1 estudo), fenilpropanolamina (DM -0,50 Kg; IC 95%: -0,80 a -0,20; N =
3), naltrexona (DM -0,78 Kg; IC 95%: -1,52 a -0,05; N = 2). Não houve evidência
que o tratamento reduzisse o aumento peso aos 6 ou 12 meses (m). Nenhuma
intervenção farmacológica afectou significativamente a taxa de cessação
tabágica.
Intervenções educacionais acerca do peso, apenas se associaram a não redução do
aumento de peso pós cessação no final do tratamento (6 ou 12 m). No entanto
estas intervenções reduziram significativamente a abstinência aos 12m (RR 0,66;
IC 95%: 0,48 a 0,90; N = 2). Intervenções personalizadas relativamente ao peso,
reduziram significativamente o aumento de peso pós cessação, aos 12m (DM -2,58
Kg; IC 95%; -5,11 a 0,05; N = 2) e não foram associadas a redução significativa
da abstinência a 12m (RR 0,74; IC 95%: 0,39 a 1,43; N = 2). Uma dieta muito
baixa em calorias (DMBC) reduziu significativamente o aumento de peso pós
cessação no final do tratamento (DM -3,70 Kg; IC 95%: -4,82 a -2,58; N = 1),
mas não tão significativamente aos 12m (DM -1,30 Kg; IC 95%: -3,49 a 0,89; N =
1).
A DMBC aumentou a probabilidade de abstinência aos 12 meses (RR 1,73; IC 95%:
1,10 a 2,73; N = 1). Não houve nenhuma evidência que a terapia cognitivo-
comportamental (TCC) tenha diminuído o aumento de peso pós cessação, mas houve
algumas evidências de maior aumento de peso aos 6m (DM 0,74Kg; IC 95%: 0,24 a
1,24) e maior abstinência aos 6m (1,83 RR; IC 95% 1,07 para 3,13; N = 2). No
entanto, houve significativa heterogeneidade estatística.
Não houve evidência que o exercício reduza significativamente o aumento de peso
pós cessação no final do tratamento (DM -0,25 Kg; IC 95%: 0,78 a 0,29; N = 4)
no entanto encontrou-se uma redução significativa aos 12 meses (DM -2,07 Kg; IC
95%: -3,78 a -0,36; N = 3).
A bupropiona e fluoxetina limitaram o aumento de peso pós cessação no final do
tratamento (bupropiona DM -1,12 Kg; IC 95%: -1,47 a -0,77; N = 7) (fluoxetina
DM -0,99 Kg; IC 95%: -1,36 a -0,61; N = 2). Não houve nenhuma evidência que o
efeito persista aos 6m (bupropiona DM – 0,58 Kg; IC 95%: - 2,16 a 1,00; N = 4),
(fluoxetina DM -0,01 Kg; IC 95%: -1,11 a 1,10; N = 2) ou 12m (bupropiona DM -
0,38 Kg; IC 95%: -2,00 a 1,24; N = 4). Não foram encontrados dados sobre o
aumento de peso aos 12m com fluoxetina.
Em geral, a TSN atenuou o aumento de peso pós cessação no final do tratamento
(DM -0,69 Kg; IC 95%: -0,88 a -0,51; N = 19), sem forte evidência que o efeito
variasse entre as diferentes formas de TSN. Houve significativa heterogeneidade
estatística causada por um estudo que relatou uma redução de 4,3 kg no aumento
de peso pós cessação devido à TSN. Removendo este estudo, a diferença na
mudança de peso no final de tratamento foi - 0,45 Kg (IC 95%: -0,66 a -0,27; N
= 18). Não houve nenhuma evidência de efeito no aumento de peso pós cessação
aos 12 meses (DM -0,42 Kg; IC 95%: -0,92 a 0,08; N = 15).
Encontrou-se evidência que a vareniclina reduziu significativamente o aumento
de peso pós cessação no final do tratamento (DM -0,41 Kg; IC 95%: -0,63 a -
0,19; N = 11), mas este efeito não foi mantido aos 6 ou 12 m. Três estudos
compararam o efeito da bupropiona com a vareniclina. Participantes com
bupropiona ganharam significativamente menos peso no final do tratamento (-0,51
Kg; IC 95%: -0,93 a -0,09; N = 3). A comparação directa não mostrou diferenças
significativas no aumento de peso pós cessação entre a vareniclina e a TSN.
Conclusões
Apesar de algumas terapêuticas farmacológicas testadas para limitar o aumento
de pós cessação, demonstrarem evidência a curto prazo, a falta de dados de
eficácia a longo prazo e outros problemas associados, limitam a sua utilização.
Intervenções educacionais para o peso isoladamente, não são efectivas e podem
reduzir a abstinência. Intervenções para o peso personalizadas, podem ser
efectivas e não reduzem a abstinência, no entanto existem poucos estudos. Um
estudo demonstrou que a DMBC aumenta a abstinência mas não previne o aumento de
peso a longo prazo. A TCC não limitou o aumento de peso pós cessação e pode não
promover a abstinência a longo prazo. O exercício reduziu significativamente o
peso a longo prazo, mas não a curto prazo. São necessários mais estudos para
clarificar se isto é um efeito do tratamento ou um efeito de oportunidade.
Bupropiona, fluoxetina, TSN e vareciclina reduziram o aumento de peso pós
cessação durante o tratamento. No entanto este efeito não se manteve um ano
após a cessação tabágica, sendo a evidência insuficiente para excluir um efeito
modesto a longo prazo. Os estudos não permitem estabelecer recomendações
clínicas relativamente a programas efectivos para prevenir o aumento de peso
após cessação tabágica.
Comentário
O abandono do tabaco está associado a um aumento médio de peso de 4.5Kg em 6 a
12 meses. Os factores de risco para maior aumento ponderal após abandono do
tabaco são: raça afro-americana, idade < 55 anos, fumador de > 25 cigarros/dia
e o nível socioeconómico baixo.1
O aumento de peso após a cessação tabágica, como qualquer aumento de peso acima
do recomendável, pode ter consequências para a saúde. A incidência de Diabetes
é maior nos fumadores que pararam de fumar do que nos que continuam, um efeito
que aparentemente se explica pelo aumento de peso. Por outro lado o aumento de
peso durante ou após a cessação tabágica está associado a recaídas. Alguns
estudos referem que a probabilidade de êxito na cessação tabágica é menor nas
mulheres, e que este facto deve-se, em parte à maior preocupação destas com o
aumento de peso.2,3
O programa-tipo de actuação para Cessação Tabágica da Direcção Geral de Saúde
(DGS), recomenda que na avaliação clínica inicial do fumador, seja avaliado não
só o Índice de Massa Corporal, como também a preocupação do fumador
relativamente a este assunto. Assim nos casos em que haja excesso de peso,
obesidade, grande preocupação e/ou ansiedade com o peso ou aumento de peso
superior a 3Kg em tentativa anterior de cessação tabágica, deve ser considerado
o encaminhamento para um nutricionista. Nos restantes casos, os fumadores devem
ser aconselhados a fazer uma alimentação saudável e aumentar os níveis de
actividade física diária.2 De acordo com a revisão apresentada, podem existir
benefícios quanto ao aumento de peso, quando as intervenções educacionais são
feitas de forma personalizada e quando o exercício físico é feito a longo
prazo.
Relativamente à terapêutica farmacológica, as recomendações da DGS reconhecem
que a TSN e a bupropiona podem contribuir para limitar/atrasar o aumento de
peso associado ao abandono do tabaco.2 Segundo a revisão apresentada o efeito
das terapêuticas farmacológicas no aumento de peso parece ocorrer apenas a
curto prazo.
O aumento de peso que ocorre após a cessação tabágica deve ser uma preocupação
dos profissionais de saúde nas suas intervenções de cessação tabágica. São
necessários mais estudos que avaliem o efeito a longo prazo das medidas
educacionais e farmacológicas, no entanto elas não devem ser esquecidas e o
acompanhamento por nutricionista deve ser disponibilizado sempre que
necessário.