Anotações, codificações e registos na consulta de Medicina Geral e Familiar
CARTA À DIRECTORA
Anotações, codificações e registos na consulta de Medicina Geral e Familiar
Luiz Miguel Santiago*
*MD PhD, Assistente Graduado Sénior e Consultor de Medicina Geral e Familiar,
Centro de Saúde de Eiras e Professor Associado na Universidade da Beira
Interior
Exma. Senhora
Directora da Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar
Num recente editorial da Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar,1
reflecte-se sobre o facto do registo da informação clínica na consulta estar a
ser efectuado predominantemente por simples codificação – aposição de chave
alfa-numérica de uma classificação (coding) – em detrimento das anotações
clínicas (clinical noting) do que foi ouvido, percebido, pensado e realizado na
consulta. No fundo, questiona-se se não estaremos a assistir, em Portugal, a
uma transição de uma era de múltiplos registos manuscritos, eventualmente
inconsequentes, para uma época de primazia da atribuição de códigos ao motivo
da consulta, ao diagnóstico e ao plano de procedimentos, também eventualmente
inconsequentes. Esta matéria carece ainda de muito trabalho formativo a nível
pré e pós-graduado, havendo um estudo que mostrou a validade da formação
específica na utilização do ICPC-2 na melhoria da qualidade da codificação.2
O registo clínico (problem-oriented medical record), entendido como o acervo da
informação pessoal, familiar, social e analítica, permanentemente modificada ao
sabor dos novos conhecimentos, pelo médico, faz parte da gestão integrada de
conhecimento dos consulentes, tal como descrito por Weed.3
As questões levantadas neste editorial1 são de grande candência e colocam desde
já a necessidade de definição clara do que são anotações clínicas, codificação
e registos. O texto obriga à reflexão sobre a importância do registo de
informação em cada consulta e sobre a necessidade de melhor avaliar, na prática
da Medicina Geral e Familiar (MGF), o cruzamento desta realidade de anotações
clínicas e de codificações. Esta avaliação deve fazer parte do estudo habitual
da actividade do médico de família, numa atitude deontológica e ética de
melhoria da sua prática.4,5
Este editorial espoletou a necessidade do autor, médico de família e orientador
de formação específica, e dos seus internos de especialidade em conhecer a
frequência de anotações clínicas e de codificações no registo da sua consulta
de MGF. Para o efeito, foi realizado um estudo observacional, transversal,
descritivo, em amostra aleatória das consultas realizadas entre os meses de
Janeiro e Julho de 2012, ambos inclusive, para conhecimento da frequência de
codificação e de anotações clínicas por consulta no registo dos vários
componentes do SOAP no SAM.
Resumidamente, após o conhecimento do total de consultas (n=2231) e do total de
dias efectivos de trabalho (n=118), calculou-se o tamanho da amostra a estudar
(n=318), utilizando a tecnologia disponível em http://homepage.cs.uiowa.edu/
~rlenth/Power/, para população finita, com um intervalo de confiança de 95% e
uma margem de erro de 5%. Assumindo-se um número médio de consultas por dia
(n=19), inferiu-se o número de dias necessário estudar (n=18), sendo decidido
estudar n=3 dias por mês. Foi feita aleatorização dos dias de trabalho a
estudar por cada um dos sete meses em estudo, por meio de sorteio.
Numa amostra de n=544 consultas, sendo 230 (42,3%) do género masculino, n=81
(14,9%) com idade entre 0-6 anos, n=34 (6,3%) com idade entre 7-18 anos, n=318
(58,5%) entre os 19-65 anos e n=111 (20,4%) com idade maior que 65 anos,
verificou-se que todas as consultas tinham codificação em S, A e P, com valores
médios de 1,6 códigos por consulta em S, 1,5 códigos por consulta em A e 2,8
códigos por consulta em P. Relativamente às anotações clínicas, elas
encontravam-se sobretudo em O (66,6% das consultas) e S (40,6%), conforme
Quadro_I.
Verifica-se, assim, no presente caso, que a informação transmitida, quer pelo
paciente, quer pelo médico, não está devidamente registada para que outros a
possam reconhecer e compreender o que foi transmitido, o que, sob o ponto de
vista legal, pode ter consequências importantes.4
Este editorial1 e o breve estudo realizado levantam a necessidade de
posteriores trabalhos sobre a realidade actual dos registos clínicos no nosso
país, bem como a comparação entre diferentes práticas para, em função de
indicadores de desempenho ou de resultado clínico, se aquilatar da importância
desta actividade, no ambiente de trabalho do especialista em MGF que é, sem
dúvida, a consulta.