Sinusite aguda: qual o papel dos corticosteroides intranasais?
CLUBE DE LEITURA
Sinusite aguda – qual o papel dos corticosteroides intranasais?
Joana Silva e Luís Sousa
Internos de Medicina Geral e Familiar, USF Valongo – ACES Valongo
Hayward G, Heneghan C, Perera R, Thompson M. Intranasal corticosteroids in
management of acute sinusitis: a systematic review and meta-analysis. Ann Fam
Med 2012 May-Jun; 10 (3): 241-9.
Introdução
A Sinusite Aguda (SA) é uma patologia muito frequente nos Cuidados de Saúde
Primários (CSP), sendo na maioria das vezes tratada com recurso a
antibioterapia, apesar da evidência sobre a sua eficácia ser limitada (o que
também acontece relativamente à eficácia de outras classes terapêuticas). No
caso dos corticosteroides intranasais (CIs), apesar do seu potencial benefício
no alívio sintomático, a evidência disponível tem sido contraditória e de
qualidade limitada. Com o objetivo de clarificar os benefícios do uso de CIs
nos pacientes com SA, os autores realizaram uma revisão sistemática e meta-
análise da evidência mais recente.
Métodos
Foram pesquisados ensaios clínicos controlados aleatorizados que compararam o
uso, em ambulatório, de CIs versus placebo, em crianças e adultos que
apresentavam sintomas de sinusite ou rinossinusite aguda. Excluíram-se estudos
que avaliaram pacientes com sinusite alérgica/crónica ou populações com
patologia crónica. Foram pesquisados, na MEDLINE, EMBASE e Cochrane Library,
artigos publicados até Fevereiro de 2011, utilizando os termos MeSH
rhinosinusitis, sinusitis e corticosteroids, e viral and bacterial upper
respiratory tract pathogens.
Os estudos foram avaliados por 2 autores, recorrendo à discussão com um
terceiro em caso de desacordo. Como outcome primário, os autores estudaram a
proporção de pacientes com melhoria ou resolução completa de sintomas. A média
das variações em escalas de sintomas entre os dias 0 e 21, a presença de
efeitos adversos, a taxa de recidivas e os dias de absentismo escolar/laboral
constituíram os endpoints secundários avaliados.
Resultados
Dos 3257 artigos encontrados, apenas 21 eram referentes ao estudo da SA e da
rinossinusite. Destes, 15 foram excluídos (5 por não disponibilização integral
do artigo, 3 por não se limitarem à sinusite aguda, 3 por avaliarem corticoides
orais, 3 por não compararem directamente esteróides e placebo e 1 por ter
avaliado a prevenção da sinusite). Os 6 estudos incluídos foram realizados nos
Estados Unidos (4 estudos), Turquia (1 estudo) e Reino Unido (1 estudo), tendo
avaliado 2495 pacientes. Os CIs estudados foram budesonido (2 estudos),
fluticasona (1 estudo) e mometasona (3 estudos). Em 5 estudos foram prescritos,
associadamente, antibióticos a ambos os grupos. Dois dos estudos avaliaram os
resultados com base na realização de tomografias computorizadas dos seios
perinasais. Todos apresentaram uma adequada dupla ocultação, uma elevada
percentagem de participação e uma adequada comparação entre os 2 grupos (no
início do estudo e após a intervenção). No entanto, 3 deles não descreveram os
métodos de aleatorização.
Nos 5 estudos que avaliaram a resolução ou melhoria de sintomas nos dias 14 a
21, os CIs apresentaram um pequeno benefício com uma redução de risco de 0,08
(IC 95%: 0,03 – 0,13; p = 0,004, I2= 47%) e um NNT de 13. Analisando
separadamente, verificou-se que nos estudos que avaliaram os efeitos aos 14-15
dias, não foi identificado nenhum efeito significativo (redução de risco de
0,05; IC 95%: 0,01 – 0,11,p = ,13, I2= 22%).
Em contraste, os estudos que avaliaram a melhoria ou resolução dos sintomas aos
21 dias, revelaram uma redução de risco estatisticamente significativa (redução
de risco de 0,11; IC 95%: 0,06-0,17; p<,001; I2=0), com um NNT de 9. Os estudos
que avaliaram o efeito do tratamento com mometasona aos 15 a 21 dias
apresentaram uma redução de risco de 0,08 (IC 95%: 0,01-0,14; p=,02; I2=62%),e
um NNT de 13. No entanto, as doses utlizadas variaram entre as 200 e as 800 µg
diárias. Como tal, foram realizadas análises de subgrupos por dose, concluindo-
se que existe uma relação dose-melhoria sintomática estatisticamente
significativa (p = 0,02). Com a dose de 800 µg, a redução de risco foi de 0,12
(p=0,0002 e NNT de 8), e para aqueles tratados com 400µg foi de 0,07 (p=0,001 e
NNT de 14).
Três ensaios avaliaram scores de sintomas em 5 grupos de pacientes tratados com
diferentes doses de mometasona em comparação com placebo. A dor facial,
congestão nasal, cefaleias, rinorreia, escorrência nasal posterior e a tosse
foram avaliadas de 0 (nenhuma) a 3 (grave) no início e ao longo dos 15 dias de
tratamento. Os efeitos mais substanciais foram encontrados no alívio da dor
facial e da congestão nasal (todos com p<,05).
Um ensaio não revelou efeitos adversos com a terapêutica com CIs, 2 não
reportaram efeitos adversos importantes, e os restantes 3 reportaram apenas
efeitos ligeiros a moderados. A meta-análise não revelou diferenças
significativas entre os pacientes medicados com CIs e aqueles tratados com
placebo (p=0,83). Os efeitos laterais mais comuns foram as cefaleias,
epistaxis, irritação nasal e faringite.
Três ensaios avaliaram a taxa de recidiva ou recorrência até aos 2 meses após o
início do tratamento, a qual foi de 5 a 15% nos cortico-tratados e de 4 a 37%
nos medicados com placebo.
Discussão
Esta meta-análise revela que o uso de CIs permite um alívio sintomático pequeno
mas significativo (mais marcado na dor facial e na congestão nasal) no
tratamento da SA, o qual é mais evidente nos tratamentos mais prolongados (21
dias) e com recurso a doses mais elevadas. 73% dos pacientes tratados com CIs
apresentam melhoria ou resolução sintomática entre os dias 14 a 21 (versus 66%
no grupo placebo). Não foram relatados efeitos laterais importantes, tendo um
estudo inclusivamente reportado melhoria subjectiva da capacidade de trabalho
(sem diferenças no absentismo laboral e na qualidade de vida). Como tal,
segundo a revisão, um paciente com SA tratado com corticoterapia local pode
apresentar efeitos laterais negligenciáveis em favor de um pequeno aumento de
probabilidade de obter uma resolução sintomática mais precoce.
Uma das limitações desta revisão é o facto de, em 5 dos estudos, a
corticoterapia ter sido associada a antibioterapia. Adicionalmente, os vários
trabalhos incluídos são heterogéneos, avaliando diferentes doses, duração de
tratamento e outcomes. O pequeno número de estudos revistos dificultou a
avaliação de efeitos laterais, recidivas, absentismo laboral e deteção de
variáveis de confundimento. Em 4 dos 6 estudos, a evidência radiológica ou
endoscópica de SA foi um critério de inclusão, o que é impraticável na
realidade dos CSP.
São necessários mais estudos que avaliem o uso de CIs versus placebo, na
ausência de antibioterapia. Eventualmente poderão ser estudados os corticóides
orais, uma vez que a via nasal pode ser prejudicada pela congestão nasal.
Conclusão
Os autores acreditam que os CIs, ao longo de 21 dias, apresentam um benefício
ligeiro na sinusite aguda, mais evidente na dor facial e congestão nasal. Mais
estudos são recomendados em pacientes sem associação com antibioterapia, de
modo a clarificar o seu benefício terapêutico e o seu impacto na atividade e
qualidade de vida dos doentes.
COMENTÁRIO
A sinusite aguda é uma patologia muito frequente, estimando-se que afete, nos
países ocidentais, cerca de 1 em cada 7 pessoas por ano. Assim, esta condição
representa um motivo de consulta muito frequente nos CSP, implicando elevados
custos diretos e indiretos.1
Apesar de possuir algumas limitações, nomeadamente em relação à heterogeneidade
dos estudos, esta revisão sistemática fornece um contributo importante no que
diz respeito ao esclarecimento do papel benéfico dos CIs no alívio dos sintomas
desta patologia. De acordo com as conclusões desta revisão, os CIs apresentam
um pequeno benefício no alívio sintomático da SA, principalmente na dor facial
e congestão nasal, quando administrados em doses elevadas, durante um período
mínimo de 21 dias.
Tendo em conta que a sintomatologia da SA é mais exacerbada entre o 7.º e o
14.º dia após o início do quadro, poderá ser questionável o interesse da
prescrição de CIs nestes casos, considerando que, de acordo com os estudos
disponíveis, apenas após o 21.º dia de tratamento são evidentes os efeitos
benéficos destes fármacos no alívio sintomático.
O facto de na maioria dos estudos incluídos neste trabalho ter sido associada a
antibioterapia à corticoterapia, torna imperativa uma interpretação cautelosa
das conclusões desta revisão.
São necessários estudos de custo-efetividade, de modo a avaliar se o pequeno
benefício alcançado com esta terapêutica compensa o custo da duração prolongada
do tratamento, reduzindo o absentismo escolar e laboral, com impacto
significativo na qualidade de vida dos doentes.