Parto pré-termo, tabagismo e outros fatores de risco: um estudo caso-controlo
Introdução
Apesar dos notáveis avanços, prevenir o parto pré-termo (PPT) permanece um dos
maiores desafios da Medicina moderna. Nos países tecnologicamente
desenvolvidos, o PPT, definido como o parto que ocorre antes das 37 semanas de
gestação, é o maior responsável isolado pela taxa de mortalidade infantil e a
sua prevalência tem aumentado ao longo dos últimos 20 anos.1 São escassos os
dados sobre a incidência global do PPT, estimando-se que a taxa de PPT se situe
entre os 5% e os 7% do total de nados-vivos nos países desenvolvidos, estando
este valor aparentemente a aumentar.2 No que concerne ao nosso país, entre 2001
e 2009, a taxa de nascimentos pré-termo sofreu um aumento relativo de 54,2% e o
valor mais elevado registou-se em 2007 (9,1%), tendo diminuído ligeiramente a
partir desse ano.3 Em 2009, verificaram-se 8,8% de PPT.3 Este drástico
incremento tem-se verificado nos países em que são conhecidos dados, como é o
caso do Reino Unido e países escandinavos.2 Nos Estados Unidos da América,
12,7% dos nascimentos no ano de 2005 foram pré-termos, uma taxa que sofreu um
aumento de 20% desde 1990.4 O PPT acarreta uma importante morbimortalidade,
especialmente elevada quando o nascimento ocorre antes das 32 semanas de
gestação.4 Os recém-nascidos pré-termo que sobrevivem apresentam muitas vezes
incapacidades médicas e a nível do neurodesenvolvimento.2,4
Cerca de metade dos PPT são resultado de um parto espontâneo com membranas
intactas, um quarto está associado a rotura prematura de membranas e o restante
quarto atribui-se a fatores iatrogénicos, como o PPT eletivo por indicações
médicas.2,4 O aumento do número de PPT registado pode ser atribuído ao uso mais
generalizado da ecografia para determinação da idade gestacional (IG) e à
tendência crescente de registo de nados-vivos com IG cada vez mais precoces.1,2
No entanto, outra das razões para esta incapacidade de diminuir o número de PPT
prende-se com o facto de as suas causas serem ainda controversas e alvo de
constantes novos estudos. Entre os fatores de risco para o PPT, o que parece
reunir mais consenso é a história de PPT prévio, com estudos referindo um risco
relativo (RR) de 2,5 atribuível a este fator.4,5 Outros fatores de risco
reconhecidos são o intervalo inferior a 6 meses entre gestações,4,6,8 a raça
negra,4,7 gestação múltipla,1,4,7 alterações do líquido amniótico (hidrâmnios
ou oligoâmnios),4,8 história de conização ou procedimento eletrocirúrgico a
nível do colo uterino,4 encurtamento do colo uterino,4,7 distúrbios da placenta
(como descolamento ou placenta prévia),4,7,8 infeções urogenitais e
intrauterinas,4,7,8 periodontite materna,4,8,9 patologias médicas maternas
(como diabetes, hipertensão e distúrbios da tiróide),4,7,8,10 grávida
adolescente7 ou com idade avançada11 e um índice de massa corporal materno
inferior a 19 kg/m2.4,7,8 Características sociodemográficas e psicossociais
também já implicadas na etiologia do PPT incluem o baixo rendimento económico,
o stress e ansiedade e o insuficiente acompanhamento médico da gravidez.7,8
Existe uma forte evidência de que o tabagismo materno está associado a um
aumento do risco de complicações na gravidez, incluindo baixo peso ao
nascimento,1,12 aborto espontâneo,1,12 morte perinatal 13 e PPT, sendo assim
uma possível causa evitável deste fenómeno.1,12,13 Num estudo realizado em
Portugal verificou-se uma prevalência de 19% de grávidas fumadoras durante a
gestação12 e foi já demonstrado que a inclusão das grávidas fumadoras em
programas de cessação tabágica resultou numa redução significativa da
incidência de PPT.13
Com o presente estudo, os autores pretendem conhecer e divulgar a realidade
local desta problemática. O objetivo deste trabalho foi analisar possíveis
fatores de risco de parto pré-termo (PPT) no Hospital de Santo André (HSA),
Entidade Pública Empresarial (E.P.E.), de Leiria no ano de 2010.
Métodos
Efetuou-se um estudo caso-controlo. A população do estudo foram todas as
parturientes e respetivos recém-nascidos do Hospital Santo André, em Leiria, no
ano de 2010.
As fontes de dados foram os registos clínicos do arquivo hospitalar. Foi
retirada a listagem de todos os partos ocorridos em 2010, na Maternidade do
Hospital de Santo André, com recurso ao programa informático Bloco de Partos®.
Definiu-se como caso: parto com idade gestacional, ecográfica, inferior a 37
semanas. Definiu-se como controlo: parto de gestação com duração igual ou
superior a 37 semanas. Foi efetuado um censo relativamente ao grupo de casos e
uma amostragem aleatória sistemática para o grupo de controlo (constante de
amostragem 5, com aleatorização simples da primeira posição). Devido a
limitações de tempo e capacidade logística do arquivo hospitalar, selecionaram-
se 2 controlos para cada caso, sem emparelhamento. Não foi feita a distinção
entre PPT espontâneo ou induzido.
Foram definidos como critérios de exclusão: morte fetal in utero e gravidezes
gemelares, estas últimas por serem uma causa conhecida de PPT.
Os processos clínicos consultados estão no formato de uma check-list, tendo
sido assumido que os itens não assinalados não se verificavam na parturiente.
Especificamente no caso do tabagismo, o item do processo referia-se a hábitos
tabágicos durante a gravidez, sem quantificação. Para além do tabagismo, foram
recolhidos os dados relativos a outros fatores de risco para PPT que foram
incluídos no estudo com a função de excluir/reduzir os fatores de confundimento
para a determinação do risco associado ao tabagismo. As variáveis estudadas e a
sua operacionalização encontram-se descritas no Quadro_I.
Para análise estatística utilizou-se um modelo de regressão logística com
cálculo de Odds-Ratio (OR), assumindo-se um nível de significância de 0,05. O
método de inclusão das variáveis no modelo foi o «enter» e foi aplicado o teste
de Hosmer e Lemeshow para verificar se os dados estavam bem ajustados ao
modelo. O software utilizado foi o PASW (Predictive Analytics SoftWare)
Statistics v.18.
Resultados
De um total de 2.279 partos registados no Hospital de Santo André no ano de
2010, contabilizaram-se 146 PPT, dos quais 2 casos corresponderam a situações
de morte fetal in utero. Assim, verificou-se uma taxa de PPT de 6,32%.
Após aplicação dos critérios de exclusão definidos, foram incluídos no estudo
136 partos pré-termo para o grupo de casos. Para o grupo de controlos, foram
selecionados 316 partos de termo, ocorridos no mesmo período em estudo.
Relativamente ao sexo, os RN pré-termo encontravam-se igualmente distribuídos
por sexo e o valor do peso à nascença variou entre as 500 g e as 3.615 g, com
média de 2.491 g e desvio-padrão de 522 g. A idade gestacional (IG) distribuiu-
se entre as 27 e as 36 semanas, com média de 35,1 semanas, desvio-padrão de 1,5
semanas e mediana de 36 semanas.
No grupo dos controlos, verificou-se que 164 (51,9%) eram do sexo masculino e o
peso à nascença variou entre 2.015 g e 4.425 g, com média de 3.209,8 g (DP
410,9 g). A média da IG foi de 38,6 semanas (DP 1), variando entre as 37 e as
41 semanas, com uma mediana de 39 semanas.
Verificou-se uma prevalência global de tabagismo materno de 8,4%, existindo uma
maior percentagem de mães fumadoras nos casos de PPT (11,8% vs 7%). A análise
bivariada dos dados demonstrou um odds-ratio de 1,78. Ou seja, os casos de PPT
tinham 1,78 vezes mais probabilidade da mãe ter fumado durante a gravidez do
que os casos de parto de termo. Aplicando o teste do qui-quadrado, verificou-se
não haver significância estatística (p= 0,091).
Uma vez que as parturientes apresentavam outros fatores de risco de parto pré-
termo para além do tabagismo, procedeu-se a uma análise multivariada através de
um modelo de regressão logística. Nos vários passos da aplicação do modelo
verificou-se um valor de teste de Hosmer e Lemeshow de 6,487, com um p-value
correspondente de 0,593, significando que o modelo se encontrava bem ajustado.
O Quadro_II apresenta os resultados obtidos nesta análise.
O tabagismo materno apresentou um OR ajustado de 2 (p=0,069).
Dos fatores de risco de PPT estudados, aquele que demonstrou representar um
maior risco foi as alterações da placenta (OR 33,7). As alterações placentárias
encontradas corresponderam a situações de placenta prévia e descolamentos
prematuros de placentas normalmente inseridas (DPPNI).
Também com significância estatística, os antecedentes de PPT demonstraram
aumentar o risco de PPT em 5,8 vezes. A HTA materna, que incluiu casos de HTA
crónica e HTA gestacional, aumentou significativamente o risco de PPT, assim
como os casos de infeção materna diagnosticada. Estes casos incluíam
vulvovaginites, infeções do trato urinário, sífilis, hepatite e infeção por
citomegalovírus.
Nos casos de PPT, a idade materna variou entre 20 e 44 anos de idade, com uma
média de 32,5, mediana de 33 e moda de 35. As idades das parturientes de termo
variaram entre os 16 e os 45 anos, com uma média de 30,7, mediana e moda de 31.
A idade materna superior acarretou também um aumento do risco de PPT com
significância estatística.
Discussão e Conclusão
A prevalência de PPT encontrada no presente estudo, 6,32%, está de acordo com a
literatura consultada, nomeadamente com os números relativos ao nosso país no
último ano, 6,9%.3
No que toca à hipótese nula levantada, «O tabaco não é um fator de risco para o
PPT», esta não foi rejeitada, por não ter sido encontrada significância
estatística. No entanto, não pode ser excluída a possibilidade de estarmos
perante um erro aleatório tipo II. Pensamos que teria sido encontrada
significância estatística com um maior número de controlos, o que não foi
possível devido a restrições de tempo e disponibilidade logística a nível do
Arquivo Clínico hospitalar. Esta dificuldade em obter uma maior amostra
contribuiu para outra das limitações do nosso estudo: tem uma potência,
calculada a posteriori, de 51,4%, inferior ao mínimo convencionado de 80%.
Admitimos também um viés de seleção que se prende com o facto de o HSA,
hospital distrital, transferir, sempre que possível, todos os casos de
prematuridade abaixo das 32 semanas de idade gestacional. Não sabemos
quantificar quantas parturientes foram transferidas nestas condições nem
quantas dessas eram fumadoras.
Outro viés que deve ser considerado é o de informação. Houve o máximo cuidado
no registo dos dados na respetiva matriz, não se tendo encontrado informação
omissa. Apesar disso, no que toca, por exemplo, à determinação da idade
gestacional, utilizada para definição dos casos e dos controlos, esta é muitas
vezes definida pela data da última menstruação, existindo a possibilidade de
ocorrerem erros quer por defeito, quer por excesso.
Apesar de este estudo ter sido realizado em meio hospitalar, a génese da ideia
para a sua elaboração adveio da prática clínica nos Cuidados de Saúde Primários
e funcionou como uma chamada de atenção para o nosso papel como Médicos de
Família na contribuição para a diminuição do número de partos pré-termo. Vários
dos fatores de risco para PPT já descritos na literatura são fatores
modificáveis, como é o caso do tabagismo materno, em que a atitude preventiva é
a chave para a sua anulação. Apesar de não ter sido demonstrada uma associação
entre este hábito e a ocorrência de PPT, encontrou-se uma prevalência
importante de grávidas fumadoras (ainda que ligeiramente inferior à referida
noutros estudos),12 o que constitui um facto importante e de potencial
intervenção a nível preventivo. O inegável valor de uma orientação pré-
concecional surge como uma oportunidade para a intervenção junto do casal no
sentido da cessação tabágica, não apenas como prevenção do PPT mas também da
restrição do crescimento intra-uterino, de problemas cognitivos/de
desenvolvimento, de infeções respiratórias, entre outros.
Considerando este um estudo piloto, como futuras linhas de investigação seria
interessante aumentar o número de controlos, aumentando o tamanho da amostra,
através de um estudo multicêntrico, incluindo hospitais centrais, para abranger
os casos de grande prematuridade, e/ou alargando o período em estudo. Outra
possibilidade com interesse seria efetuar um estudo coorte dos bebés de mães
fumadoras e dos recém-nascidos pré-termo aqui identificados. Este tipo de
estudo longitudinal poderia indicar-nos que consequências reais estas situações
acarretam, permitindo um melhor conhecimento e consequente abordagem destas
crianças.