Atividade física de lazer de intensidade moderada a intensa e mortalidade:
análise de uma coorte alargada
CLUBE DE LEITURA
Atividade física de lazer de intensidade moderada a intensa e mortalidade:
análise de uma coorte alargada
Leisure time physical activity of moderate to vigorous intensity and mortality:
a large pooled cohort analysis
Catarina Miranda*, Francisco Pinto da Costa**
*Médica Interna de MGF, USF do Mar - ACES Grande Porto IV (Póvoa de Varzim)
**Médico Interno de MGF, USF das Ondas - ACES Grande Porto IV (Póvoa de Varzim)
Moore SC, Patel AV, Matthews CE, Berrington de Gonzalez A, Park Y, Katki HA, et
al. Leisure time physical activity of moderate to vigorous intensity and
mortality: a large pooled cohort analysis. PLoS Med 2012; 9 (11) :e1001335.
doi: 10.1371/journal.pmed.1001335.
Introdução
Nas últimas décadas tem-se vindo a assistir a um decréscimo nos níveis de
atividade física (AF) nos Estados Unidos da América e noutros países
desenvolvidos e em vias de desenvolvimento. Embora difícil de quantificar, este
facto poderá potencialmente conduzir a uma redução na expectativa de vida da
população.
Vários estudos têm sugerido uma diminuição da mortalidade prematura com a AF,
mas poucos quantificaram, efetivamente, os anos de vida ganhos para diferentes
níveis de exercício. Entre as suas limitações destacam-se o pequeno tamanho
amostral, a restrição a uma única raça e o uso de amplas categorias de AF.
Está, igualmente, por esclarecer a diferença entre os indivíduos obesos ativos
e os normoponderais inativos no que respeita à esperança de vida.
O objetivo do estudo consistiu em determinar os anos de vida ganhos após os 40
anos, com vários níveis de AF de lazer, globalmente e de acordo com o índice de
massa corporal (IMC).
Métodos
Foram considerados 19 estudos de coorte prospetivos que haviam participado numa
análise prévia de IMC e mortalidade no National Cancer Institute Cohort
Consortium. Dos 8 estudos que cumpriam o critério de inclusão relativo à
avaliação do tempo semanal dispendido em AF de lazer de intensidade moderada a
intensa, 6 aceitaram participar (5 estudos norte-americanos e 1 estudo sueco).
Totalizaram-se 654 827 participantes, com idades compreendidas entre os 21 e os
90 anos; na análise da AF e esperança de vida foram apenas incluídos os
indivíduos com idade igual ou superior a 40 anos (97,5%). Os dados relativos à
AF e IMC foram auto-relatados.
Foram consideradas 4 categorias de IMC de acordo com a classificação da
Organização Mundial de Saúde (OMS).
A AF foi dividida em 6 categorias segundo as guidelines da US Federal Physical
Activity (2008) e da OMS (2010), e expressa em horas equivalentes metabólicas
por semana (MET-h/sem). Um MET é considerado o gasto energético de uma dada
atividade dividido pelo gasto energético basal.
Resultados
Da população estudada, 56% eram do sexo feminino e 96,4% de raça caucasiana. No
início do estudo, a média de idades dos participantes era de 61 anos e o nível
médio de AF era de 8 MET-h/sem. Os participantes com níveis mais elevados de AF
moderada a intensa eram tendencialmente homens, não fumadores, com maiores
níveis de escolaridade e não obesos.
Comparativamente com a inatividade (0 MET-h/sem), a AF de 0,1 a 3,74 MET-h/sem
(equivalente ao somatório de 75 minutos de caminhada por semana, metade do
mínimo preconizado) está associada a um ganho de 1,8 anos na expectativa de
vida, enquanto que, com níveis de AF de 22,5 MET-h/sem (3 vezes o mínimo
recomendado) verifica-se um ganho de 4,5 anos.
Da análise conjunta da AF categorizada por IMC, verificou-se que os indivíduos
normoponderais (IMC 18,5-24,9 Kg/m2) ativos (AF correspondente a 7,5 MET-h/sem)
obtinham um ganho de 7,2 anos de vida comparativamente com os indivíduos obesos
classe II (IMC ≥ 35 Kg/m2) inativos (0,0 MET-h/sem). No entanto, ser
normoponderal inativo está associado a menos 3,1 anos de vida comparativamente
a ser obeso classe I (IMC 30-34,9 Kg/m2) ativo.
Discussão
Os resultados deste estudo sugerem que a AF, mesmo em níveis inferiores aos
recomendados, está associada a uma redução do risco de mortalidade, e ganho na
esperança de vida, nos indivíduos com mais de 40 anos. O achado de que a
inclusão de pequenas quantidades de AF de lazer na rotina diária pode aumentar
a longevidade poderá ajudar a consciencializar indivíduos inativos da
importância de um plano simples de AF, mesmo que se verifique insuficiente para
o controlo do peso.
Constatou-se, ainda, que globalmente, níveis mais elevados de AF se repercutem
num maior ganho de anos de vida. Esta associação foi também demonstrada para
todos os níveis de IMC. Quando analisadas conjuntamente, a inatividade física e
obesidade traduzem-se numa marcada diminuição da longevidade.
Neste estudo, uma das limitações a reter é o auto-relato de variáveis como o
IMC e nível de AF, que podem ter sido subestimadas e sobrevalorizadas,
respetivamente.
COMENTÁRIO
«Walking is man’s best medicine»
Hipócrates
Há mais de 2500 anos que se equacionam os potenciais benefícios da atividade
física para a saúde. Sabe-se, atualmente, que, para além do controlo do peso, o
exercício previne e atrasa o desenvolvimento de doenças crónicas
(cardiovasculares, Diabetes Mellitus tipo 2 e alguns cancros) e contribui para
o bem-estar biopsicossocial.1,2
Apesar das recomendações da OMS3 – no mínimo, 150 minutos por semana de AF de
intensidade moderada, 75 minutos de AF intensa (7,5 MET-h/sem) ou ainda uma
combinação equivalente – menos de metade da população adulta cumpre as metas
preconizadas.4 No entanto, e de acordo os dados encontrados neste estudo, os
benefícios da AF (traduzidos em ganho na expectativa de vida) foram
demonstrados mesmo para gastos energéticos inferiores. Esta informação pode
motivar indivíduos inativos à prática de uma AF atendendo a que metas menos
exigentes trazem igualmente algum benefício.
Ainda que os primeiros estudos nesta área sugerissem uma maior implicação da má
condição física no risco de mortalidade comparativamente à obesidade, o
presente artigo foi pioneiro em quantificar as diferenças na expectativa de
vida (ganho/perda de anos) por categorias de AF e IMC. Na análise conjunta dos
extremos das variáveis registou-se uma diferença considerável na expectativa de
vida: ser obeso classe II e inativo acarreta uma perda de 7,2 anos face aos
indivíduos normoponderais ativos. Intrigante foi o achado de que a «magnitude»
do exercício físico parece suplantar o «peso» da obesidade, na medida em que se
verificou que os indivíduos obesos classe I ativos vivem até 3,1 mais anos do
que os normoponderais inativos. Terá a expressão «Fat but fit» agora mais
significado do que nunca?
Os benefícios da AF são, geralmente, expressos por comparação dos riscos
relativos de doença e mortalidade entre grupos ativos e inativos. Embora estas
estimativas estatísticas sejam úteis para a comunidade científica, revelam-se
pouco esclarecedoras para a população em geral.4 Este artigo adota uma forma
mais adequada de expressar esses benefícios, uma vez que quantifica a diferença
na esperança de vida nesses grupos e, por isso, constitui uma fonte de mensagem
clara e objetiva passível de ser veiculada pelo Médico de Família na sua
prática clínica.
Por se tratar de uma atividade banal e facilmente adaptável à vida diária, a
caminhada é a AF de lazer mais frequentemente aconselhada em Cuidados de Saúde
Primários. Este estudo vem demonstrar que esta recomendação não é meramente
empírica, uma vez que corresponde já a um gasto energético moderado (3 METs) e,
como tal, deve ser mantida.5
Em suma, este estudo vem reforçar o papel da AF como agente modificador de
estilo de vida, promotor de saúde e capaz de prevenir uma mortalidade precoce.