Fatores associados e indicações para a prática de cesariana: um estudo caso-
controlo
Introdução
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), os cuidados perinatais visam a
manutenção da saúde materno-fetal através da mínima intervenção médica.1 Assim,
a cesariana é um procedimento cirúrgico desenvolvido com o intuito de reduzir o
risco de complicações maternas e fetais durante a gravidez e o parto que, dado
não ser inócuo e acarretar implicações e riscos para o futuro reprodutivo da
parturiente, não deve ser levado a cabo na ausência das indicações médicas
descritas.2
Estudos revelam que a realização de cesarianas primárias eletivas terá
implicações no aumento da morbilidade materna (hemorragia no pós-parto, infeção
e tromboembolismo), acarretando um risco até três vezes maior de mortalidade
materna e aumentando o risco de placenta prévia, placenta acreta, rotura
uterina e histerectomia periparto, em gravidezes subsequentes.4 Verifica-se,
ainda, que em mulheres submetidas a cesariana a probabilidade de início e
manutenção do aleitamento materno exclusivo é inferior.5
Deste modo, a OMS considera injustificável a existência de taxas de cesarianas
superiores a 15%, pois existe evidência que taxas superiores não estão
associadas a redução adicional da morbi-mortalidade materno-fetal.2,3 No
entanto, tem-se assistido a um aumento consecutivo e sustentado das taxas de
cesariana a nível mundial, tanto em países desenvolvidos (Estados Unidos,
Inglaterra, Itália, Portugal, Austrália, China) como naqueles em vias de
desenvolvimento (Brasil).2,6,7,8,9
Nos Estados Unidos da América, as cesarianas apresentam-se como o procedimento
cirúrgico mais comum entre indivíduos do sexo feminino. Após um declínio nas
taxas de partos por cesariana, entre 1991 e 1996, devido ao aumento de partos
vaginais em mulheres com antecedentes de parto por cesariana, resultado de
medidas governamentais, assiste-se desde então a um aumento abrupto no número
de cesarianas, tendo-se atingido em 2007 uma taxa de 31,8%.2
Dados oficiais relativamente à taxa global de cesarianas em Portugal revelam
que, em 2007, a taxa de parto por cesariana alcançou os 34,8%.10 Valores
alusivos apenas aos hospitais públicos nacionais apontam para uma taxa de
cesarianas em 2007 de 32,4%, em 2008 de 32,6% e em 2009 de 33,2%.10 Dada a
tendência ligeiramente crescente da taxa de cesarianas nos hospitais públicos
portugueses, juntamente com o aumento do número de partos em hospitais
privados, onde a taxa global de cesarianas em 2005 atingiu os 65,9%,10 estima-
se que a taxa global de cesarianas em 2009 tenha rondado os 36%.10 Portugal é,
assim, um dos países europeus com maior taxa de cesarianas, tendo sido
ultrapassado em 2007 apenas pela Itália.10 Todos os restantes países europeus
têm uma taxa de cesarianas que não ultrapassa os 30% e vários têm uma taxa
inferior a 20%.10 A causa deste aumento é multifatorial, prendendo-se não só
com fatores sociodemográficos, culturais e económicos associados à preferência
materna, mas também com aspetos relacionados com os sistemas de saúde no âmbito
da prática médica, das preferências médicas, das preocupações médico-legais e
dos interesses económicos dos vários intervenientes no processo.2,11
No Hospital Santo André, em Leiria, Portugal, durante o ano de 2010, a taxa de
cesarianas foi de 31,8% (fonte: programa informático «Bloco de Partos®»).
Este estudo tem como objetivo principal determinar se o nível de escolaridade,
o índice de massa corporal (IMC), os hábitos tabágicos maternos, a
nuliparidade, os antecedentes de cesariana prévia, a vigilância no setor
privado, a macrossomia e os antecedentes de diabetes ou hipertensão arterial
(HTA) estão associados à realização/prática de cesariana.
Pretende ainda, como objetivos secundários: i) analisar a associação entre a
prática de cesarianas e as complicações no pós-parto (hemorragia, infeção pós-
parto ou necessidade de reinternamento); ii) analisar a associação entre a
prática de cesarianas e a taxa de aleitamento materno exclusivo à data da alta;
iii) descrever as indicações apontadas para a realização de cesariana.
Métodos
Estudo caso-controlo, observacional, analítico, retrospetivo. A população do
estudo foram todas as mulheres com partos ocorridos no Hospital Santo André no
ano civil de 2010.
A recolha de dados, que decorreu de 3 de outubro a 30 de novembro de 2011, foi
realizada por um único investigador, a autora do estudo, através da consulta
dos processos clínicos, não informatizados, das utentes.
Foram incluídas no estudo todas as utentes cujo parto decorreu no Hospital
Santo André, durante o ano civil de 2010. Excluíram-se as utentes cujos
processos clínicos fossem ilegíveis ou apresentassem o preenchimento
insuficiente das variáveis estudadas (mais de 3 parâmetros não preenchidos).
O tamanho da amostra dos casos (cesarianas) foi calculado através da utilização
da ferramenta sample size calculator (acedida online em http://
www.surveysystem.com/sscalc.htm), para um nível de confiança de 95%, uma margem
de erro de 5%, tendo tido por base o número de partos decorridos no Hospital
Santo André no referido ano (n = 2.294) e a percentagem de cesarianas no
referido ano (38,1%), valor consultado no programa informático «Bloco de
Partos®». De acordo com este cálculo, deveria ter sido estudada uma amostra de
252 cesarianas.
Por limitação de recursos, selecionaram-se 400 processos, 200 de partos por
cesariana (casos) e 200 de partos vaginais (controlos), por amostragem
aleatória estratificada, sem reposição, não proporcional, de 3 em 3 processos
para as cesarianas e de 6 em 6 processos para os partos vaginais espontâneos.
Foram analisadas as seguintes variáveis: sociodemográficas (idade, escolaridade
materna); IMC; historial obstétrico presente e pregresso (hábitos tabágicos,
paridade e, no caso das multíparas, o tipo de parto prévio, local de vigilância
da gravidez – setor público versus privado – e idade gestacional); morbilidades
obstétricas (diabetes, HTA); justificações apresentadas para a realização de
cesariana; peso do recém-nascido; complicações no pós-parto (hemorragia,
infeção e história de reinternamento) e tipo de aleitamento à data da alta
(aleitamento materno exclusivo, aleitamento artificial ou aleitamento misto).
Foram consideradas gestações de termo aquelas que apresentassem uma duração
igual ou superior a 37 semanas. Reinternamento materno definiu-se como todo o
internamento que tenha ocorrido no Serviço de Ginecologia/Obstetrícia no
período de 60 dias após a alta hospitalar.
O protocolo do estudo foi submetido a avaliação pela Comissão de Ética da
Administração Regional de Saúde do Centro, tendo obtido um parecer positivo e o
estudo foi igualmente avaliado e aceite pela Direção do Serviço de Ginecologia/
Obstetrícia do hospital em causa.
Foi criada uma base de dados no PASW® 18.0 e analisada a associação entre as
variáveis e o tipo de parto, através da análise estatística bivariada, com
cálculo do odds-ratio (OR) e aplicação do teste do qui-quadrado, adotando-se um
nível de significância de 0,05.
Resultados
A amostra de 400 partos (200 cesarianas e 200 vaginais) estudados correspondeu
a 17,4% dos 2.294 partos ocorridos no Hospital Santo André no ano de 2010.
Considerando os indicadores sociodemográficos maternos (Quadro_I), constatou-se
que as faixas etárias mais representativas na amostra de utentes, quer nas
submetidas a cesariana, quer nas submetidas a parto vaginal, foram a dos 30-34
anos (respetivamente com 41,5% e 33,5%) e a dos 25-29 anos (com 29,0% versus
26,5%). Quanto à escolaridade materna, salienta-se o facto de 81% das utentes
submetidas a cesariana e 65% das submetidas a partos vaginais apresentarem
escolaridade superior a 10 anos, sendo que 35,0% e 23,0%, respetivamente,
completaram o ensino superior.
Quarenta e cinco por cento das grávidas submetidas a cesariana e 37,5% daquelas
cujo parto foi vaginal apresentavam IMC dentro da normalidade. Quanto aos
hábitos tabágicos, 17,0% das utentes eram fumadoras (15,0% submetidas a
cesariana e 2,0% a parto vaginal).
Considerando os fatores reprodutivos pré-gestacionais, a percentagem de utentes
multíparas foi superior entre as submetidas a parto vaginal (52,5%). Utentes
submetidas a cesariana apresentavam maior taxa de cesariana prévia (28,5%
comparativamente com 4,0% daquelas em que o parto foi vaginal). Quanto aos
antecedentes patológicos maternos, a percentagem de diabetes e HTA foi superior
nas utentes submetidas a cesariana (7,0% e 10,5% versus 4,5% e 4,0%).
Os Quadro_I, II e III comparam globalmente as utentes submetidas a cesariana e
aquelas cujo parto foi vaginal.
Verificou-se que as utentes com escolaridade inferior a 4 anos (n = 4)
apresentaram uma taxa de cesariana de 100%. Nas restantes verificou-se que,
quanto maior o nível de escolaridade, maior a taxa de cesarianas, atingindo
esta última um máximo de 60,3% nas utentes que concluíram o ensino superior (p
< 0,001). Utentes com escolaridade superior a 12 anos apresentaram um OR de
1,88 (p = 0,004) (Quadro_IV).
No que concerne ao IMC materno, desconhecia-se o seu valor em 4,0% dos casos.
Apenas 45,0% das grávidas submetidas a cesariana e 37,5% daquelas cujo parto
foi vaginal apresentavam IMC dentro da normalidade. A percentagem de utentes
com excesso de peso e obesidade foi assim de 31,0% e 20,5% nas cesarianas e
39,5% e 22,5% nos vaginais. Das 392 utentes em que havia registo de IMC
encontrou-se um OR para cesariana no IMC normal versus aumentado de 1,45, com
um nível de significância de 0,073 (Quadro_IV).
Quanto aos hábitos maternos, as utentes com hábitos tabágicos apresentaram uma
taxa de cesariana superior à dos partos vaginais (55,6% versus 44,4%), com um
OR de 1,29, contudo, esta associação não foi estatisticamente significativa (p
= 0,771) (Quadro_IV).
Considerando os fatores reprodutivos pré-gestacionais, verificou-se que nas
utentes multíparas a taxa de parto vaginal foi superior à de parto por
cesariana, panorama inverso ao observado nas utentes nulíparas, que foram
submetidas a maior número de cesarianas (57,0% versus 43,0%), com um OR de 1,88
e p = 0,002 (Quadro_IV).
Quanto à influência do tipo de parto prévio, detetou-se que as utentes com
antecedentes de parto por cesariana apresentaram uma recorrência de cesariana
de 87,7% (OR 9,57, p < 0,001) (Quadro_IV).
Em relação à vigilância da gravidez, detetou-se um efeito protetor sobre a
ocorrência de cesariana para mães que fizeram a vigilância da gestação no setor
público (OR 0,49, p = 0,002) (Quadro_IV).
Quanto aos antecedentes patológicos maternos, a percentagem de diabetes e HTA
foi superior nas utentes submetidas a cesariana, 60,9% e 72,4% versus 39,1% e
27,6%. A associação entre a diabetes e a realização de cesariana não foi
estatisticamente significativa (OR 1,59, p = 0,283), contrariamente à
apresentada para a HTA (OR 2,82, p = 0,012) (Quadro_IV).
Na presença de macrossomia fetal ou parto pré-termo, o tipo de parto mais
prevalente foi a cesariana (68,8% e 65,8%, respetivamente), embora esta relação
não seja estatisticamente significativa.
No que concerne aos reinternamentos, em 80,0% das utentes reinternadas o parto
ocorreu por cesariana (OR 4,06, p = 0,177). Embora a taxa de hemorragia no pós-
parto tenha sido inferior nas utentes submetidas a cesariana, esta associação
não foi estatisticamente significativa (OR 0,25, p = 0,177). Quanto aos casos
de infeção no período pós-parto, 88,9% surgiram após realização de cesariana,
com uma associação estatisticamente significativa (OR 8,61, p = 0,001) (Quadro
IV).
Constatou-se ainda que, à data da alta hospitalar, 81,0% dos bebés sob
aleitamento artificial e 58,5% dos sob aleitamento misto nasceram por
cesariana, sendo que o OR de não estar a fazer aleitamento materno exclusivo à
data da alta, comparando as cesarianas com os partos vaginais, foi de 2,19 (p =
0,006) (Quadro_IV).
As principais justificações apresentadas para a realização de cesariana foram,
de acordo com o Quadro_V, a incompatibilidade feto-pélvica, seguindo-se a
suspeita de sofrimento fetal agudo e a indução falhada. A indução do trabalho
de parto foi efetuada em 80 (40,0%) das 200 utentes submetidas a cesariana,
tendo sido infrutífera em 31,3% dos casos.
Discussão
Apresentaram associação estatisticamente significativa com a realização de
cesariana a elevada escolaridade, a nuliparidade, os antecedentes de cesariana
prévia e a HTA. Tal não se verificou com os hábitos tabágicos, IMC materno, a
idade materna, diabetes e macrossomia. O grupo das cesarianas apresentou um
risco de infeção pós-parto 8 vezes superior e de aleitamento artificial na data
da alta 2 vezes superior, associações estas também estatisticamente
significativas. A taxa de reinternamento mostrou-se mais elevada nos partos por
cesariana e a de hemorragia no pós-parto nos partos vaginais, associações
estas, contudo, estatisticamente não significativas.
As principais justificações apresentadas para a realização de cesariana foram a
incompatibilidade feto-pélvica, seguindo-se a suspeita de sofrimento fetal
agudo e a indução falhada.
A baixa escolaridade materna assume um papel protetor para a cesariana, uma vez
que a probabilidade de realização de cesariana foi 1,88 vezes superior em
gestantes com escolaridade superior a 12 anos. Estes dados estão de acordo com
os achados de outros autores. Um estudo efetuado com 540 puérperas, no Chile,
constatou que as mulheres que apresentavam maior nível socioeconómico e eram
vigiadas no setor privado apresentavam maior probabilidade de serem submetidas
a cesariana, comparativamente com as vigiadas numa instituição pública.7,10
Para este facto foram apresentadas várias hipóteses explicativas, que poderão
estar relacionadas com o serviço hospitalar, tipo de cuidados médicos
oferecidos ou modo de participação da grávida no processo decisório do tipo de
parto.10
No que diz respeito aos antecedentes verificou-se, à semelhança de outros
estudos, que a nuliparidade apresentou associação significativa com um risco
superior de cesariana, sendo que as nulíparas apresentaram uma probabilidade de
parto por cesariana 1,88 vezes maior.8,12 As multíparas com parto prévio por
cesariana, apresentam uma elevada taxa de recorrência da técnica (87,7%),
apresentando uma probabilidade 9,5 vezes superior de ter uma nova cesariana. De
facto, um dos motivos que tem vindo a ser apresentado para a manutenção de
elevadas taxas de cesarianas é a repetição da técnica. Estudos apontam que
cerca de 30% das cesarianas são condicionadas pela existência de um parto
anterior por cesariana.11 Muito embora novas guidelines recomendem a tentativa
de parto vaginal após uma cesariana e tenham indicado que a prova de trabalho
de parto, nestes casos, está associada a uma taxa de sucesso de parto vaginal
entre 60 e 80%, a recorrência de cesariana por cesariana prévia tem-se mantido
elevada.11,13
No que diz respeito aos antecedentes patológicos maternos, no que se refere à
HTA estes são congruentes com os dados encontrados na bibliografia, que referem
a existência de um risco superior de realização de cesariana em gestantes com
HTA.8 Neste caso, as grávidas hipertensas apresentaram um risco de parto por
cesariana 2,8 vezes superior às que não apresentavam a patologia. Embora a
diabetes seja uma das indicações para a prática de cesariana, muito devido à
relação entre esta patologia materna e a macrossomia fetal, e apesar da
prevalência de diabetes ter sido superior no grupo das cesarianas, não se
verificou uma associação estatisticamente significativa entre estas duas
variáveis.3
Relativamente às complicações no pós-parto, verificou-se um risco inferior de
hemorragia e uma maior probabilidade de infeção e reinternamento no grupo de
mulheres submetidas a cesariana. Com exceção dos dados referentes à taxa de
hemorragia, os dados são congruentes com a literatura. Loverro et al,
analisando a morbilidade febril pós-cirúrgica, referem que 5,14% dos casos cujo
parto foi realizado por cesariana apresentaram complicação infeciosa,
percentagem superior à observada após parto por via vaginal (0,29%).14 Um
estudo canadiano revelou a existência de um risco de infeção três vezes
superior numa cesariana planeada comparativamente com um parto vaginal
programado.15 Já no que se refere ao risco de hemorragia, no estudo de Loverro
et al foi avaliada a hemorragia de forma indireta, analisando a necessidade de
transfusão de sangue no período intraparto e pós-parto, tendo-se verificado no
período pós-parto uma proporção significativamente maior de casos transfundidos
após cesarianas (1,9%) quando comparados aos partos vaginais (0,39%).14 Já no
estudo realizado no Canadá, ainda que a cesariana planeada tenha estado
associada a um risco superior de hemorragia com necessidade de realização de
histerectomia, a percentagem de casos de hemorragia com necessidade de
realização de transfusão sanguínea foi superior no grupo dos partos por via
vaginal.15
Recém-nascidos cujo parto decorreu por cesariana apresentaram uma probabilidade
de não fazerem aleitamento materno exclusivo à data da alta duas vezes
superior. Estes dados, à semelhança dos dados encontrados noutros estudos,
apontam a cesariana como uma barreira à implementação inicial e manutenção do
aleitamento materno.5 O parto vaginal está associado a uma maior probabilidade
de aleitamento materno exclusivo aos 6 meses.16,17
No que concerne aos motivos apresentados para a realização de cesariana na
amostra em causa, as principais justificações ostentadas foram, por ordem
decrescente, a incompatibilidade feto-pélvica (23,5%), o sofrimento fetal agudo
(19,5%), a indução de trabalho de parto falhada (12,5%) e a existência de
antecedentes de cesariana prévia (11,5%). Estes dados são semelhantes aos
encontrados num estudo levado a cabo na região norte do país, no qual os
principais motivos registados foram a incompatibilidade feto-pélvica (23,6%), o
trabalho de parto estacionário (20,7%), a suspeita de sofrimento fetal (20%), a
apresentação pélvica (14%) e a tentativa frustrada de indução do trabalho de
parto (5,2%).9 Neste estudo, realizado no norte do país, não foi avaliado o
impacto da existência de cesariana anterior. Como se verifica com base nestes
resultados, a taxa de indução falhada na amostra em causa foi cerca do dobro da
encontrada em estudos semelhantes. Segundo um estudo brasileiro publicado em
2011, para as gestações que atingem as 41 semanas e patologias obstétricas que
coloquem em risco a vida materna ou fetal e que necessitem do término da
gestação, deve iniciar-se a preparação do colo e indução do trabalho de parto.8
No entanto, a indução do trabalho de parto não está isenta de riscos,
principalmente na ausência de colo favorável (trabalho de parto prolongado,
superior a 24 horas; hiperestimulação uterina com baixa oxigenação fetal;
rotura uterina; hemorragia pós-parto; corioamniotite; e necessidade de trabalho
de parto instrumentalizado).8 No entanto, tem vindo a assistir-se à utilização
da indução do trabalho de parto sem motivo médico, apenas como forma de
programação do momento do nascimento, por conveniência da grávida e/ou da
equipa de saúde. Nalguns países a indução do trabalho de parto é realizada em
mais de 20% dos nascimentos, desconhecendo-se estes números nos hospitais
públicos e privados nacionais.8
Uma das principais limitações deste estudo prende-se com o facto de ser
retrospetivo, com base na consulta de processos clínicos, preenchidos por
diferentes profissionais de saúde, não sendo possível excluir um viés de
informação em relação a determinadas questões, por variabilidade interpessoal
dos registos/medição. Não é possível, ainda, excluir um viés de seleção que, no
entanto, foi minimizado pelo tamanho da amostra.
Apesar de se ter rejeitado a hipótese nula no que se refere às variáveis
escolaridade, primiparidade, existência de cesariana anterior, vigilância
obstétrica no setor privado e antecedentes de HTA, não se pode excluir a
existência de um erro aleatório tipo I, atendendo ao elevado número de
hipóteses nulas consideradas. Atendendo a que o tamanho da amostra ficou aquém
do calculado (200 casos versus os 252 necessários), não se pode igualmente
excluir erros do tipo II, decorrentes da limitação do poder do estudo pelo
tamanho amostral. Dado os resultados encontrados se referirem a uma amostra
muito restrita, unicêntrica, estes não podem ser extrapolados para a população
externa.
A elevada taxa de cesariana praticada em Portugal assume-se como um problema de
saúde pública, que deverá ser alvo de uma intervenção multidisciplinar, com
vista à sua redução. Tendo por base a experiência na região norte do país, o
Ministério da Saúde criou, por despacho publicado no dia 5 de março de 2013, em
Diário da República, a Comissão Nacional para a Redução da Taxa de Cesarianas,
no âmbito da Direção-Geral da Saúde, que visa a criação de normas de orientação
clínica e seus indicadores de monitorização, a formação profissional, a criação
de um plano de educação para a saúde com criação de cursos para a parentalidade
e a criação de um plano de auditorias internas/externas. A revisão sistemática
que procedeu à análise deste tipo de medida considerou que este processo de
auditoria e feedback apresenta uma boa efetividade.9
De futuro seria importante, ainda, avaliar a informação de que as grávidas
dispõem relativamente aos benefícios do parto vaginal, quer para o bem-estar
materno, quer para a saúde fetal e o seu desejo quanto ao tipo de parto.
Estudos revelam que a maioria das mulheres que preferem o parto por cesariana
mudam de ideias após intervenções pré-natais e que os principais motivos para a
solicitação de cesariana são o medo da dor, a ansiedade, o receio da perda de
controlo e preocupação com lesão ou morte fetal.18,19 Enquanto médicos de
família, temos o dever de informar as grávidas relativamente aos benefícios do
parto vaginal, desmistificar os seus receios infundados, fornecendo-lhes
conhecimentos que lhes permitam tomar uma decisão consciente e fundamentada.