Associação entre cessação tabágica e alteração de peso com a doença
cardiovascular nos adultos com e sem diabetes
CLUBE DE LEITURA
Associação entre cessação tabágica e alteração de peso com a doença
cardiovascular nos adultos com e sem diabetes
Association of Smoking Cessation and Weight Change With Cardiovascular Disease
Among Adults With and Without Diabetes
Fernanda Gomes*, Jorge Godinho**
*Interna em formação específica de Medicina Geral e Familiar, USF Anta
**Interno em formação específica de Medicina Geral e Familiar, USF Canelas
Clair C, Rigotti NA, Porneala B, Fox CS, D’Agostino RB, Pencina MJ, et al.
Association of smoking cessation and weight change with cardiovascular disease
among adults with and without diabetes. JAMA 2013 Mar 13; 309 (10): 1014-21.1
Enquadramento
A cessação tabágica reduz os riscos de doença cardiovascular (DCV), no entanto,
o ganho de peso que condiciona pode diminuir o benefício cardiovascular
associado à mesma.
Objetivo
Testar a hipótese de que o ganho de peso associado à cessação tabágica não
diminui os seus benefícios em indivíduos adultos diabéticos e não diabéticos.
Métodos
Estudo coorte, prospetivo e de base comunitária usando dados do Framingham
Offspring Study, colhidos entre 1984 e 2011. Foram selecionados 3 251
participantes adultos sem DCV. A cada 4 anos de estudo, os participantes foram
avaliados e categorizados, através de autorrelato dos hábitos tabágicos, como
fumadores, ex-fumadores recentes (≤ 4 anos), ex-fumadores a longo prazo (> 4
anos) e não fumadores. De seguida, foram agrupados em grupos de risco
proporcionais, para estimar a associação entre a cessação tabágica e os eventos
cardiovasculares a cada 6 anos e para testar se a alteração de peso nos 4 anos
após a cessação tabágica modificava esta associação.
Outcomes
Incidência total de eventos cardiovasculares aos 6 anos incluindo doença
coronária, eventos cerebrovasculares, doença arterial periférica e
insuficiência cardíaca.
Resultados
Após um seguimento médio de 25 anos, ocorreram 631 eventos cardiovasculares em
3 251 participantes. O ganho de peso médio aos 4 anos foi maior em ex-fumadores
recentes sem diabetes (2,7 kg) e com diabetes (3,6 kg) quando comparados com os
ex-fumadores a longo prazo (0,9 kg e 0,0 kg, respetivamente). Entre os
participantes não diabéticos, a taxa de incidência de DCV ajustada à idade e ao
sexo foi de 5,9% nos fumadores, 3,2% nos ex-fumadores recentes, 3,1% nos ex-
fumadores a longo prazo e 2,4% nos não fumadores. Após o ajuste para os fatores
de risco cardiovasculares nos doentes não diabéticos, observou-se nos ex-
fumadores recentes um risco de DCV de 0,47 e nos ex-fumadores a longo prazo um
risco de 0,46 quando comparados com os fumadores; estas associações tiveram
apenas uma alteração mínima após ajuste para alteração de peso. Entre os
participantes com diabetes a redução do risco cardiovascular associado à
cessação tabágica não foi estatisticamente significativa.
Conclusões
A cessação tabágica esteve associada a um menor risco de eventos
cardiovasculares entre os participantes não diabéticos e o consequente ganho de
peso não modificou esta associação. Este resultado aponta para o benefício
cardiovascular da cessação tabágica apesar do ganho de peso subsequente.
COMENTÁRIO
O tabagismo constitui uma verdadeira epidemia e um grave problema de saúde
pública mundial. Segundo a Organização Mundial de Saúde, é a principal causa de
morte evitável, sendo responsável por cerca de 6 milhões de mortes no mundo
anualmente, tendo graves consequências económicas. Se as atuais tendências se
mantiverem, o tabaco matará mais de 8 milhões de pessoas por ano em 2030.2
Em Portugal, com base nos dados do Instituto Nacional de Estatística de 2005/
2006, 20,9% da população era fumadora à data do inquérito e 18,7% fumava
diariamente.3 Nos últimos anos, segundo os Inquéritos Nacionais de Saúde
realizados no nosso país, verifica-se uma diminuição da prevalência tabágica
masculina e o aumento da prevalência tabágica feminina.4
O tabagismo associa-se a um elevado número de doenças e mais de 50% dos
fumadores morrem de patologias com ele relacionadas, estando entre as três
principais causas de morte a DCV, o cancro do pulmão e a doença pulmonar
obstrutiva crónica. Neste contexto, a cessação tabágica está associada a uma
diminuição da morbilidade e mortalidade, independentemente da idade em que
ocorre.5
Apesar dos benefícios da cessação tabágica, importa referir que esta poderá
também estar associada a um pequeno número de consequências para a saúde, sendo
o ganho de peso uma das principais preocupações para os que pensam abandonar
este hábito, principalmente as mulheres. O peso médio ganho após a cessação
tabágica varia entre 3 e 6 kg, surgindo principalmente nos primeiros 6 meses e
persistindo ao longo do tempo.6 A obesidade é também um fator de risco
cardiovascular e a mortalidade vascular aumenta cerca de 40% por cada 5
unidades no aumento do índice de massa corporal quando este é superior a 25 kg/
m2.7 Deste modo, coloca-se a questão se o ganho de peso após a cessação
tabágica poderá diminuir os seus benefícios na DCV. Esta preocupação torna-se
mais relevante nos diabéticos, uma vez que o ganho de peso constitui um fator
de risco para um mau controlo da doença e consequente aumento da
morbimortalidade.8
O objetivo do estudo apresentado foi avaliar a associação entre o ganho de peso
após a cessação tabágica e a taxa de eventos cardiovasculares em adultos, com e
sem diabetes, e, desta forma, testar a hipótese da cessação tabágica diminuir o
risco cardiovascular independentemente do ganho de peso associado.
Existem vários mecanismos possíveis para a diminuição do risco de DCV
associados à cessação tabágica. O tabagismo apresenta efeitos cardiovasculares
a curto e a longo prazo que são reversíveis após a sua cessação. Entre eles
encontram-se o aumento da frequência cardíaca e da contratilidade miocárdica, a
vasoconstrição arterial, o aumento da agregação plaquetária, a redução da
captação de oxigénio e a longo-prazo a lesão endotelial e a formação de
ateroma.9 O aumento do risco cardiovascular associado ao tabagismo é também
potenciado por outros fatores de risco cardiovasculares, tais como o aumento do
colesterol LDL e dos níveis de triglicerídeos, a diminuição dos níveis de
colesterol HDL ou o aumento dos níveis de glicemia.1 Alguns destes fatores de
risco cardiovascular, como os níveis de colesterol HDL ou a sensibilidade à
insulina, melhoram com a cessação tabágica, independentemente do potencial
aumento de peso.10-11
Os pontos fortes deste estudo incluem a capacidade de avaliar adultos, com e
sem diabetes, para estimar a relação entre o ganho de peso após a cessação
tabágica e a DCV, em exames periódicos nos quais se registavam os parâmetros de
interesse eliminando variáveis de confundimento. O facto de se tratar de um
estudo coorte também constitui um aspeto positivo e valorizador deste trabalho.
As limitações a serem consideradas incluem a avaliação do tabagismo através de
autorrelato e a ausência de um método bioquímico para sua confirmação. Como o
Framingham Studyenvolveu maioritariamente indivíduos de raça branca estes
resultados podem não ser extrapoláveis a uma população de outra etnia.
Em conclusão, entre adultos não diabéticos a cessação tabágica esteve associada
com menor risco de DCV. Em diabéticos verificou-se um resultado similar no
entanto sem significado estatístico. O ganho de peso que ocorreu após a
cessação tabágica não esteve associado com a redução nos benefícios
cardiovasculares da mesma, em participantes não diabéticos. Há indubitavelmente
um benefício cardiovascular na cessação tabágica apesar do subsequente ganho de
peso.
Dos diferentes tipos de abordagem no controlo do tabagismo, a intervenção e o
aconselhamento do médico, por comparação com a de outros profissionais, é a que
tem maior impacto. Assim a cessação tabágica ganha um importante lugar na
atuação dos médicos nos cuidados de saúde primários.5