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EuPTCVHe2182-51732013000500013

EuPTCVHe2182-51732013000500013

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN2182-5173
ano2013
Issue0005
Article number00013

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Iodo e o desenvolvimento mental das crianças: o início de uma nova suplementação? CLUBE DE LEITURA Iodo e o desenvolvimento mental das crianças: o início de uma nova suplementação? Iodine and mental development of children: a new supplement? Ivone dos Santos Martins Interna de Medicina Geral e Familiar USF Lagoa, Unidade Local de Saúde de Matosinhos

Bougma K, Aboud FE, Harding KB, Marquis GS. Iodine and mental development of children 5 years old and under: a systematic review and meta-analysis.

Nutrients 2013 Apr 22; 5 (4): 1384-416.

Introdução O iodo é necessário para a produção de hormonas tiroideias, tiroxina e triiodotironina, que desempenham um papel importante nos mecanismos de crescimento e desenvolvimento dos órgãos. Os níveis de triiodotironina ao nível cerebral parecem ser muito sensíveis à deficiência de iodo mesmo em casos de deficiência leve ou moderada. Em casos extremos, níveis baixos de hormonas tiroideias devido a uma deficiência grave de iodo podem causar danos neurológicos cerebrais, principalmente durante o período fetal e neonatal, o que pode resultar num quadro clínico de cretinismo.

A seguinte revisão avalia a evidência existente sobre o impacto da deficiência de iodo no desenvolvimento mental de crianças com idade igual ou inferior a 5 anos.

Métodos Realizou-se uma revisão sistemática de artigos na base de dados Medline (Janeiro de 1980 a Novembro de 2011). Incluíram-se ensaios clínicos randomizados ou não-randomizados com suplementação de iodo nas grávidas e/ou crianças e estudos de coorte prospectivos estratificados de acordo com os níveis de iodo nas grávidas ou de acordo com os níveis de iodo nos recém- nascidos, tendo como grupos de controlo o uso de placebo, um controlo histórico ou crianças da mesma idade iodo-suficientes. O outcome avaliado correspondia ao desenvolvimento mental (cognitivo, linguagem e motricidade fina) de crianças com idade igual ou inferior a 5 anos. Excluíram-se os artigos: ensaios em recém-nascidos pré-termo ou com baixo peso ao nascimento; uso de testes psicométricos não estandardizados; ensaios que avaliavam apenas o desenvolvimento motor; ensaios que estratificavam as mães de acordo com um indicador de disfunção tiroideia, o anticorpo antiperoxidase. Os resultados do efeito do tratamento foram apresentados através do cálculo da medida estatística dimensão do efeito (d).

Resultados Os estudos incluídos foram classificados de acordo com o desenho de estudo.

(1) Dois ensaios clínicos randomizados e controlados onde as mulheres recebiam suplementação com iodo ou um placebo: um ensaio demonstrou diferenças estatisticamente significativas no desenvolvimento mental em crianças cujas mães foram suplementadas com iodo durante a gestação comparativamente com o grupo placebo; o outro ensaio não demonstrou diferenças significativas.

Dimensão do efeito dos dois ensaios d=0,68.

(2) Oito estudos de intervenção não-randomizados onde as mulheres recebiam suplementação com iodo e outras não: quando a suplementação era efectuada no período pré-concepcional ou numa fase inicial da gravidez, quatro estudos demonstraram existir uma diferença estatisticamente significativa no desenvolvimento mental das crianças cujas mães foram suplementadas comparativamente com o grupo sem suplementação; contudo, outros quatro estudos não demonstraram diferenças significativas. Quando a suplementação com iodo era efectuada numa fase mais tardia da gravidez (2.o e 3.o trimestres) não se encontraram diferenças estatisticamente significativas. A dimensão do efeito dos estudos de intervenção não randomizados foi d=0,46. A dimensão do efeito média tendo em conta os estudos de intervenção randomizados e não randomizados foi d=0,49, o que correspondeu a uma perda de 7,4 pontos no QI (Quociente de inteligência) devido ao défice de iodo.

(3) Estudos observacionais de coorte prospectivos onde as grávidas eram estratificadas de acordo com os seus níveis de iodo e seguidas até ao parto: demonstraram que as crianças cujas mães tinham níveis normais de iodo no primeiro trimestre pontuavam melhor nos scores de desenvolvimento mental.

Porém, dos nove ensaios incluídos, três não demonstraram diferenças significativas. A dimensão do efeito foi d=0,52, correspondendo a uma diferença de 7,8 pontos no QI.

(4) Estudos observacionais de coorte prospectivos onde crianças com hipotiroidismo congénito foram avaliadas durante vários anos de follow-up: dois estudos demonstraram diferenças estatisticamente significativas em termos de desenvolvimento mental em crianças com hipotiroidismo comparativamente com os controlos, mas outros dois estudos não demonstraram diferenças. A dimensão do efeito foi d=0,54, isto é, 8,1 pontos de diferença no QI.

Discussão Os estudos de intervenção mostraram melhores resultados nas crianças cujas mães foram suplementadas com iodo antes ou durante a gravidez comparativamente com a não suplementação. Os estudos observacionais demonstraram uma relação positiva entre o nível de iodo na mãe ou na criança e o desenvolvimento mental. Os estudos também demonstraram melhores resultados quando a suplementação era iniciada mais precocemente, na fase pré-concepcional ou inicial de uma gravidez. A dimensão do efeito desta revisão traduziu-se numa perda de QI entre 6,9 a 10,2 pontos em crianças com idades inferiores ou iguais a 5 anos devido à deficiência de iodo. Contudo, os autores desta revisão consideram que a melhor estimativa de perda de QI seja 7,4 pontos, baseando-se nos resultados dos estudos de intervenção, pois apresentaram desenhos de estudo relativamente rigorosos. Contudo, os resultados desta revisão devem ser interpretados de forma cautelosa, devido às limitações da maioria dos ensaios aqui incluídos.

Outras variáveis, como a dieta familiar, o nível de escolaridade da mãe, o estado nutricional da mãe, o nível socio-económico, entre outros, podem interferir nos resultados e raramente foram tidas em conta nos estudos de intervenção. Os tamanhos amostrais, 50 participantes em média por grupo, foram também geralmente pequenos.

As escalas utilizadas para avaliação do desenvolvimento mental foram as mesmas na maioria dos estudos, contudo muitas vezes não estavam adequadas ao contexto local, pelo que foram modificadas. Contudo essas modificações não foram validadas, podendo não ter sido as apropriadas. Muitos ensaios também não discriminaram os resultados tendo em conta o desenvolvimento da linguagem e o desenvolvimento cognitivo.

Somente dois estudos abordaram os níveis de sal iodado na dieta das mães. Os estudos que avaliaram a suplementação com iodo decorreram em áreas com pouco ou nenhum acesso ao sal iodado. Esta suplementação, que providenciou iodo suficiente para um curto período de tempo, não resolve a situação a longo prazo dos países com deficiência endémica de iodo. Para determinar se o sal iodado tem o mesmo efeito no desenvolvimento mental que a suplementação de iodo são necessários mais estudos nestes países.

Conclusão A melhor estimativa de perda de pontos no QI devido à deficiência de iodo é 7,4. Contudo, são necessários mais ensaios controlados e randomizados com metodologias mais rigorosas, bem como ensaios que avaliem a eficácia do sal iodado.

COMENTÁRIO A maior parte do iodo vem da alimentação (peixe, marisco, lacticínios).1 As doses diárias recomendadas de ingestão de iodo são 150 µg/dia num adulto e 250 µg/dia na grávida.2 A Direcção-Geral da Saúde emitiu uma orientação recomendando a suplementação com iodo sob a forma de iodeto de potássio 150-200 µg/dia desde o período pré-concepcional, durante a gravidez e aleitamento materno exclusivo.3 A deficiência de outros nutrientes, e não do iodo, bem como o ambiente familiar, o acesso aos cuidados de saúde e educativos, as condições socioeconómicas da família, entre outros factores, têm um impacto sobre o desenvolvimento mental das crianças.4 Muitas destas variáveis não foram controladas nos estudos de intervenção, podendo ter alterado os resultados dos mesmos.

Estudos recentes apontam para a existência de um défice ligeiro a moderado de ingestão de iodo na maioria dos países europeus.5 Em Portugal, verificou-se que 83% das grávidas do Continente consomem menos iodo do que é recomendado.5 A maioria dos estudos de intervenção que avaliaram o efeito da suplementação foi realizada em países com deficiência grave de iodo: nestes países a suplementação tem benefícios perante um défice endémico. Dos dois estudos de intervenção realizados na Europa, um demonstrou diferenças significativas no desenvolvimento mental das crianças cujas mães foram suplementadas, enquanto o outro não. Nos países com deficiência ligeira/moderada de iodo a suplementação farmacológica de 200 µg/dia em grávidas não parece causar efeitos adversos.5 Contudo, também é possível que doses excessivas de suplementação possam causar disfunção tiroideia.6 Para se implementar a suplementação farmacológica com iodo é necessário também comprovar a não maleficência deste tratamento, sendo a evidência ainda limitada.6 O timing para o início da suplementação é também importante, visto que a suplementação iniciada numa fase mais tardia da gravidez não demonstrou diferenças significativas em termos de desenvolvimento mental das crianças comparativamente com a não suplementação, sendo necessários mais estudos para confirmar estes resultados.

Os programas de iodização universal do sal poderiam eliminar a necessidade de suplementação específica na gravidez e aleitamento.6 Assim, torna-se relevante levantar a questão se o uso de sal iodado, bem como a sensibilização para dietas nutricionalmente ricas em iodo não poderiam ser uma alternativa à suplementação farmacológica.


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