Parasitose intestinal: causa rara de hemorragia digestiva
INSTANTÂNEO ENDOSCÓPICO
Parasitose intestinal: causa rara de hemorragia digestiva
Small bowel parasitosis: a rare cause of gastrointestinal bleeding
Joana Moleiroa,∗, Susana Mão de Ferrob e Sara Ferreirab
a Serviço de Gastrenterologia, Instituto Português de Oncologia de Lisboa
Francisco Gentil, EPE, Lisboa, Portugal
b Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil, EPE, Lisboa,
Portugal
*
Autor para correspondência.
Em doentes com hemorragia digestiva, e na ausência de alterações na endoscopia
digestiva alta e na colonoscopia, há indicação para o estudo do intestino
delgado com enteroscopia por videocápsula1. Os autores descrevem um caso
clínico em que a realização da videocápsula endoscópica revelou um achado
particular.
Doente de 51 anos, sexo feminino, natural e residente em Portugal, trabalhadora
rural, com queixas de dor epigástrica, melenas e astenia com 3 semanas de
evolução, sem outra sintomatologia, culminando com um episódio de lipotimia que
motivou a admissão hospitalar. Trata-se de uma doente sem história de viagens
ao estrangeiro e residente em habitação com boas condições sanitárias.
Laboratorialmente apresentava anemia ferropénica (Hb 5,7 g/dl, VGM 78 fl,
fórmula leucocitária normal, ferro sérico 22mg/dl e ferritina 12 ng/ml), sem
outras alterações. Após suporte transfusional realizou endoscopia digestiva
alta e colonoscopia que não revelaram alterações. A enteroscopia por
videocápsula identificou no íleo vários parasitas filiformes com cerca de 6mm,
ancorados à mucosa e com conteúdo hemático no seu interior - fig._1,
compatíveis com ancilostomíase. Foi iniciada terapêutica anti-helmíntica, após
o que se verificou o aumento progressivo e normalização do valor da hemoglobina
e resolução dos sintomas iniciais.
A ancilostomíase afeta milhões de pessoas em todo o mundo e é reconhecida como
um importante problema de saúde pública, em especial nos países em vias de
desenvolvimento2. É causada maioritariamente por 2 agentes: Ancylostoma
duodenale (A. duodenale) e Necator americanus (N. americanus). Embora existam
algumas diferenças entre estes agentes, o diagnóstico diferencial baseado nas
características morfológicas pode ser difícil. Contudo, o A. duodenale é o
único nemátodo na Europa Mediterrânica3 pelo que na ausência de viagens para
áreas endémicas para o N. americanus assumimos infestação pelo primeiro. Após
alcançarem o tubo digestivo, os parasitas adultos fixam-se à mucosa do
intestino através das suas pecas dentárias, ingerindo sangue a uma velocidade
de 0,01- 0,3 ml/dia, sendo que a ocorrência de hemorragia digestiva é
facilitada pela capacidade de segregação de substâncias anticoagulantes e
inibidores da agregação plaquetária4. Dependendo da carga parasitária, da
duração da infeção e das reservas inicias de ferro do hospedeiro, as
manifestações clínicas são variadas e vão desde a infeção assintomática até às
perdas sanguíneas crónicas com anemia grave. O seu diagnóstico é,
habitualmente, efetuado com exame parasitológico das fezes, verificando-se
falsos negativos em cerca de 40% dos casos5. Com o presente caso, os autores
chamam a atenção para o facto da infeção por A. duodenale poder ser equacionada
em doentes com hemorragia digestiva, mesmo em áreas não endémicas.