Dinâmicas regionais de inovação em Portugal uma análise baseada na utilização
de patentes
I. INTRODUÇÃO
O presente artigo propõe uma análise da distribuição regional da propensão a
inovar em Portugal. Para o efeito é utilizada informação sobre patentes
requeridas por entidades residentes em território português. Essa informação
foi fornecida pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), a
entidade responsável pela gestão do sistema português de propriedade
industrial.
O recurso à análise de patentes para caracterizar as dinâmicas de inovação,
apesar de comum em estudos internacionais ou em trabalhos centrados em algumas
das economias mais desenvolvidas, não tem sido frequente em Portugal. Esta
lacuna não é aceitável, dado as patentes constituírem um elemento central da
competitividade das empresas em sectores de maior intensidade cognitiva, na
direcção dos quais a especialização internacional da economia portuguesa
deveria desejavelmente progredir. Ao propor pela primeira vez uma análise de
indicadores de patentes com referência ao caso português, o estudo de Godinho
et al. (2004) constitui uma excepção no panorama da investigação sobre inovação
em Portugal.
Apesar de há várias décadas ser frequente a utilização de patentes como
indicador em estudos de inovação, essa utilização não tem sido feita sem
contestações. Por esta razão, a secção que se segue é dedicada à discussão da
adequação da análise de patentes para efeitos de observação de padrões de
inovação na economia, designadamente tendo em conta regiões como as portuguesas
que constituem objecto do presente estudo. Na secção seguinte, apresenta-se
sumariamente a base de dados fornecida pelo INPI para o período de 1980 a 2008
e explicam-se as adaptações que tiveram de ser feitas. A penúltima secção
concentra-se na análise da distribuição regional de pedidos de patentes ao
nível NUTS III, bem como na discussão de outros aspectos relevantes
relacionados com o uso de patentes em Portugal. Por fim, a última secção
apresenta as conclusões do estudo. A percepção que temos é que os resultados
gerados por este tipo de análise poderão suscitar alguma perplexidade, mas
cremos também que a eventual dissonância decorrente poderá impulsionar uma
desejável mudança de percepções.
II. A ADEQUAÇÃO DE INDICADORES DE PATENTES PARA ANALISAR DINÂMICAS DE INOVAÇÃO
Desde o esforço pioneiro de Joseph Schumpeter (1934) que os estudos de inovação
têm procurado estabelecer uma definição consistente de inovação. O conceito
de inovação tem progredido ao longo dos anos, encontrando-se actualmente várias
definições concorrentes. A abrangência e o enfoque dessas definições dependem,
em parte, da perspectiva disciplinar em que os autores se colocam. Uma
definição que, não sendo consensual, encontra elevada aceitação, é que a
inovação se verifica quando uma dada invenção é utilizada pela primeira vez
para fins económicos e sociais. Empregando uma linguagem mais mercantil, alguns
autores adaptam esta ideia, afirmando que a inovação ocorre quando a invenção
chega pela primeira vez ao mercado.
Existem dois aspectos comuns às definições apresentadas no parágrafo
precedente. Em primeiro lugar, ambas estabelecem uma distinção conceptual entre
invenção e inovação, indicando que a segunda ocorre na sequência da primeira.
Em segundo lugar, ambas as definições referenciam que se verifica inovação
quando uma dada invenção é empregue pela primeira vez. Esta perspectiva comum
destaca, portanto, a singularidade do acto inovador, impedindo que se fale de
inovação relativamente a adopções posteriores, mesmo que estas se verifiquem em
contextos geográficos, sectoriais ou empresariais muito distintos.
Neste sentido, as definições precedentes concordam com o critério de novidade
que preside à atribuição de uma patente. Quando um inventor apresenta a um
instituto de patentes (como é o caso do INPI em Portugal) um pedido de patente,
os técnicos responsáveis pela sua avaliação comparam o respectivo conteúdo com
as patentes vigentes à escala mundial, só decidindo pela atribuição quando
constatam existir um contributo líquido para o avanço do estado-de-arte
tecnológico. Uma tecnologia já patenteada noutro país fica, assim,
impossibilitada de obtenção de novas patentes, sempre que o pedido de protecção
não venha pela mão do respectivo inventor. As patentes, medidas pelo número de
pedidos ou pelo número de patentes efectivamente atribuídas, constituem, por
conseguinte, uma medida absoluta de inovação à escala mundial.
Esta perspectiva absoluta difere de uma visão mais relativista de inovação
que se desenvolveu durante a década de 1990 e que, em grande medida, decorre
das propostas apresentadas no Manual de Oslo (OECD, 1992). As sugestões
contidas neste Manual foram materializadas nos designados Inquéritos Europeus à
Inovação, organizados pelo EUROSTAT (Smith, 2005). Estes inquéritos, que
abrangem dezenas de milhar de empresas europeias, contabilizam como inovação
todas as adopções, por parte das empresas inquiridas, de produtos ou processos
substancialmente distintos dos que eram produzidos ou empregues no passado
recente. Nesta perspectiva, uma mesma inovação que esteja protegida por uma
única patente, pode ser contabilizada como inovação um número indiscriminado de
vezes, tendo em conta a sua sucessiva adopção por diferentes empresas.
A opção por uma destas duas perspectivas, de inovação absoluta ou relativa,
depende, em grande medida, do quadro conceptual e do propósito do estudo a
efectuar. Se a intenção é observar como um determinado espaço ou entidade se
posicionam face aos líderes tecnológicos à escala mundial, o primeiro critério
será mais pertinente. Se a intenção é observar os esforços de ajustamento das
empresas às dinâmicas de mudança tecnológica, o segundo critério será
certamente preferível. Não querendo discutir os méritos relativos de cada uma
destas abordagens, parece-nos contudo que a adopção da abordagem relativa
pode conduzir a falsas comparações, pois uma dada entidade ou região podem,
seguindo esse critério, revelar uma grande dinâmica inovadora, mas esta
basear-se em inovações que noutros pontos do mundo já foram vulgarizadas há
bastantes anos. Em contrapartida, a adopção do critério absoluto, embora
podendo deixar de fora muitos esforços inovadores localizados, permite
identificar como o sujeito estudado se posiciona face à fronteira tecnológica
num dado momento.
No presente estudo segue-se a perspectiva absoluta de inovação, recorrendo à
análise de pedidos de patentes no contexto geográfico das regiões portuguesas a
um nível de agregação correspondente a NUTS III. Esta opção não decorre de se
considerar esta perspectiva como sendo inequivocamente melhor, mas (i) do facto
de existirem dados novos que nos foram disponibilizados, (ii) de este tipo de
dados nunca terem sido ventilados para as regiões portugueses e, ainda, (iii)
de não existirem dados disponíveis para indicadores alternativos ao nível de
desagregação regional que desejamos estudar.
Na análise a realizar têm-se em conta as vantagens e desvantagens de utilização
de patentes enquanto indicadores de inovação. Reconhece-se que a patente
constitui um indicador intermédio do processo inovativo, constituindo
essencialmente um ponto possível de passagem entre o desenvolvimento da
inovação e a sua exploração económica. A literatura existente sobre a
utilização de patentes tem referenciado essas vantagens e desvantagens de forma
sistemática (Griliches, 1981, 1984 e 1990; Pavitt, 1985 e 1988; Griliches et
al., 1991; Kleinknecht et al.,2002).
Na identificação das vantagens destaca-se que as bases de dados de patentes
fornecem séries temporais muito longas, sendo a informação nelas contida
temporalmente consistente, com excepção de situações em que se verificam
alterações significativas na legislação, ou nas práticas dos tribunais que
intervêm nestas matérias. Estas bases de dados são também, em geral, públicas e
com tratamento facilitado através de meios informáticos. A informação nelas
contida pode ser analisada em termos tecnológicos muito especializados, por via
das nomenclaturas de classificação muito desagregadas empregues. A análise do
conteúdo das patentes também proporciona, por via da contagem de citações,
informação importante sobre a influência de invenções-chave e permite
identificar inventores sistemáticos (serial-inventors). Os dados disponíveis
tornam possível ainda estudar as organizações com maior propensão a patentear e
realizar estudos comparativos a nível internacional ou regional.
A maior debilidade que se identifica nos indicadores de patentes, enquanto
possível medida de inovação, tem a ver com o facto de um grande número de
importantes inovações não serem patenteadas. Tal deve-se, logo à partida, ao
facto de uma parte substancial das inovações não ter natureza tecnológica. Por
outro lado, um grande número de sectores, mais concentrados em certas
tecnologias e tipos de mercado, dá prioridade a outros mecanismos de protecção,
associados ao segredo industrial, à reputação e marketing, ou à liderança
sistemática face aos rivais. Estes mecanismos alternativos foram primeiramente
identificados no estudo pioneiro de Levin et al.,(1987) e confirmados pelo
estudo de Cohen et al.,(2000). Um outro problema referenciado prende-se com o
facto de parte substancial das invenções patenteadas não chegarem à efectiva
aplicação, agravando-se esta circunstância pelo facto dessa proporção variar
bastante entre áreas tecnológicas ou empresas de diferentes dimensões.
Tem-se igualmente argumentado que muitas das patentes em vigor não se destinam
a proteger a inovação. Um maior recurso a patentes com pouco valor tecnológico,
ou com pouco potencial de aplicação prática, verificado nos últimos anos,
decorre de tácticas premeditadas que visam estabelecer vastos portfoliosde
activos intangíveis. Este tipo de estratégia destina-se a suscitar efeitos de
reputação e valorização em bolsa, a criar muros protectores em torno de áreas
tecnológicas vitais para a empresa, a oferecer moeda de troca quando há
acusações comprovadas de infracção de direitos de propriedade intelectual de
terceiros ou, ainda, a constituir base de licenciamento cruzado de tecnologias
complementares (Cohen et al.,2000). Todos estes motivos estão longe da intenção
original da atribuição de patentes por parte dos estados nacionais que era,
recorde-se, o estímulo à invenção e subsequente exploração da inovação no
mercado.
Referenciando o caso americano, Jaffe e Lerner (2004) sugerem que este recurso
a patentes sem relevância económica e social tem sido estimulada por práticas
forenses que privilegiam excessivamente os direitos dos detentores de patentes
e por uma diminuição dos limiares de exigência por parte do instituto de
patentes dos Estados Unidos. A prática de estratégias agressivas e o uso
excessivo de patentes estará, inclusive, a conduzir a uma situação em que o
benefício económico líquido das patentes é actualmente negativo, em virtude dos
custos de contencioso estarem a aumentar exponencialmente (Bessen e Meurer,
2008). O agravamento do panorama de uso de patentes é tal que se têm verificado
recentemente apelos, não apenas provenientes de perspectivas radicais mas
inclusive de economistas mainstream, para a abolição pura e simples do sistema
de patentes (Boldrin e Levine, 2008).
Estes argumentos poderiam sugerir a total inadequação do uso de estatísticas de
patentes para avaliar dinâmicas de inovação. Porém, o contexto português, e
mais genericamente o contexto europeu, é diferente da situação vivida nos EUA.
As práticas legais não são as mesmas nem o clima de guerrilha legal em torno de
direitos de propriedade intelectual atinge ainda a mesma intensidade.
Acresce que a situação americana reveste-se de uma natureza paradoxal, dado que
a par do reconhecimento de sérios problemas no sistema de patentes, verifica-se
que o interesse das empresas por este tipo de intangível não tem parado de
aumentar, designadamente nos sectores tecnologicamente mais dinâmicos. Num
plano mais normativo, a implicação é que não fará sentido recomendar às
empresas portuguesas mais inovadoras qualquer alheamento da utilização de
patentes. Pelo contrário, fará sentido elas apreenderem as regras do jogo e
procurarem daí extrair os correspondentes benefícios.
III. INFORMAÇÃO EMPREGUE
O estudo realizado empregou uma base de dados fornecida pelo INPI, cobrindo o
período entre Janeiro de 1980 e Maio de 2008. Constam desta base de dados 32
165 pedidos de patentes submetidos ao INPI. Como o objectivo era apenas
analisar as patentes pedidas por entidades residentes em Portugal, teve de se
eliminar a larga maioria dos pedidos, provenientes de entidades residentes fora
de Portugal. Acresce que os dados relativos a pedidos provenientes do
estrangeiro sofrem de uma forte descontinuidade, em virtude da ratificação por
Portugal da Convenção Europeia de Patentes em 1992. Com base neste tratado,
grande parte dos pedidos de protecção com origem no estrangeiro que visam o
mercado português, passaram a entrar, a partir dessa data, directamente através
do Instituto Europeu de Patentes, sedeado em Munique. Através das patentes
europeias os requerentes conseguem obter protecção simultânea em múltiplos
países europeus. Há a referir que os residentes em território nacional passaram
a dispor, também, de acesso a esta via europeia. Porém, o recurso a esta
opção foi quantificada em estudo recente (Godinho et al.,2008), não sendo, em
termos proporcionais, muito significativa. Depois da eliminação acima referida
dos pedidos provenientes do estrangeiro, ficou-se com uma base de dados com 2
597 pedidos de patentes de residentes apresentados no INPI no período em
referência.
Neste contexto de observação, uma questão pertinente é a do uso, na análise de
contagens, de pedidos de patentes e não de contagens de patentes efectivamente
concedidas. Normalmente trabalha-se com o primeiro tipo de indicador. O
argumento empregue é que a proporção de rejeições de pedidos é aproximadamente
constante em todas as áreas tecnológicas, pelo que a análise das tendências de
pedidos fornece informação similar às concessões, com a vantagem de revelar as
mesmas dinâmicas com uma antecipação de 2 a 3 anos, correspondentes ao tempo
que demora a conceder uma patente.
Da base de dados fornecida constavam campos com: datas do pedido e da decisão;
datas de prioridade; designação da patente; códigos das classes tecnológicas em
relação às quais as patentes apresentavam reivindicações; nomes dos requerentes
e respectivos endereços; nomes dos inventores e respectivos endereços.
Como uma patente pode ter múltiplos requerentes e múltiplos inventores, estes
dois últimos grupos de campos desdobravam-se até aos limites máximos de
requerentes ou inventores. Nos casos de patentes com múltiplos requerentes e
múltiplos inventores, consideraram-se como tendo origem nacional todas aquelas
cujo primeiro requerente, ou primeiro inventor, indicaram residência em
território português.
A base de dados que nos foi fornecida teve de ser adaptada para efeitos de
análise, tendo parte significativa deste esforço sido concentrado na
codificação dos endereços de requerentes e inventores, que constava dos
registos iniciais em termos de regiões NUTS III.
IV. ESTRUTURA E DINÂMICA DO USO DE PATENTES EM REGIÕES PORTUGUESAS
A dinâmica temporal dos pedidos de patentes por parte de requerentes residentes
em Portugal está reflectida na figura 1. Nesse gráfico observa-se um declínio
abrupto em 2007 e 2008, o que se explica por a informação para 2008 ir apenas
até Maio e, conforme nos foi indicado, o processamento de novos casos não estar
concluído para os dois anos mais recentes. Informação exterior à base de dados
revela, aliás, que a tendência para o crescimento não tem abrandado nestes
últimos anos. Um dos aspectos relevantes deste gráfico diz respeito à
estagnação da procura de novas patentes em Portugal nas décadas de 1980 e 1990,
com o número de pedidos a atingir um valor superior a 100 apenas num único ano.
Outro aspecto relevante diz respeito à alteração da tendência depois de 2000,
com a procura a crescer substancialmente, aproximando-se dos 200 pedidos por
ano. Devido a esta alteração de tendência, a análise que se segue focaliza-se
em dois períodos: um período longo, de 1980 a 2008; e um sub-período curto,
de 2000 a 2008.
Fig. 1 ' Patentes requeridas por residentes em Portugal, 1980-2008.
Fig. 1 ' Patent applications submited by residents in Portugal, 1980-2008.
Em termos regionais verifica-se uma enorme concentração regional dos pedidos de
patentes, conforme se observa no quadro I. Entre 1980 e 2008, 46% dos pedidos
provêm de Grande Lisboa (PT171). A consideração da Grande Lisboa em conjunto
com a Península de Setúbal (PT172), onde se destacam dois concelhos da margem
sul do Tejo (Almada e Seixal), permite constatar uma concentração global em
torno da capital de 53% da totalidade dos pedidos verificados neste período.
Quadro I ' Distribuição dos pedidos de patentes por NUTS III no período em
análise.
Table I ' Regional distribution (at the NUTS III level) of patent applications
during the period under analysis.
A outra região de concentração significativa é o Grande Porto (PT114), mas a
uma distância substancial, com menos de 12% dos pedidos nacionais. Porém,
tomando o Grande Porto e um conjunto de regiões que lhe são contíguas da orla
litoral Norte (Baixo Vouga ' PT161, Cávado ' PT112, Ave ' PT113 e Entre Douro e
Vouga ' PT116), verifica-se que este grupo soma um valor de 26% dos pedidos no
período.
Em termos de tendência evolutiva, constata-se mesmo que esse grupo do Norte
litoral (Grande Porto ' PT114, Baixo Vouga ' PT161, Cávado ' PT112, Ave ' PT113
e Entre Douro e Vouga ' PT116) aumenta o seu peso nos anos mais recentes,
contribuindo com 32% dos novos pedidos entre 2000 e 2008.
Este desempenho tem uma correspondência quase simétrica na evolução do grupo
Grande Lisboa (PT171) e Península de Setúbal (PT172), cujo peso diminui para
47% nesse período (fig. 2).
Fig. 2 ' Concentração regional dos pedidos de patentes, 2000-2008.
Fig. 2 ' Regional concentration of patent applications, 2000-2008.
Constata-se, assim, uma diminuição da concentração nos dois períodos de
referência, determinada pelo avanço das regiões no arco de Aveiro a Guimarães.
Essa diminuição é confirmada pela redução do índice de concentração H-H de 0,24
para 0,21[ii].Apesar desta redução, porém, o peso das 10 regiões no topo do
rankingdas 30 regiões NUTS III mantém-se praticamente inalterado, próximo dos
86%, indicando que a maioria das regiões portuguesas permanece pouco envolvida
na procura de patentes.
O quadro II proporciona uma ventilação da informação por concelho, permitindo
uma observação mais fina que a revelada pela análise ao nível NUTS III. Dos 308
concelhos existentes em Portugal, foram retidos para análise os que originam
pelo menos 1% dos pedidos de patentes. Entre 1980 e 2008 existem 18 concelhos
nestas condições e 22 entre 2000 e 2008. Para o período longo, um conjunto de
concelhos em torno de Lisboa domina o ranking, ocupando 6 dos 11 primeiros
lugares, enquanto no período mais curto esses concelhos embora permaneçam na
listagem, distribuem-se até ao 18º lugar. Esta alteração deve-se, em grande
medida, às subidas de concelhos de regiões limítrofes do Grande Porto (PT114),
em particular Aveiro e Braga, com Aveiro quase a alcançar o Porto. Alguns
concelhos destas regiões limítrofes (Guimarães e Trofa) e um do Grande Porto
(Maia) que não constavam da listagem, passam também a fazê-lo no período mais
recente. Fora dos dois núcleos polarizadores, em torno de Lisboa e no Norte
Litoral, Portimão é excluído da listagem, mas Évora passa a integrá-la, bem
como a Marinha Grande, que se junta a Leiria como concelhos mais
representativos da região Pinhal Litoral (PT163).
Quadro II ' Pedidos de patentes por concelho do requerente, em concelhos com 1%
ou mais dos pedidos no período 2000-2008.
Table II ' Patent applications by municipality of the applicant, in
municipalities over 1%.
Alterando a perspectiva de análise, da localização dos pedidos para a
observação das entidades requerentes, constata-se o claro domínio de entidades
académicas ou similares (universidades, entidades de transferência ligadas a
universidades e um laboratório do Estado). A informação constante do quadro III
revela que entre 1980 e 2008 se registaram 560 pedidos provenientes de 31
requerentes que submeteram cada um 7 ou mais pedidos de patentes ao INPI,
enquanto no sub-período mais recente, de 2000 a 2008, se registaram 328 pedidos
provenientes de 25 requerentes que submeteram cada um 4 ou mais pedidos. Estes
valores reflectem uma concentração em termos de requerentes, com as entidades
que mais patentearam a aumentar o seu peso, de cerca de um quinto da totalidade
dos pedidos no período longo, para cerca de um terço no período curto.
Quadro III ' Principais requerentes de patentes.
Table III ' Main Applicants.
Neste contexto, verifica-se que o domínio das entidades académicas ou similares
surge essencialmente na fase mais recente. No período longo estas entidades
contabilizaram 322 pedidos e no sub-período mais recente, a partir de 2000,
contabilizam 266 pedidos. Tal significa que até 2000 elas terão originado
apenas cerca de 6 dezenas de pedidos.
É este domínio, protagonizado em primeiro lugar por entidades académicas de
Lisboa e Porto mas também de regiões limítrofes do Grande Porto, que permite
compreender tanto a alteração relativa da geografia dos pedidos de patentes
anteriormente observada, como a inflexão de tendência nos anos mais recentes,
assinalada no início desta secção. Por outras palavras: se não se tivesse
verificado o fenómeno do patenteamento académico nos anos 2000, o cenário de
estagnação observado nas décadas de 1980 e 1990 não teria registado qualquer
alteração. Este padrão evolutivo, embora sendo positivo para as universidades,
indica que os pedidos de patentes com origem no sector empresarial não estão a
ter qualquer evolução positiva.
A observação do quadro IV transmite-nos informação relativa aos 21 inventores
cujo nome surge como primeiro inventor em mais de três pedidos de patentes
entre 2000 e 2008. Não se dispõe de informação anterior a 2000, pois a larga
maioria dos campos correspondentes na base de dados empregue encontram-se
vazios para anos precedentes. No topo da lista surgem dois docentes do IST,
sendo o 1º professor de Engenharia Mecânica e o 2º de Engenharia Química. Entre
os dez principais inventores aparecem também dois professores da Universidade
de Aveiro, respectivamente em 3º e 9º lugares. O nome que aparece em 6º lugar é
de um investigador do INESC ' Inovação, sedeado em Lisboa. Os inventores que
surgem em 4º, 5º, 7º e 8º lugar serão todos inventores independentes, dado o
respectivo nome coincidir com o de requerente. Estes inventores residem,
respectivamente, na Madeira, no Fundão, no Seixal e em Barcelos. Apenas em 10º
e 11º lugar surgem dois inventores cujos nomes estão associados a duas empresas
requerentes, a Martifer e a Portela & Companhia (Bial).
Quadro IV ' Principais inventores, 2000-2008.
Table IV ' Main inventors, 2000-2008.
1 Arlindo José de Pinho Figueiredo e Silva 22
2 Armando J. L. Pombeiro 17
3 João António Labrincha Batista 11
4 Leonel Rodrigues Vieira 8
5 Fernando Nogueira Gonçalves 7
6 Mário Serafim dos Santos Nunes 7
7 Henrique Miguel Marques Droguete Costa Ferreira 6
8 Agostinho Vilaça da Cunha 5
9 José Maria da Fonte Ferreira 5
10 António Pontes 4
11 David Alexander Learmonth 4
12 Fortunato José Moreira da Costa 4
13 João Carlos Moura Bordado 4
14 José Carlos Brito Lopes 4
15 Luís Manuel Pinto Ferreira da Costa 4
16 Manuel da Silva e Sousa Lobo 4
17 Paulo Juliano Pereira da Silva Araújo 4
18 Pedro Brito Correia 4
19 Pedro Silva Girão 4
20 Richard John Benn 4
21 Rodrigo de Sousa Peres 4
V. CONCLUSÕES
Os dados apresentados e analisados por este artigo revelam uma faceta das
dinâmicas de inovação em Portugal que não tinha sido observada por estudos
académicos anteriores. A análise de dados de pedidos de patentes, para o
período longo entre 1980 e 2008 e para o sub-período mais curto entre 2000 e
2008, permitiu verificar quais as regiões e concelhos onde se estão a realizar
esforços inovadores mais próximos da fronteira tecnológica mundial.
A principal conclusão que se retira da análise realizada é que estas
actividades se concentram de forma muito nítida num número muito diminuto de
regiões. A região da Grande Lisboa, com destaque para o concelho de Lisboa,
aparece numa posição dianteira em termos de procura de patentes junto do INPI.
Nos anos mais recentes, contudo, observou-se que um conjunto de regiões da orla
Litoral Norte tem aumentado o seu peso relativo, com um protagonismo particular
das cidades do Porto, Aveiro e Braga. Esta evolução revela, por conseguinte,
uma concentração tendencial da procura de patentes em torno da cidade de Lisboa
e no arco que vai de Aveiro a Guimarães. A bi-polarização crescente do
patenteamento põe em evidência o facto de a maioria das regiões portuguesas se
encontrarem excluídas do processo de produção de conhecimento potencialmente
patenteável.
Esta concentração regional verifica-se num contexto onde, a partir do ano 2000,
a procura de patentes em Portugal teve um incremento significativo, depois de
uma estagnação nas duas décadas precedentes.
Constatou-se que as alterações verificadas, tanto em termos de distribuição
regional como do número total de pedidos, são em grande medida tributárias do
desempenho de instituições académicas ou similares. Este incremento do
patenteamento académico decorre de vários factores. Em primeiro lugar, as
principais universidades e escolas de engenharia têm desenvolvido a função de
transferência de tecnologia, criando para o efeito unidades especializadas
nesta actividade. Em segundo lugar, o estabelecimento de Gabinetes de Apoio à
Propriedade Industrial por parte do INPI, facilitou também a difusão de
informação nas universidades sobre uso de patentes. Mais em geral, o
significativo aumento de doutorados em áreas científicas e tecnológicas,
verificado nas décadas mais recentes, criou as condições necessárias para que
este fenómeno se verificasse.
Embora este maior envolvimento das universidades no negócio da tecnologia possa
vir a revelar-se positivo no médio-longo prazo, o menor dinamismo do sector
empresarial constitui factor de significativa preocupação. A consideração do
contexto internacional de uso da propriedade industrial permite verificar que
Portugal se encontra a enorme distância dos países que lideram os rankingsde
procura de patentes. Mesmo em relação a países com um nível de desenvolvimento
económico relativamente próximo, existem diferenças substanciais. Tomando como
exemplo a Coreia do Sul, com um PIB per capitamarginalmente superior ao
português (respectivamente 22,0 e 20,4 mil dólares em 2005), verifica-se que as
entidades residentes naquele país revelam, em termos relativos, uma procura
internacional de patentes mais de 100 vezes superior à portuguesa (com
referência também a 2005, os números são 17.217 e 33 pedidos no instituto de
patentes dos EUA, para, respectivamente, 47,9 e 10,5 milhões de habitantes).
Parte desta enorme desproporção decorre de diferenças nas estruturas produtivas
e nos padrões de especialização tecnológica. Em termos prospectivos, porém, a
manutenção dessas diferenças será desfavorável à economia portuguesa. Neste
sentido, fará sentido incrementar os esforços para envolver entidades
portuguesas, muito em particular as do sector empresarial, numa maior
utilização dos mecanismos da propriedade industrial. Esse envolvimento deverá
ter consciência dos problemas que actualmente afectam o uso da propriedade
industrial a nível global, embora tenha igualmente de ter em consideração os
elevados custos de permanecer alheio às regras do jogo nesta matéria.
Em termos de pesquisas futuras no domínio das dinâmicas regionais de inovação
em Portugal, haverá que procurar desenvolver um quadro de análise mais
abrangente, contemplando simultaneamente as dinâmicas de inovação e de difusão.
O emprego de vários indicadores, a pesquisa de relações de causalidade e a
determinação de padrões de comportamento homogéneo são tarefas que se afiguram
prioritárias.