O território e a (ir)racionalidade da decisão
I. INTRODUÇÃO
O conhecimento é sinónimo de perspectiva de desenvolvimento socioeconómico para
o Portugal do século XXI. A economia do conhecimento e sua companhia
semântica, as políticas da inovação, pilares orientadores da Agenda de Lisboa,
são forte influência na corrente agenda de desenvolvimento territorial
nacional. Para Portugal, uma dinâmica evolutiva baseada no conhecimento,
traduz contudo um cenário à partida complexo. Não falta informação espelhando
quer o deficit de formação associado a parte da nossa população activa
contemporânea quer a falta de uma cultura de capitalização no conhecimento,
que não nos é nem indígena nem endógena. Sublinhe-se neste contexto que, apesar
dos crescentes casos de sucesso e da ininterrupta dinamização de iniciativas
especificamente direccionadas para o efeito desde os anos 90, o princípio da
optimização e comercialização do conhecimento demora a generalizar-se na
dinâmica organizacional/empresarial em Portugal. Estimular um posicionamento
diferenciador na economia do conhecimento (independentemente do sector
específico de actividade) depende fortemente da reflexão sobre a melhor forma
de catalisar este tipo de mudança face à criação e utilização do conhecimento,
mudança esta que é, na sua mais crua essência, de natureza cultural[ii].
Os desafios associados ao futuro do planeamento e ordenamento do território
[iii]são, em larga medida, de natureza similar aos provocados pela economia do
conhecimento. O conhecimento está no cerne da próxima década de evolução do
sistema de planeamento e ordenamento do território português; seja (1) no
processo de formaçãoe informaçãodos agentes que o dinamizam e regulam, (2) na
necessidade de assegurar um conhecimento transparentesobre o seu funcionamento
(3) na evolução da forma como gerimos, disponibilizamos e capitalizamos o
conhecimentoque criamos sobre o território nacional, ou ainda (4) na utilização
que o cidadão faz do conhecimentoque lhe é disponibilizado sobre o território
que ocupa.
Em suma, este texto centra-se na premissa de que é pertinente o revisitar do
debate sobre a forma como se dá, em Portugal, a relação entre conhecimento e
território. Nesse sentido este texto estruturar-se-á em três partes. Primeiro,
argumentar-se-á sobre a existência de um ciclo discursivo/operativo
interligando a criação de conhecimento, sua influência na evolução conceptual
em políticas públicas e a mudança cultural/organizacional/cívica que daí poderá
advir. Segundo, debater-se-á a(s) racionalidade(s) que suporta(m) a utilização
desse mesmo conhecimento na informação e validação dos processos de tomada de
decisão pública. Terceiro explorar-se-á a hipótese da existência de um
estrangulamento comunicativo entre diferentes níveis de decisão, ou diferentes
arenas políticas, como obstáculo ao efeito dinamizador do conhecimento na
evolução e optimização do ciclo discursivo/operativo acima referido.
Finalmente, concluir-se-á hipoteticamente sobre os possíveis efeitos de uma
mudança na forma como é encarada a relação entre conhecimento e território.
Embora este seja um texto na sua essência teórico, onde se enceta um exercício
de sistematização conceptual, recorre-se pontualmente a exemplos empíricos para
efeitos ilustrativos. Largamente baseados no caso do Reino Unido, estes
permitem traçar raciocínios paralelos úteis para a exploração não só do tema do
texto em si, como também para equacionar possíveis cenários evolutivos da
cultura organizacional portuguesa.
II. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL
The creation of knowledge in social networks is a key characteristic
of the dynamics of culture[iv].
(Capra, 2003:88)
Em Portugal, independentemente dos conflitos inter e intra disciplinas/
corporações profissionais sobre a detenção da autoridade científica/
profissional sobre certos sectores de conhecimento, há sem dúvida uma
cultura de interpretação/sustentação científica da nossa interacção
socioeconómica com o território. O ponto de partida é o pensar em possíveis
cenários evolutivos dessa cultura. À partida discutir conhecimento requer o
assumir de todo um universo de interacções entre agentes criadores,
dinamizadores, supressores, influenciadores e utilizadores desse mesmo
conhecimento. Um sistema de planeamento e ordenamento do território é um palco
político/organizacional onde é lógico reflectir sobre estas interacções. Como
ponto de partida, e numa leitura estruturalmente simplificada, o seguinte
diagrama (fig. 1) introduz o que se propõe denominar, para efeitos de
discussão, como o ciclo discursivo/operativo do sistema. Este ciclo resulta do
processo de inovação conceptual, perpetuação, gestão e circulação de
conhecimento que suporta o funcionamento e evolução desse mesmo sistema.
Fig._1 ' Ciclo Discursivo/Operativo.
Fig.1 ' Discursive/Operative Cycle.
O ponto focal de análise proposto é o entender como o conhecimento inserido no
sistema influencia as alterações comportamentais dos actores e instituições
nele envolvidos, dos políticos que o regulamentam e dos cidadãos que o
utilizam. Por outras palavras, mais do que as especificidades técnicas do
conhecimento em si, o que se visa analisar é o seu posicionamento,
transformação e natureza de interacções no ciclo discursivo/operativo acima
referido. A título de exemplo, não é relevante qual o fundamento racional da
noção de policentrismo como modelo de desenvolvimento territorial. Relevante,
neste contexto, é sim, debater e perceber como o conceito de policentrismo é
introduzido no sistema, como é influenciado, aceite ou deturpado pelo discurso
político, políticas e legislação nacionais, como é discursivamente verbalizado
por instituições e comunidade profissional e, finalmente, como é apropriado, se
de facto o é, pelos decisores locais e cidadãos. Por outras palavras, são os
mecanismos que suportam a transição da teoria à prática.
Ao exemplo do policentrismo podem ser facilmente adicionados outros (democracia
deliberativa, governança, participação, sustentabilidade, regeneração, justiça
social, etc.). A riquezasemântica propagada pela multidisciplinaridade
científica e transversalidade disciplinar que os estudos do território
crescentemente incorporam é terreno fértil para discutir a forma como a
apropriação e deturpação conceptual convivem, por vezes, lado a lado dentro do
sistema.
Sublinhe-se na leitura do diagrama (fig. 1):
' a multiplicidade de dinâmicas de influência catalisadoras de mudança ou
inovação conceptual, quer externas quer internas ao sistema. De naturezas
potencialmente diversas, estas determinam em larga medida o que é considerado
como conhecimento, a codificação desse conhecimento assim como quem participa
na sua formação e introdução no ciclo discursivo/operativo e consequentemente
no sistema;
' a inexistência de agentes exclusivamente catalisadores ou meramente
reactivos. De facto, inovação e mudança conceptual podem tanto ter origem num
ponto específico do sistema, como resultar da interacção entre diferentes
partes do mesmo. O mais comum será de facto encontrarem-se múltiplas
dinâmicas sobrepostas. Pese embora os estrangulamentos comunicacionais
existentes (Ferrão, 2007), políticos, políticas, legislação, instituições e
comunidade profissional constituem uma rede interdependente de influências
mútuas, tornando muito complexa, senão impossível, a dissociação de um qualquer
destes elementos do seu enquadramento funcional. Recordemos, a este propósito,
uma variedade de abordagens sociológicas que procura interpretar esta mesma
interdependência em outros contextos; assim, se no diagrama substituíssemos a
palavra conhecimento pela palavra sociedade e se pensássemos no conceito de
Agência de Giddens (1986), de Poder de Foucault (1991) ou Flyvbjerg (1998), da
teorização da Prática de Bourdieu (1992), do Novo Institucionalismo de Powell e
Di Maggio (1991) todos avançariam em larga medida interpretações das lógicas
de articulação entre os elementos do aqui denominado ciclo discursivo/
operativo.
' a noção de que a apropriação do conhecimento inerente ao funcionamento do
sistema por parte dos cidadãos a quem o sistema em teoria serve écondição
sine_qua_nonpara a optimização da interacção cidadão/sistema. Será consensual
assumir que é difícil, senão mesmo impossível, identificarmo-nos com aquilo que
não conhecemos. Paralelamente, nem sempre se explicando porquê, generalizou-se
nos discursos críticos ao sistema de ordenamento e planeamento do território a
necessidade do reforço da interligação entre cidadão e território como uma
dimensão significativa do exercício de cidadania. Se concordarmos com tal
premissa, sai então reforçado o papel do conhecimento como veículo de
apropriação dos valores culturais associados com a perspectiva de sociedade que
almejamos e, consequentemente, com a fundamentação da identidade territorial
dessa mesma sociedade ou, como sugere Fainstein (1996:27), mais do que a
economia é a cultura que constitui a raiz da identidade.
' a ideia de que estes ciclos são ininterruptos, de que a mudança é algo
incremental e, por vezes, não linear, permitem assumir que diferentes partes
do sistema podem vir a ter papéis diferentes, consoante a fase de apropriação
de um determinado conceito.
No entanto, uma questão é a estrutura do sistema, outra é o seu funcionamento,
ou seja, é possível saber que peças existem no sistema e não perceber como
elas interagem. O diagrama anterior (fig._1) sugere uma matriz de interacção
entre conhecimento e os restantes elementos do ciclo discursivo e operativo do
sistema. A questão que se segue será a de reflectir, mais em pormenor, sobre as
características e condicionantes que caracterizam a forma como o conhecimento
influencia o sistema, se de facto o faz.
Ciclo racional/idealversus ciclo real
Sugere-se, como ponto de partida, um diagrama-hipótese(fig. 2) que propõe, para
efeitos de discussão, um ciclo de evolução conceptual em políticas públicas:
De certo modo, a interpretação da evolução conceptual do sistema transparece
como um processo de aprendizagem de uma nova linguagem ou código
comunicacional. Dentro de uma multiplicidade de leituras possíveis sugere-se a
interpretação deste ciclo de mudança em três fases:
1. Catalizar: Inovaçãoe Adaptacão(fig. 2) associam-se, neste
contexto, à introdução no sistema de um estímulo à potencial mudança
do mesmo. O impacto que este estímulo terá depende muito do
equilíbrio relacional entre as influências e obstáculos que
condicionam o processo de formulação e implementação de políticas
públicas.
2. Operacionalizar: Capacitação, Monitorização/Avaliação.
Metaforicamente, poder-se-á resumir que se trata da construção da
arquitectura operacional do(s) conceito(s) que se visa(m) introduzir.
3. Mudar Culturalmente: Interacçãoe Apropriaçãosão, em larga
medida, os resultados práticos dos catalizadores e do processo
operacionalizante acima referidos ao nível da socialização e mudança
comportamental dos actores. Não será, contudo, imediato determinar
quando se dá, se de facto se dá, a apropriação cultural dos conceitos
introduzidos.
Fig. 2 ' Evolução conceptual em políticas públicas ' diagrama-hipótese.
Fig. 2 ' Conceptual evolution in public policies ' hypothetical diagram.
Contudo, a projecção acima apresentada deste ciclo de evolução conceptual
assemelha-se, em larga medida, a um modelo estritamente racional e linear de
criação de políticas públicas (Goss, 2001). Por outras palavras, representa um
processo aparentemente ordeiro, com uma sequência lógica de passos que na sua
totalidade servem o propósito final, neste caso a apropriação cultural
efectiva. Este dispor idealdas peças constituintes do processo em causa
encontra-se longe do processo realem que se dá, de facto, a apropriação
cultural. Logo, para que se entenda a forma como o processo de apropriação, ele
próprio, pode acarretar uma influência modeladora sobre o conhecimento em si,
introduz-se agora uma possível interpretação realdo ambiente em que o referido
processo toma lugar. (fig. 3)
Fig._3 ' Sistema real (adaptado de Goss, 2001).
Fig._3 ' Real system (adapted from Goss, 2001).
A percepção do funcionamento realdo sistema ilustra as limitações inerentes ao
debate dos ciclos racionais de implementação de políticas públicas, ou da
evolução conceptual das mesmas. O diagrama permite um leque variado de
leituras, explicações e justificações, consoante o ponto que se escolha como
âncora de raciocínio. Na lógica deste texto exploremos no sistema real(fig.
3) a questão da ausência de inovação. No seu sentido mais imediato
(independentemente do sector específico de actividade) a inovação pode
entender-se como a acção de operacionalização de um conjunto de regras e
procedimentos distintos daqueles correntemente existentes, aos quais é
associada, uma expectativa instrumental na resolução de problemas previamente
diagnosticados. Instrumental no seu delinear, o papel do conhecimento, como
catalisador de mudança, é central à noção de inovação. Faça-se contudo uma
ressalva importante. O conhecimento que aqui se discute não tem de ser,
forçosamente, conhecimento novo. Conforme sublinhava Schumpeter, por vezes,
este existe já no sistema; o que é inovador é a forma como ele passa a ser
encarado e utilizado. Reflictamos então, em pormenor, sobre a origem e
utilização do conhecimento no processo de criação e informação de políticas
públicas.
III. QUE CONHECIMENTO PARA QUE PLANEAMENTO?
1. Conhecimento e Políticas Públicas
It is a matter of borrowing and copying bits and pieces of ideas
from elsewhere, drawing upon and amending locally tried and tested
approaches, cannibalising theories, research trends and fashions and
not infrequently flailing around for anything at all that looks as if
it might work. Most policies are ramshackle, compromise hit-and-miss
affairs, that are reworked, tinkered with, nuanced and inflected
through a complex process of influence, text production,
dissemination and, ultimately, recreation in contexts of practice
[v].
(Ball, 1998:126)
A visão de Ball sobre o processo de criação e informação de políticas públicas
provoca no mínimo, reflexão. A génese de uma política pública, tal como todos
os tópicos complexos, parece dissimuladamente simples à primeira vista (Healy,
2002: 97). A multiplicidade de factores que tal processo envolve e a relação
por vezes pouco clara entre conhecimento, política e poder, podem estar na raiz
desta complexidade. Para efeitos de raciocínio, sistematize-se a utilização do
conhecimento, na dicotomia forma vs. função.Embora fosse válido discutir a
existência de uma dinâmica mutuamente influenciadora nesta dicotomia, centre-se
a discussão no para queservirá o conhecimento criado (função) reservando-se
para outro momento o debate sobre comoservirá (forma). Em primeira instância, a
essência da utilização do conhecimento na elaboração de políticas públicas está
intimamente ligada à questão da validaçãopolítica da sua existência. É sobre a
racionalidade que assiste a esta validaçãoque a presente secção se centrará.
As fundações da articulação entre a criação de conhecimento e a elaboração de
políticas públicas no campo do planeamento e ordenamento do território são
contemporâneas dos primeiros passos na construção dos sistemas de gestão
territorial modernos no espaço Europeu. A título de exemplo, exploremos a
evolução testemunhada no Reino Unido: neste contexto, em Londres, é uma
referência histórica o diagnóstico dos problemas sociais da cidade levado a
cabo por Charles Booth em 1887, diagnóstico este que veio a informar as leis da
saúde pública e da habitação no final do século XIX, antecessoras do Town and
Country Planning Actde 1947. A lógica diagnóstico-pré-plano, o aforismo de
Patrick Geddes survey before plan (Hall, 2002: 147) veio marcar fortemente
décadas de evolução do sistema inglês e não só. Contudo, o enfoque deste tipo
de análise informativa dava-se essencialmente nos aspectos físicos das cidades
e regiões (Davoudi, 2006: 16) e não escondia algumas limitações que estariam,
mais tarde, no centro do processo evolutivo do sistema de planeamento em si.
Destas, sublinhemos três (Taylor, 1998: 66):
' Não era sempre clara a razão da necessidade do diagnóstico, ou por
outras palavras, nem sempre se debatia a definição do problema antes
da recolha de informação. Os objectivos dos planos não estavam
intuitivamente nas mãos dos políticos mas sim dos planeadores, que
eram vistos como os peritos, apolíticos, guardiões do interesse
público. Tal facto marca este período com percepções de cariz
fortemente ideológico e mesmo visionário do que deveria ser a forma
e ordem territorial e urbana ou, por outras palavras, não se planeava
coma realidade planeava-se umarealidade onde tudo seria devidamente
acomodado.
' O método Geddesiano baseava-se mais no conceito de plano único, ao
invés de uma série de estratégias alternativas.
' Adicionalmente tomava-se como findo o processo de planeamento com a
execução do plano propriamente dito. De facto, durante largas décadas
a noção de actualização de conteúdos e monitorização do processo de
implementação foi estranha ao planeamento e ordenamento do território
no Reino Unido.
Contudo, durante a década de 50, foi incutido incrementalmente no planeamento
um carácter cada vez mais multidisciplinar, fomentado em larga medida pelo
relatório Schuster de 1948, que advogava a inclusão das ciências sociais no
ensino do planeamento e a abertura da profissão de planeador a economistas,
sociólogos e geógrafos (Davoudi, 2006: 17). Muito devido a estes últimos o
planeamento viu-se exposto à lógica positivista, fomentada em larga medida
pelas teorias de localização de Christaller, que propunha que o plano se devia
basear-se, não somente em diagnósticos convenientemente mapeados, mas no
desenvolvimento de hipóteses ou modelos de distribuição espacial que se
poderiam testar ou comparar com a realidade e, consequentemente, reflectir
sobre a sua validade. Este incorporar do método científico Popperiano na
estrutura racional de acção do planeamento catalisou a revolução quantitativa
que veio a eclodir nos anos 60 e 70. Esta mudança de paradigma caracterizou-se
em traços gerais pela abordagem crescentemente sistémica das múltiplas
dinâmicas existentes no território e pelo reforçar da validade do planeamento
como um processo racional de tomada de decisão.
Em termos teóricos, tal traduziu-se na formação da dicotomia entre a teoria do
planeamento substantivo, com enfoque no objecto, e a teoria do planeamento
processual, com enfoque no próprio processo de planear (Faludi, 1973). A noção
de sistema e sua correspondente teorização, com o rigor científico que lhe era
associado, catapultou gradualmente a percepção do planeamento de arte para
ciência fortalecendo a fé na utilização da ciência na formulação de
políticas públicas, não só como aplicação prática dos resultados da
investigação científica, mas também em relação ao processo de formulação de
políticas em si (Taylor, 1998: 69). Neste contexto, o planeador seria um
técnico qualificado que aconselharia o decisor político sobre as melhores
formas de acção. Contudo, à medida que esta metodologia de sustentação
científica à decisão ia sendo exposta a análise, compreendeu-se que o processo
racional idealde como as decisões deveriam ser tomadas dificilmente se
comparava com a realforma incremental estando, por vezes, desarticulado com as
decisões que eram de facto alcançadas (Lindblom, 1959). É exactamente esta
discussão sobre a forma ideale realde articular criação de conhecimento e
tomada de decisão que se sugere revisitar de seguida.
2. Decisão Ideal vs.Decisão Real?
There is nothing a government hates more than to be well-informed:
for it makes the process of arriving at decisions much more
complicated and difficult[vi].
(John Maynard Keynes)
O decisor político, num regime democrático estável e com relativa transparência
funcional, está crescentemente em cheque. Com o início do século XXI
testemunha-se uma reforma contínua dos meios de comunicação em muito resultante
da generalização do uso das novas tecnologias e consequente celeridade de
actualização e divulgação de informação em larga escala. Tal facto, poder-se-á
argumentar, força um aumento da transparência processual e justificativa ao
nível da decisão governamental. Paralelamente, o número de actores directa e
indirectamente envolvidos nos processos de decisão tende também a aumentar.
Estes dois factores, em conjunto, muito contribuem, ou poderão contribuir, para
um multiplicar das formas de escrutínio contínuo da decisão política por
parte dos mediae da sociedade civil em geral. Não querendo debater a validade e
as implicações éticas de todas estas formas de observação não se pode deixar de
concordar que este enquadramento catalisa uma dinâmica crescente ao nível
governamental para se solidificarem decisões políticas numa fundamentação de
cariz científico. Assim, a par dos profissionais (que) procuram evidências
para justificar o seu conselho aos políticos, os políticos procuram evidências
que suportem as políticas que eles desejam implementar (Healy, 2002: 98) ou,
dirão os mais pragmáticos, fazer parecer que assim o é.
Esta necessidade de validação pode, à partida, aliciar o decisor político a ter
uma visão meramente linear e instrumental do que é, exactamente, a investigação
e criação de conhecimento no processo de elaboração de políticas públicas. Tal
facto pode promover a desarticulação entre o conhecimento reale ideale gerar
formas distintas de gestão da relação entre conhecimento e decisão (Davoudi,
2006:14), o que nos remete para a inevitável questão do Poder(Flyvbjerg, 2002:
353).
Academicamente, e ao contrário da ciência política ou da sociologia, o
planeamento, como arena de acção sóciopolítica que é, não tem ainda um corpo
central de estudos sobre as relações de Poder que incorpora. Friedmann (1987)
sublinha a nossa ambivalência sobre o Poder, onde por vezes ao invés de
debatermos o Poder no contexto do que realmente acontece na prática remetemo-
nos para uma discussão ad eternumsobre o que normativamente e idealmente
deveria acontecer. Este debate não é recente; para além de Flyvbjerg (1998),
Hajer (1995) ou Jensen e Richardson (2000) também a escola de Planeamento
Comunicacional de Forrester (1989) e Healey (1997) abordam a questão do Poder.
No entanto, é possível argumentar que a racionalidade comunicativa, como
Habermas a pensou, sustentada por estes últimos autores segue uma tendência
demasiado normativa e processual sem um entendimento substancial da
Realpolitik e real racionalidade (Flyvbjerg, 1998) inerente a estes processos.
Para uma leitura mais descodificada deste debate, o que se sugere, em seguida,
é uma breve narrativa interpretativa do que se passou, na primeira década do
século XXI, no Reino Unido.
3. Instrumentalizar o conhecimento
This Government expects more of policy-makers. More new ideas, more
willingness to question inherited ways of doing things, better use of
evidence and research in policymaking and better focus on policies
that will deliver long term goals.[vii]
(Cabinet Office, 1999)
Com a chegada ao poder, em 1997, do New Labourde Tony Blair, iniciou-se um
ciclo de mudança na relação entre a criação de conhecimento e a informação de
políticas públicas. Contrastando com o que se passava, e passa ainda, nos
Estados Unidos da América, onde as políticas públicas têm sido concebidas,
debatidas e avaliadas através das lentes das (diferentes) ideologias (Urban
Institute, 2003: 1), no Reino Unido ganhou peso o denominado evidence-based
planning. Tal, segundo Davoudi, traduziu-se em termos práticos, no final dos
anos 90, num aumento significativo em termos de orçamentos e efectivos
dedicados à investigação a todos os níveis governamentais. Paralelamente, ao
nível do espaço comunitário Europeu, a Comissão Europeia, talvez como forma de
reforço e validação do seu peso político perante o conjunto dos Estados-
membros, mostrou-se, ela também, receptiva a semelhante abordagem. Tal
traduziu-se, não na criação do European Spatial Planning Observatory Network
(ESPON), com enfoque na investigação sobre as políticas públicas com impactos
territoriais como, de uma forma geral, pelo sublinhar, no seu White Paper on
Governance, que ciência e peritos desempenham um papel incrementalmente
significativo na preparação e monitorização de decisões (CEC, 2001: 428).
Para melhor compreender este ciclo de mudança, exploremos a estrutura racional
por detrás de tal abordagem no Reino Unido, exemplo na sua essência semelhante
ao cenário contemporâneo português. Solesbury (2002) avança duas interpretações
distintas: por um lado, o objectivo por parte do New Labourde fomentar um cariz
mais pragmático no seu modelo de governação, ao invés de um posicionamento mais
ideológico, reflectindo assim uma mudança na natureza do fazer Política em si
que se verifica por todo o espaço político Europeu contemporâneo. Por outro
lado, tal abordagem reflectia a relação conhecimento-poder que o New
Labourdesejava impor, sublinhando a relação novo poder/nova agenda/novo
conhecimento, validando os políticos do executivo governamental que queriam
desafiar as influências entrincheiradas, nomeadamente ao nível dos quadros da
administração do Estado. Tal traduzia a suspeita de influências exercidas
sobre a formulação de políticas, particularmente dentro do Civil Service e a
intenção de abrir a criação de políticas a elementos externos à administração
(Solesbury, 2002: 93).
Analisando criticamente esta interpretação, Davoudi (2006: 14) nota que, embora
traduza, numa primeira análise, a máxima de Francis Bacon knowledge is power,
(conhecimento é Poder), não deixa de sugerir que o oposto, power is knowledge
(Poder é conhecimento), é também verdade pois, como enuncia Foucault, o Poder
produzconhecimento, nomeadamente quando o Poder determina o que conta como
conhecimento (Flyvbjerg, 1998:226). Ora, assumindo que as políticas públicas
são desenvolvidas e implementadas através do uso do Poder (Solesbury, 2002:
95), que o conhecimento cuidadosamente «manuseado» é ainda mais poderoso
(Healy, 2002: 98) e que o conhecimento está sujeito a corrupção tanto quanto
outras fontes de poder (Solesbury, 2002: 95), resta-nos perguntar que tipo de
conhecimento será este, que real validade terá?
What matters is what works!O que importa é o que funciona!
Numa primeira leitura há um fundamento lógico neste chavão político britânico
do final dos anos 90, que impele intuitivamente a concordar com o mesmo: O
conhecimento realparte da suposição que a relação entre informação recolhida e
o processo de elaboração da política pública é, toda ela, um processo linear,
directo, estanque a influências externas e livre de problemas. Neste contexto,
da intitulada investigação aplicada, assume-se que, ou a investigação dirigea
formação de políticas públicas ou, alternativamente, que a investigação seguea
formação de políticas públicas (Davoudi, 2006: 15). Contudo, uma segunda
leitura, mais em pormenor, sublinha as limitações desta abordagem, algo
determinística, ao excluir da discussão, por exemplo, o que funciona para
quem, e em que circunstâncias no processo de formação de políticas públicas
(Leicester, 2002). É, aqui, nesta perspectiva de ciclo de influência fechado,
que se revela a fragilidade desta abordagem, pois, como identifica Weiss
(1977), esta é uma fórmula altamente selectiva, se não mesmo oportunista, em
que, por exemplo, as áreas temáticas que não são identificadas como um
problema pelos decisores políticos não são alvo de processos de recolha
exploratória de informação. É nesta lacuna que habita a filosofia do tipo
idealde conhecimento.
Este tipo de conhecimento caracteriza-se por explorar um tipo de influência na
criação de políticas públicas que se materializa em benefícios por vezes menos
directos, estruturados em larga medida, numa lógica temporal de médio e longo
prazo. A sua ênfase, como descreve Davoudi (2006: 16), não é a fundamentação
científica de chavões políticos mas sim a criação de uma plataforma holística
de entendimento das condicionantes que regem determinada temática. Ou seja, é
necessário expandir a natureza da investigação em si. Tal poderá ser atingido
promovendo o carácter descritivo, analítico, diagnóstico, teórico e prescritivo
que a investigação poderá ter (Solesbury, 2002: 94), para além de uma simples
utilização de carácter avaliativo. Até porque, à questão da avaliação estão
associadas uma série de fragilidades. Note-se que, por vezes, a avaliação é
uma das obrigações associadas à colocação das políticas públicas em prática,
não um desejo de aprendizagem e melhoramento e não raramente a avaliação é
vista como um meio de justificar decisões após o evento (Healy, 2002: 98).
Assim, neste contexto o que se argumenta é que o processo de investigação e
criação de conhecimento deverá servir não exclusivamente como ferramenta de
resolução de problemas per semas como uma contribuição para um discurso
informado (Shulock, 1999: 241). Tal propósito remete-nos para uma variável
imprescindível para que o mesmo se forme: o investigador ele próprio.
4. Os bastidores do conhecimento
Em termos gerais, o modelo de financiamento e a estrutura académica da
investigação em Portugal difere actualmente do Reino Unido; contudo, há um
potencial paralelismo futuro que torna pertinente perceber o que mudou no
perfil e na forma de acção do investigador social britânico. A crescente
orientação utilitária dos principais financiadores teve como efeito colateral
um crescente pragmatismo na atitude dos investigadores, um desejo não somente
de observar, mas de interagir com a sociedade(Solesbury, 2002: 91); em
particular refira-se o compromisso de tornar a investigação não só útil como
utilizável(idem.). Tal fez a comunidade científica reflectir não só sobre a
criação, mas também sobre a disseminação de informação como forma de maximizar
a sua utilização; assim, a disseminação do conhecimento é agora vista como
sendo tão importante como a sua própria génese (Healy, 2002: 98). Pese embora
esta pressão, inquéritos nacionais reflectem um declínio generalizado na
confiança que o público tem nos cientistas (Bloom e Weisberg, 2007).
De facto, as comunidades científicas, tradicionalmente organizadas como uma
estrutura clerical baseada na fé inquestionável dos seus seguidores, estão,
elas também, crescentemente em cheque. A evolução social resultante do
crescente acesso à formação e à informação fomenta uma geração de
utilizadores mais críticos, capazes de um escrutínio mais eficaz da
informação produzida. A mudança do enquadramento em que se produz ciência, e
das características do público para quem se produz ciência, incute gradualmente
uma nova forma de articulação de múltiplos tipos de conhecimento. Ao mais
tradicional Know How(a experiência prática do que funciona) adicionaram-se o
Know What(o estado do Mundo comparativamente à temática em causa), o Know Why
(causas e explicações) e finalmente o Know Who(contactos e redes) (Solesbury;
2002: 92). A própria noção de fontede conhecimento tende a ser crescentemente
questionada ' repare-se a este propósito na expressão anteriormente
introduzida, evidence-based planning.
O Oxford English Dictionary(OED, 1998) identifica evidencecomo o corpo de
factos ou informação disponíveis, indicando se uma pressuposição ou credo é
verdadeiro ou válido. Há aqui uma pista interessante, pois não se trata somente
da questão da validade da informação, mas também da sua disponibilidade. Se
perguntássemos a um profissional da área do planeamento e ordenamento do
território quais as suas fontes de informação no contexto da sua actividade,
obteríamos, sem dúvida, uma diversidade de respostas. Uma série de
profissionais com uma série de fontes diversas pode constituir, à partida, um
ambiente criativo do ponto de vista da génese de conhecimento in house; no
entanto, um ambiente profissional em que a proveniência da informação que
circula nem sempre é identificável, pode incorrer, com óbvio perigo, no lugar
comum convencionado do toda a gente sabe que cimentando a inclusão de
informação por vezes errónea no sistema.
Adicionalmente, existe o problema da natureza do conhecimento dos círculos
profissionais que se estende muito para além do que é explícito, situando-se
tacitamente na cabeça de uma série de investigadores que desenvolvem a sua
carreira, por exemplo, como funcionários públicos afectos a corpos
institucionais cuja função principal não é a investigação. Este conhecimento
perde-se, por vezes, entre processos de reforma profissional ou transferência
destes investigadores. Todo este debate é, contudo, estéril quando reparamos
que o conceito de construção idealde um discurso informado se confronta, em
ultima instância, com um obstáculo paradoxal. Independentemente de a forma de
criação de conhecimento ser realou ideal, nada garante que este venha a ter uma
influência efectiva no desenvolver de políticas públicas.
5. Da decisão à aplicação: a influência dos obstáculos (in)evitáveis?
The ideal policy process fails to recognize that evidence is not the
only contender for influencing policy[viii].
(Weiss, 2001: 286)
Num processo algo semelhante ao Programa de Reestruturação da Administração
Central do Estado da República Portuguesa (PRACE), uma das avaliações ao White
Paper on Modernising Governmentdo Governo do Reino Unido sublinhava que
entrevistas revelaram a evidência anedótica de que pouca da investigação
encomendada pelos departamentos (do Estado) ou mesmo outra investigação
académica foi usada na elaboração de políticas públicas (Cabinet Office, 1999:
36). Discutem-se afinal dois tópicos que embora interligados podem em larga
medida ser analisados separadamente, (1) a natureza do processo de criação de
conhecimento por um lado, e por outro (2) as características do seu processo de
aplicação ou, por outras palavras, a forma como este conhecimento influencia,
na prática, a elaboração de políticas públicas. Reflictamos um pouco mais sobre
este último ponto.
A hipótese que aqui se apresenta é a da existência de um estrangulamento
comunicativo (fig. 4) entre diferentes níveis de decisão ou diferentes arenas
políticas se assim o entendermos. Este estrangulamento, representado no
diagrama na sua forma vertical, pode ser também horizontal, quando se toma como
exemplo a comunicação entre diferentes departamentos da administração pública.
Assim, como referido anteriormente (fig._3), todo o ciclo de evolução/inovação
conceptual de políticas públicas dá-se num ambiente onde se contrabalançam
influências e obstáculos ao seu desenvolvimento. É essencial sublinhar a
importância que o fluxo comunicativo detém: na lógica de que não nos
identificamos com aquilo que não compreendemos, este fluxo comunicativo é um
contributo essencial para, através de um processo de apropriação cultural,
despertar no cidadão uma identidade (territorial), potencialmente catalisadora
do seu sentido de cidadania.
Fig. 4 ' Estrangulamento Comunicativo.
Fig. 4 ' Comunicative Bottle Neck.
Reflictamos então sobre os obstáculos, ou elementos de interferência à
aplicação do conhecimento ao processo de elaboração de políticas públicas:
estes, de acordo com Weiss (2001:286), podem ser abordados como o conjunto dos
quatro Is: (1) Ideologia, (2) Interesses, (3) Influências Institucionaise (4)
Informaçãopréexistente. Pese embora esta sistematização tenha sido elaborada
com base no caso específico dos Estados Unidos é, contudo, passível de alguma
generalização.
Ideologia' A discussão sobre quais as influências ideológicas, se as houve, que
mais ou menos declaradamente marcaram a evolução do sistema de planeamento
português é algo que requer um espaço de reflexão próprio. O que se pretende
aqui sugerir é se é possível, ou não, identificar actualmente um contexto
ideológico de referência no planeamento e ordenamento do território em
Portugal. Para sumariar o debate conceptual sobre o que se entende por
ideologia sugere-se, para este efeito, que se trata de um conjunto de valores
e crenças que influenciam e determinam a formulação de políticas públicas de
tal forma que nenhuma recolha, análise e apresentação de informação
cientificamente validada as fará mudar. Poder-se-á argumentar que,
contemporaneamente, será difícil reconhecer qualquer influência ideológica
propriamente dita ou, pelo menos, como esta seria tradicionalmente
identificada.
Poder-se-ia argumentar que a economia de mercado tem uma filosofia e agenda
próprias mas terá em si uma ideologia? O que poderá ser mais facilmente
consensual é que é possível encontrar exemplos ilustrativos da fragilidade
deste equilíbrio entre razão/conhecimento que se enquadram na definição acima
apresentada. Como pequena amostra repare-se neste episódio quase anedótico em
que Böhme (2002: 101) relata uma apresentação pública feita por um consultor em
representação do governo catalão sobre, na altura, a produção de um dos
primeiros mapas de desenvolvimento regional da União Europeia. A apresentação
intitulava-se I want to be red in your map(eu quero ser vermelho no vosso
mapa); tal traduzia bem o real interesse dos representantes regionais catalães
que, independentemente do tópico específico em causa, queriam assegurar a cor
vermelha para a sua região o que, por sua vez, implicaria maiores
possibilidades de financiamento externo.
Interesses' Por interessesreferimo-nos à vontade, legítima ou não, que
indivíduos e organizações têm, e que podem subverter o uso da informação
cientificamente validada. A manipulação de informação pode tomar corpo, por
exemplo, como a necessidade de justificar a implementação de políticas públicas
que foram já alvo de decisão. Davoudi (2006: 19) refere neste sentido o
trabalho de Young et al.(2002) que denomina este processo como o modelo
político táctico da fundamentação científica de políticas públicas. Neste
contexto, as políticas públicas são suportadas por uma espécie de análise
selectiva onde certos tipos de informação são utilizados e amplificados,
enquanto outros são descartados ou minimizados. A natureza de certos think-
tanks (centros de investigação não governamentais) prende-se fortemente com
esta necessidade de fornecer legitimidade intelectual aos que governam (Denham
e Garnett, 1996: 52).
Influência Institucional' Esta refere-se, em traços largos, às tradições
culturais, organizacionais e ao capital humano das instituições chave no
contexto do planeamento e ordenamento do território. Mais particularmente,
sublinha-se a forma como as instituições agregam e articulam informação/
investigação já existente, como a comunicam e como interagem com os agentes
criadores de conhecimento. A influência institucional está directamente
relacionada com a forma como cada instituição cria, acumula, articula,
transfere, comunica e utiliza o conhecimento. Uma dificuldade adicional advém,
por vezes, da sobrecarga de informação disponível em certas temáticas
transdisciplinares. Esta requer a presença de utilizadores inteligentes, que
tenham a capacidade de compreender e interpretar essa informação. Ou seja, não
se trata somente de trabalhar a chegada de informação às instituições, mas
também de estruturar o processo interno de análise e tratamento da mesma, e,
finalmente, das estratégias de divulgação interna e externa. Por divulgação
externa entende-se mais do que simplesmente disponibilizar a informação ao
público em geral. O principal público-alvo das instituições governamentais
engloba políticos com e sem poder decisório, as comunidades profissionais e o
corpo de funcionários dessas mesmas instituições. E esta linha comunicacional
nem sempre é funcional como se pode ler do exemplo do Reino Unido, onde é
lugar comum que a vasta maioria dos muitos relatórios produzidos permanece
largamente por ler, quer pela comunidade profissional quer por policy-makers'
(Davoudi, 2006: 20).
Informação pré-existente' A existência de factos ou informação não é, por si
só, garantia da sua influência na formulação de políticas públicas. Tal só
acontece quando são de facto utilizados. Muita da resistência à utilização de
informação, por vezes já disponível, prende-se com a ideia de que hábitos
velhos demoram a morrer. Ou seja, certas estruturas institucionais ou
profissionais e a informação por elas produzida e veiculada tornam-se, de certa
forma, obstáculos à evolução das políticas públicas que visam promover ' dirão
os mais cépticos que estas estruturas são mais uma arquitectura de manutenção
do status quodo que plataformas de promoção da evolução do mesmo.
De facto, não é absurdo considerar que a evolução conceptual em políticas
públicas tem tanto a ver com o encontrar da verdade e a optimização da
resolução de problemas, como tem a ver com relações de poder e imposição de
agendas políticas ou profissionais existentes no realcontexto político-
institucional (fig. 5), onde as diferentes fases da elaboração de uma política
pública se dão.
Fig. 5 ' O realcontexto político-institucional (adaptado de Goss, 1999).
Fig. 5 ' The real political and institutional context (adapted from Goss,
1999).
IV. CONCLUSÕES
Este texto tomou como ponto de partida a análise crítica da relação dinâmica
entre os processos de criação de conhecimento e a sua utilização na informação
e validação de políticas públicas. Argumentou-se a existência de um ciclo
discursivo/operativo que resulta da interacção entre a criação de conhecimento,
sua influência na evolução conceptual em políticas públicas e a mudança
cultural/organizacional/cívica que daí poderá resultar. Explorou-se, através da
distinção entre a natureza real vs. idealdo conhecimento, um conjunto de
narrativas interpretativa(s) da(s) racionalidade(s) que sustenta(m) a
utilização desse mesmo conhecimento na informação e validação dos processos de
tomada de decisão pública. Finalmente, discutiu-se a existência de um
estrangulamento comunicacional, entre diferentes níveis de decisão e arenas
políticas.
Consciente de que não existe uma solução que por si só garanta a optimização do
uso do conhecimento na evolução da elaboração e implementação de políticas
públicas e impeça a interferência dos obstáculos antes identificados (Secção
III.5.) sugere-se, contudo, a necessidade de maior cuidado na constituição e
funcionamento do que se denomina, neste texto, como os amplificadores de
comunicação (fig. 6). Por amplificadores de comunicação entendem-se os
organismos institucionais ou agentes individuais que assumem uma importância
crítica na disseminação da inovação conceptual que se insere no sistema.
Esquematicamente:
Fig. 6 ' Amplificador de Comunicação.
Fig. 6 ' Comunicational Amplifyer.
Sublinhe-se que esta disseminação não é somente distributiva, mas também
explicativa. Não basta apenas garantir a produção e distribuição de
conhecimento, mas também assegurar, através da interacção com os potenciais
receptores dessa informação, que estes detêm capacidade para utilizar esse
conhecimento. Assim, numa perspectiva geral:
Saliente-se, também, que o conceito de amplificador de comunicação não implica
forçosamente a constituição de uma nova arquitectura institucional, mas mais
provavelmente um repensar das atribuições funcionais dentro do modelo existente
(fig. 7). O momento é, de resto, propício a esta discussão, devido, por
exemplo, à entrada em funcionamento do Observatório do Ordenamento do
Território e Urbanismo. Este último detém todas as condições, do ponto de vista
de uma filosofia operativa, para se poder tornar o amplificador comunicacional
nato dentro do sistema de planeamento e ordenamento do território português. Em
suma, este texto advoga a necessidade da criação ou promoção, ao longo do
processo de criação e implementação de uma qualquer política pública, de
amplificadores de comunicação que funcionem como garante da disseminação do
conhecimento utilizado e da transparência processual. O objectivo não é somente
a evolução conceptual na elaboração de políticas públicas e a crescente
capacitação dos agentes envolvidos nos processos de gestão e desenvolvimento
territorial, como também a afirmação da validade da política pública aos olhos
do cidadão, facto que poderá implicar, por parte deste, o consequente reforço
ou criação de um sentido de identidade territorial. O pressuposto subjacente é
uma simples relação causal: não nos identificamos com o que não conhecemos.
Fig. 7 ' Re(I)novação Conceptual ' Diagrama Geral.
Fig. 7 ' Conceptual Re(in)novation ' General Diagram.