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EuPTHUAp0430-50272010000100003

EuPTHUAp0430-50272010000100003

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioHumanities
Great areaApplied Social Sciences
ISSN0430-5027
ano2010
Issue0001
Article number00003

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Geografias do mundo imaginado

INTRODUÇÃO

Qualquer realidade é em primeiro lugar uma representação. Esta ideia, aplicada ao conceito de região por Pierre Bourdieu, levou-o a afirmar que alguns investigadores privilegiam o conhecimento da realidade em relação aos instrumentos de conhecimento e que essa espécie de desvio perverso da intenção científica nunca foi tão pouco fundamentada como quando aplicada ao conceito de região (Bourdieu, 1989: 107-108). Esta opinião é também por ele aplicada ao conceito de nação.

Para este pensador os minuciosos e aprofundados estudos sobre pequenas regiões, com abundantes pormenores, feitos por geógrafos, impedem-nos de compreender os grandes fenómenos que levam ao seu progresso ou declínio. A procura de critérios objectivos de identidade regional ou nacional, não deve fazer esquecer que esses critérios são objecto de representações mentais, quer dizer, de actos de percepção e de apreciação de informações, que estão submetidos aos interesses de vários agentes, tanto políticos como económicos, veiculados por diversos meios de comunicação social.

As pesquisas sobre percepção e representação mental têm merecido particular atenção por parte de psicólogos, de sociólogos e de filósofos (Gibson, 1950; Popper, 1972; Bourdier, 1989; Silva e Freitas, 2001; Ferin, 2002; Giddens, 2006). Quando feitas por geógrafos, de que o pioneiro será Frémont (1976), elas têm sido preferencialmente dirigidas às representações cartográficas, ou às imagens visuais, tendo como suporte mapas, fotografias, ou imagens em movimento.

O peso da televisão e dos media, que é agora tema candente, teve em Portugal uma pioneira, Suzanne Daveau (1984). Ela considerava então, e com razão, que mesmo os alunos universitários têm fraco conhecimento do quadro espacial onde a sua existência decorre, em grande parte porque a televisão deixa flutuar os acontecimentoss num espaço impreciso, não estruturado, sem dimensão e abstracto (1984: 252).

A União Geográfica Internacional, no âmbito da Comissão Cultural Approach in Geography, que teve Paul Claval como Presidente até 2004, contribuiu muito para uma análise crítica das representações geográficas da realidade cultural, tendo recentemente dado particular ênfase ao papel dos media (Relatório do workshop Geographies and Media, organizado por Ute Wardenga, Leipzig, 2005)2. No entanto, a bibliografia geográfica sobre representações da realidade contemporânea continua a ser escassa. Bodo Freund pergunta, ironicamente, se será pertinente fazer tal tipo de trabalho hoje, quando está completamente fora de moda (2007: 335). A. Bailly, como se respondesse à pergunta, afirma: Comprendre les processus que mènent de la perception, aux représentations et aux comportements est donc indispensable à toute forme de géographie active (2007: 84).

As imagens mentais sugeridas por fotografias de diversos espaços geográficos foram objecto de pesquisas pessoais (Alegria, 2004, 2005, 2006). No texto que se segue não se fornecem suportes de natureza física para a construção de representações mentais, sejam fotografias, sejam outras imagens, como vídeos, programas de televisão ou Internet, com a excepção de um mapa-mundo para localização dos países. Partiu-se das imagens mentais verbalizadas pelos próprios, relativas a 12 países, para se tentarem entender as ideias dominantes que sobre eles existem.

Os conceitos de imagem mental e representação mental, têm muitas semelhanças, ainda que persista certa opacidade. Eis algumas definições: Representação mental é uma apresentação ao espírito, sob a forma de ideia ou imagem”3; Ou: é uma criação social ou individual de um esquema pertinente do real (Gumuchian, 1991: 6); Imagem mental é a representação mental de um objecto ou de um acontecimento não presente”4. Como se , um conceito remete para outro, pelo que se usarão indistintamente. A palavra ideia é também aqui usada por vezes para substituir imagem.

II. AMOSTRAGEM E METODOLOGIA Um questionário dirigido a 326 pessoas foi a ferramenta utilizada para tentar responder às perguntas colocadas no início, aplicadas a um universo de 12 países de 4 continentes: Portugal, França, Noruega; Estados Unidos, México, Brasil; China, Paquistão, Arábia Saudita; Egipto, Mauritânia, Moçambique. Começou-se pela localização dos países (tarefa 1) para, depois, se registarem 3 palavras, ou expressões curtas, mentalmente associadas a cada país (tarefa 2). Deste modo, procurou-se não criar teias à livre expressão de ideias, salvaguardadas as relativas à dimensão da resposta, que devia ser curta e incisiva. O tempo não constituiu problema, uma vez que todos concluiram em cerca de 15 a 20 minutos.

O questionário foi respondido presencialmente em 20075, tendo sido consideradas válidas 326 respostas de indivíduos dos 2 sexos (180 do feminino e 146 do masculino), entre os quais 168 jovens com menos de 20 anos e 158 adultos.

A amostra incluiu 113 geógrafos, ou estudantes universitários de Geografia, e 213 pessoas com outras actividades e profissões. Procurou abranger-se um grupo grande de pessoas, com certo grau de escolaridade (os jovens inquiridos frequentavam o ensino secundário e os adultos eram maioritariamente licenciados, ou estudantes universitários), de diferentes idades e profissões. Embora de início se pensasse comparar as respostas dos geógrafos com as dos outros inquiridos, após um primeiro apuramento elas foram individualizadas apenas na primeira tarefa, ou seja, na localização dos países, pois os resultados revelaram diferenças assinaláveis.

Além da localização, que nos interessava particularmente, apuraram-se também as imagens registadas sobre cada país pelo conjunto dos inquiridos, depois de elaborada uma grelha de categorias (cuja concepção será a seguir explicada) e, ainda, para cada categoria, a respectiva ordenação no conjunto dos países e, nalguns casos, a imagem mais vezes referida. Chegou-se, portanto, a três tipos de informações: a localização dos países, as imagens associadas a cada um deles e a própria ordenação das categorias definidas nos diferentes países, sem esquecer nestas o grupo das erradas e sem resposta.

Na selecção dos 12 países, 3 de cada continente (excluindo a Austrália), evitou-se incluir países muito pouco conhecidos, embora se soubesse de antemão que sobre alguns se saberia mais do que sobre outros. Mas a que se deverão essas diferenças? À proximidade geográfica? A um passado comum? Afinidades culturais? Dominância económica? Importância turística? Maior valorização pelos meios de comunicação social, particularmente a televisão? As possibilidades são variadas.

Tentaram obter-se 3 ideias para cada país mas, no caso de alguns, não se conseguiu mais de que uma, ou mesmo nenhuma. Como foram inquiridas 326 pessoas, tendo-se solicitado a cada uma que referisse 3 palavras ou expressões curtas mentalmente associadas ao país, devia haver 978 respostas (326 x 3= 978) sobre cada um. Como são 12 países o total de registos é de 11 736. Atendendo a que cada resposta errada, ou falta de resposta, foi contabilizada, é possível identificar os países sobre os quais os inquiridos registaram menos representações mentais.

Como a amostra era ampla e as respostas eram livres, sem submissão a qualquer grelha, elas foram muito numerosas e variadas, ainda que se usassem muitas vezes palavras diferentes para exprimir a mesma ideia. Isso levou à elaboração de uma longa lista de imagens para cada País, que ia sendo acrescentada com outras novas, sempre que elas surgiam nos questionários seguintes; se a palavra ou expressão se repetia, ela era somada às anteriores. No caso de imagens semelhantes, expressas por diferentes palavras ou frases, elas foram agregadas, ainda que nem sempre sejam sinónimos. São exemplos, entre muitos outros, (i) diversidade étnica, diversidade cultural, melting pot; (ii) excesso de população, muitas pessoas, explosão demográfica; (iii) criminalidade, crime, violência; (iv) ambição, consumismo”,”luxo, ganância, etc.

Concluído o apuramento verificou-se que a lista de imagens mentais era demasiado extensa para que cada uma, ou cada grupo de imagens afins, pudesse ser tratada individualmente, o que levou a constituir categorias amplas, agregando as mais semelhantes. Depois de várias tentativas chegou-se às seis seguintes: erradas e sem resposta, natureza, cultura e história, turismo e gastronomia, economia e sociedade, e locais mencionados (quadro II). Como estas categorias são bastante abrangentes referem-se a seguir exemplos significativos dos itens que as integram, bem como as principais dificuldades que surgiram na sua definição.

A categoria erradas e sem resposta é a mais representativa nalguns países.

Juntaram-se neste grupo os que não responderam nada, que dominam claramente, aos que responderam de forma incorrecta6. Moçambique foi tomado como exemplo para ilustrar as diferenças entre as respostas incorrectas e a ausência de resposta. No grupo natureza incluíram-se palavras e expressões como frio, clima ameno, beleza da paisagem, cactos, mosquitos, camelos, tempestade de areia, etc. Não houve grandes dúvidas na inclusão de palavras ou expressões nesta categoria.

O grupo cultura e história é bastante heterogéneo, incluindo imagens distintas de um país para outro. Enquanto no caso da França, por exemplo, são numerosos e diversos os itens que o integram, tanto do ponto de vista histórico (castelos, revolução francesa, etc.), como cultural (multiculturalismo, racismo, arte, moda, perfumes, literatura, etc.), noutros ele é sobretudo marcado pela história, caso do Egipto (antiguidade clássica, faraós, hieróglifos, etc.), ou pela religião, casos da Arábia Saudita e do Paquistão (Islão, religião muçulmana, Corão, etc.).

Também não foi fácil organizar a categoria economia e sociedade, tanto pela vastidão de imagens registadas, como pela dificuldade em decidir se algumas se enquadravam melhor nesta categoria ou na de cultura e história e, ainda, pelo cariz marcadamente bélico e político das imagens referentes a alguns países, caso do Paquistão (talibans, ditadura, terrorismo, armas nucleares”etc.), ou da Arábia Saudita (petro-dólares, guerras e conflitos, fundamentalismo, falsidade do PIB, etc.). Embora a economia esteja muito presente (subdesenvolvimento, pobreza, desigualdades, negócio, etc.), talvez o título mais apropriado da categoria devesse incluir a palavra política. Outra dificuldade teve a ver com as imagens ligadas à religião. Pode considerar-se que a religião diz respeito à sociedade, mas não dúvida que ela tem também fortes implicações culturais e históricas. Optou-se pela sua inclusão na categoria cultura e história, embora fosse possível agregá-la ao grupo economia e sociedade. Este é um exemplo paradigmático das inúmeras dúvidas que foram surgindo, provavelmente não resolvidas da melhor maneira em todos os casos. Sendo tão evidente a interligação entre estas duas categorias podem ter sido cometidos alguns erros que, acreditamos, não invalidam a globalidade dos grupos formados.

A categoria locais mencionados pode levantar a questão da representatividade. Todavia, atendendo a que locais muito significativos para determinados países (a capital, por exemplo) valia a pena perceber se isso era válido para todos ou para alguns e, ainda, se havia relação entre melhor localização dos países (fig. 1 A) e identificação de locais específicos.

Embora numa primeira fase a categoria turismo e gastronomia não tivesse sido individualizada, isso acabou por acontecer, não apenas porque à gastronomia foi dada certa ênfase nalguns países, mas também porque imagens como praia, sol e praia, sombreros, grandes chapéus, ou Torre Eiffel, pirâmides, Muralha da China, etc. se enquadravam melhor numa categoria turística do que em qualquer outra. Faz sentido, de facto, ressaltar a importância do turismo na construção das representações mentais.

III. A LOCALIZAÇÃO Do ponto de vista de um geógrafo a inserção dos factos no espaço é indispensável à compreensão de qualquer fenómeno à superfície da Terra. Pode mesmo afirmar-se que a dimensão espacial é tão necessária como o tempo para se compreender o mundo em que vivemos. Será por isso que a localização é uma dimensão tão presente nalguns concursos televisivos, apesar de a Geografia mundial ser apresentada como uma longa e fastidiosa enumeração de sítios sobre os quais nada se sabe? Localizar é importante; é o ponto de partida para se conhecerem os lugares e os fenómenos que ocorrem, mas não um fim, uma meta sem qualquer significado.

Na figura 1 estão ordenados os países pela percentagem decrescente de respostas certas dos geógrafos (A), separadas das dos restantes inquiridos (B).

Destaque-se da leitura dos gráficos: a) A ordenação dos países é semelhante nas duas figuras. São as mesmas as posições relativas dos sete países cuja localização é melhor feita, tanto por geógrafos como por outros inquiridos (por ordem: Portugal, Brasil, França, Estados Unidos, China, México e Noruega) e também para os dois pior localizados (Paquistão e Mauritânia); apenas três países com pequenas trocas entre si na ordenação final (Egipto, Moçambique e Arábia Saudita).

b) Ainda que os geógrafos localizem melhor todos os países (figura 1A), é surpreendente que eles ultrapassem 50% de respostas incorrectas e aproximadas no caso do Paquistão e da Mauritânia e superem os 25% nos casos do Egipto, da Noruega e pasme-se! de Moçambique.

É útil analisar melhor as repostas relativas a este país (quadro II). Mesmo entre os 113 geógrafos e estudantes universitários de Geografia quem não localize Moçambique (16 casos), ou o localize na Tanzânia (situações classificadas como localizações aproximadas). Mas situações mais graves: confusão com Angola (7), a África do Sul (2) e três outros países do continente africano.

Se os erros de geógrafos são difíceis de entender, que dizer de 55 localizações erradas em 213 inquiridos (26%) e, sobretudo, de casos em que se localiza Moçambique noutros continentes, casos da Argentina e da Arábia Saudita? É também preocupante que se situe Moçambique na Mauritânia (11 casos), em Angola (8), no Zaire (9), etc. Estas respostas dão que pensar sobre o nosso ensino, mas também sobre a deficiente construção de imagens do mundo que a televisão e outros meios de comunicação social concorrem para formar, ou para deixar na penumbra. O papel da Internet é também de questionar (embora essa seja uma fonte de informação onde a escolha é mais pessoal), que intervenção de muitos agentes, não na construção de instrumentos de conhecimento, como na forma mais ou menos hábil de os disponibilizar.

c) Considerando de novo a figura 1B, registe-se a enorme percentagem de localizações apenas aproximadas ou erradas da Mauritânia (77%), do Paquistão (75%), da Arábia Saudita (66%), e do Egipto (47%). Atendendo a que os inquiridos são estudantes do ensino secundário ou licenciados, temos de concluir que é bastante deficiente a formação geográfica básica dos nossos cidadãos, bem como a sua capacidade crítica relativamente às fontes de informação.

d) No caso de países constantemente referidos nos media e com áreas enormes na superfície do mapa-mundo, caso dos Estados Unidos, da China, e mesmo do México, é pelo menos estranho que sejam mal localizados, ou não localizados, por 15% a 30% dos inquiridos não geógrafos; quanto a estes as percentagens variam entre 6% e 12%, o que também é elevado.

Como não se separou sistematicamente a localização errada da ausência de registo, consideremos para esse efeito 2 casos: o México, um dos seis países melhor situado no mapa e o Paquistão, um dos piores, mas não o pior.

Sendo sempre superior a ausência de localização em relação às respostas incorrectas é estranho que quem se ao trabalho de situar um país no mapa o faça com erros tão grandes. O México foi localizado na Argentina (8 casos), nos Estados Unidos (3 vezes), no Canadá (também 3), várias vezes na Venezuela e na América Central. Como se , pelo menos não se deslocou o México para outros continentes. Isso aconteceu no Paquistão, que foi localizado 5 vezes em África (no Egipto 3 casos, 1 na África do Sul e 1 na Líbia), 3 vezes na Europa (em França e na Roménia) e 1 vez na Indonésia. As situações erradas em países asiáticos não fronteiriços são frequentes: Arábia Saudita (5), Turquia (5), Síria (4), Iraque (2), Tailândia (1). Quanto aos países com fronteira com o Paquistão, se excluirmos o Afeganistão, um erro compreensível, encontramos localizações no Irão (12 casos), no sul da Rússia (10 casos), na China (2) e na Índia (2). São muitos erros! A questão que se coloca de seguida prende-se com as imagens mentais destes países. Que ideias se formam no espírito das pessoas, em que pensam elas, quando se menciona a França, os Estados Unidos, ou o Paquistão? IV. OS PAÍSES: O QUE SE IMAGINA DE CADA UM Claro que não se contava que entre as 978 referências a cada país houvesse uniformidade de respostas. Pelo contrário, esperava-se grande diversidade de representações mentais, o que criava muita curiosidade sobre os resultados que seriam encontrados.

Partindo do enorme conjunto de imagens mentais recolhidas registam-se nos gráficos, para cada país: (i) as categorias de imagens por ordem crescente de referências; (ii) a ideia dominante dentro da categoria, quando existe; finalmente, (iii) a percentagem de questionários com respostas erradas ou sem resposta.

Os países foram separados em dois conjuntos. No primeiro (fig. 2A), incluem-se os seis países melhor localizados; no segundo (fig. 2B), os seis pior loca­ lizados.

O quadro I reúne o essencial da informação que vai ser analisada.

Destacou-se o grupo erradas e sem resposta, não porque a percentagem é elevada em muitos países, como pelo potencial significado de nada ser respondido, ou a resposta ser incorrecta. Se o inquirido não respondeu à tarefa 2, ou quase não deu resposta (recorde-se, indicar 3 palavras ou expressões curtas que mentalmente associa a cada país), o questionário foi anulado; se ele foi preenchido para todos os países, ou quase todos, foi validado (326 questionários). A falta de resposta (4 174 casos, ou seja, 35,6% do total, quadro III e fig. 2) tem forte probabilidade de significar desconhecimento, o que é corroborado pelo facto de nos seis países melhor localizados (fig. 2A: Portugal, Brasil, França, Estados Unidos, China e México) a percentagem de menções erradas e sem resposta ser claramente inferior aos outros seis (fig. 2B: Noruega, Moçambique, Arábia Saudita, Egipto, Paquistão e Mauritânia). Ou seja: não ser capaz de situar um país no mapa traduz de facto um desconhecimento; todavia, ser capaz de o localizar não significa ter ideias sobre ele. Repare-se nas elevadas percentagens de menções erradas e sem resposta, mesmo nos casos de Portugal (22%) e da França (29%). Admitamos que em certos casos pode haver alguma preguiça (recorde-se, todavia, que o tempo não constituiu problema). Mas, como explicar percentagens de 37% na Noruega e em Moçambique, de 49% no Paquistão e na Arábia Saudita e, pior ainda, de 64% na Mauritânia (quadro I)?

Vejamos agora que imagens são registadas no caso dos países pior conhecidos. No geral são pouco variadas. À Mauritânia associam-se quase exclusivamente duas imagens: o deserto e o rally Lisboa-Dakar (ou Paris-Dakar).

Estas duas, somadas às erradas e sem resposta, atingem 81% do total. A Mauritânia é portanto mal conhecida, o que não é surpresa. No caso da Arábia Saudita, somando o petróleo e o deserto às erradas e sem resposta atingem-se 70% do total. Segue-se na pobreza de imagens o Paquistão, pois a soma de erradas e sem resposta, a guerra e Islão representa 68% do total. Por fim, a triste representação de Moçambique: 37% de menções erradas e sem resposta somadas a 11% de pobreza e a 4% de praia representam 53% das 978 ­respostas esperadas. Recordando que ele não foi localizado, ou foi-o errada­mente, por 24% dos geógrafos e por 53% dos outros inquiridos (fig. 1) vê-se quão pobre é a imagem mental desta antiga colónia, independente pouco mais de 30 anos.

Em relação a Moçambique, um país histórica e culturalmente próximo de Portugal, regista-se grande desconhecimento e até desinteresse. Mal localizado, tem também poucos registos de imagens representativas. Para além das mencionadas, foram feitas 5% de menções a ex-colónia, e 2% a cada uma das seguintes imagens: Eusébio ou pantera negra; marisco ou camarão; calor e doença e sida. Porque serão tão poucas as menções a questões específicas como a língua e até as cheias que a televisão sempre noticia? A Noruega e o Egipto, situados entre os países relativamente mal localizados (fig.1), têm duas imagens dominantes: o frio e a pesca do bacalhau, no primeiro caso, o Nilo e as pirâmides, no segundo. Mas uma diferença entre eles: registam-se 37% de menções erradas e sem resposta na Noruega e 27% no Egipto, o que significa que, ou pela História que dele se aprende, ou pelas imagens turísticas difundidas, é mais fácil criar imagens mentais do Egipto do que da Noruega, um país europeu que nos é mais distante do que o Egipto, não pelos quilómetros, mas pela informação significativa que dele guardamos.

Sobre dois dos maiores países do Mundo, os Estados Unidos e a China, enfatizam-se imagens algo estereotipadas. No primeiro: fast-food, Estátua da Liberdade”,“Hollywood e os atentados, também referidos como 11 de Setembro, ataque às torres gémeas, etc., e no segundo arroz, olhos rasgados, Muralha da China, excesso de população. Se exceptuarmos a última, que traduz factos reais preocupantes, cabe perguntar se não seria de esperar que dominassem outras imagens mentais para este país como comunismo, direitos humanos, comércio, crescimento económico, etc., e para os Estados Unidos, capitalismo, poder, desenvolvimento, riqueza, entre outras. Estas imagens são mencionadas, é certo, mas são subvalorizadas face às indicadas.

Entre os quatro países restantes, Portugal, Brasil, França e México, semelhanças a assinalar: as mais notórias são a diversidade de imagens a respeito deles, a menor percentagem de menções erradas e sem resposta, o peso do turismo e gastronomia e, no caso de Portugal e da França, a enorme percenta- gem da categoria cultura e história; no Brasil e no México a distribuição das respostas pelas várias categorias é mais uniforme. O facto de não se assinalarem dominâncias especialmente significativas nas seis categorias, excepção feita à Torre Eiffel em França e à praia no Brasil, traduz a diversidade de imagens.

Quanto mais variadas e menos estereotipadas, porventura maior a riqueza de representações mentais. A monotonia de ideias, a pouca diversidade, traduz provavelmente menos conhecimento pessoal, menos reflexão e mais aceitação acrítica do que repetidamente se ouve, ou , nos meios de comunicação social, que são a principal fonte de informação, quando não a única, sobre muitos países do mundo.

V. CATEGORIAS DE IMAGENS: GRAUS DE VALORIZAÇÃO Não nos vamos alongar porque o quadro III e a figura 3 falam por si e porque o que se disse atrás ajuda a explicar a diferente valorização das 6 categorias nos 12 países.

Insistamos de novo na categoria erradas e sem resposta: ela é, simultanea­ mente, a que atinge percentagens mais elevadas e a única em que o mínimo é superior a 20%, excepção feita a Portugal (quadro I).

A categoria natureza é sobretudo significativa nos países onde se verificam situações extremas: deserto, que domina em 3 casos, Mauritânia, Egipto e Arábia Saudita e frio, na Noruega. As outras ideias valorizadas têm a ver, e ainda bem, com a beleza da paisagem (Portugal e Moçambique). No conjunto das 6 categorias a importância relativa da natureza é apenas superior à dos locais mencionados (quadro III).

No turismo e gastronomia grandes disparidades entre países (fig. 3): comparem-se o Brasil (44%) e o México, este porventura uma surpresa neste aspecto, com 33%, a França e o Egipto, que registam percentagens de respostas superiores a 25%, com a quase total ausência de menções na Noruega, na Arábia Saudita, no Paquistão e na Mauritânia. Nesta categoria tanto se enfatiza a praia no Brasil e em Moçambique, como os sombreros no México, as pirâmides no Egipto e a gastronomia: o cozido em Portugal e o arroz na China.

Alguns países são de facto nomeados pelo que o turismo deles diz.

É interessante notar que em todos os países considerados locais que merecem destaque, não sendo sempre a capital a escolhida. É o caso do Brasil (domina a Amazónia, embora o Rio de Janeiro seja equivalente), dos Estados Unidos (Hollywood), do Egipto (Nilo) e, ainda, dos espaços amplos e vagos referidos a propósito da Mauritânia (África) e da Noruega (Nórdico). Registe-se que os países com menor percentagem de locais citados estão entre os menos correctamente localizados: Arábia Saudita, Paquistão e Mauritânia. Dar importância a locais específicos significa provavelmente, tratar-se de espaços geográficos que se conhecem melhor, sobretudo se eles não são recorrentemente referidos pelos media.

Registe-se um aspecto interessante em categorias muito abrangentes, cultura e história e economia e sociedade. Os cinco países com mais citações na primeira são exactamente os que menos menções merecem na categoria economia e sociedade: Egipto, França, Portugal, México e Brasil.

Antes de terminar, uma síntese para destacar imagens importantes do manancial de informação reunido (quadro IV). Vê-se claramente que apenas duas imagens são muito representativas do conjunto de ideias registado pelos inquiridos, pois elas significam mais de 30% do total na Noruega e no Egipto, mais de 20% no Brasil, em França e na Arábia Saudita e 15% ou mais em quatro países: Paquistão, China, Mauritânia e Moçambique. Ficam de fora apenas Portugal, Estados Unidos e México. Nestes três países duas imagens contemplam apenas 10% do total, o que quer dizer que a diversidade de representações é mais frequente.

E nos outros países? O que dizem as imagens registadas? Não será surpreendente que a Noruega fique representada pelo frio e a pesca do bacalhau, ou o Egipto pelas pirâmides e o Nilo. Mas não significará alguma pobreza que da França fique sobretudo a imagem da Torre Eiffel e de Paris (por esta ordem), da China o excesso de população e o arroz e de Portugal o fado e Lisboa? Claro que o facto de os questionários terem sido feitos na região próxima de Lisboa tem influência nas respostas. Mas isso não explica o grande desconhecimento e pobreza de imagens de Moçambique (quadros I e II), bem como da França e do Brasil (quadro I).

VI. CONCLUSÃO A Geografia não se preocupa apenas com o palpável mas também com o sentir e os sentidos”7. Como diz A. Bailly (1992) ela constrói-se sobre conhecimento do mundo, não sobre o próprio mundo.

É evidente que esta pesquisa, ainda que suportada por uma amostra ampla (11 736 respostas de 326 inquiridos), representa uma abordagem parcelar a um problema muito vasto: como são representados mentalmente os países do mundo.

Serão essas representações fortuitas, quase ocasionais ou, pelo contrário, mais ou menos persistentes? Ficaram de fora muitos países, as diferenças culturais entre os inquiridos, as suas fontes de informação (embora se acredite no grande peso dos meios de comunicação social) e a própria evolução do conhecimento (o questionário foi realizado no início de 2007).

Circunscrevendo-nos às questões colocadas, retenhamos os principais resultados. Não dúvida que falhas importantes na localização dos países, mesmo dos que nos são espacial ou culturalmente bastante próximos. Moçambique e a Noruega são dois casos paradigmáticos. Os geógrafos localizam todos os países um pouco mais correctamente, mas é preocupante que haja tantos que não saibam onde ficam o Egipto, a Arábia Saudita ou Moçambique, além da Mauritânia e do Paquistão. Quanto aos outros inquiridos, basta olhar para a figura 1B para se verificar que neste conjunto de 12 países nem mesmo os Estados Unidos e a China são correctamente localizados por cerca de 15% (EUA) e 30% (China).

uma relação estreita entre melhor localização e diversidade de imagens mentais. Portugal, Brasil e França são disso bons exemplos. Pelo contrário, nos países pior localizados, a relação mais estreita é com a ausência de imagens mentais. São exemplos: a Mauritânia (64%), o Paquistão (49%), a Arábia Saudita (49%), Moçambique (37%) e a Noruega (37%) e mesmo o Egipto (27%). Em relação a países como os Estados Unidos, a China, o Brasil e o México as imagens traduzem estereótipos mediatizados (fig. 2 e 3 e quadro III).

Destacaram-se as localizações erradas de Moçambique, ou a falta de registos, mesmo por geógrafos, e a pobreza de representações a seu respeito. Claro que com tantos inquiridos a não responderem (o que é muito significativo de desconhecimento ou do desinteresse), os valores percentuais das imagens registadas são pequenos. Mas os que disseram alguma coisa deixaram deste país uma imagem triste (pobreza) ou valorizada pelo turismo (as praias). Porque é que tão poucos lembraram Mia Couto, a sida, a língua portuguesa, etc.? Como não foram tratadas parte das respostas do questionário, caso da divisão por sexos, da escolaridade e da formação geográfica (a distinção entre geógrafos e não geógrafos foi analisada no que se refere à localização dos países), não se pode estabelecer qualquer relação entre o nível de escolaridade e de informação geográfica com os tipos de imagens mentais. Reconhece-se que teria sido útil registar os países sobre os quais o inquirido tem conhecimento directo.

Não houve intenção de perceber a origem das ideias registadas, nem de avaliar a sua evolução no tempo, mas seria interessante conhecer as principais fontes de informação sobre os países e se passados dois ou três anos as imagens destacadas persistem. Fica o desafio a quem se aventurar.


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