Os factores determinantes da edificação recente na AML (1991-2011)
I. INTRODUÇÃO
A expansão das áreas metropolitanas tem recebido muita atenção nas últimas
décadas, motivando a emergência de políticas de contenção cuja aceitação social
tem vindo a crescer, uma vez que os múltiplos desafios abrangidos são hoje
relativamente bem documentados. a questão foi amplamente discutida no âmbito
do Programa nacional da Política de Ordenamento do território (PNPOT) (MAOTDR,
2007) e encontra-se inscrita na Lei de Bases da Política de Ordenamento do
território e de Urbanismo (LBPOTU n.º 48/98, de 11 de agosto). Na Área
Metropolitana de Lisboa (AML), o Plano regional de Ordenamento do território da
Área Metropolitana de Lisboa (PROT-AML), aprovado em 2002 (CCDR-LVT, 2004),
defende a necessidade de controlar os núcleos de povoamento urbano através de
um modelo territorial de contenção urbana. Porém, este modelo tem esbarrado em
dois obstáculos. O primeiro é a falta de implementação de políticas
suficientemente claras e vinculativas, que remetam ao mesmo tempo para as
carências da regulação pública e para as hesitações colectivas quanto ao modelo
territorial a privilegiar, que navegam entre contenção urbana e expansão: as
orientações do PROT em vigor têm sido contrariadas pela tendência expansiva
dos Planos Directores Municipais (PDM) de 1ª geração, cuja adaptação, inscrita
na agenda institucional, ainda não se concretizou até hoje (Pereira e nunes da
silva, 2008). Essas hesitações tendem a favorecer o status quoe as orientações
neo-liberais favoráveis à responsabilidade individual nos campos da habitação,
da mobilidade e do sistema de localizações, o que acentua a tendência de
fragmentação dos tecidos. O segundo obstáculo consiste na falta de um
conhecimento mais detalhado acerca dos próprios factores da expansão,
geralmente explicados pelas referidas lacunas da implementação e fiscalização
de políticas (Catita, 2009), pelo mercado fundiário e pela fragmentação dos
poderes.
Este artigo pretende contribuir para aprofundar esse conhecimento ao analisar,
numa base quantitativa e agregada à escala da AML, os factores favoráveis ao
crescimento da mancha urbana considerada pelo prisma da edificação. As normas
urbanísticas nem sempre são respeitadas, com extensas áreas urbanizáveis que
só de forma dispersa se vão – não totalmente – preenchendo, ou com áreas
Protegidas que, por via de suspensões parciais dos PDM ou por falta de
fiscalização, passam a converter-se em solos artificializados. As
condicionantes nem sempre impedem empreendimentos novos. Algumas áreas abertas
podem atrair o investimento: proximidade das praias ou de espaços agrícolas e/
ou naturais), polarização induzida pelos nós rodoviários e ferroviários,
características sociais dos bairros. Todos estes elementos influenciam de
forma diversa, por vezes de maneira contra-intuitiva, os processos de
alteração da ocupação do solo. Esta análise da construção recente de edifícios
na AML pretende responder a dois objectivos principais. Primeiro, procura-se
determinar o peso relativo dos diversos factores explicativos da construção de
edifícios, abrindo possibilidades de comparações intra-AML bem como, no
futuro, com outras áreas metropolitanas. O segundo objectivo apoia-se na
análise dos resíduos estatísticos do modelo de regressão, distinguindo os
factores gerais e aqueles que provavelmente surgem de condições locais não
generalizáveis.
Nas linhas que se seguem, efectuar-se-á primeiro uma revisão da literatura
focada nos factores da expansão urbana (secção II). O contexto nacional e
regional será abordado no seguimento (III). Os dados e a metodologia serão
depois objecto de uma breve exposição (IV). Serão apresentados os resultados do
modelo (V), bem como a análise dos resíduos (VI). Concluir-se-á com uma breve
discussão das implicações científicas e políticas dos resultados obtidos
(VII).
II. ‘URBAN SPRAWL': DISCURSOS, CUSTOS E FACTORES
1. Custos, discursos, implicações da expansão urbana
A expansão urbana tem motivado, pelo menos desde 1950, um conjunto de reflexões
e debates acerca da sua inelutabilidade, das suas formas e riscos associados,
dos desafios multi-escalares por ela colocados. O grau de desejabilidade de um
novo modelo territorial essencialmente baseado no uso predominante do automóvel
e na individualização dos modos de vida tem-se mantido, desde os primórdios da
discussão teórica, numa posição central, envolvendo múltiplas hesitações
quanto à forma de combater o que ainda hoje é visto por muitos como o espectro
indesejado da cidade norte-americana (Woodcock et al., 2011). a fragmentação
urbana é frequentemente usada como símbolo da crise territorial ao reflectir
ao mesmo tempo a incapacidade dos poderes públicos em “recosturar o
território” e a consequência inevitável da contínua artificialização de solos
conduzida por agentes privados, colectivos e individuais, e apoiada no triunfo
do automóvel na sociedade contemporânea.
Recorrendo por comodidade à divisão tripartida da sustentabilidade como
categorização temática, pode dizer-se que têm sido amplamente debatidos –
embora de forma desigual – os custos da expansão urbana, individuais e
colectivos. Em termos ambientais, a expansão urbana tende a traduzir-se por um
aumento das distâncias diariamente percorridas e da proporção do automóvel na
mobilidade quotidiana, e assenta numa maior proporção de casas unifamiliares.
Tudo somado, aponta-se para o aumento da poluição, dos gastos de energia e das
emissões de gases de efeito estufa (Newman e Kenworthy, 1998; Kahn, 2006;
Calthorpe, 2011), e para consequências em termos de saúde pública (Eid et al.,
2008). Apesar de alguma relativização desses efeitos por observações
contraditórias como a mobilidade de compensação dos citadinos (Polacchini et
al., 1998), a relação entre a cidade expandida e a insustentabilidade ambiental
encontra-se largamente aceite. Em termos económicos, a expansão urbana é
abordada principalmente através da relação entre forma urbana e produtividade e
dos custos financeiros colectivos da expansão. Por um lado, a produtividade
resulta, entre outros factores, da existência de economias de escala produzidas
pela proximidade de actividades complementares, concorrentes e/ou diversas,
razão pela qual mesmo em cidades expandidas o centro principal se tem mantido
no alto da hierarquia (terral e Padeiro, 2013). Nesta perspectiva, as cidades
ditas compactas são vistas como mais produtivas (Cervero, 2001). Por outro
lado, a distribuição menos centralizada dos agregados familiares e das
actividades económicas induz custos acrescidos de investimento e gestão de
equipamentos na perspectiva da optimização dos recursos (localização de centros
de saúde, redes de saneamento e de água e outros serviços públicos)
(Carruthers, 2002; Waddell et al., 2007), bem como custos relacionados com os
sistemas de saúde, nomeadamente derivados da poluição automóvel e da
sinistralidade rodoviária (Frumkin, 2002). Finalmente, a expansão urbana
constitui também uma questão social. De facto, a tensão entre os sistemas de
localização (actividades e serviços de um lado, residências do outro), num
contexto em que a decisão individual de localização é influenciada pelo
estatuto social e o nível de rendimento, reflecte-se na acentuação de
desigualdades de acesso às oportunidades de emprego e de serviços (Fol et al.,
2012; Wenglenski, 2006). Contrariamente aos discursos que envolvem o
melhoramento das ligações entre várias áreas de uma área metropolitana, a
acessibilidade tende a degradar-se no tempo com o desenvolvimento das redes de
transportes, em primeiro lugar porque os ganhos de tempo habitualmente
apontados são reinvestidos em novas oportunidades de localização (Metz, 2008).
Em segundo lugar, o uso do automóvel e o afastamento relativo dos agregados
familiares em situação de precariedade ou com menores níveis de rendimento
traduz-se por um aumento significativo da taxa de esforço conjunta habitação e
transportes (Newman et al., 1998; Zhang, 2006). Face a estas observações, os
vários tipos de políticas de planeamento que visam conter a mancha urbana e que
se referem ao Smart Growth, ao novo Urbanismo, ao Transit-Oriented Development
ou à Greening Policy, raramente impedem, mesmo quando aplicados, a progressão
da cidade sem limites. Para além de a sua dimensão normativa se confrontar com
a realidade, difícil de contrariar, dos desejos individuais, o número e a
diversidade dos obstáculos explica em larga medida o pouco sucesso de muitas
tentativas (Banister, 2005). Os factores da conversão de solos e da edificação
raramente se encontram sob controlo das autoridades públicas, necessitando
maior conhecimento dos mesmos.
2. Factores da conversão de solos e da edificação
De facto, a localização de novas áreas de urbanização em volta das cidades,
analisada, quer através da artificialização dos solos (Bell et al., 2002;
Abrantes et al., 2013; Padeiro, 2014), quer pelas transacções, licenças de
construção ou construção efectiva (Hansen et al., 1998; Ewing, 2008), remete
para um conjunto de factores determinantes, que podem actuar em diversos
sentidos de acordo com o contexto local. Do ponto de vista teórico, o custo dos
transportes é o factor de localização mais fundamental, encontrando-se na
convergência de todas as teorias da localização (Glaeser et al., 2004; McCann
et al., 2004) e acentuando a probabilidade de urbanização nas áreas servidas
por redes novas. Todavia, a relação entre a ocupação do solo e os transportes
tem vindo a complexificar-se, as áreas de possível pressão urbana expandiram-
se, assim como o conjunto de factores potenciais (Carrión-Flores et al., 2004;
Irwin et al., 2004; Chakir et al., 2009; Pérès et al., 2010). De um modo geral,
esses factores podem classificar-se em 4 grupos cuja breve apresentação
permite, no âmbito deste artigo, justificar a inclusão das variáveis, que
serão expostas juntamente com a metodologia.
Localização relativa. A artificialização de uma parcela e a construção de
edifícios novos depende em primeira instância da sua localização relativamente
a um conjunto de recursos essenciais para a realização das actividades
(individuais ou económicas) dos ocupantes (residentes, empresas). Se bem que a
lista desses componentes varie consoante o tipo de ocupante e actividade, o
acesso às redes de transportes (Irwin et al., 2003), a distância dos centros de
emprego e/ou de serviços (centro urbano, centros secundários numa perspectiva
policêntrica), a existência de equipamentos públicos (escolas, centros de
saúde, principalmente) ditam uma procura alargada que, através do aumento dos
preços fundiários, pode favorecer o investimento e a diminuição dos riscos
associados. Com a emergência da sociedade do lazer e a renovação das funções
dos espaços abertos num quadro de urbanização generalizada da população e de
aumento tendencial dos rendimentos disponíveis, a proximidade de áreas verdes
intra-urbanas mas sobretudo, nas margens urbano-rurais, de espaço agrícola,
natural, agro-florestal e ainda de praia, é outra fonte de recursos
susceptíveis de gerar pressão urbana e dinâmicas de edificação, correspondendo
geralmente a uma força centrífuga, ao contrário dos factores anteriormente
referidos.
Substrato urbano. As trajectórias territoriais podem também, em larga medida,
ser determinadas pelas características do tecido pré-existente, dentro das
quais quatro serão aqui destacadas. A densidade populacional inicial tanto pode
acentuar a tendência para a urbanização como travá-la: se a existência de um
tecido construído já relativamente denso pode ser o sinal de que existem
condições para induzir uma procura (equipamentos, empregos, serviços),
influenciando positivamente a edificação, uma densidade muito elevada pode ter
o efeito contrário, quer pela saturação do espaço (ausência de espaço
disponível para mais urbanização), quer através da falta de atractividade em
bairros de elevadas densidades populacionais (Carrión-flores et al., 2004).
Segundo factor, a dinâmica urbana já em andamento (por exemplo, o crescimento
populacional registado no período intercensitário anterior ao ponto de partida
da análise) constitui geralmente a expressão de uma atractividade favorável ao
aumento da procura e à rentabilidade dos investimentos imobiliários. As
características do tecido urbano, para além da densidade per se, podem
apreciar-se através, por exemplo, da proporção de edifícios de habitação altos
ou da predominância de casas unifamiliares no conjunto dos alojamentos
existentes, podendo revelar-se factores de uma maior resistência à densificação
ou, pelo contrário, induzir mais edificação no sentido de introduzir
equipamentos públicos novos ou fomentar o crescimento do emprego local.
Finalmente, a estrutura social representa potencialmente um factor importante,
na medida em que uma elevada proporção de grupos socioeconómicos de elevado
poder aquisitivo no conjunto dos agregados familiares pode ser sinal de uma
maior capacidade de recursos legais, associativos e informativos que ajuda a
explicar a propensão de determinados bairros para a resistência perante a
densificação (Woodcock et al., 2011). Pode, contudo, influenciar a trajectória
local de forma contrária, pelas oportunidades de investimento que representam
as novas construções ou, ainda mais, pela dinâmica imobiliária crescente em
territórios marcados por condomínios fechados, ou, mais geralmente, bairros das
classes mais abastadas (Raposo, 2008).
Características físicas locais. Os custos ou a exequibilidade da construção
resultam, em parte, de variáveis relacionadas com as próprias características
físicas dos locais. Em primeiro lugar, o nível de risco (inundações) pode
gerar o estabelecimento de condicionantes urbanísticas e/ou diminuir a
tendência de urbanização. Da mesma forma, o grau de inclinação do terreno
tende em aumentar os custos de construção embora possa também representar um
factor paisagístico favorável a uma maior atractividade. Finalmente, a
qualidade dos solos para usos não urbanos constitui geralmente uma boa
aproximação da rentabilidade agrícola (Claassen e Tegene, 1999), podendo
determinar a conservação, pelo proprietário, da actividade agrícola ou, pelo
contrário, o desejo de vender.
Opções urbanísticas. O último grupo de factores potenciais agrega o conjunto de
normas urbanísticas, regulamentos e condicionantes: PDM, PROT, condicionantes
relacionadas com a preservação de espaços agrícolas e/ou naturais (reservas
agrícola e ecológica nacionais – RAN e REN; Zonas de protecção especial – ZPE;
sítios protegidos; Parques e reservas naturais), mas também a fiscalidade local
que ora incentiva, ora inibe a construção (Rathelot e Sillard, 2008); em
particular, a redução da carga fiscal local constitui uma medida
frequentemente usada, justificada por objectivos de competitividade
territorial na sua única dimensão económica, mas que simultaneamente acentua a
tendência construtiva e diminui os recursos financeiros das autarquias
(Almeida et al., 2013). No caso do planeamento urbanístico, é notório que a
tendência expansiva dos PDM tem fragilizado a sua operacionalidade: a postura
de gestão burocrática quotidiana impôs-se ao tratamento estratégico e de
conjunto das áreas de expansão e à implementação das estratégias e orientações
supra-municipais (Catita, 2009; Carranca e Castro, 2011). Em paralelo, a
avaliação ex-post, como instrumento de monitorização da efectividade e eficácia
das medidas estabelecidas e como factor de melhoramento da planificação urbana
(Oliveira e Pinho, 2010), continua pouco difundida no nosso país. No cômputo
geral, as opções urbanísticas compõem um grupo que, à partida e ao contrário do
discurso favorável à regulação pública, não se impõe aos restantes factores,
embora influa na evolução real da oferta de solos artificializados (Wu e Cho,
2007), nomeadamente através do aumento dos preços fundiários (Ihlanfeldt,
2007).
III. EDIFICAR E EXPANDIR
A singularidade do caso português e, no que interessa aqui, da AML, procede de
várias considerações históricas, institucionais e geográficas. À semelhança do
processo democrático, a expansão das cidades portuguesas deu-se de forma mais
tardia do que na maioria dos países europeus – a temporalidade das duas
dimensões, urbana e política, merece ser realçada pelas consequências que ambas
tiveram na produção de uma cidade alargada e, em grande medida, descontrolada.
A AML passou de 1,3 para 2,5 milhões de habitantes no período 1950-1981, e para
2,8 milhões em 2011, num processo bem estudado resultante das transformações
económicas e sociais e do consequente êxodo rural. Lisboa perdeu cerca de 110
mil residentes entre 1991 e 2001, enquanto os restantes territórios da AML
ganhavam 224 mil residentes novos (INE); entre 1985 e 2000 a área
artificializada cresceu mais do que a população (2,1% ao ano) (Caetano et al.,
2005). Esse intenso crescimento demográfico produziu tecidos urbanos
desconexos formando um mosaico de territórios funcionalmente distantes. A fraca
urbanidade assim produzida e a desestruturação urbana que representam (Marques
da Costa et al., 2009) têm posto à prova a capacidade da AML em reestabelecer
ligações funcionais e continuidades espaciais.
Todavia, não se assistiu recentemente a tais reencontros, antes ocorrendo um
surto de construção inscrito numa tendência expansiva que não resulta apenas de
um “campo de forças” (Domingues, 2006), em que coexistem actores públicos sem
meios e práticas sectoriais privadas desarticuladas entre si. É certo que o
contexto neo-liberal e de aceitação social generalizada quanto à
responsabilização individual em matéria de mercado habitacional e de mobilidade
se situa em forte contraste com a perspectiva do estado-providência dos países
do norte da europa, o que ajuda a explicar a intensa (e desconexa)
desconcentração urbana. Porém, as próprias escolhas do planeamento, dentro
deste contexto, constituem um poderoso contributo para esta evolução (Carranca
e Castro, 2011; Portas et al. , 2011): a dissociação entre o crescimento
populacional e o aumento das áreas artificializadas apoiou-se nos PDM
(Carranca e Castro, 2011), e as suspensões parciais surgiram como um meio de
desviar áreas de preservação ambiental para fins económicos (Abrantes et al.,
2013). Em paralelo, a persistência de um urbanismo funcionalista nos anos 1990
em Portugal, numa altura em que outros países europeus já avançavam para
abordagens mais participativas e de cariz estratégico mais abrangente (Newman e
Thornley, 1996; Healey, 1998), revela o peso de uma postura enraizada na
resolução de problemas de engenharia de fluxos (Alves et al., 1993), com fraca
(ou inexistente) dimensão social e geográfica: a cidade-tubo, como resposta
directa às necessidades consideradas mais prementes e como vector de
estimulação retroalimentada, constitui a principal figura dessa abordagem. É
nesta perspectiva que se deve compreender o célere desenvolvimento das vias
rápidas que em duas décadas levou a AML a ser, em 2008 e com 220km de vias
rápidas por km2, a NUTS II mais densamente servida da europa (OCDE, 2008), numa
progressão em nada comparável com os baixos níveis de investimento em matéria
de transportes colectivos. Este quadro contextual requer que se examinem os
factores que levam a acentuar ou reduzir a tendência de edificação. A análise
estatística permite testar esses factores de modo a distinguir o peso de cada
um deles, proporcionando informação e pistas de reflexão: onde regular e/ou
acentuar os esforços de urbanização, que factores forjam elevada probabilidade
de urbanização mesmo em situações de política de contenção?
IV. METODOLOGIA
1. Fontes de informação estatística e geográfica
A análise aqui apresentada baseia-se na exploração de várias fontes de
informação estatística e geográfica. Os Censos 2011 e, em particular, a data
de construção dos edifícios recenseados, constituíram a principal fonte de
informação. A variável requer algum cuidado por apresentar várias limitações: a
partir dos dados acessíveis no site do INE, i) não é possível cruzar a idade
dos edifícios com outros elementos de caracterização dos mesmos (número e tipo
de alojamentos, regime de ocupação, número de pisos, população residente); ii)
não se pode deduzir, do número de cada período, um crescimento absoluto ou
relativo, pois a base não identifica as demolições ocorridas; iii) não permite
saber se os edifícios foram construídos, dentro de cada secção, em frentes de
urbanização ou por preenchimento de vazios intersticiais; iv) não se podem
distinguir os edifícios construídos para alojamento ou para actividades
económicas. Contudo, para além de constituir uma boa aproximação à dinâmica das
secções estatísticas, os dados do INE permitem comparações entre períodos
próximos em escalas finas. Tendo em conta que as secções mudaram durante o
período analisado (1991-2011) e que as freguesias não constituem um nível de
agregação suficiente, a idade dos edifícios vem solucionar a incapacidade em
seguir a evolução no tempo de alojamentos, divisões e/ou áreas construídas. Da
base vectorial cartográfica dos PDM dos municípios da AML foram extraídas as
áreas declaradas urbanizáveis, naturais, agrícolas e urbanas. as reservas
agrícola e ecológica nacionais (RAN e REN), apesar da crítica a que têm sido
sujeitas (Magalhães, 2001; Pardal, 2004; soares de albergaria, 2006),
desempenham um papel potencialmente relevante na evolução dos tecidos urbanos
e, como tal, foram incorporadas, bem como as delimitações das áreas Protegidas,
sítios protegidos, parques naturais e zonas de protecção especial. Finalmente,
a compilação das redes de transportes foi efectuada a partir das redes Navteq e
Openstreet (rede rodoviária), com consulta de mapas em diversas datas e
compilação dos nós rodoviários (acesso às vias rápidas), e a partir da
informação do Metropolitano de Lisboa, da CP e do Metro sul do tejo.
2. Modelo de regressão multivariada
O efeito da localização na evolução do número de edifícios entre 1991 e 2011 de
cada uma das 4 521 secções estatísticas da AML é medido através da variável TCA
I, definida como a taxa de crescimento anual do número de edifícios no período
1991-2011, expressa em percentagem anual e calculada da seguinte forma (equação
(1)):
Onde edifa1991 é o número de edifícios recenseados na secção em 2011 e
concluídos antes de 1991, edif91-11o número de edifícios concluídos no período
1991-2011. Convém sublinhar que a TCA não corresponde exactamente a uma taxa
real de crescimento, uma vez que os edifícios contabilizados são apenas aqueles
que foram recenseados em 2011, uma parte dos quais pode ter surgido após
demolição de edifícios antigos – o que daria um saldo diferente numa avaliação
do crescimento real. Um modelo de regressão linear múltipla é aplicado ao
conjunto da AML e a cada sub-área (norte e sul) pelo método dos mínimos
quadrados ordinários (MQO) e com base na equação_(2). A variável dependente é a
transformação logarítmica de TCAI, necessária para garantir a normalidade da
distribuição dos resíduos:
As variáveis independentes estão classificadas em três grupos. CL é o vector
das variáveis de características locais: tecido urbano (densidades e tipo de
edifícios e alojamentos), dados físicos (declives) e sociais. LOC é o vector
das variáveis de localização: distância das secções relativamente às infra-
estruturas de transportes e a pontos importantes no contexto da AML (centro de
Lisboa, litoral, centros secundários). PLC inclui as variáveis relativas ao
planeamento e condicionantes: afectação dos solos pelos PDM, condicionantes
(RAN, REN, áreas e sítios protegidos), estratégia municipal. As variáveis
encontram-se detalhadas no quadro_I. As variáveis ao nível das secções e
baseadas em dados de 1991 foram objecto de um tratamento próprio que consistiu
em aplicar às secções de 2011 (diferentes das secções de 1991) as densidades e
rácios relativos às secções de 1991 abrangidas por cada secção de 2011. A
interpretação requer alguma cautela, mas o método permite a construção de
variáveis relativamente próximas da realidade das secções de 2011 no início do
período estudado. A determinação das distâncias relativas necessitou o cálculo
de um centróide para cada secção, ponderado pela distribuição interna, em 2011,
da população residente.
Outras variáveis, apesar de potencialmente relevantes, não foram integradas. A
falta de informação estatística fiável impediu a introdução do crescimento do
emprego ao nível da secção. A caracterização sócio-económica dos residentes
limita-se a uma aproximação que consiste em relacionar a população com diploma
do ensino superior com a restante população: não era possível, tendo em conta
os dados disponíveis à escala mais fina, calcular outras variáveis. O mesmo
acontece com a variação da população no período imediatamente anterior ao
período analisado (1981-1991), cuja influência se pode ter sentido em termos
de pressão urbana. As variáveis de distância às estações do metropolitano e
aos portos fluviais foram retiradas, por questões de multicolinearidade, e as
distâncias lineares das vias rápidas foram substituídas por variáveis
categóricas, pelas mesmas razões. Por fim, o declive e as distâncias em relação
às vias rápidas e aos centros secundários foram transformados em variáveis
categóricas por não apresentarem relação linear evidente, na sua versão inicial
(variáveis contínuas), com o logaritmo da TCA. O resultado derivado da
transformação confirma, como se verá, a não-linearidade dessa relação entre
esses factores e o crescimento urbano.
O padrão de localização dos edifícios anteriores a 1991 segue a estrutura
espacial bem conhecida da AML: a área central com densidades acima de 20
edifícios por hectare interrompidas por áreas verdes e baixas densidades,
resultando em densidades globalmente baixas quando comparadas com outras
realidades europeias (6,2 em Odivelas e Lisboa, 5,8 na amadora); na AML norte,
a estrutura radial formada pelos três eixos históricos do crescimento urbano
(linhas de Cascais, Sintra e Vila Franca de Xira) concentra o essencial das
secções mais densas (acima de 15 edifícios/ha); na Península de Setúbal,
edifícios concentrados nas margens do tejo (de Almada ao Barreiro) e em alguns
núcleos urbanos consolidados (Setúbal) ou de origem ilegal (Quinta do Conde,
Fernão Ferro). No período mais recente (1991-2011), a distribuição dos
edifícios concluídos alterou-se significativamente (fig._1). Os valores mais
elevados encontram-se em áreas mais afastadas do centro do aglomerado urbano,
em particular ao longo dos eixos A8 e A21 no concelho de Mafra, no conjunto do
concelho de Sintra, incluindo a faixa atlântica, ao longo do eixo da A5 e em
interstícios de áreas mais próximas de Lisboa. Sublinhe-se igualmente a zona
ribeirinha a norte do tejo, não só no Parque das Nações como também em todo o
eixo Lisboa – Vila Franca. A sul, as maiores TCAI encontram-se entre Setúbal e
Lisboa, formando uma frente de urbanização a sul do eixo Almada-Barreiro que se
prolonga para Leste.
A alteração significativa, que se produziu na distribuição espacial das áreas
de crescimento da AML, está patente em termos de comparação inter-concelhia
(quadro_II). Os concelhos de Lisboa, Sintra, Cascais, Loures e Almada
representam, em conjunto, 52,3% do número total de edifícios da AML anteriores
a 1991, mas a hierarquia altera-se quando se consideram os edifícios mais
recentes. Mafra, Seixal, Sesimbra, Sintra e Cascais, com 63 mil edifícios
somados, totalizam 49,4% dos edifícios concluídos no período 1991-2011. Em
termos relativos, as TCA mais baixas são, como era previsível, as de Lisboa e
da amadora, enquanto Sesimbra (3,58%/ano), Mafra, Seixal, Alcochete e Palmela,
todos acima de 2,4%/ano, são os concelhos mais dinâmicos. Tais números não
devem ocultar a importante variabilidade intra-concelhia, com um desvio-padrão
igual ou superior à média. À escala da AML, os edifícios construídos nos
últimos 20 anos constituem 28,5% do total de edifícios recenseados em 2011
(24,9% a norte, 34,3% a sul) mas com importante variabilidade inter-concelhia:
de 11-14% em Lisboa e na Amadora; a proporção atinge 41% no Seixal, 42,9% em
Mafra e 50,6% em Sesimbra.
1. Aplicação do modelo à AML Norte e Sul
O quadro_III apresenta os resultados do modelo aplicado à AML norte e à AML sul
para o período 1991-2011, tendo como variável dependente log10(TCA I). Uma
primeira versão do modelo, sem transformação logarítmica, foi testada mas não
contemplava a assumpção de normalidade da distribuição de resíduos
estatísticos. a transformação logarítmica permitiu a obtenção de uma
distribuição normal dos resíduos e melhorou o ajustamento do modelo, com
valores de f e r2 ajustado mais elevados (f=175,83, p<.0001 contra f=100,51,
p<.0001 no conjunto da AML). Vários testes estatísticos efectuados para validar
a robustez do modelo confirmaram a ausência de autocorrelação de ordem 1 (teste
de Durbin-watson), de multicolinearidade (testes de inflação de variância e de
tolerância) e de efeitos significativos de alavancagem (distância de Cook).
De um modo geral, o modelo é relativamente eficiente, com r 2 ajustados perto
de 0,50, principalmente a sul do tejo – valores raros tendo em conta o elevado
número de unidades espaciais pequenas, com grande volatilidade de trajectórias.
Fica igualmente justificado o tratamento distinto das duas margens do tejo que
evidenciam resultados diferentes no que à influência das variáveis diz
respeito. Os mesmos confirmam algumas das observações habituais, nomeadamente o
efeito da distância em relação a Lisboa, aos centros secundários e às estações
ferroviárias, expressão óbvia da dinâmica expansiva do aglomerado urbano numa
forma pouco concentrada (Barata salgueiro, 1997; Portas et al., 2011).
As densidades (populacionais e de edifícios anteriores) tendem a traduzir-se
por uma diminuição da TCA, o que também era previsível por simples efeito
matemático – a evolução em percentagem é mais diminuta quando o valor inicial é
maior. De maneira contra-intuitiva, os declives médios acima de 10% aumentam a
tendência de construção recente. É possível que este efeito esteja relacionado
com as zonas periféricas, menos saturadas e situadas a norte de Lisboa, embora
não se tenham identificado correlações entre esta variável e as restantes. A
distância da linha de costa apresenta efeitos diferentes a norte e a sul do
tejo, com maiores níveis de construção a Oeste (AML Norte) e, na Margem Sul,
menos edificação. A intensa edificação dispersa nos concelhos de Cascais,
Sintra e Mafra, ou de forma mais concentrada junto às praias (Ericeira), bem
como a densificação do arco ribeirinho a sul do tejo, até à envolvente da Ponte
Vasco da gama, ajudam a explicar esta diferença (Bettencourt, 2009). Em ambos
os sentidos, o efeito é estatisticamente significativo mas ténue.
Três resultados importantes merecem aqui destaque. Em primeiro lugar, a
proporção de grupos de elevado poder aquisitivo na população residente
(variável i ndsup91) diminui significativamente a edificação recente, o que
sugere, como foi atrás referido, uma certa resistência local à densificação e
uma postura de conservação da paisagem e do tecido existente. Este resultado
confirma portanto, no caso da AML norte (mas não da AML sul), uma das hipóteses
frequentemente colocadas na literatura científica e relacionadas com o chamado
“síndrome nimby” (Dear, 1992; Searle, 2007; Ruming, 2014), de surgimento
recente no nosso país de construção democrática e de crescimento urbano tardios
(Marques et al., 2005): a probabilidade de densificação dos tecidos urbanos é
menor em áreas habitadas por grupos sociais com maiores qualificações e um
poder de negociação acrescido (nave e fonseca, 2004). Em segundo lugar, os
coeficientes das variáveis de tecido urbano, sempre muito significativos,
mostram que um maior número de edifícios por habitante em 1991 (tec91) diminui
a TCA, a mesma aumentando com a proporção de edifícios altos (tecpiso) e com o
número de edifícios por alojamento (TECALOJ). Este resultado, sem ser
totalmente claro, pode sugerir o peso das residências secundárias pré-
existentes (faixa atlântica a norte e sul) em áreas que se revelaram repulsivas
quanto a novas construções. Ao mesmo tempo, as áreas com elevadas proporções
de edifícios altos – que tanto podem ser de alojamentos como de escritórios –
foram alvo de elevados níveis de construção no período recente: com efeito, a
fragmentação urbana resulta em larga medida de acções de promoção imobiliária
concentradas em superfícies reduzidas e virada para a maximização da renda
fundiária através de elevadas alturas, acentuando a lógica privada já em
andamento nas décadas anteriores e visível na produção de habitações
unifamiliares num modo expansivo (Barata salgueiro, 1998). Quanto às áreas com
poucos alojamentos comparativamente com o número de edifícios, viram o número
de edifícios crescer, traduzindo aqui o desenvolvimento de parques
empresariais de forma cada vez mais desconcentrada (Barata salgueiro, 1997;
Carvalho, 2010). Finalmente, a proximidade de uma auto-estrada tem variados
efeitos consoante a idade da mesma. Nas imediações (1km) das vias rápidas
anteriores ao período analisado, a TCA do número de edifícios aumenta, mas
apenas na AML norte; pelo contrário, as vias rápidas datadas de 1991-2000
tendem a diminuir o número de edifícios recentes na AML sul, ficando sem efeito
na AML norte; as vias rápidas mais recentes (2001-2011) não induzem efeito
perceptível. A escolha dos limites (1km para as vias rápidas antigas, 5km para
as mais recentes) foi efectuada depois de experimentar vários limites para cada
classe (idade) de vias rápidas (1-5km), tendo-se optado pela configuração que
melhores resultados deu ao modelo. Num estudo anterior aplicado à mesma área
geográfica e ao mesmo período, e em que apenas variáveis de localização
relativa foram contempladas (Padeiro, 2013), as vias rápidas aumentavam
significativamente a probabilidade de a secção apresentar uma elevada TCA.
Este resultado não desmente o anterior, mas demonstra que, se a resultante
espacial da evolução da AML pode ser descrita como uma aproximação entre a
evolução construtiva e as vias rápidas (Mangin, 2004; Domingues, 2006; Santos
Silva, 2010; Blanco, 2012), essa aproximação encontra a sua explicação na
combinação de outras variáveis. De facto, as vias rápidas foram estabelecidas
para responder a uma procura geralmente existente, contribuindo por sua vez
para o crescimento urbano intenso em algumas áreas servidas – caso recente das
A8 e A21, cujo propósito era efectuar as ligações à Ericeira e a Leiria mas
cujos efeitos territoriais ultrapassaram as expectativas nas zonas servidas.
Todavia, mais relevantes ainda são os resultados relacionados com as
estratégias municipais e com as condicionantes de protecção do espaço. Por um
lado, a proporção total de áreas de reserva nacional na secção (variável
Pc_restot) tende a diminuir a TCA, enquanto os espaços agrícolas e naturais não
inseridos em reservas nacionais estão associados a um aumento. As AML norte e
sul apresentam contudo resultados diferentes: a norte, o efeito das reservas é
neutro, tendo as áreas agrícolas e naturais não inseridas em reservas um efeito
positivo marcado; a sul, o coeficiente das reservas é acentuadamente negativo e
o das áreas não inseridas em reservas permanece neutro. Os coeficientes dão
conta de uma forte pressão urbana a norte, que explica o duplo facto de as
reservas não influenciarem uma maior contenção, e as áreas agrícolas e naturais
não Protegidas serem aproveitadas para urbanização, bem como de uma pressão
menos intensa a sul, onde as reservas parecem de facto proteger as áreas em
causa ao passo que as áreas não Protegidas não são alvo de artificialização.
Dito de outra forma, mais do que as reservas nacionais, é a própria pressão
urbana que tem dirigido a urbanização dos últimos 20 anos, o que confirma a
reduzida eficiência intrínseca das áreas Protegidas assinalada por outros
autores (Pardal, 2002, 2006; Soares de Albergaria, 2006), relacionada com as
suas incoerências (Bruno soares, 2004) ou ainda as desafectações de áreas
Protegidas posteriormente à sua aprovação (Pereira e Ventura, 2004). Por outro
lado, uma elevada percentagem de áreas urbanizáveis e (de forma menos
acentuada) de áreas consideradas urbanas no PDM encontram-se associadas a
maiores TCA: para além da pressão exercida sobre áreas agrícolas, o
aproveitamento das áreas de expansão ditou a expansão efectiva. A estratégia
municipal resulta quando vai de encontro com a tendência espontânea ligada ao
mercado, mas tem pouca influência quando choca com a mesma. Por fim, quando
existe uma estratégia expansiva à escala da freguesia onde se insere a secção,
a TCA diminui significativamente – resultado válido apenas na AML norte. Esta
observação pode ter duas explicações. A primeira é que as áreas de expansão dos
PDM, ao colocar pressão nalgumas secções, deixam de lado muitas outras que, por
consequência, ficam livres de edifícios recentes e vêem a sua TCA diminuir. A
segunda é que quanto maior a área de expansão do PDM numa freguesia, menor a
probabilidade da expansão real se concentrar em poucas secções, dando origem a
uma diminuição da TCA por secção.
2. Análise dos resíduos
Os resíduos estatísticos correspondem à variância não explicada pelo modelo, ao
termo εi da equação_(2): o valor do resíduo mede a diferença entre o valor
observado em cada secção estatística e o valor previsto pelo modelo. A partir
dos resíduos foi calculado o índice de Moran, para averiguar o grau de
autocorrelação espacial (Cliff e Ord, 1972; Fischer e Wang, 2011). Um índice
elevado traduz um efeito de contiguidade e/ou de proximidade das unidades
espaciais consideradas, sugerindo a existência de regularidades espaciais que
o modelo não conseguiu identificar. Um índice baixo indica, pelo contrário, que
os processos relacionados com a contiguidade e/ou a proximidade das unidades
espaciais foram bem integrados pelo modelo. Os resultados da análise dos
resíduos do modelo (quadro_IV) mostram de facto sinais de autocorrelação
espacial, maior com a utilização de uma matriz de contiguidade do que com uma
matriz de distância invertida (distância mínima 6,25km) – e sugerem desde logo
a influência das mais curtas distâncias, o que não é surpreendente tendo em
conta a heterogeneidade do tamanho das secções e o elevado número de secções de
área muito reduzida. A colinearidade espacial eliminada pelo modelo é elevada
(75 a 81%) no caso da matriz de distância invertida, naturalmente mais baixa
no caso da matriz de contiguidade (33 a 49%): a uma razoável integração dos
processos espaciais pelo modelo juntam-se outros processos tributários da
proximidade e contiguidade espacial, que convém identificar.
Para uma primeira identificação de processos espaciais que ajudem a analisar a
variância não explicada pelo modelo, recorre-se às proporções, em cada concelho
da AML, de secções que apresentam um valor de resíduo estandardizado inferior a
-1,5 σε (desvio-padrão) ou superior a 1,5 σ ε (quadro_V). Os concelhos que
melhor se ajustam ao modelo (menor proporção de secções fora dos limites [-1,5
σε; +1,5 σε]) são Mafra, Alcochete e Barreiro. Com percentagens acima dos 15%,
os concelhos do Montijo, Moita, Setúbal, Lisboa e Loures são aqueles cuja
evolução o modelo menos consegue captar, representando 46% do total das
secções. A maior volatilidade de valores evidenciada nesses concelhos pode
explicar-se pela justaposição de secções com grandes dinâmicas construtivas e
de outras mais estáveis. A coexistência de valores extremos é própria dos
espaços centrais e pericentrais, devido, por um lado, ao elevado número de
secções estatísticas (de tamanho reduzido e elevadas densidades) por
município, por outro, à multiplicidade de usos, funções, agentes presentes nas
áreas centrais. Não é surpreendente, deste ponto de vista, o resultado obtido.
A figura_2 evidencia a distribuição geográfica dos resíduos estatísticos ao
nível das secções estatísticas. A predominância das secções situadas dentro da
faixa [-1,5 σε; +1,5 σε] sublinha que 87% dos valores reais da TCA se encontram
próximos dos valores previstos pelo modelo. A estrutura espacial dos valores
dos resíduos é de difícil explicação, mas permite retirar algumas ilações.
Várias secções dos concelhos de Loures, Lisboa e Montijo situadas nas
imediações (4-5km no máximo) do acesso à Ponte Vasco da gama, inaugurada em
1998, apresentam elevados valores de resíduos (r > 2,5 σε) – no caso de Lisboa
é fácil identificar o Parque das nações. O possível efeito da Ponte Vasco da
gama, que contribuiu para a emergência de “espaços de oportunidades” nas duas
margens do rio tejo (Morgado 2008) é todavia contra-balançado pelos valores
apresentados por outras secções também localizadas nas proximidades do acesso à
ponte (r < -2,5 σε). As possibilidades abertas em termos de construção pela
entrada em funcionamento da ponte não deixaram de depender de condições locais
e do acompanhamento de políticas específicas e territorialmente abrangentes – a
paisagem urbana heteróclita é precisamente uma resultante das lacunas nesta
matéria (Portas et al., 2011). Um efeito semelhante aparece à volta dos eixos
da A8 e da A21 (Malveira-Ericeira, Venda do Pinheiro-Milharado), com alguns
resíduos elevados. Se bem que o modelo tenha incluídas variáveis de proximidade
às vias rápidas datadas, é possível que alguns efeitos específicos não tenham
sido abrangidos. Em particular, algumas vias rápidas exercem maior
atractividade do que outras, por causa da novidade que constituem nas zonas que
passam a servir: a utilidade marginal de uma zona já servida por outros eixos
será provavelmente menor que a utilidade marginal de outra zona anteriormente
não – ou pouco – servida.
O mapa permite também identificar um efeito repulsivo relacionado com o tecido
industrial no eixo de Vila franca de xira, na margem do rio tejo, o que não
invalida contudo a proximidade de algumas secções a evidenciarem uma forte
tendência para a edificação (Póvoa de santa iria), em localizações próximas das
vias de acesso à capital. Nesta zona oriental de Lisboa fica bem patente a
dualidade reconversão/desvalorização de espaços tradicionalmente
industrializados (Ochoa 2005; Figueira de Sousa e Fernandes, 2012) ou herdeiros
da génese urbana ilegal dos anos 1960-70 (Costa, 2008). Outra zona de repulsão
é constituída por grande parte da faixa atlântica e norte do concelho de
Almada, bem como pela faixa próxima do rio no concelho do Barreiro, que
apresentam sinais de sub-edificação (r < -2,5 σε), possivelmente relacionados
com fortes declives locais não captados pela variável de declive e/ou com uma
maior resistência das actividades agrícolas face à pressão urbana (Norte de
Almada). Na coroa norte do concelho de Lisboa predominam os resíduos elevados,
indicando uma actividade construtiva acima dos valores previstos pelo modelo –
as freguesias da Charneca, Lumiar, Ameixoeira, Carnide e, em menor grau, Campo
Grande, conheceram um forte surto construtivo nas décadas de 1990 e 2000
(Oliveira e Pinho 2010). Outras zonas de Lisboa apresentam resíduos
significativamente negativos, nomeadamente no Parque de Monsanto, apesar da
incorporação de uma variável de conservação de espaços verdes. Finalmente,
convém sublinhar a zona mais ocidental do eixo Lisboa-Cascais, nomeadamente a
zona da Quinta da Marinha que, com grande área de preservação do espaço
natural, apresenta uma TCA igual a 5,67% por ano no período 1991-2011, ligada
ao turismo e habitação de luxo com elevada acessibilidade (Teixeira Lopes
2013).
VII. CONCLUSÃO
Entre 1991 e 2011 concluíram-se 127 900 edifícios na AML. Mesmo que o ritmo
abrande nos próximos anos por força da conjuntura, os números actuais colocam a
área metropolitana sob pressão e obrigam a repensar o sistema de localização
numa forma abrangente de modo a responder aos desafios da acessibilidade, da
automobilidade e das relações funcionais entre os pedaços de territórios que
formam o tecido urbano regional. Nesta perspectiva, a análise estatística
permitiu identificar alguns dos factores da edificação recente e os seus pesos
respectivos, dentro dos quais destacaremos dois componentes. O primeiro é o
papel das decisões do planeamento: em toda a AML, a proporção de áreas de
expansão na secção estatística considerada aparece como principal determinante
da edificação; a sul, uma maior proporção de áreas Protegidas implica uma
diminuição significativa da edificação; mas a norte, quanto maior a área
assumidamente (no PDM) agrícola ou natural, maior a tendência de construção. O
segundo é a localização relativa das novas áreas edificadas e o seu carácter
mono- ou multifuncional: associados a menores graus de edificação encontram-se
os espaços de cariz mais monofuncional, situações em que predomina a habitação
unifamiliar em termos de ocupação do solo. A proximidade em relação aos centros
(Lisboa, centros secundários da AML), às estações do caminho-de-ferro, às
áreas de maior densidade populacional, é factor nitidamente repulsivo.
Realce-se, portanto, do ponto de vista das políticas urbanas, a dupla
consequência dos resultados obtidos. Primeiro, e do ponto de vista do
planeamento de áreas Protegidas, o peso das decisões de protecção no
impedimento final da urbanização é variável e significa que o esforço
institucional não pode consistir apenas no estabelecimento de reservas e
proibições – a resposta aos desafios também depende de um melhor conhecimento
dos contextos locais em que as reservas desempenham, ou não, o seu papel.
Segundo, num quadro geral em que o policentrismo regional é assumido como
orientação do ordenamento e em que se defende a nodalidade e a densidade como
componentes da urbanidade e âncoras do crescimento urbano, a expansão deveria
assentar em políticas de incentivo à construção dentro ou próximo dos
perímetros dos centros secundários – algo que não tem acontecido – e em
transportes colectivos pesados, ao contrário da tendência recente de
progressão das vias rápidas e do carácter expansivo dos PDM (Carranca e
Castro, 2011). É paradoxal a coexistência de orientações urbanísticas
favoráveis ao policentrismo, com políticas públicas de expansão urbana
espacialmente díspares – e lógica a consequente distribuição espacial do
edificado recente, principalmente localizado nos concelhos de Mafra, Sintra,
Cascais, Seixal e Sesimbra. Por fim, as opções tomadas pelos municípios
mostraram os seus limites: fragmentação e preenchimento incompleto de áreas de
expansão sobre-dimensionadas, edificação em paralelo de áreas assumidas como
não urbanizáveis.
É certo que este estudo apresenta alguns limites. A ausência de variáveis como
a fiscalidade local, os preços fundiários e imobiliários, os dados dos empregos
à escala das secções estatísticas, a possível ineficiência de outras (uso da
proximidade das redes onde o conceito de acessibilidade pode ter mais
relevância), a escassez de dados finos que permitam cruzar as variáveis de
edifícios e discriminá-los de acordo com o tipo de ocupação e com os fins a
que se destinam, revelam por um lado uma tentativa de quantificação que
forçosamente se confronta com a sua própria incapacidade em responder a todas
as questões e, por outro, a necessária renovação dos instrumentos estatísticos
ao dispor da investigação científica.