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EuPTHUAp0872-34192012000100008

EuPTHUAp0872-34192012000100008

variedadeEu
ano2012
fonteScielo

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Escola e mudança social: recém-licenciados na área de informática em instituições de ensino superior localizadas na área metropolitana do Porto

Introdução O presente artigo tem por base uma dissertação de Doutoramento em Sociologia, realizado na FLUP e orientado pelo Doutor João Teixeira Lopes. A tese intitula- se Sociedade em Rede e Exclusões Sociais, e foi defendida em junho de 2010.

Apresentamos neste artigo alguns excertos, devidamente adaptados, no sentido de apresentar dados empíricos acerca de um grupo de recém-licenciados em informática, que permitem tecer algumas considerações acerca de continuidades de estruturação de habitus entre instâncias primárias e secundárias desta estruturação.

O objetivo da pesquisa prosseguida consistiu em captar práticas e representações deste grupo privilegiado em termos de afirmação na sociedade em rede e na lógica conexionista que a caracteriza, para, depois, tentar inferir algumas conclusões acerca de grupos sociais que reúnem várias fragilidades em termos de exercício da cidadania e, eventualmente, envolvidas em circuitos de exclusão social. Os dados que se apresentam remetem, diretamente, para a temática da escola enquanto perpetuador ou transformador social, sendo apresentadas as presenças classistas segundo os diversos tipos de ensino em que o grupo de inquiridos se insere. Procuramos concluir acerca de algumas determinações estruturais nacionais no que se pode entender como uma sociedade em transição para a sociedade em rede, a sociedade portuguesa.

1. Informacionalismo e realidade portuguesa: construção de um objeto de estudo A par dos desenvolvimentos tecnológicos mais fantásticos, realidades de pobreza, desemprego e de exclusão social são evidenciados nos meios de comunicação social, ou mass média, também eles fruto dos desenvolvimentos da microeletrónica, que adquiriram maior visibilidade pública a partir de meados da década de 1970. Vários são os autores que procuram dar conta do conjunto de mudanças que caracterizam a terceira vaga, como lhe chamou Alvin Toffler (1982), um pouco à semelhança do que fizeram os fundadores da sociologia, quando tentaram dar conta das mudanças trazidas pela revolução industrial.

A microeletrónica marca uma nova fase do capitalismo, mas nesta nova roupagem continuam a estar presentes desigualdades, formas de demarcação/classificação social e polarizações. Na modernidade tardia, os objetivos da racionalidade iluminista continuam por concretizar.

Na qualidade de cidadãos portugueses, impõe-se-nos uma procura de contextualizar a realidade portuguesa no panorama internacional, procurando perspetivar os fenómenos de desigualdade e de exclusão social no contexto de uma economia globalizada, na qual o domínio de capacidades técnicas vocacionadas para as novas tecnologias de informação e comunicação é determinante em termos de oportunidades de emprego e de exercício da cidadania, sendo que a segunda dimensão abrange a primeira.

O exercício da cidadania é complexo, sendo objetivo de análise a reprodução ou a transformação de práticas e representações por relação a instâncias de estruturação de habitus, como o são a família, a escola e o trabalho.

Valorizamos o potencial transformador das TIC, mas pretendemos evidenciar continuidades entre estas instâncias.

O estudo que serve de base ao presente artigo centrou-se num grupo que reúne todas as competências em termos de domínio teórico-prático das novas tecnologias, sendo que assumimos que as práticas e representações que o caracterizam poderão revelar os verdadeiros contornos (o alcance) da transformação social que se pode associar ao uso de TIC, permitindo ilações relativamente a outros grupos sociais mais fragilizados, entendendo-se a realidade planetária no âmbito da sociedade em rede.

2. Tecnologias de Informação e Comunicação, Mudança Social e Risco Se, por um lado, o senso comum conta de uma homogeneização nos modos de pensar e de fazer, assumindo como diapasão a cultura dos países de referência na produção e no consumo, esta homogeneização ' efetiva ou com nuances locais ' não se faz acompanhar por um sentimento generalizado de segurança ou confiança no presente, e, muito menos, no futuro.

É neste contexto de mudança e de incerteza ' risco ' que pretendemos contextualizar a análise do combate à pobreza e à exclusão social, no seu relacionamento com as TIC. O peso crescente das indústrias culturais, a importância do saber, da sua produção, circulação, armazenamento, distribuição e consumo, conduzem a uma reflexão acerca do papel que as novas tecnologias podem desempenhar no desenvolvimento do nosso país, nem central, nem totalmente periférico no sistema-mundo.

Como coexistem dinâmicas de reprodução e de mudança social, e em que moldes o potencial modernizador destas tecnologias ' que permitem uma sociedade da comunicação e informação generalizada ' se conjuga com o peso das estruturações de práticas e representações realizadas em contextos de socialização primária, é o que pretendemos averiguar.

Estas outras questões ganham força numa altura em que alguma análise social pondera a possibilidade de integração social, pela via do trabalho, de setores desfavorecidos ou, até, integradores do grupo alargado dos excluídos. Qualquer proposta de intervenção e planeamento social realista não poderá ser alheia à investigação realizada, que conclui das multidimensionalidades dos processos de exclusão social, sendo de ponderar no terreno os efeitos objetivos de políticas que se referem à formação ao longo da vida (Liikanen, 2006), tanto na sua vertente de aliciamento, como de utilidade para a generalidade dos grupos sociais em presença em países com formas arreigadas de resistência à mudança social.

A sociedade da comunicação generalizada ' a sociedade em rede ' alicerça-se numa economia global e numa tecnologia de informação comum, e se podemos pressupor que, a partir de diferentes contextos históricos e culturais as economias e as sociedades podem alcançar níveis similares de informacionalismo tecno-organizacional (Castells, Himanen, 2007: 4), será pertinente pesquisar acerca dos moldes em que se configura a nossa realidade particular.

3. Informacionalismo: entre o Global e o Local Os autores da abordagem informacionalista são os primeiros a alertar para a diversidade de graus e de ritmos da mudança a que nos referimos, afirmando as propriedades de diversidade que esta realidade global pode assumir, consoante o nível de desenvolvimento das sociedades onde ocorre, bem como dos seus particularismos culturais. Contudo, onde uma perspetiva analítica do desenvolvimento pode visualizar novas oportunidades, uma outra pode visualizar os mesmos mecanismos de mercado e, basicamente, a mesma desigualdade e exclusão sociais, que permeada pela presença das novas tecnologias de informação e comunicação. As mesmas tecnologias que permitem a inovação e o desenvolvimento, a sociedade em rede e a economia do conhecimento, podem estar na origem de precarizações e marginalizações a vários níveis.

É uma temática identificada por Sampaio, organizador de um conjunto de debates que se fulcram no núcleo da realidade das redes globais, nas quais que situar o território nacional, caracterizado por pesados défices de literacia, cultura experimental e inovação enraizados na sociedade portuguesa (Sampaio, 2006: 420). A definição de políticas equilibradas e eficazes implica esta temática de análise, com o fito em três desígnios a conciliar: objetivos de desenvolvimento nacional, aperfeiçoamento do Estado de Direito e combate às desigualdades sociais (Sampaio, 2006).

Partindo do pressuposto de que o desenvolvimento de qualquer país é indissociável das suas características estruturais, diríamos que Portugal terá condicionantes específicas que o caracterizam num contexto económico de matriz mundial. Encaminharíamos, assim, as nossas preocupações de estudo para a adaptação do crescimento e do desenvolvimento nacionais a um modelo informacional, baseado na difusão e no uso de novas tecnologias de informação e comunicação, anunciado cada vez mais na continuidade de abordagens que usam termos como o de modernização reflexiva(explorados oportunamente mais adiante nesta investigação).

Convém referir, desde , que vamos incluir no conceito de TIC, termo usado frequentemente neste trabalho, o conjunto convergente de tecnologias em micro- eletrónica, computação (software e hardware), telecomunicações/radiodifusão e ótico-eletrónica, e até a engenharia genética e as suas aplicações (Castells, 2005: 34).

Mais do que explorar os usos em termos de produtividade e de crescimento económico permitidos pelo uso das novas tecnologias, teríamos em mente usos das TIC que se prendem com a gestão do espaço público, com reformulações dos moldes em que a cidadania é exercida, e logo nos moldes em que a democracia pode ser reconfigurada.

Supomos que as conclusões obtidas junto deste grupo da população, acerca das suas práticas e representações, nos permitirá prefigurar o impacto de políticas sociais que pressupõem o informacionalismo (nas múltiplas leituras de que pode ser alvo) como orientação de futuro, ponderando a familiarização com as TIC como a resposta para a integração social de grupos em situação (ou risco) de exclusão e como aposta de integração da economia nacional nas dinâmicas mundiais que a envolvem, podendo avançar (reconfirmar talvez) algumas conclusões acerca dos moldes que caracterizam esta integração.

4. Razões para uma delimitação territorial do objeto de estudo: a área metropolitana do Porto Identificámos um objeto de estudo ' práticas e representações dos recém- licenciados na área da informática ' faltando agora circunscrever geograficamente o nosso universo de análise. Escolhemos a área metropolitana do Porto2 . Faremos recair justificação desta circunscrição geográfica nas suas características únicas que a tornam um local de excelência para a prossecução de um estudo acerca de impactos de novos modelos de desenvolvimento assentes e usos de tecnologias novas.

Identificaríamos características como sendo, além de constituir o segundo maior aglomerado populacional do país, um espaço caracterizado pela coexistência de dualidades diversas. Por um lado, é o espaço urbano que coexiste, lado a lado, com o espaço rural, nas dimensões objetivas e simbólicas que lhes estão associadas. Por outro lado, é um espaço onde ocorre a oferta de formação e de emprego com exigências de qualificação muito díspares, onde as baixas ou inexistentes qualificações são solicitadas a par das altas qualificações. É, também, um espaço onde a inovação (a vários níveis) coexiste com o atavismo e a resistência à mudança, o mesmo acontecendo com os estratos sociais, em que as elites coexistem com grupos sociais mais desfavorecidos.

Estas características observáveis no espaço dão origem a uma dinâmica muito própria de conjugação multidimensional, razão da sua organização polinuclear, sendo as hierarquizações espaciais e as lógicas que lhe estão inerentes relacionáveis com as situações diversas de exclusão social em presença (Guerra, 1992).

5. Tecnologias de informação e comunicação e exclusões sociais Não podemos dissociar as temáticas da cidadania e logo da democracia, do trabalho e logo da integração social. Não podemos separar o trabalho, qualificações e possibilidades das tecnologias em uso. Não podemos separar a cidadania da participação na gestão do coletivo mediante o uso de recursos comunicacionais (TIC, por exemplo) e pelo emprego, as principais formas de estruturação e alargamento das redes de relações pessoais no nosso país. Não podemos separar as TIC das qualificações, sendo óbvia a referência à família, à escola e ao trabalho nos moldes em que se interpenetram, formando um todo dinâmico e multiforme estruturador de disposições para as práticas, práticas estas também elas estruturadoras de disposições, num processo de reconfirmações ou de reestruturações mediante o qual terá que ser ponderado o informacionalismo por relação a características estruturais nacionais.

6. Continuidades e descontinuidades entre estruturações de habitus nos contextos família, escola e trabalho Com o objetivo de inteleger o social, Bourdieu recorre ao conceito de habitus, que corresponde a um conjunto de disposições culturais duradouras associadas a uma posição social e resultantes de um processo de inculcação. O habitus primário é inculcado pelo meio familiar e pela classe social de origem.

Justapondo-se ao habitus primário, o habitus secundário adquire-se, nomeadamente, através das atividades escolares e profissionais. Este habitus tem uma relação de estruturação mútua (condicionando práticas e representações) com o volume e a estrutura de diversos capitais que qualquer indivíduo detém e determinado momento da sua trajetória de vida.

No espaço social, quem impõem as regras, impõe, também, (des) identificações culturais/simbólicas com os capitais valorizados, impõe e gere a violência simbólica. É o caso do capital cultural, que sendo veiculado na escola, estará mais próximo das classes médias e de elites culturais e mais afastado das classes populares, usando a linguagem de Bourdieu. O poder simbólico é exercido pelas pessoas e grupos que estão em posições de o gerir. Mesmo na carreira académica, o saber científico constituidor do homo académicus (Bourdieu, 1989) como legítimo, obriga-o ao uso de uma linguagem conceptual específica, rejeitando outras. Boaventura de Sousa Santos (2006) fala do epistemicídio que tem caracterizado a modernidade. A linguagem popular, e o conjunto das suas práticas, a sua cultura marcam uma desvantagem de partida no acesso a capitais como os que caracterizam a cultura cultivada, sendo os critérios de qualidade nos possíveis consumos culturais, uma grelha classificatória, que parecendo natural, indica os critérios (socialmente construídos) da sua avaliação.

Esta violência pode não ser percebida, porque é vulgar que as pessoas não vejam o social como o resultado de processos históricos de reprodução e mudança social. O tempo e o espaço, visualizados instantaneamente permitem atributos de naturalidade inquestionável ao social no qual o indivíduo se movimenta. Desta forma, as presenças, os sucessos e os sucessos escolares podem afigurar-se como naturais aos indivíduos que os protagonizam, sendo que, em contexto da escola e do trabalho, reproduzem habitus estruturados, primariamente, na família.

Assim, poderemos entender os percursos de exclusão como incapacidades ou impossibilidades dos agentes sociais pertencentes aos mais diversificados campos conseguirem protagonizar relações de força asseguradoras dos posicionamentos sociais por inacessibilidades aos mais diversos tipos de capitais socialmente situacionadores dos indivíduos. Sendo estes campos dinâmicos, não estáticos, diríamos na linha de Bourdieu, que os agentes situados, mais ou menos centralmente, nestes campos tentam subverter, permanentemente, as lógicas de valorização social que os organizam, de modo a alterar posicionamentos existentes e a conseguir posições mais centrais no espaço social.

Os excluídos estarão, não apartados da possibilidade de afirmação nos campos sociais, pela não posse de capitais (que se podem estruturar segundo uma infinidade de combinações), como ainda as práticas e representações que os caracterizam são eles próprios evidências de um habitus composto por disposições não valoradas (estrutura estruturada) e eles próprios estruturantes da sua posição social desfavorecida (estrutura estruturante), funcionando como operadores simbólicos desvalorizadores/excluidores socialmente (Bourdieu, 2003).

7. Escola e efeito de destino A análise social da ação razoável (Bourdieu, 1997: 114), racionalizável, obriga a um uso de conceitos como os de habitus, campo, interesse ou illusio (Bourdieu, 1997:114), evidenciando a diversidade, o conflito, a reprodução e a conservação. A diferença existe e persiste no espaço social (Bourdieu, 1997). O Espaço social é mapeado com um conjunto de posições de agentes. Mas este mapa de posições, como as que são evidenciadas na construção analítica de classes sociais, pode ser inteligível no âmbito do que estes agentes fazem e pensam coletivamente, e que se materializa na cooperação e no conflito. Estas práticas e representações são percetíveis empiricamente, e inteligíveis quando são situadas historicamente, que o campo social é composto por um historial próprio do desenrolar de estratégias de ação dos agentes que se situam neste espaço (Bourdieu, 1997). Mais ainda, a estrutura de um campo é o estado das relações de poder entre agentes ou instituições envolvidos na luta pelas posições centrais (Bourdieu, 1997). Este princípio de análise em que se privilegia a explicação do social pelo social é fundamental para não recair em explicações psicologistas da ação social produzida coletivamente.

Os capitais estruturadores de posições de agentes no campo social, o capital cultural e o capital económico, por exemplo, ganham propriedades heurísticas na análise social, somente quando enquadrados no illusio do social, em termos de disputas por lugares mais centrais no campo social. Em La Distinction (1979), o autor mostra como estes capitais objetivam distinções sociais, por relação a uma lógica de valorações de prática e representações nos quais se objetivam.

Estas valorações obedecem a uma lógica que não é natural, sendo o produto de estratégias de reprodução das lógicas de avaliação e dos seus detentores, precisamente os ocupantes dos lugares centrais nos campos. Estes agentes centrais funcionam como os porteiros do espaço e da centralidade do espaço, e as lógicas/regras de avaliação como um autentix, um descodificador certificador.

Os agentes que ocupam os lugares centrais detêm o poder simbólico, ou seja, o poder de impor os juízos de valor. Salvaguarda Bourdieu que este poder simbólico existe definido e contextualizado numa relação entre os que exercem o poder e os que lhe estão sujeitos (Bourdieu, 1989: 14), relação percetível no âmbito das dinâmicas que caracterizam cada campo, a estrutura do campo, formada pelo historial de estratégias de dominação e de subversão destas regras ' que reconfirma o próprio campo. Os sistemas simbólicos têm existência, não per si, mas no contexto dos campos, na existência relacional entre agentes. Estas relações que decorrem de posições de força fazem do poder simbólico um poder subordinado a outras formas de poder, uma forma de poder irreconhecível, transfigurada e legitimada, das outras formas de poder (Bourdieu, 1989: 15). As classes dominantes usarão uma linguagem inscrita num sistema simbólico, linguagem que os identifica como constituintes dessas classes, separando-se, assim, das restantes.

É no âmbito desta imposição de visões do mundo, que se inscreve o papel reprodutor da escola. As visões do mundo são ideologias, e as ideologias servem interesses de classes e frações de classe específicos. Esta perspetiva desreifica a violência simbólica exercida por quem pode, em determinado momento histórico da luta simbólica entre classes e frações de classe pela imposição da definição de mundo social (Bourdieu, 1989: 11).

A força de determinadas práticas e opiniões distintas das vulgares, reside, precisamente, nos moldes em que a distinção entre agentes é efetuada. Quem ocupa as posições centrais diz aos outros o que tem que ser valorizado em termos de gosto, tornando as posições ideológicas como óbvias e não resultantes de outros interesses que não o da estética em si (Bourdieu, 1997). A estética dominante é a estética disponível, universal, sendo a inteligência não valorizável quando percorre outros sistemas simbólicos alternativos (que são impensáveis, imponderáveis). Quem monopoliza um determinado capital, que é a base do poder ou da autoridade num campo específico, tende para a ortodoxia, tende para estratégias de conservação, que esta conservação garante a centralidade das suas posições (Bourdieu, 1997). O conceito de habitus integra esta atividade de perceção e classificação, transformando numa verdadeira linguagem as opiniões expressas pelos agentes, as suas práticas e os bens possuídos, com base em categorias sociais de perceção, categorias que são princípios de visão e de divisão (Bourdieu, 1997: 9). Esta gramática de interpretação do social e as regras de funcionamento do campo social, um campo formado por campos distintos, explica o papel de reprodução social desempenhado pela instituição escola, que separa, certificando com títulos académicos, os detentores estatutários da competência social, do direito de dirigir (Bourdieu, 1997: 23), dos que não têm esse direito, naturalizando clivagens sociais. A escola mantém a ordem social preexistente, quer dizer, a distância entre alunos dotados de quantidades desiguais de capital cultural. Mais precisamente, através de toda uma série de operações de seleção, separa os detentores de capital cultural herdado dos que são desprovidos dele. Sendo as diferenças de aptidão inseparáveis de diferenças sociais segundo o capital herdado, tende, desse modo, a manter as diferenças sociais preexistentes (Bourdieu, 1997: 22).

A lógica escolar é a lógica do efeito de destino (Bourdieu, 1997: 29). Sob o pretexto da posse ou não posse de inteligência, cumpre-se um destino social por parte de herdeiros de capitais em estrutura e volume diferenciado. Bourdieu contempla a possibilidade de transformação social, e no caso concreto dos recém-licenciados que estudámos, esta possibilidade fica bem patente nas presenças verificadas no ensino superior por parte de classes e frações de classe que, a princípio, não têm afinidade com o campo escolar, que estão distantes da linguagem que o caracteriza.

Falar de reprodução social implica realizar uma referência obrigatória à instituição escola, entendendo-se a escolarização como um contexto de aprendizagem social, fundamental na construção de identidades coletivas e de classe, dotada de autonomia relativa por relação a outros campos (Pinto, 1991), como o do trabalho ou o da política (Magalhães e Stoer, 2002).

As virtualidades da abordagem da importância da Escola enquanto estruturadora de práticas e representações da população revestem-se de fulcral importância aquando da ponderação da sua eficácia enquanto transformador de habitus formados em contexto familiar ou do trabalho (Pinto, 1991), ou enquanto reprodutor de habitus familiares, dando continuidade a presenças e formas de presença diferenciadas no ensino, e concretamente no ensino superior (Fernandes, 2001), reprodutoras do sistema social e da estrutura de classes, impossibilitando o conjunto de mudanças caracterizadoras do informacionalismo (Castells, 2005), de uma nova fase do capitalismo a nível planetário e, concretamente, a nível do nosso país. Encaramos aqui a escola como a instituição capaz de mais rápida e eficazmente difundir e permitir o acesso da generalidade da população às TIC.

8. Os ‘herdeiros' e a mercadorização do ensino É uma realidade que o acesso ao saber académico pode configurar um caminho diferencial na procura de títulos académicos, com consequentes inerências no acesso a emprego prestigiante e compensador em termos económicos, e com consequências na reprodução das desigualdades sociais. Contudo, a instituição escola pode funcionar como o mecanismo perpetuador das desigualdades sociais, dirigindo a sua cultura a herdeiros de disposições simbólicas, que a encaram como sua, enquanto que os não-herdeiros a consideram uma imposição/violência (Clavel, 2004). Clavel fundamenta as suas afirmações na obra Les Heritiers, datada de 1964 e elaborada pelos sociólogos P. Bourdieu e J. C. Passeron, sendo de referir que a abordagem destes dois autores serve de base a todo um conjunto de estudos ainda hoje com pertinência no que respeita à investigação social e à intervenção nas suas componentes instrumentais e ideológicas, no sentido de questionar/avaliar o alcance da escola enquanto instrumento democrático da mobilidade social e também a sua função de legitimar ' e logo, em certa medida, de perpetuar ' as desigualdades de oportunidades face a uma cultura em mudança, através dos métodos de avaliação que aplica, de privilégios socialmente condicionados e merecidos ou de ‘dons' pessoais (Bourdieu e Passeron, 1964: 194). Com esta obra, os autores supracitados afirmam a presença no sucesso/insucesso escolar de heranças familiares no que respeita (muito para além do capital económico) ao papel da herança cultural, capital subtil constituído de saberes, saber-fazer e saber dizer, que as crianças das classes favorecidas devem ao seu meio familiar e que constitui um património de longe mais rentável que professores e estudantes recusam entender como um produto social (Bourdieu e Passeron, 1964:194). A cultura escolar destina-se apenas aos eleitos, para alguns capazes de a incorporar, transmitir, reproduzir sem bloqueios, não lhe oferecendo resistência, não protagonizando violências simbólicas face ao saber escolar. Mais ainda, a escola torna natural a exclusão social, que o insucesso escolar é assumido como uma inerência individual natural, não questionando a possibilidade de aprendizagem de outros universos culturais alternativos não conotados com classes sociais interessadas em manter as suas posições sociais (Clavel, 2004). Se o indivíduo não tem sucesso escolar é natural que não tenha um título académico que o classifique como mão de obra qualificada, logo o não acesso ao mercado de emprego é, também ele, natural e acompanhado por sentimentos de culpa pessoal (Clavel, 2004). Nesta linha, a criança ou o jovem abandonam a escola dada a incompatibilidade de mundos em presença. Não se sentem motivados para a aquisição de "habilidades vendáveis" como refere Max Weber (Fernandes, 1991: 42).

O próprio saber escolar e os títulos académicos que o certificam estão a ser, eles próprios, estruturados e segmentados com objetivos de mercadorização, constituem-se em produtos educativos, levantando novas questões em torno do caráter emancipatório da escola, do acesso e do sucesso escolar e, logo, do seu papel no alicerçamento da democracia, bem como em torno da lógica de aplicação prática dos saberes escolares no mundo do trabalho, sendo que o mundo do trabalho e as necessidades de mão de obra do capitalismo, visualizado em termos mundiais, podem colocar em causa a autonomia do sistema de ensino face a lógicas externas contrárias aos moldes do ensino como o idealizou Rousseau, ao propor uma obrigação ao ensino: a de ser um emancipador, um transformador social (Magalhães e Stoer, 2002).

Os estudantes e suas as famílias ponderam as probabilidades objetivas de mudança no campo social ' estratégias de ascensão social ' por intermédio da escola, e, concretamente, pela posse dos referidos títulos académicos. Neste caso, a escola assume o papel de uma instância de transformação de habitus familiar. Em determinado momento histórico, um agente social pode entender que vale a pena a sujeição a um código que não é o seu (illusio), interiorizando a noção de que vale a pena fazer o jogo do campo e sujeitar-se às suas lógicas (collusion), e, estrategicamente, prosseguir à transformação da estrutura e do volume dos seus capitais, sendo observável uma evolução no tempo, uma trajetória de alteração do seu habitus ' disposições, conjunto de regras estruturadas de ação e de julgamento. Estas estratégias de subversão de posições nos campos podem ocorrer por necessidades de reprodução do campo, transformando o volume e a estrutura de capitais distinguidores de posições (situs), ou movimentando-se de modo a que os capitais que possui sejam mais valorizados que outros capitais que mantêm os agentes situados numa posição (Bourdieu, 1997). Os agentes que detêm capitais valorizados e estruturados de forma a que se confirmem mutuamente tendem para a doxa, para estratégias de manutenção (ataraxia), mas quem não possui capital em volume e estruturação conforme a posições vantajosas pode alterar capitais herdados, mediante a prossecução de estratégias de mudança.

9. Individualismo, reflexividade e risco Ponderar a questão da mudança social justifica referenciar aportes de autores anglo-saxónicos no que respeita a dinâmicas de transformação aos mais variados níveis (individual e institucional). Segundo Beck, as fontes de significado individual e coletivo estão-se a perder alicerçando-se a noção de progresso individualizado (Beck, 2000: 7). Ou seja, em face de um cosmopolitismo global (Beck, Giddens e Lash, 2000: VI) que caracteriza a orientação "mono-ia" do desenvolvimento assente na modernização progressiva, por consequência da aplicação das novas tecnologias da informação e comunicação, cabe ao individuo ser o mestre do seu próprio destino. Não falamos de um indivíduo que, tal como assinalaram os clássicos, tem que lidar com certezas feudais e religioso-transcendentais (Beck, 2000:7) e libertar-se delas, mas de um indivíduo que assume como única certeza, a incerteza e o risco em todas as dimensões da sua vida. As oportunidades, ameaças e as ambivalências da biografia, que antes podiam ser ultrapassadas no grupo familiar, na comunidade ou recorrendo a uma classe ou grupo social, têm de ser cada vez mais percebidas, interpretadas e geridas pelos próprios indivíduos (Beck, 2000: 7-8).

Contrariamente a Touraine, Ulrich Beck afirma que existem desigualdades crescentes, mas as desigualdades de classe e a consciência de classe perderam a sua posição central na sociedade (Beck, 2000: 8). A mobilização é individual por relação a interesses individuais partilhados. Diríamos nós que se trata de um regresso do ator, mas informatizado e, logo, informado, pelo menos dos assuntos que constituem os seus interesses. Os indivíduos, para Beck, Giddens e Lash (2000: IX), são mestres do seu próprio destino, o self fragmenta-se em diversos selfs que procuram gerir e rentabilizar o melhor possível o conjunto de oportunidades arriscadas que a complexidade do da sociedade moderna oferece, sendo que esta complexidade que proporciona oportunidades também é impeditiva de dar lugar a decisões sólidas e responsáveis (Beck, 2000: 8). Segundo Beck, esta individualidade reflexiva ' o progresso individualizado ' dará lugar não a uma morte do espaço político, mas a uma reconfiguração da política, agora supra partidária, para além da direita e da esquerda, que recai na auto- organização, entendida como uma reunificação das forças livres nos estratos mais profundos da sociedade, na atividade económica, comunitária e política. A auto-organização significa a sub-politização (reflexiva) da sociedade (Beck, 2000:39). A política "estabelecida" e materializada no discurso e projetos partidários não decide a grande maioria dos assuntos coletivos (agora individualizados), que andam a "reboque" das alterações, a vários níveis, despoletadas pelo progresso ligado ao uso das novas tecnologias, independente da vontade dos próprios Estados. A palavra de ordem na modernidade reflexiva é a negociação, vestindo o Estado o papel de negociador com os interesses individuais coligados, e, assim, capazes de negociação. Muito deste entendimento está contido no denominado New Public Management, em que o Estado abandona antigas funções com ele conotadas assumindo-se, cada vez mais, como um árbitro, mais do que a figura paternal que ocupa todas as dimensões do serviço público (Moreira, 2002).

10. Escola, trabalho e globalização Para conclusão da análise das estruturações operadas pelo contexto escolar e do trabalho na aquisição e aplicação de saberes capazes de reconfigurar a realidade social portuguesa, adiantaríamos apenas algumas conclusões, indiciadoras de estruturações difíceis de redefinir, que nos remetem para o mundo da escola e do trabalho e para dificuldades de regulação social, assentes em pressupostos da sociedade industrial, que nos encurralam entre demissões do Estado no que respeita ao serviço público e ausência de protagonismos por parte da sociedade civil para colmatar estas demissões ‘desregulantes'.

Adiantaríamos, assim, que a mundialização da economia, caracterizada por uma ideologia neoliberal, abre caminho a um conjunto de incertezas/pobrezas e exclusões que se naturalizam com a capa da flexibilidade (condição de competitividade), mas que vêm precarizar algumas existências, até pouco tempo, garantidoras de posições centrais no espaço social. Esta precarização pode conduzir, naturalmente, à exclusão social e pode atingir grupos que, outrora, se encontravam a salvo, dando lugar a novas formas de exclusão e a situações em que se alguns conhecem o sucesso, outros apenas conhecem o fracasso (Fernandes, 2000), multiplicando novos espaços de precariedade.

Em vários países (como a França), os sinais de mudança iniciam-se nos anos 80, assistindo-se a um estilhaçar do trabalho (Clavel, 2004: 67). Vulgariza- se a precarização dos empregos, com a justificação da flexibilidade e da seletividade, sendo usada como forma de ajustar as necessidades das organizações em termos de mão de obra às necessidades do mercado e da produção (Clavel, 2004: 67). Nestes países, onde se tem revogado os compromissos do Estado-social, desenvolveram-se uma multiplicidade de medidas para minimizar os impactos desta precarização do emprego que são tanto formas precárias como atípicas de emprego (Clavel, 2004: 67) que podem conduzir em direção a uma carreira nos circuitos de exclusão (Clavel, 2004: 78).

11. População e amostra Como população em análise delimitámos, como foi supracitado, o conjunto dos recém-licenciados na área da informática em instituições do ensino superior presentes na área metropolitana no Porto. Por recém-licenciados entendemos licenciados um ano (por relação à data de início da nossa pesquisa, no ano letivo de 2006-2007), ou seja, no ano letivo de 2005/2006.

12. Análise de resultados: sexo e vencimentos Verificámos presenças díspares no que toca ao sexo no grupo dos inquiridos. Se bem que a amostra atingida não seja significativa ou representativa, esta presença desigual de sexos é verificável nas estatísticas oficiais. Previamente a uma apresentação em termos de lugares de classe que caracterizam os inquiridos, apresentamos também a variação dos vencimentos observados, condicionados à variável sexo (tabela_2).

Observamos uma presença desigual de sexos nas licenciaturas em informática, mas mais paradoxal é a disparidade que se verifica entre sexos, em termos de salários auferidos. Se 15,5 % dos inquiridos aufere um salário líquido de mais de 1500 euros, destes, apenas 2 (7,4% das mulheres) casos são mulheres, sendo que os homens reúnem 25 frequências (17% dos homens). Entre os 1001 e 1500 euros, para 44,2% de homens, temos 37% de mulheres. Se apenas 5,4% dos homens se situa na categoria de entre 500 e 750 €, esta categoria reúne quase 30% das mulheres.

13. Lugares de classe individual e de origem O recurso ao cruzamento entre o lugar de classe individual (LCI) e o lugar de classe de origem (LCO) demonstra uma continuidade estrutural entre habitus primário e procura de títulos académicos, com repercussões óbvias no trabalho desempenhado. A procura de títulos académicos também origina a lugares de classe individuais em presença com origens que recaem, maioritariamente, na PBIC3 , mas que podem ter outras origens de classe, eventualmente como estratégia de ascensão social intergeracional, como o demonstra a tabela_3.

As presenças no ensino superior verificadas indicam "recrutamentos" plurais em termos de LCO, mostrando que o acesso às licenciaturas em informática (o caso que estudamos) não é privilégio de algumas frações de classe, e que é nas frações da pequena burguesia que encontramos uma maior aposta num título académico como estratégia pessoal e familiar de ascensão social. Contudo, os números revelam uma realidade estrutural de manutenção de lugares de classe, que é claramente revelada, mas que pode ser mais pormenorizadamente observada se considerarmos os níveis de ensino presentes no agregado familiar de origem.

14. Tipo de ensino frequentado e níveis de ensino presentes nos agregados familiares de origem A reprodução estrutural pela via escolar acaba por emergir mais claramente quando cruzamos o nível de ensino mais alto do agregado familiar com o tipo de ensino a que corresponde a licenciatura realizada. São evidenciadas disparidades no recrutamento para o superior e para o politécnico, recaindo, neste último, os níveis de origem mais baixos. O caso do particular politécnico acaba por ser o mais ilustrativo dentro destas disparidades, com 65,5% dos licenciados com origem nos estratos mais baixos em termos de posse de capital cultural4 .

A tabela_5 mostra que o nível de ensino da mãe acaba por ser mais determinante nas frequências observadas, pois embora a análise referente ao agregado familiar demonstre a presença mais significativa do nível de ensino alto, são as mães que reúnem maiores frequências observadas para o nível de ensino alto, como mostra a tabela_5.

15. Lugar de classe de origem e tipo de ensino frequentado Vejamos agora os lugares de classe de origem (LCO) e o tipo de ensino frequentado: público ou privado, politécnico ou universitário (tabela_6).

Os dados obtidos revelam a possibilidade de mudança em termos de classe social pelo acesso ao ensino superior, sendo possível a ‘fuga' a lugares de classe de origem menos valorizados socialmente.

16. Os dados de 2009 Cardoso e outros afirmavam, seis anos atrás, e caracterizando a realidade portuguesa, que o atual momento de transição, entre um proto-industrialismo e um estádio de informacionalismo ainda relativamente incipiente, está por um lado próximo do modelo de produção industrial, pois mantêm em níveis relativamente elevados (bastante mais de um quarto da força de trabalho) o seu emprego industrial, mas ao mesmo tempo incorpora dimensões próximas de um modelo económico de serviços, em que se enfatiza uma nova estrutura de emprego na qual a diferenciação entre várias atividades de serviços se torna o elemento chave para a análise da estrutura social (Cardoso e outros, 2005: 115-116).

Efetivamente, Portugal caracteriza-se por um número reduzido de profissionais altamente qualificados (Cardoso e outros, 2005), confirmando a sua qualidade de economia ou sociedade proto-informacional. Esta qualidade de "proto" remete, diretamente, para o caráter exclusivista, distintivo, da presença no ensino superior, para não abordar distinções entre tipos de ensino superior. Esta luta por posições sociais asseguradas pelo ensino superior pode, ainda, configurar-se por lógicas que têm caracterizado as últimas fases da ditadura e todo o período de democracia, salvaguardando, evidentemente, as transformações que se têm verificado, especialmente no que se refere a LCO e ao sexo em presença. Os dados do quadro 2 (baseados nos dados disponibilizados pelo GPEARI), permitem identificar algumas nuances nos dados existentes, por agora apenas para o ano letivo de 2008/2009, quando comparados com os dados de 2005/2006.

O peso das mulheres no total diminuiu, podendo afigurar-se como uma tendência futura difícil de contrariar. Reduções em termos totais também se apresentam no ensino particular, sendo o aumento no número total de licenciados atribuível ao ensino público, e, mais concretamente, ao universitário.

Os novos dados disponíveis carecem de um estudo classista aprofundado, e as interpretações com base em dedução podem pecar pelas lacunas e outras tantas incertezas. Poderemos interpretar, por exemplo, a diminuição de efetivos no ensino privado, e concretamente no ensino politécnico, como uma constatação de um acesso ao ensino superior mais democratizado (generalizado a todas as classes sociais) ou como um corte (até por razões económicas) da possibilidade de cidadãos oriundos de LCO caracterizados por baixo capital cultural acederem ao ensino superior. Fica a sugestão para um estudo posterior, com intentos de comparação.

Conclusões Em conclusão, podemos adiantar que os resultados induzem, desde logo, a concluir um relativo fechamento/restrição dos grupos sociais em presença na amostra atingida. A transformação social é permitida pela escola, é verdade, mas os grupos que dela participam revelam presenças díspares no ensino superior vocacionado para a informática. À pequena burguesia cabe o mais significativo papel transformador de lugar de classe individual permeado pelo acesso a títulos académicos. Em termos de lugar de classe de origem a pequena burguesia de execução e a pequena burguesia agrícola pluriactiva ' o retrato da realidade social em presença caracterizada pela rurbanização e por possibilidades de trabalho específicas que estruturam as últimas décadas em termos das suas "possibilidades" nacionais e regionais. Estas duas frações de classe reúnem um número muito semelhante àquele que a pequena burguesia intelectual e científica reúne per si. Esta fração é a que está mais presente, assinalando, objetivamente, a reprodução social no seu seio, colocando a escola ao serviço desta reprodução, realizada, tanto no ensino público, como no ensino privado, mostrando-se nos nossos dados uma preferência pelo universitário, em detrimento do politécnico. O ensino politécnico, e especialmente o privado, apresentam-se como a via possível e usada para a obtenção de um lugar de classe desejado, distante do de origem, por parte das formações mais desprovidas de capitais diversos. Não deixa de ser interessante verificar que o peso que a habilitação literária das mães tem, é muito mais determinante que a dos pais, em termos de procura do título académico em estudo. No agregado familiar de origem, o peso estruturante dos pais é desigual consoante os sexos, sendo paradoxal que esta influência não se repercuta, depois, nos sexos em presença no grupo estudado, que se caracteriza por um número relativamente reduzido de mulheres. Se nos centrarmos no lugar de classe individual, uma conclusão é óbvia, a de que a componente económica pode jogar, e joga, muito a "favor" destes licenciados. A integração nos subsistemas económico e social (usando uma terminologia de Bruto da Costa, 2004), é objetivada no acesso a posicionamentos de classe garantidos pela habilitação literária, e, obviamente, pela área da licenciatura. Efetivamente, se nos lugares de classe individual poderemos recorrer aos lugares de classe de origem na ausência de atividade profissional, constatámos que, em 174 inquiridos, 1 afirma estar desempregado, 1 é bolseiro de doutoramento e 2 afirmam ser estudantes, não referindo ocupação. Ou seja, apenas 2,3% dos inquiridos, sendo recém- licenciados, não têm atividade profissional. Contudo, algumas características sociais da amostra atingida revelam aspetos "menos positivos" desta integração social pelo trabalho. Se é notória a discrepância de sexos em presença, podendo caracterizar-se como uma minoria a presença do sexo feminino (relembramos que constitui 15,6% do total de inquiridos). Este grupo de mulheres licenciadas em informática revela limites, em termos de sexos, para objetivos de políticas sociais centradas nas TIC. As mulheres, não estão em menor número, o que se pode confirmar com estatísticas oficiais, mas também auferem em maior número de salários inferiores aos dos homens. Efetivamente, os números mostram presenças mais significativas de mulheres nos salários mais baixos e presenças mais significativas de homens nos salários mais altos.

Estaremos face a dados que nos permitem afirmar uma presença do sexo feminino, que contrasta com a generalidade da sua presença no ensino superior, tendência que se tem verificado com a democratização do acesso ao ensino superior, sendo que, a par da implementação "legal" desta prática, também as mentalidades têm sido alvo de mudança na conceção da família portuguesa, tornando-se natural o investimento alongado, em termos temporais, na educação da mulher, abrindo espaço para um conjunto de papéis muito para além dos tradicionais (Leandro, 2008). Efetivamente, o valor social e individual do trabalho, enquanto estruturante da vida conjugal e familiar, tem colocado a mulher portuguesa fora do espaço doméstico (Freire, 2008), reivindicando protagonismo no desenvolvimento económico e social da sociedade. A situação de inferiores rendimentos nas nossas inquiridas deve ser alvo de reflexão em torno das oportunidades disponibilizadas na área do trabalho/emprego e da compleição legal de que se revestem contratações e pagamentos de serviços. Apreendemos, efetivamente, uma série de continuidades entre estruturações de disposições operadas na família, que depois são continuadas na escola e no trabalho, sendo sempre de salvaguardar o potencial transformador de práticas e representações operável nas últimas duas instâncias de socialização referidas, assumindo que são indissociáveis e mutuamente estruturadoras. Se poderemos encontrar na escola mecanismos de reprodução social, são também evidentes mudanças sociais apenas operáveis nestas instâncias de socialização secundária, deixando em aberto possibilidades de desenvolvimento nacional, traduzíveis nos modos e nos domínios de exercício da cidadania. Assim, poderemos começar por realçar algumas especificidades do grupo inquirido, nomeadamente as que remetem para as suas ocupações profissionais, muito relacionadas com o tipo de formação académica na área da informática. A integração social e o exercício da cidadania são assegurados pelo curso superior e pelo título académico possuído.

A integração no subsistema económico é óbvia, sendo evidenciadas trajetórias de classe social de ascensão social. No entanto, se esta transformação na estrutura de classes é uma realidade, também são notórias presenças no ensino superior e nas ocupações profissionais que se caracterizam pela continuidade ou manutenção de lugares de classe. Efetivamente, algum do recrutamento para o ensino superior localiza-se no politécnico privado, ao qual correspondem os lugares de classe de origem mais desprovidos de capital cultural. Não obstante, é também evidente que o ensino superior público, politécnico e universitário, reúne presenças de indivíduos localizáveis em todas as frações de classe, mesmo as mais destituídas de capitais.

Esta origem pluralista de lugares de classe nos inquiridos deixa transparecer, muito claramente, uma realidade estrutural em termos de estrutura de classes, que é das permanências de lugar de classe de origem para o lugar de classe individual dentro da pequena burguesia intelectual e científica. Este grupo social reúne, pelo menos, o dobro de qualquer outra fração de classe social em termos de presenças no grupo inquirido. Este facto lembra que a possibilidade de transformação social pela posse de habilidades vendáveis na área da informática e das TIC está condicionada pelo lugar de classe de origem, que naturaliza o tipo de seleção classista que é operada pela escola. Este é o primeiro dado que podemos avançar para ponderar a hipótese que queríamos submeter a apreciação neste estudo, ou seja, a hipótese de que as práticas e representações dos inquiridos demonstram continuidades entre estruturações de habitus realizadas primariamente na família e estruturações realizadas no contexto da escola e do trabalho.

Podemos adiantar uma certeza baseada nos dados do nosso estudo, a de que os licenciados em informática estão empregados e, na sua esmagadora maioria, com ocupações dentro da sua área. O que nos leva a algumas reticências relativamente ao potencial integrador das TIC são as regularidades sociais verificadas entre classes de origem e presenças no ensino superior na área da informática, e os usos dos novos recursos tecnológicos que não se podem traduzir, necessariamente, em exercício da cidadania, desenvolvimento e crescimento.

Notas 1 Licenciado em Sociologia pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE IUL) (Lisboa, Portugal), Mestre em Sociologia e Doutor em Sociologia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) (Porto, Portugal). Docente no Instituto Superior Politécnico Gaya e membro do Centro de Investigação e Desenvolvimento do Instituto Superior Politécnico Gaya (Vila Nova de Gaia, Portugal). E-mail: jmorais@ispgaya.pt 2 Esta área abrange as cidades de Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa do Varzim, Valongo, Vila do Conde e Vila Nova de Gaia.

3 As siglas referem se a frações de classe que a seguir se identificam. BEP é Burguesia Empresarial e Proprietária; BD é Burguesia Dirigente; BP é Burguesia Profissional; BDP é Burguesia Dirigente e profissional; PBIC é Pequena Burguesia Intelectual e Científica; PBTEI é a Pequena Burguesia técnica e de Enquadramento Intermédio; PBIP é Pequena Burguesia Independente e Proprietária; PBA, Pequena Burguesia Agrícola; PBPA é Pequena Burguesia Pluriactiva Assalariada; PBAP é Pequena Burguesia Agrícola Pluriactiva; PBE significa Pequena Burguesia de Execução; PBEP é a Pequena Burguesia de Execução Pluriactiva; OI é o Operariado Industrial; OA, Operariado Agrícola; OIA, Operariado Industrial e Agrícola; e o OP é o Operariado Pluriactivo. Esta nomenclatura, usada para caracterizar a estratificação social que caracteriza os inquiridos em classes e frações de classe, segue regras de taxonomia (ou critérios classificatórios/distinguidores) sugeridos por Dulce Magalhães. Vamos referir como fundamentação bibliográfica, a sua dissertação de doutoramento Dimensão Simbólica de uma Prática Social: Consumo do Vinho em Quotidianos Portuenses (2005). Na sua dissertação de doutoramento, Dulce Magalhães explicita os moldes da construção do lugar de classe individual (LCI) e do lugar de classe de origem (LCO). Na página 479, em nota de rodapé, esclarece que foi efetuada atempadamente uma atualização da Matriz de Construção dos Lugares de Classe dos Indivíduos, construída por João Ferreira de Almeida, António Firmino Costa e Fernando Luís Machado com base na Classificação Nacional das Profissões versão 1980, cuja primeira versão foi publicada em ‘Famílias, estudantes e universidade', in Sociologia ' Problemas e Práticas, 4, 1988, p. 14; as alterações produzidas pelos mesmos autores publicaram se em ‘Estudantes e amigos ' trajetórias e redes de sociabilidade', in Análise Social, 105 106, Lisboa, 1990, p. 221. A atualização por nós efetuada, teve por base os pressupostos teóricos dos autores referidos, adequados, desta feita, à Classificação Nacional das Profissões, versão 1994, Instituto do Emprego e Formação Profissional, Ministério do Emprego e da Segurança Social.

Muito embora tendo conhecimento das mais valias proporcionadas por opções metodológicas e operacionais mais recentes a este nível, como será o caso da construção do indicador socioprofissional individual e do familiar, da autoria de António Firmino da Costa, optámos por uma aposta anterior, na medida em que esta permite uma outra visibilidade entre clivagens encontradas no seio de determinadas frações de classe; cf. António Firmino da Costa, Sociedade de Bairro, Oeiras, Celta, 1999, pp. 226 245..

4 Consideramos como nível de ensino baixo até ao nono ano de escolaridade, médio o secundário e alto bacharelato e níveis superiores de educação.


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