Trabalho, Qualificação, Poder e Precariedade: Uma abordagem dinâmica à
estruturação dos modelos produtivos, a partir de um estudo de caso da profissão
científica
1. Modelos produtivos, flexibilização, precariedade, qualificação e integração
social
Na primeira parte deste artigo, abordam-se as transformações sociais e
económicas que se foram dando nas últimas décadas, e o impacto destas nos
modelos produtivos. Neste âmbito, dá-se destaque aos tipos de flexibilização e
à precariedade que podem propiciar, salientando a estratificação do emprego que
pode decorrer da qualificação. Finalmente, analisa-se como a precariedade afeta
a integração social do indivíduo.
1.1 Das transformações sociais e económicas às transformações dos modelos
produtivos
Até aos anos 70 imperava um modelo social de estabilidade no emprego, com
crescimento dos salários próximo do aumento do custo de vida e da melhoria das
condições de trabalho, com predomínio para uma relação de trabalho por tempo
indeterminado, com horário de trabalho completo, um local de trabalho bem
circunscrito, ( ) o emprego para toda a vida era o modelo que inscrevia o
direito do trabalho, as instituições sociais e organizava a relação social
(Cerdeira, 2005: 94-95). Esta relação de trabalho era regulada pelo Estado, que
regulava, igualmente, a economia e os conflitos de classe, favorecendo a
negociação coletiva e a representação coletiva dos trabalhadores (Casaca, 2005:
35).
Ao fim e ao cabo, o fordismode então não era, somente, uma forma dominante de
organização do trabalho a partir da mecanização do taylorismo, mas, igualmente,
um modelo macroeconómico no qual os aumentos de produtividade e lucro
contemplavam também o trabalho, mediante o aumento do seu poder de compra, bem
como um efetivo contrato social que garantia a regulação de longo prazo e a
negociação coletiva do trabalho, promovendo a integração e coesão social
(Costa, 2008: 23-25).
A crise deste modelo teve início com os conflitos laborais dos anos 60,
seguindo-se a crise económica e o choque petrolífero dos anos 70, bem como a
disseminação de novas propostas de modelos produtivos a partir dos anos 80
(Kovács, Casaca, Ferreira e Sousa, 2006: 29). Mais concretamente a partir da
crise económica dos anos 70, a crise do capitalismo foi encarada como uma crise
dos próprios modelos produtivos (Boltanski e Chiapello, 2007: 218). Tal deveu-
se a diversos fatores: no contexto da globalização económica, as condições da
concorrência empresarial alteraram-se e intensificaram-se radicalmente, a
produção em massa fordistaentrou em crise, devido ao decréscimo dos ganhos de
produtividade, fruto dos próprios limites técnicos do fordismo, a concorrência
à escala global com países de custo de mão de obra muito inferior, os processos
de terciarização nos países ocidentais, o desenvolvimento tecnológico e a
massificação da tecnologia de informação nas empresas (Casaca, 2005:21-23).
Além disso, as alterações nos hábitos de consumo, exigindo uma maior
diversificação e qualidade da produção, tornaram os mercados instáveis e
imprevisíveis, inviabilizando os sistemas produtivos cuja essência era a
estabilidade e previsibilidade, fazendo, portanto, depender a competitividade
da capacidade de passar da produção em massa para a produção flexível (Kovács e
Castillo, 1998: 6; Kovács, 2002: 44-45).
Se, conceptualmente, o emprego no âmbito do contrato social do período
fordistaassentava na regulação contratual e do tempo de trabalho, na regulação
coletiva do trabalho, na concentração do espaço produtivo no interior da
empresa, na linearidade dos ciclos de vida e no contrato tradicional de género,
a renegociação do contrato social em torno de novos paradigmas produtivos
aponta, precisamente, para o oposto daquelas dimensões (Casaca, 2005:37). Com a
crise económica da década de 70, e com a crescente abertura de mercados e
liberalização do comércio mundial, hoje é a própria fluidez da concorrência e
do consumo que exige uma crescente flexibilidade da produção e consequentemente
também da organização do trabalho (Estanque, Ferreira, Costa e Lima, 2005: 7),
com uma pressão crescente para a eliminação da regulação estatal dos mercados
de trabalho (Casaca, 2005: 22). Como salienta Kovács estas formas de emprego
não são novas, mas sim um regresso a antigas formas de trabalho pré-fordistas,
propiciando portanto o retorno às vulnerabilidades de então (2005: 12).
1.2 A estruturação social dos modelos produtivos e a estratificação do trabalho
segundo a qualificação
Se, no passado, o taylorismoe fordismose afirmaram como modelos produtivos
dominantes, na complexidade económica das sociedades contemporâneas
encontraremos, antes, combinações diversas de modelos, por vezes mesmo
aparentemente contraditórias, sendo, para Kovács e Castillo (1998), limitador
conceber a existência de um modelo dominante. Verifica-se uma diversidade de
modelos de produção flexível, bem como diversas articulações destes, inclusive
mantendo características fordistase tayloristas. Tais articulações podem dar-se
e coexistir distintamente num país, setor ou empresa.
Coexistindo diferentes modelos produtivos em simultâneo, tais estruturações são
socialmente construídas, a partir de fatores como a comunidade local, os
valores sociais e a cultura industrial predominante, as características e a
sociogénese da empresarialidade, a constituição e o jogo dos atores sociais, as
relações sociais, as formas institucionalizadas de cooperação, etc. (Kovács e
Castillo, 1998: 43). Além disso, contribuem, igualmente, outros fatores como as
necessidades das empresas e os mercados existentes, a legislação laboral
vigente, o poder de negociação dos trabalhadores e a tradição negocial da
sociedade (Kovács, 2002: 129).
Se, para Castells (inToni, 2003), Estanque, Ferreira, Costa e Lima (2005) e
Kovács (2002: 125-126), a flexibilização da organização empresarial não
acarreta, necessariamente, a precarização das relações laborais do trabalho, os
autores assinalam que o rumo seguido por empresas e governos tem privilegiado a
flexibilização assente na redução de custos, que encontra na insegurança do
emprego um dos seus alicerces, mediante sucessivos processos de downsizing e
outsourcing. Os empresários optam, assim, por relações precárias, com salários
irregulares, aproveitando oportunidades como o uso de estágios, subcontratando
e recorrendo a empresas de trabalho temporário (Boltanski e Chiapello, 2007:
226).
Kovács e Castillo tipificam dois caminhos para a flexibilização da produção.
Uma via alta(qualitativa) e uma baixa( quantitativa) para a flexibilidade: uma
qualitativaapostada na qualificação, novos perfis profissionais, práticas de
gestão participativas e compromisso de longo prazo entre empregadores e
empregados; e uma quantitativaalicerçada em baixos salários e mercado de
trabalho desregulado, sendo os trabalhadores periféricos tratados como simples
instrumentos de produção facilmente removíveis quando deixam de ser necessários
(Kovács e Castillo, 1998; Kovács, Casaca, Ferreira e Sousa, 2006). A aplicação
real dos modelos consiste na combinação de diferentes estratégias, nomeadamente
procedendo a uma flexibilização quantitativados recursos humanos no geral '
buscando a redução dos custos de mão de obra pela precarização do emprego e
exteriorização de setores da produção ' e reservando a flexibilização
qualitativasomente aos trabalhadores nucleares, gerando uma segmentação dos
trabalhadores entre os centrais e mais qualificados, por um lado, e os menos
qualificados, por outro, periféricos ou exteriores à empresa (Kovács, 2002: 69-
70, 83-85).
Assim, numa organização por coroas, a empresa flexível deterá um núcleo
central, constituído pelos trabalhadores permanentes que desempenham as funções
de maior valor; em torno deste núcleo existe uma primeira coroa, composta pelos
trabalhadores temporários da empresa, aqueles cujas tarefas são mais
desqualificadas e face aos quais é operada a flexibilização numérica; uma
segunda coroa exterior representa as atividades exteriorizadas mediante
outsourcinge os trabalhadores sem vínculo à empresa (Bernard Hughes Consultants
inCasaca, 2005).
À valorização do trabalho qualificado corresponderá a desvalorização do
desqualificado (Costa, 2008: 28), numa nova segmentação do mercado de emprego,
potenciando formas trabalho precárias e inseguras. As qualificações tornam-se
cada vez mais um fator de estratificação social: os recursos humanos nucleares,
essenciais às atividades de forte valor acrescentado são valorizados, enquanto
os ligados às de baixo valor acrescentado são contratados, despedidos ou
externalizados em função das necessidades de flexibilização das empresas face
aos mercados (Kovács, Casaca, Ferreira e Sousa, 2006: 41-42).
Recorde-se, no entanto, as teorizações apresentadas por Beck e Reich, no qual o
primeiro caracteriza os trabalhadores precários qualificados, detentores de
qualificações mas sem vínculos efetivos e trabalhando intensivamente, e o
segundo define ostrabalhadores qualificados dos serviços interpessoais,
qualificados mas precários, bem como os trabalhadores dos serviços analítico-
simbólicos, com elevadas competências e qualificações mas com relações de
trabalho individualizadas (Casaca, 2005: 56-61, 64-68). De facto, estudos
recentes apontam para o desempenho de trabalho qualificado em condições de
emprego precário, sobretudo entre jovens (Marques e Alves, 2010; Silva, 2007).
1.3 Precariedade, identidade, integração e ação coletiva
Castells e Castel (inToni, 2003) consideram que, nesta nova era do capitalismo,
o trabalho não constitui somente uma fonte de rendimento, mas perpetua o seu
papel na integração social, na definição de estatutos sociais e como fonte de
identificação.
Deste modo, se o trabalho nos sistemas produtivos fordistasconstituía um fator
de integração social e de pertença coletiva, hoje as formas de flexibilidade
nas empresas conduzem, muitas vezes, a formas de diversificação das relações
laborais muitas vezes altamente precárias, gerando uma insegurança enformada
num tipo de individualismo que situa o indivíduo separado de pertenças
coletivas, a exclusão do emprego e da empresa implica isolamento, significa
não ter identidade social e não ter palavra para defender os seus interesses
(Kovács, 2002: 133).
Para Castel (1998), esta dinâmica de flexibilização produtiva leva,
precisamente, ao desemprego, à precariedade e à individualização, considerando
que quaisquer destes fatores influenciarão a integração social, na medida em
que geram uma vulnerabilidade em massa. Esta é uma vulnerabilidade pós-
proteções, não propiciadora de laços de solidariedade que potenciem coletivos
que forneçam identificação e segurança, mas sim impulsionadora de um tipo de
individualismo negativo e desfiliação social do indivíduo, porque subtraído à
pertença coletiva (1998: 609-610).
Além disso, se o sistema económico das sociedades contemporâneas promove uma
individualização das relações laborais, também o seu sistema simbólico promove
uma individualização das relações sociais, uma formatação pela socialização
num caldo de cultura próprio em que a concorrência entre as pessoas ( )
prevalece e destrói as solidariedades (Silva, 2007: 122).
Assim, conjuga-se uma vivência objetiva e subjetiva de precariedade, traduzidas
na impotência e no medo; na aceitação e resignação (Estanque, Ferreira, Costa e
Lima, 2005: 39); um individualismo negativo e a desfiliação social que promove
(Castel, 1998); e uma ideologia individualizante que emerge do modo de produção
do capitalismo contemporâneo. Tal resulta numa massa de trabalhadores ocupada
em individualmente assegurar a sua existência social, mas desvinculada de
quaisquer formas coletivas de o fazer. Portanto, para agrupamentos crescentes,
a ação coletiva ' primordialmente a sindical ' não mais surge como um meio
privilegiado de garantir os direitos no trabalho e a melhoria das suas
condições.
Conclui-se, portanto, que a precariedade constitui, por si mesma, uma barreira
à capacidade de resistência dos trabalhadores, ao generalizar a insegurança a
partir da instabilidade do emprego e da individualização das relações de
trabalho.
2. As profissões entre a flexibilidade e a precariedade: qualificação, poder e
coesão
Friedson considera que o poder de uma profissão reside na construção de um
monopólio profissional no âmbito da divisão social do trabalho, mediante a
monopolização da qualificação necessária ao exercício da profissão e ao
controlo do acesso à mesma pela definição dos moldes em que é possível,
conferindo, assim, a essência do poder profissional, a sua autonomia e o
controlo sobre o seu trabalho (Rodrigues, 1997: 50-57). Já Larson considera que
o poder profissional assenta na capacidade de uma profissão criar um monopólio
profissional sobre o mercado de trabalho, fechado a outros grupos e controlando
o acesso à profissão, assim lhe garantindo determinados recursos e benefícios,
sendo o controlo sobre o mercado a fonte de poder (Larson, 1977: 40-52). É
necessário que um grupo profissional se organize em associação profissional,
para que seja capaz de negociar com o Estado a possibilidade de definir as
condições de acesso à profissão e controlo sobre esse acesso, o grau de
autonomia no exercício da profissão e, portanto, o seu poder profissional
(Freire, 2006: 322-324).
Saliente-se que Friedson considera que, ainda que exteriormente homogéneos, os
grupos profissionais se segmentam internamente (Rodrigues, 1997: 50-57), pelo
que se poderá considerar que também o poder profissional se estratificará
internamente. O desenvolvimento da sociedade tem levado a uma massiva passagem
dos profissionais independentes a especialistas assalariados em organizações
burocratizadas, contribuindo para a estratificação interna das profissões
(Larson, 1977: 178-207) e para a sua perda de autonomia e controlo sobre o
trabalho (Oppenheimer inFreire, 2006: 328-329).
Sinteticamente, da análise exposta, o poder profissional consiste no poder de
dada profissão garantir aos seus membros elevadas condições de trabalho e
emprego, pelo controlo das qualificações necessárias ao acesso à profissão e
pela monopolização de um espaço no mercado de emprego, a partir da sua relação
com o Estado e de uma organização profissional forte e coesa.
Posto que, no contexto das transformações dos sistemas produtivos e da
introdução de formas flexíveis de gestão das empresas, se assiste a uma
flexibilização por via altaou baixa, qualificante ou precarizante, então poder-
se-á considerar que o tipo de flexibilização que incidirá sobre determinada
profissão, e seus segmentos internos, derivará do poder dessa profissão em
negociar dado tipo de flexibilização, particularmente para as profissões
assalariadas.
Assim, uma profissão com elevado poder profissional, com uma organização
profissional forte e eventualmente também sindical, capaz de controlar o acesso
à profissão e daí o número de profissionais no mercado, terá uma maior
capacidade para assegurar que se inserirá num processo de flexibilização
qualificante. Pelo contrário, uma profissão com um poder reduzido, sem ou com
uma fraca organização profissional, incapaz de garantir um monopólio sobre o
mercado de trabalho, pouco coesa e sem apoio sindical, terá dificuldade em
resistir a uma flexibilização precarizante. Acresce a isto, o facto de muitas
das novas ocupações qualificadas não se terem profissionalizado, não dispondo
de associações profissionais. Ademais, se as próprias profissões se
estratificam internamente, poder-se-á considerar que o poder para resistir a
uma flexibilização precarizante ou garantir uma qualificante, variará conforme
os segmentos da profissão, sendo mais elevado para os patamares superiores da
hierarquia profissional e menor para os inferiores, possivelmente inseridos em
relações de emprego mais individualizadas e menos organizados e/ou
sindicalizados.
Retornando ao modelo de empresa flexível dividido em coroas, poder-se-ia,
então, considerar que, sendo altamente qualificadas, as profissões tenderiam a
inserir-se no núcleo central das empresas. No entanto, dados os estudos
indicando a precariedade no trabalho qualificado, também os trabalhadores
qualificados se poderão integrar nas coroas periférica e exterior. Poder-se-á,
então, considerar que, por um lado, tais trabalhadores provirão de profissões
já inteiramente desprofissionalizadas, ou, por outro lado, que serão novas
ocupações qualificadas que ainda não percorreram o seu percurso de
profissionalização.
À luz da reflexão prévia, o núcleo central das empresas poderá estar reservado
a profissões que, pelo seu grau de organização e importância das suas
qualificações, controlo do mercado de trabalho e poder profissional, assegurem
para si a inserção num processo de flexibilização por via alta. Seguindo este
raciocínio, outras profissões de menor poder, menos organizadas, com
qualificações de menor relevância e menor controlo sobre o acesso à sua
profissão, acabarão remetidas para as coroas periférica e exterior. Por último,
também os diferentes segmentos da hierarquia de uma mesma profissão, conforme o
seu poder no interior da profissão, poderão ser remetidos para distintos
lugares da empresa: o topo da hierarquia profissional poderá ser capaz de
assegurar a sua inserção no núcleo central, mas os níveis inferiores da
profissão poderão não ter poder suficiente para garantir o mesmo processo, não
resistindo à flexibilização precarizante e sendo, assim, inseridos na periferia
e exterior da empresa.
3. Tipologias de flexibilidade e precariedade
Existem diversas definições de flexibilidade e precariedade, mas entende-se que
a tipologia proposta por Kovács (2002: 85-88) é o quadro teórico mais
desenvolvido e adequado à análise concreta da realidade social nas relações
flexíveis e precárias no trabalho e no emprego. Este permite dar conta de uma
panóplia de situações, refletindo distintos potenciais de empregabilidade em
função das qualificações e da possibilidade de aprendizagem, em combinação com
um conjunto de outras dimensões2.
Deste modo, os indivíduos na situação de precariedade continuadasão
trabalhadores pouco qualificados e inseridos em relações de emprego precárias
de trabalho periférico ou externo às empresas, com percurso profissional de
frequente mobilidade lateral, entre empregos do mesmo tipo e, eventualmente,
alternando com períodos de desemprego. Os indivíduos na situação de
estabilidade ameaçadasão trabalhadores igualmente pouco qualificados em
trabalhos desqualificados, ainda algo protegidos por uma relação de emprego
estável, correndo, no entanto, riscos em caso de falência ou despedimento. As
duas situações partilham, igualmente, uma reduzida capacidade de negociação
individual e coletiva.
Pelo contrário, os trabalhadores em situação de estabilidade continuadasão os
que ocupam lugares centrais na empresa, qualificados e ricos em conteúdo. Fruto
da sua importância na produção e na competitividade, as empresas procuram
garantir a sua permanência, acedendo a melhores remunerações e condições de
trabalho, também fruto de uma maior capacidade negocial. Também entre os
trabalhadores centrais às empresas se situam os trabalhadores em situação de
flexibilidade qualificante, cuja ténue ligação às empresas é uma opção pessoal.
Fruto da sua elevada qualificação e do trabalho rico em conteúdo que realizam,
proporcionando uma aprendizagem continuada, estes trabalhadores são
fundamentais à competitividade das empresas, pelo que detêm uma capacidade
negocial, mesmo a nível individual, que lhes permite garantir condições de
trabalho adequadas, inserindo-se em percursos de forte mobilidade lateral entre
empregos qualificados e frequentemente ascendentes.
Finalmente, nas situações de flexibilidade precária transitóriaencontrar-se-ão,
essencialmente, jovens qualificados, correspondendo a sua situação à entrada no
mercado de emprego, em trabalhos pobres em conteúdo que, sendo-o, não permitem
o uso das suas qualificações nem aprendizagem acrescida. E, dada a sua condição
precária, também a sua capacidade de negociação é reduzida. Ao fim e ao cabo,
esta situação reflete a lógica das novas contratações, tornando regra que o(s)
primeiro(s) emprego(s) seja(m) precário(s), mesmo para jovens com elevadas
qualificações.
Considera-se de assinalável interesse teórico e empírico a conjugação da
tipologia de Kovács com a proposta de Natália Alves (2010). Assim, ainserção
rápida num emprego estáveldefinida por Alves corresponderá à estabilidade
continuadade Kovács. Já a trajetória deinserção diferida num emprego estávelda
segunda autora corresponderá a um novo patamar entre a estabilidade ameaçadae a
estabilidade continuadada primeira. As trajetórias de estabilidade na
precariedadee inserção precáriade Alves constituirão um novo patamar com dois
níveis, situando-se a primeira trajetória no superior e a segunda no inferior,
entre as categorias de flexibilidadequalificante e flexibilidade precarizante
de Kovács. A situação de exclusão, por último, corresponderá à flexibilidade
precária continuada.
4. Um estudo de caso da profissão científica
Apresenta-se, em seguida, um estudo de caso assente nas anteriores noções
teóricas, junto da profissão científica. Inicia-se com uma exposição das
características da profissão, seguindo-se a apresentação da metodologia e
resultados encontrados.
4.1 Estratificação, qualificação e precariedade na profissão científica
Para Carapinheiro e Amâncio (1998), a profissão científica é estratificada,
logo à partida, pela posse ou não de doutoramento, bem como pelo grau de
internacionalização da sua atividade. Para além disso, consideram que a
diversidade de áreas científicas e distintas culturas profissionais,
identidades e conceções científicas, contribuem para uma heterogeneidade que
assinala um processo de consolidação profissional ainda em curso.
No que respeita às categorias principais de cientistas, os da carreira docente
e os da carreira de investigação, Stoleroff e Patrício (1998) procedem à
análise das suas atividades e da forma como estas configuram uma estratificação
entre duas carreiras, bem como no interior de cada.
Num registo algo diferente, Machado, Ávila e Costa (1998) analisam a
estratificação dos cientistas numa perspetiva a montante, reportando-se às suas
origens de classe. O fenómeno mais relevante é o efeito que os autores detetam
da classe de origem sobre a estratificação dos cientistas, numa das suas
dimensões mais relevantes, a posse ou não de doutoramento.
Verificando a multiplicidade de fatores que contribuem para a estratificação
interna da profissão científica, Ávila (1997) considera, igualmente, que é
profundamente heterogénea. Deste modo, propõe um Índice de Capital Científico
(ICC), que agregue os principais fatores de diferenciação e permita, a partir
de um único indicador, avaliar o posicionamento individual e comparativo de um
cientista na hierarquia profissional.
Dado os bolseiros serem considerados pessoal em formação, não seria à partida
possível analisar a sua relação de emprego. Mas Perista (2004) assinala que a
maioria dos bolseiros mantém essa condição por longos períodos de tempo,
passando de uns projetos para outros, claramente demonstrando que assumem
necessidades permanentes dos serviços e que a sua atividade não é apenas
formativa. Levy e Carvalho (2007) consideram que deve ser considerado
investigador qualquer profissional envolvido em atividades de investigação,
concluindo que muitos bolseiros são considerados estudantes quando deveriam ser
tidos como trabalhadores de pleno direito, o que os remete para uma situação
precária sem quaisquer direitos laborais. Também Natália Alves (2010) considera
as bolsas como uma forma de trabalho precário.
Importará, agora, retirar algumas conclusões quanto à profissão científica e à
sua situação entre a flexibilidade, estabilidade e precariedade. A profissão
científica detém elevadas qualificações e o poder de controlar, por si mesma, o
progresso na carreira, sendo os cientistas avaliados pelos seus pares. No
entanto, se tem uma estreita relação com o Estado, ainda assim a regulação da
profissão é, em larga medida, efetuada por este e não pela própria profissão.
Além disso, tem uma elevada autonomia na execução do seu trabalho, mas está
dependente de financiamento para o desenvolver e da produtividade que lhe é
exigida, pelo que o grau de autonomia é relativo (Enders, 2007). Pelo mesmo
motivo, o seu poder de constituição de um monopólio profissional é algo
reduzido, posto que se são os próprios cientistas a decidir quem acede à
profissão, via júris de concursos, é, no entanto, o Estado o principal
financiador da investigação, portanto regulador do número de projetos, bolsas e
vagas.
Para além disso, viu-se já que a existência de organizações profissionais e
sindicais é uma das principais fontes de poder profissional, mas encontramos na
ciência uma diversidade de instituições: sindicais, associativas profissionais
e associativas académicas.
Finalmente, explanou-se como o poder profissional depende da sua coesão interna
e homogeneidade externa. Ora, do exposto, encontramos uma profissão cuja
heterogeneidade é inclusive externa, com distintas carreiras, além dos
bolseiros. Deste modo, a sua estratificação não remete somente para uma
hierarquia profissional interna, mas para toda uma outra multiplicidade de
fatores, dos quais se consideram mais relevantes as três carreiras ' docente,
de investigação e bolseiros ' a atividade desenvolvida e o capital científico,
ao qual se adicionam as características do trabalho e emprego.
Dado grande parte da investigação científica se integrar no sistema público,
importará proceder a uma analogia entre o Estado e a flexibilização das
empresas. Assim, se estas procuram flexibilizar a sua gestão e produção, muitas
vezes por uma via baixae precarizante, assente no modelo das três coroas,
também o Estado poderá, assim, ser concebido (Pérez-Castro e Adler, 2009;
Yuasa, 2009). Assim, o Estado procura uma estruturação do Sistema Científico e
Tecnológico Nacional (SCTN), mediante uma flexibilização quantitativade redução
de custos, limitando a um núcleo central os investigadores mais bem
posicionados na hierarquia de cada carreira, de maior capital científico e
cujas atividades são mais centrais à produção de ciência, remetendo para uma
coroa periférica os restantes investigadores. Os bolseiros integrar- se-ão na
coroa exterior ao sistema pela ausência de contrato, sendo este o caso em que a
estratégia de redução de custos é mais evidente.
Concluindo, considera-se que a ciência é uma profissão ainda em processo de
profissionalização, desorganizada profissionalmente e altamente estratificada
externa e internamente, logo com um reduzido poder profissional. Portanto,
pouco capacitada para resistir às tendências precarizantes em curso e com uma
capacidade de resistência segmentada de acordo com a sua estratificação, a
partir dos fatores antes expostos.
4.2 Metodologia, amostra e hipóteses de trabalho
A metodologia baseou-se no inquérito por questionário, de aplicação online. Foi
selecionada como população os investigadores da Universidade de Coimbra, tendo
sido enviado a um total de 2569 investigadores, obtendo-se 563 inquéritos
válidos.
Determinados fatores desdobram-se em várias dimensões, tornando-se útil a
construção de índices que permitam que esses fatores sejam analisados a partir
de um único indicador. Assim, foram construídos índices para a mobilidade, a
autonomia, o uso da qualificação, a capacidade de negociação e as condições de
trabalho, agregando os diversos indicadores de cada um destes fatores3. A
hipótese central em análise é que as relações de trabalho e emprego, mais
estáveis, precárias ou flexíveis, se estratificarão de acordo com um conjunto
de fatores já explicitados, além dos índices referidos.
4.3 Caracterização do trabalho e emprego dos cientistas
No que respeita à mobilidade profissional, verifica-se um padrão diferenciador
desta, existindo diferenças significativas consoante a situação na
investigação. Somente se verifica uma mobilidade muito ascendente entre os
docentes a termo e os investigadores a contrato, sendo a ascendente assinalável
entre os docentes sem termo e bolseiros de doutoramento e pós-doutoramento. Já
a mobilidade lateral é mais predominante para os docentes sem termo e bolseiros
de investigação, sendo também estes que acumulam maiores situações de
mobilidade descendente e muito descendente, com a descendente a assumir,
também, uma dimensão nos docentes a termo, investigadores contratados e
bolseiros de doutoramento e pós-doutoramento.
Quanto ao uso da qualificação no trabalho, regista-se para todas as situações
uma maior proporção de uso elevado e de muito elevado para os docentes e
bolseiros de doutoramento e pós-doutoramento. Já entre os investigadores
contratados e bolseiros de investigação encontra-se um menor peso do uso muito
elevado e algum peso de uso reduzido da qualificação, mais grave para os
bolseiros de investigação, nos quais se verifica também uma pequena proporção
de uso muito reduzido, embora sem diferenças significativas.
Acerca da autonomia profissional, constata-se que a maioria tem uma autonomia
elevada, particularmente os docentes sem termo, com estes, os a termo e os
bolseiros de doutoramento a assumir maior proporção de autonomia muito elevada.
Pelo contrário, os investigadores contratados apresentam uma proporção
assinalável de autonomia reduzida, proporção ainda mais elevada para os
bolseiros de investigação, significando que a autonomia é estratificada pelas
diferentes situações na investigação.
Já quanto às condições de trabalho, encontram-se resultados complexos.
Verifica-se que os investigadores docentes sem termo têm a melhor situação, com
78,3% com condições de trabalho elevadas ou muito elevadas. Nos investigadores
docentes a termo regista-se uma situação paradoxal, verificando-se uma
proporção elevada, quer com condições elevadas, quer reduzidas de trabalho, o
que remeterá para a proporção dos que trabalham mais de 40 horas, estendem o
horário para a noite e fins de semana e classificam o ambiente de trabalho como
hostil. Já os investigadores contratados têm, também, elevadas condições de
trabalho e, em proporção razoável, condições intermédias. Os bolseiros de
doutoramento e de pós-doutoramento distribuem-se quase igualmente entre as
condições intermédias e elevadas, mas também com uma percentagem assinalável de
condições reduzidas. Finalmente, é entre os bolseiros de investigação que se
encontra um padrão de condições nos graus inferiores, com elevada proporção nas
condições intermédias, bem como nas reduzidas, evidenciando diferenças
significativas, o que significa que as condições de trabalho se estratificam de
acordo com a situação na investigação.
Relativamente à capacidade de negociação, destacam-se entre os que não têm
qualquer capacidade de negociação os docentes a termo e sem termo e bolseiros
de investigação, enquanto os investigadores contratados e bolseiros em geral
declaram, maioritariamente, ter alguma capacidade. A proporção dos que declaram
ter muita capacidade é homogénea para as várias situações à exceção dos
bolseiros de investigação, enquanto a capacidade absoluta é exclusiva dos
docentes sem termo e investigadores, mas em proporções muito reduzidas. Não se
verificam, no entanto, diferenças significativas.
Sobre a existência de períodos de inatividade, verifica-se que é entre os
docentes que a suspensão de atividade menos ocorreu, observando-se que foi para
os investigadores contratados e bolseiros em geral que a suspensão mais ocorreu
de forma involuntária. No entanto, foram, igualmente, os bolseiros de
investigação que, em maior proporção, interromperam voluntariamente a sua
atividade, verificando-se diferenças significativas, pelo que a suspensão da
atividade é estratificada pelas várias categorias.
4.4 Atitudes dos cientistas quanto à carreira e satisfação no trabalho
A opção de abandonar a carreira estratifica-se de acordo com a situação na
investigação. Constata-se que são os docentes sem termo e investigadores
contratados que mais dificilmente abandonariam a carreira, mas também com
proporções consideráveis que pensariam seriamente em o fazer ou, e em menor
grau, que o fariam certamente. Já os docentes a termo teriam, maioritariamente,
muitas dúvidas na sua decisão, mas percentagem assinalável considerá-lo-ia
seriamente. Entre os bolseiros, é maior a proporção dos que pensariam
seriamente na mudança ou que o fariam certamente, com um maior peso destas
situações nos bolseiros de investigação.
Quando à avaliação da relação de emprego como estável ou precária, constata-se
uma divisão clara, conforme o vínculo laboral, embora seja interessante notar
as diferenças entre as duas formas de ver a estabilidade e as duas de ver a
precariedade. Assim, enquanto os docentes sem termo esmagadoramente ligam a sua
estabilidade ao seu contrato sem termo, já os docentes a termo consideram-se
estáveis pela possibilidade de o renovar ou conseguir outro, mas um número
razoável considera-se precário por ter dificuldade em conseguir outra
investigação. Os investigadores contratados consideram-se, essencialmente,
precários, sobretudo pela dificuldade em conseguirem outra investigação, mas
também em conseguirem outra profissão, embora haja, igualmente, uma proporção
que se considera estável, apesar do seu contrato a termo, por considerar que o
renovará ou conseguirá outro. Quanto aos bolseiros, a maioria descreve a sua
situação como precária, os de doutoramento e pós-doutoramento mais por
considerarem não encontrar outra profissão qualificada, os de investigação
principalmente por não conseguirem outra investigação. Verificam-se,
evidentemente, diferenças significativas, o que demonstra que a avaliação da
situação de emprego se estratifica conforme a situação na investigação.
Finalmente, regista-se um padrão entre o grau de satisfação e a situação na
investigação. A satisfação é maior entre os docentes e investigadores
contratados, assumindo um peso algo menor entre os que se declaram nem
satisfeitos nem insatisfeitos. Pelo contrário, nesta categoria é mais elevado o
peso dos bolseiros, mas são também estes os que assinalam maior insatisfação e
menor satisfação.
5. Conclusões
Apresentam-se, em seguida, as conclusões deste artigo. Inicialmente, no que
respeita às conclusões do estudo de caso sobre a profissão científica e, em
seguida, as conclusões finais de caráter teórico sobre o tema em estudo.
5.1 Estabilidade, flexibilidade e precariedade na ciência
Apenas os docentes sem termo apresentam relações menos complexas, sendo que a
esmagadora maioria dos docentes sem termo, apesar de 71,4% ter nenhuma ou
apenas alguma capacidade de negociação, situam-se numa relação de estabilidade
continuada. Apenas uma pequena percentagem de 7,3%, correspondendo aos docentes
mais jovens, se situará numa relação de inserção diferida num emprego estável,
quando tenham existido experiências de mobilidade lateral e suspensão
involuntária da atividade, ou numa relação de inserção rápida num emprego
estável, na ausência de suspensão e mobilidade sempre ascendente.
Entre os docentes a termo, os mais jovens ' com más condições de trabalho,
apesar de elevada autonomia, fraca capacidade de negociação, situações de
mobilidade lateral, mas sem suspensão da atividade, e que abandonariam a
carreira ou pensariam seriamente em fazê-lo ' situar-se-ão numa relação
deestabilidade na precariedade qualificada. Já aqueles na mesma situação, mas
com experiências de suspensão de atividade encontrar-se-ão numa relação de
inserção precária qualificada. No entanto, um outro conjunto, menos jovem ' com
mobilidade ascendente ou muito ascendente, elevadas ou muito elevadas condições
de trabalho, muita capacidade de negociação e que dificilmente abandonaria a
carreira ou não o faria de todo ' estará numa situação de flexibilidade
qualificante, mesmo que trabalhe numa única instituição.
Relativamente aos investigadores contratados, um grupo mais jovem ' com
experiências de suspensão da atividade, autonomia reduzida, mobilidade lateral
ou mesmo descendente e que abandonariam a carreira ou pensariam seriamente
nisso, ainda que com condições de trabalho intermédias e alguma capacidade de
negociação ' estará numa relação de inserção precária qualificada. Outros, com
condições semelhantes, mas sem experiências de suspensão da atividade e sem
mobilidade descendente, situar-se-ão na estabilidade na precariedade
qualificada. Mas existe, igualmente, um grupo de mobilidade ascendente e muito
ascendente ' com elevada autonomia e condições de trabalho e muita capacidade
de negociação e que não abandonaria a carreira ou dificilmente o faria, ainda
que tenha tido períodos de suspensão involuntária da atividade e possa laborar
numa única instituição ' e que se enquadrará numa relação de flexibilidade
qualificante.
Encontram-se relações semelhantes entre os bolseiros de doutoramento e pós-
doutoramento. Assim, um conjunto destes bolseiros ' com mobilidade lateral ou
descendente, reduzida autonomia e condições de trabalho, sem experiências de
suspensão de atividade, mas que abandonariam a carreira ou seriam o
considerariam ' insere-se numa relação de estabilidade na precariedade
qualificada. Já um grupo com as mesmas características, mas com assinaláveis
experiências de suspensão da atividade encontra-se numa situação de inserção
precária qualificada. Encontra-se, no entanto, também bolseiros de doutoramento
e pós-doutoramento ' com mobilidade ascendente, autonomia elevada ou muito
elevada, condições de trabalho muito elevadas e muita capacidade de negociação
e que, apesar da existência de suspensão involuntária da atividade,
dificilmente abandonariam a carreira ou não o fariam ' que se enquadrarão numa
relação de flexibilidade qualificante.
Finalmente, quanto aos bolseiros de investigação, encontra-se um grupo com
mobilidade lateral ou descendente, autonomia reduzida, mas com um uso médio ou
elevado da qualificação, com médias ou reduzidas condições de trabalho e
capacidade de negociação e que, sem experiências de suspensão da atividade,
numa relação de estabilidade na precariedade qualificada. Já um segundo grupo,
com características semelhantes, mas com experiências de suspensão da
atividade, situar-se-á numa relação de inserção precária qualificada. No
entanto, encontra-se entre os bolseiros de investigação um pequeno grupo que,
além das anteriores características, lhes soma um uso reduzido ou muito
reduzido da qualificação. Conforme a duração da sua situação, se reduzida
enquadrar-se-ão numa relação de flexibilidade precária transitória, ou de
flexibilidade precária continuadase a sua situação se prolongar no tempo.
5.2 Conclusões finais: a estruturação dos modelos produtivos e o poder
Propõe-se que se poderá estar a assistir a uma tendência em crescendo das
relações precárias de emprego, inclusive para o trabalho qualificado, iniciada
com os jovens qualificados, mas que, a prazo, poderá vir a manter-se e alastrar
à generalidade do trabalho até agora protegido pela qualificação, inclusive dos
trabalhadores há mais tempo no mercado de emprego.
Kovács e Castillo (1998) sugeriram que alguns dos fatores que influenciam o
seguimento de vias altasou baixasde flexibilização serão a cultura ideológica
neoliberal das elites empresariais, a cultura empresarial dominante, as
características das empresas e a sua história de tendencial garantia de
competitividade pela redução de custos, as condições de concertação social e
poder de negociação dos trabalhadores, a legislação laboral e o papel do
Estado. Analisou-se como a precarização das relações de trabalho e emprego
fragilizam o indivíduo, desfiliando-o socialmente e promovendo a sua
individualização, e o impacto que estes fatores conjugados têm sobre a ação
coletiva, sindical ou associativa. Finalmente, abordou-se a forma como as
profissões estruturam o seu poder profissional, de modo a garantir aos seus um
posicionamento seguro no mercado de trabalho, negociado com o Estado, e a forma
como as tendências de desprofissionalização ou não profissionalização de
profissões qualificadas, nomeadamente com o enfraquecimento das suas
organizações profissionais, corrói o seu poder profissional, podendo perder ou
ver reduzido os seus privilégios face ao Estado e às empresas e ver-se
remetidas, na totalidade ou parte dos seus segmentos, para círculos periféricos
ou exteriores das empresas.
Propõe-se que, no quadro de dado regime de acumulação, a tendência para a
flexibilização precarizante ' a nível de apenas uma parte de uma empresa, de
toda uma empresa, de um setor de atividade ou à escala nacional ' salvaguardado
os trabalhadores qualificados ou a todos incluindo, resulte da articulação de
todos estes fatores, mas tomando como eixo central a correlação de poderes
entre empresários, Estado e trabalhadores. Aqui, inclui-se na noção de poder
dos trabalhadores, o conceito de poder profissional, adstrito às profissões
efetivamente constituídas e alargando-se ao poder sindical e associativo, quer
das profissões, quer das ocupações profissionais em geral, relacionando-se
estes com a capacidade de resistência à individualização e vulnerabilização do
trabalhador, embora desta tendência deva, também, ser considerado o poder
individual de negociação.
Deste modo, em dado momento histórico, para cada empresa e suas divisões, para
cada setor de atividade, para cada profissão ou ocupação, qualificada ou não,
encontrar-se-á uma multiplicidade de equilíbrios na estruturação de cada modelo
produtivo específico, combinando características de modelos similares ou
distintos. Tal pode resultar: na manutenção estável ou flexível qualificante de
todos os trabalhadores; de somente um núcleo central estável e precarizando uma
coroa periférica e uma exterior de trabalhadores desqualificados; precarizando
estas coroas, distintas, mas ambas constituídas por trabalhadores qualificados;
ou precarizando todo o trabalho em geral. Tal dependerá das relações de força
entre capital e trabalho, ou seja, do poder económico da empresa, da cultura
empresarial e do poder sobre o Estado, versuso poder do trabalho: da capacidade
da resistência dos trabalhadores qualificados, desqualificados e
profissionalizados, portanto do seu nível de coesão interna e orientação
coletiva, e grau de organização em sindicatos, associações e organizações
profissionais.
Concluindo, considera-se, adicionalmente, numa perspetiva do desenvolvimento do
sistema capitalista, que, num quadro de globalização neoliberal, de
desregulação estatal e de crise económica, de enfraquecimento e estratificação
das profissões, de ascensão de novas profissões qualificadas mas não
organizadas, de dificuldades do movimento sindical e de individualização e
fragilização do indivíduo, a tendência global será a da flexibilização mediante
a progressiva precarização de todo o trabalho. Esta é, naturalmente, uma
proposta que exige, ainda, desenvolvimento teórico e estudo empírico.
Notas
1 Investigador Júnior no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra '
Laboratório Associado, licenciado em Sociologia pela Faculdade de Economia da
Universidade de Coimbra (Coimbra, Portugal) e mestre em Relações de Trabalho,
Desigualdades Sociais e Sindicalismo pela mesma instituição. E- mail:
alfredopcampos@hotmail.com e alfredo@ces.uc.pt
2A obra referenciada inclui uma tabela com as várias tipologias e
características de cada uma.
3O autor poderá ser contactado para esclarecimento quanto à metodologia de
construção de cada índice e quais os indicadores que o compõem.