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EuPTHUAp0872-34192013000200010

EuPTHUAp0872-34192013000200010

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioHumanities
Great areaApplied Social Sciences
ISSN0872-3419
ano2013
Issue0002
Article number00010

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Panoramas umbrais da modernidade: autoidentidade e o dissensu matrimonial em Anthony Giddens

No sentido de uma teoria social e de um diagnóstico de cultura, o conceito de sociedade de risco designa um estágio da modernidade em que começam a tomar corpo às ameaças produzidas até então no caminho da sociedade industrial (Beck, 1997: 17).

Anthony Giddens traz para o campo da teoria sociológica a produção e reprodução da vida social ' eis aqui o seu escopo orientador, o seu grande tema. Assim, o autor trabalha com a síntese entre ação e estrutura, liberdade e ordem e aceita as responsabilidades que o projeto da interrelação entre micro e macro acarreta no programa mais amplo de elaborar uma reorientação abrangente da agenda teórica da Sociologia.

Giddens considera as capacidades transformativas, proteicas e multiformes dos agentes sociais de reproduzir e transformar as suas próprias circunstâncias históricas. Desse modo, na conceção do teórico, a ação social depende unicamente da capacidade dos atores de fazer a diferença na produção de resultados definidos, quer pretendam ou não que tais resultados ocorram.

Giddens (2002) sublinha que a reformulação das premissas básicas da análise sociológica traz consigo a consequência inerente de repensar sobre a natureza da modernidade.

Um dos traços distintivos da modernidade é a recorrente interrelação entre dois extremos: o da intencionalidade e o da extensão (disposições pessoais, num pólo, e influências globalizantes, em outro). O termo modernidade exprime os modos de comportamento e as instituições sociais estabelecidas no continente europeu após o feudalismo; porém, no século XX, tornaram-se globais em seus impactos e consequências.

Giddens assinala que a modernidade constrói determinadas formas sociais distintas, dentre as quais a que possui uma relevância capital é o Estado- nação. Os Estados-nações são caracterizados, por vezes, na literatura sobre relações internacionais, como atores numa escala geopolítica. Os Estados modernos são sistemas reflexivamente controlados e se apresentam como um exemplo maior do aspeto característico mais geral da modernidade: a ascensão e o desenvolvimento da organização. Assim, o panorama social moderno tem certas descontinuidades latentes com as instituições, modos de vida e culturas pré- modernas. A descontinuidade mais pronunciada das instituições modernas ' e, talvez, a mais óbvia ' é a inexistência da inércia e o seu extremo dinamismo. O mundo moderno é um universo permeado por transcendências, movência e por um ritmo de mudança social mais rápido que em qualquer sistema precedente, assim como a profundidade e amplitude com que a modernidade afeta os cursos da ação e práticas sociais têm maiores dimensões. Para Giddens, esse aspeto dinâmico da vida coletiva moderna é explicado por três elementos principais, que estão imbricados: a separação de tempo e espaço, os mecanismos de desencaixe das instituições sociais e a reflexividade institucional.

Toda cultura possui algum tipo peculiar de marcador espacial padronizado que exprime e designa uma consciência especial de lugar. No âmbito pré-moderno, o espaço e o tempo relacionavam-se por meio da situacionalidade do lugar. No entanto, a dinamicidade das instituições modernas efetiva-se no distanciamento de tempo e espaço que envolve, sobretudo, a formulação de uma dimensão vazia de tempo ' subjaz a esse agir como um acicate que também separou o espaço do lugar. O esvaziamento de espaço e tempo na modernidade não se assenta em um processo de desenvolvimento linear, mas parte de uma operação dialética. Os aspetos umbrais do referido distanciamento entre tempo e espaço é o advento de formas mais extensas do sistema social. Essa separação fornece o próprio alicerce de sua recombinação das maneiras que coordenam a organização social humana, sem essencialmente fazer referência às singularidades do lugar ' no que difere profundamente das eras pré- modernas. O mundo moderno é caracterizado por um sistema de tempo universal, o que pressupõe a construção de um passado padronizado e de um futuro universalmente aplicável. Assim, as sociedades pré-modernas ou tradicionais estão encaixadas na noção de tempo e espaço na história, porém a modernidade traz os mecanismos de desencaixe.

O desencaixe ou descolamento das atividades sociais dos contextos locais e sua recombinação e rearticulação por meio de fragmentos indeterminados do tempo- espaço é o ponto crucial da aceleração do distanciamento entre tempo e espaço gerados pela modernidade. Giddens salienta que existem dois tipos de mecanismos de desencaixe, são eles: as fichas simbólicas e os sistemas especializados ' quando analisados em conjunto, Giddens refere-se a esses mecanismos como sistemas abstratos. As fichas simbólicas são intercambiáveis numa pluralidade de contextos específicos; são, antes de tudo, meios de troca que têm um valor padrão ' o exemplo cabal é o dinheiro. Por sua vez, os sistemas especializados colocam entre parênteses o espaço e o tempo, sustentados pelos modos de conhecimento técnico que possuem validade independente dos profissionais praticantes e dos pacientes e clientes que fazem uso de tais conhecimentos. Esses sistemas permutam todos os poros da vida social na era moderna e dependem necessariamente da confiança e do risco. A confiança pressupõe uma qualidade de , um salto de compromisso; a cultura do risco caracteriza as instituições modernas. Nas condições modernas, o futuro é continuamente trazido para o presente por meio da organização reflexiva dos ambientes de conhecimento (Giddens, 2002: 11). Nesse sentido, a aferição3 do risco exige a precisão e a quantificação de variáveis, mas o próprio aferir é repleto de imponderáveis.

Em última instância, a terceira maior influência da modernidade é a reflexividade. A reflexividade institucional é oriunda da utilização regular de conhecimento a respeito das circunstâncias e contextos da vida social como aspeto constitutivo de sua organização e transformação. A suscetibilidade de grande parte dos aspetos da vida social e a informação que se têm sobre esses aspetos não é circunstancial, mas, sobretudo, o acervo constitutivo das instituições modernas.

Isto posto, os processos metamórficos subjacentes a autoidentidade e a globalização são duas dimensões dialéticas situadas nas condições da alta modernidade, ou seja, do local e do global. Dito de outra forma, as transformações da esfera íntima das trajetórias singulares estão extremamente vinculadas na construção e no estabelecimento de conexões sociais em escala ampliada. Dessa maneira, a reflexividade não se resume aos ditames institucionais, mas se estende ao núcleo do eu. Nos tecidos contextuais de um arranjo pós-tradicional, o eu fundamenta-se num movimento reflexivo com vistas aos quadros não-experienciados, isto é, em um projeto reflexivo. A inflexão dos percursos individuais pressupõe uma correspondente organização psíquica. Porém, nos âmbitos da modernidade, o eu alterado deve ser constituído e medrado em um processo amplo de encadear mudanças pessoais e sociais. Portanto, a reflexividade do elemento subjetivo não se limita a substâncias produzidas nas crises da vida, mas transcende-as. Trata-se de um traço característico da ordem pós- tradicional, a (re)ordenação psíquica e os seus correlatos sociais (Giddens, 2002).

Ademais, o conceito de ação para o autor tem um caráter transformativo, assim, as estruturas sociais não são empecilhos para o processo das ações, haja vista que fornecem os meios pelos quais os atores sociais agem e são implicados na ação. São presentes na obra de Giddens (2002) os impactos da alta modernidade no campo social e individual, nas influências e nas consequências para a compreensão da autoidentidade. Na ordem pós-tradicional moderna ou reflexiva em oposição ao pano de fundo de novas experiências mediadas, Giddens analisa a autoidentidade como um esquema reflexivamente organizado. Segundo o sociólogo britânico (Giddens, 2002), na vida social moderna, o que se entende por estilo, forma ou maneira de viver assume um sentido singular, único. Imersos em uma miscelânea de opções de estilos de vida, em uma dialética do local e global, os indivíduos, na contramão dos preceitos tradicionais, deparam-se, cada vez mais, com uma diversidade de itinerários identitários, fundamentais na busca da autorrealização. Essas potencialidades individuais são definidas como decisões tomadas e cursos de ação seguidos em condições de severa limitação material (...) (Giddens, 2002: 13). Em outras palavras, os indivíduos dentro de determinadas circunstâncias materiais optam por diferentes estilos de vida, maneiras de viver, consciente ou inconscientemente.

A alta modernidade oferece ao individuo não uma identidade per se, mas mutável, efêmera e alterável, sobretudo, variadas identidades ' de gênero, de idade ', descortinando para o sujeito um mundo de infinitas possibilidades. É relevante ressaltar o caráter contingente da ordem pós-tradicional de produzir nuances, exclusão e marginalização nas mais diversas instituições sociais, criando mecanismos não de deliberações e emancipações, mas sim de supressões no âmbito social e individual.

Assim, na compreensão da feição endêmica da autoidentidade, Giddens enfatiza um estudo sociológico denominado Segundas Chances, de Judith Wallerstein e Sandra Blakeslee. Uma pesquisa desenvolvida sobre o divórcio e o novo matrimônio e seus efeitos na dimensão social e individual; e das identidades dos atores sociais envolvidos. O objeto de análise das autoras é a separação conjugal, que, ao fulcro, têm dois gumes, corroborando na formulação de parâmetros de perigo e risco ao bem-estar. Por outro lado, permite uma miríade de oportunidades futuras aos cônjuges.

A rutura de um matrimônio, desse modo, acarreta mudanças substanciais na vida desses atores, horizontes beatíficos e atribulações; possibilidades e distúrbios psicológicos, ou seja, reverberações positivas e negativas aos consortes, denominado pelas autoras como um período de luto. Nos matrimônios que resultaram em divórcio observaram-se a permanência de sentimentos bons e ruins advindos das experiências adquiridas aos longos dos anos com o(a) parceiro(a). O que difere, por sua vez, é a forma, o conteúdo e a duração do intervalo temporal de luto, sendo díspare de pessoa para pessoa, mas fundamental para erigir a composição da autoidentidade do agente social. Após a superação das idiossincrasias fomentadas pela separação conjugal e o enfrentamento de problemas subjetivados, a reconstrução social dos indivíduos na tessitura da vida cotidiana. Sentimentos como ansiedade e insegurança, que transcendem o dissensumatrimonial, são potenciados por uma época de riscos e escolhas eminentemente individualizadas. É evidente que a configuração das perceções estabelecidas na modernidade tardia sofre modificações em termos de arranjo e conteúdo.

Nesse sentido, a segunda chance possibilita a reconstrução de uma autoidentidade, permeada pelas condições sociais que a alta modernidade impõe aos indivíduos. Dessarte, segundo Giddens, a autoidentidade é o produto das trajetórias distintas de situações institucionais da modernidade e toda sua duração se costuma chamar de ciclo da vida, termo que se aplica com maior precisão a conjunturas não- modernas. Portanto, a não-inércia do panorama social moderno reflete-se na sanha dos atores em revisar suas biografias, lançar novas tintas interpretativas nas minúcias do status quode descolamento do tempo e do espaço.

Ad postremum , o préstimo capital de Giddens reside na perceção teórica da natureza ambivalente de uma ordem pós-tradicional. O rompimento com as disposições pré-modernas e seus respetivos fundamentos, simultaneamente, impulsionam o florescimento de potencialidades singulares e singularizantes, em outros termos, certa liberdade individual. Por outro lado, esvaece a segurança, a aura de estabilidade das coisas. Assim, a antevisão de Giddens adentra numa trajetória que não concebe o dado subjetivo como pernicioso a teoria social.

Pelo contrário, incorpora os aspetos internos em uma lógica contraditória ' entre autonomia pessoal e a sociedade de risco.

Notas 1Graduando em Ciencias Sociais. Instituto de Ciencias Sociais - Universidade Federal de Uberlandia (UberHlndia, Brasil). Endere.;:o de correspondencia: Instituto de Ciencias Sociais I Universidade Federal de Uberlandia I Campus Santa Monica- Bloco H, pavimento superior I Av. Joao Naves de Avila, 2121, Bairro Santa Monica I Uberlandia- Minas Gerais I CEP: 38400-902 I Brasil. E- mail: antonio@soc.ufu.br 2Graduanda em Ciencias Sociais. Instituto de Ciencias Sociais - Universidade Federal de Uberlandia (Uberlandia, Brasil). E-mail: danielasantos.alves@hotmail.com 3As análises sobre a aferição dos riscos na sociedade moderna apresentam delineamentos expressivos na obra Risk Society: towards a new modernity, de Ulrich Beck (1993), além da própria conceituação de Giddens.


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