Comportamento organizacional positivo
e empreendedorismo: Uma influência mutuamente
vantajosa
A psicologia enquanto ciência que estuda o comportamento humano emergiu alicerçada em
três objectivos fundamentais: reparar os problemas das pessoas, prevenir a ocorrência de problemas
e reforçar as forças e os aspectos positivos das pessoas (Luthans, 2002a). No entanto, à medida que
foi evoluindo enquanto área de estudo e de aplicação, a psicologia foi-se focalizando tendencialmente nos défices humanos, nas fraquezas e nos aspectos negativos.
Recentemente, autores como Martin Seligman, têm vindo a criticar esta visão acentuadamente
negativa da psicologia, alertando para a necessidade de redireccionar esta ciência também para o
lado positivo. É neste enquadramento que se assiste ao surgimento de uma nova corrente dentro da
psicologia, conhecida por psicologia positiva, centrada no estudo das forças, das virtudes e dos
aspectos mais positivos da vida, com vista ao desenvolvimento da auto-realização e do significado
de vida das pessoas já saudáveis e felizes (Seligman & Csikzentmihalyi, 2000). A psicologia positiva
implica, assim, uma viragem no campo da psicologia, privilegiando o estudo da benevolência, da
excelência ou da autenticidade, que considera como componentes tão determinantes para a vida
como a doença, a desordem ou a angústia (Peterson & Seligman, 2003).
Da aplicação da psicologia positiva ao contexto organizacional emerge o comportamento
organizacional positivo (COP) (positive organizational behavior), iniciado por Fred Luthans
(2002a), que se debruça sob o estudo das capacidades psicológicas que têm influência no desempenho organizacional. Ao centrarem a sua atenção apenas nas capacidades que têm impacto no
desempenho, os apoiantes do COP pretendem legitimar o COP enquanto área de estudo organizacional, que contribui para uma gestão mais eficaz das pessoas nas organizações.
A institucionalização de um dado campo de estudo está dependente da produção de impacto
nas organizações e na sociedade (Tolbert & Zucker, 1983). No entanto, o COP tem estado confinado
ao estudo das capacidades psicológicas que têm influência no desempenho das pessoas (Luthans,
Youssef & Avolio, 2007), não revelando uma evidente apetência pelo nível societal.
É neste sentido que a articulação com outras áreas das ciências organizacionais se pode revelar
profícua. Na visão de Morgan (1997), uma imagem é uma forma de ver e de não ver, pelo que, dentro
dos limites de uma determinada ciência, se torna difícil conseguir ver um fenómeno segundo uma
outra perspectiva. Entendendo uma teoria como um conjunto organizado de constructos e
proposições que procura explicar um dado fenómeno (Kerlinger, 1973), uma teoria, à semelhança de
uma imagem, condiciona a forma ver e interpretar um dado objecto. Constituindo as organizações
simultaneamente fenómenos individuais e sociais (Katz & Kahn, 1966; Weick, 1979), a invocação
de diferentes disciplinas pode contribuir para uma melhor compreensão das suas complexidades.
Desta forma, a procura de pontes entre áreas científicas distintas pode revelar-se determinante para
a explicação dos fenómenos organizacionais.
Com base na análise das semelhanças e diferenças entre as temáticas, o empreendedorismo
sobressai como uma área que pode contribuir para o impulsionamento do COP. A par das diferenças
entre os dois campos, tanto o COP como o empreendedorismo partilham dos mesmos princípios
basilares. Ambos atribuem ao indivíduo o papel central no processo e consideram a geração de
impacto como o objectivo último da investigação.
No âmbito das ciências organizacionais, também o empreendedorismo procura clarificar o
papel de alguns factores, por forma a reforçar a sua posição enquanto disciplina de referência.
Embora o empreendedorismo denote já um largo desenvolvimento, dada a diversidade de estudos
empíricos e de modelos teóricos, esta área de estudo debate-se, ainda, com algumas dificuldades,
nomeadamente ao nível conceptual, metodológico e interventivo. Assim, a análise de uma outra área,
como o COP, pode revelar-se favorável para o enriquecimento do empreendedorismo.
Neste enquadramento, o objectivo do presente artigo é estabelecer sinergias entre o comportamento organizacional positivo e o empreendedorismo, de modo a contribuir para um desenvolvimento mais sustentado de ambos os campos de estudo.
Com este intuito, apresentamos em primeiro lugar uma breve revisão de literatura sobre o
COP, seguido de uma resenha sobre o empreendedorismo. O artigo segue com a análise dos pontos
de convergência entre o COP e o empreendedorismo, que justificam a pertinência de uma influência
mútua entre ambas as disciplinas. Em seguida, são apresentadas as sinergias entre o COP e o
empreendedorismo, terminando o artigo com a apresentação das principais conclusões.
O comportamento organizacional positivo
O COP é definido na literatura como “o estudo e aplicação das capacidades e forças psicológicas positivamente orientadas, que podem ser medidas, desenvolvidas e eficazmente geridas
para incrementar o desempenho no trabalho” (Lopes & Cunha, 2005, p. 32; Luthans, 2002a). Assim
definido, o COP procura incorporar, além de uma tónica de investigação, uma componente mais
interventiva, direccionando o foco para o desenvolvimento dos recursos humanos e para a gestão do
desempenho nas organizações. Ao acentuar esta vertente, o COP afasta-se de outros movimentos da
psicologia positiva [e.g. estudos organizacionais positivos (positive organizational scholarship)]
que, por apresentarem um nível de estudo mais macro, revelam uma maior dificuldade em
evidenciar mudanças no desempenho (Luthans, Youssef & Avolio, 2007). Neste sentido, o COP
pretende-se afirmar enquanto área de estudo e de melhoria das capacidades psicológicas, as quais,
quando alvo de medida e de desenvolvimento, apresentam um impacto significativo no desempenho
(Luthans & Youssef, 2004).
Estas capacidades psicológicas, sucintamente designadas por capital psicológico positivo ou
simplesmente por capital psicológico (psycap) (Luthans & Youssef, 2004), definem um estado de
desenvolvimento psicológico positivo em que a pessoa se caracteriza por: 1) apresentar uma elevada
confiança para despender o esforço necessário para ser bem sucedida em tarefas desafiantes, 2) fazer
atribuições positivas acerca dos acontecimentos que vão suceder no presente e no futuro, 3) manifestar perseverança em relação aos objectivos definidos, e, quando necessário, mostrar-se capaz de
redireccionar os meios para atingir os fins e 4) revelar capacidade para recuperar de adversidades
(Luthans, Youssef & Avolio, 2007). Deste modo, o capital psicológico compreende quatro capacidades psicológicas distintas: auto-eficácia, optimismo, esperança e resiliência (quadro 1)
Quadro 1 – Definição conceptual das quatro capacidades psicológicas positivas.
Capacidades Psicológias
Definição Conceptual
Autores
Auto-eficácia
Convicção que uma pessoa detém relativamente à sua
capacidade para mobilizar a motivação, os recursos
cognitivos e os cursos de acção necessários para realizar
com êxito uma tarefa específica num dado contexto.
Bandura, 1997;
Stajkovic
& Luthans,
1998.
Optimismo
Estilo atribucional segundo o qual os acontecimentos
positivos são atribuídos a causas pessoais, permanentes e
universais, enquanto os acontecimentos negativos são
interpretados com base em factores externos,
temporários e específicos.
Lopes & Cunha, 2005;
Scheier & Carver,
1985; Seligman 1998.
Esperança
Estado motivacional positivo, resultante da interacção
entre:
• Agência – grau em que o indivíduo crê ser capaz de
atingir um dado objectivo.
• Definição de planos – capacidade para formular planos
eficazes para alcançar esses mesmos objectivos.
Snyder, Irving &
Anderson, 1991;
Snyder, Sympson,
Ybasco, Borders,
Babyak & Higgins,
1996
Resiliência
Capacidade para recuperar de situações conflituosas e
adversas, mantendo o equilíbrio e a responsabilidade.
Luthans, 2002b
Estas quatro capacidades psicológicas são as que melhor definem o capital psicológico por
respeitarem os quatro critérios definidos pelos autores (Luthans & Avolio, 2003) – características
positivas, de base teórica e empírica, avaliadas através de medidas com elevada validade, definidas
em termos de estado. Em primeiro lugar, estas quatro capacidades caracterizam-se como entidades
positivas, relativamente únicas e específicas do COP. Adicionalmente, vão ao encontro dos critérios
de cientificidade, baseando-se o seu estudo em conhecimentos teóricos e em sólida investigação
empírica. Por respeitarem estes critérios, estas capacidades psicológicas podem ser alvo de avaliação
utilizando medidas com boas qualidades métricas, especialmente em termos de validade, que assegura um elevado poder preditivo em relação ao desempenho (Luthans, Youssef & Avolio, 2007).
Dado que estas capacidades constituem estados de desenvolvimento, e não traços relativamente rígidos
e inflexíveis, são passíveis de desenvolvimento e melhoria, contribuindo para uma gestão mais
eficaz do desempenho.
Vários estudos têm demonstrado a influência positiva que estas quatro capacidades psicológicas têm no desempenho das pessoas nas organizações. Seligman (1998), num estudo realizado com
vendedores, verificou que os indivíduos mais optimistas tendem a vender significativamente mais
(vendas avaliadas em termos de percentagem), por comparação com os seus colegas menos optimistas. Num outro estudo, conduzido em diferentes unidades de negócio de um mesmo grupo,
Peterson e Luthans (2002) revelaram que nas unidades onde os líderes tinham mais esperança, o
desempenho financeiro era significativamente mais elevado e os colaboradores sentiam uma maior
satisfação com o trabalho, demonstrando menor intenção de saída, por comparação com unidades
geridas por líderes menos esperançosos.
Embora relativamente bem definido do ponto de vista conceptual e metodológico, o COP
ainda não é reconhecido como uma disciplina autónoma, com objecto e metodologia própria. Neste
sentido, a análise do empreendedorismo pode contribuir para um maior enriquecimento do COP
enquanto campo de estudo.
COP e empreendedorismo: Que convergências?
O empreendedorismo enquanto campo de estudo tem vindo a conhecer um progresso crescente, dada a importância que apresenta enquanto mecanismo de desenvolvimento económico e de
criação de emprego. Segundo dados da Comissão Europeia (2003), o tecido empresarial europeu é
constituído em cerca de 99,8% por pequenas e médias empresas, que são responsáveis por 60% a
70% do emprego existente. Em Portugal, esta percentagem é ainda maior, ascendendo a cerca de
75%.
Embora a sua origem remonte ao século XVIII, pela mão de Richard Cantillon (1680-1734),
o empreendedorismo conheceu avanços significativos com pensadores de renome como Joseph
Schumpeter (1883-1950) - que concebeu o empreendedor como tendo a capacidade única para efectuar
novas combinações, capazes de introduzir rupturas no equilíbrio do sistema económico e produzir
inovação (1961) – ou Frank Knight (1885-1972) – que introduziu a distinção entre “risco” e
“incerteza”, cabendo ao empreendedor assumir a incerteza existente no meio (1921/ 1971).
Enquanto disciplina, o empreendedorismo só é constituído em finais da década de 70 (Sexton &
Landström, 2000), eclodindo nos anos 80 com a proliferação de estudos, a realização de conferências, a oferta de cursos e a constituição de centros especificamente desenhados para investigar este
fenómeno.
Em termos conceptuais, o empreendedorismo pode ser definido como “o campo de estudo que
procura compreender como as oportunidades que geram novos produtos e serviços são descobertas,
criadas e exploradas, por quem e com que consequências” (Venkataraman, 1997, p. 120). De acordo
com Venkataraman (1997), o campo de estudo do empreendedorismo procura responder a três
questões fundamentais: 1) Porquê, quando e como surgem as oportunidades que geram novos produtos e serviços? 2) Porquê, quando e como algumas pessoas são capazes de identificar e explorar
estas oportunidades e outras não? e 3) Quais são as consequências económicas, psicológicas e sociais
da exploração destas oportunidades, para a pessoa e para a sociedade no seu todo?
Da análise destas questões ressalta que o empreendedorismo resulta de uma dinâmica complexa
entre a pessoa empreendedora, que identifica e explora as oportunidades de negócio, a organização
empreendedora e o ambiente onde esta organização está inserida (Shane & Venkataraman, 2000).
Esta dinâmica traduz as diferentes perspectivas teóricas que a temática do empreendedorismo incorpora:
a psicologia, a economia e a sociologia. De uma forma genérica, a psicologia procura identificar os
traços que distinguem um empreendedor de um não-empreendedor (Begley & Boyed, 1987; Green,
David & Dent, 1996). Mais recentemente, influenciada pelos desenvolvimentos da psicologia cognitiva,
os psicólogos têm-se orientado para o estudo das variáveis cognitivas que levam os empreendedores
a detectar uma determinada oportunidade de negócio e a explorá-la de forma eficaz (Baron, 2004;
Mitchell, Smith, Seawright & Morse, 2000).
A perspectiva económica procura aprofundar o impacto do empreendedorismo no sistema
económico, assim como os factores que intervêm na decisão de entrada numa nova área de negócio,
como o risco ou os trade-offs económicos (Klepper & Graddy, 1990; Winter, 1984). No âmbito desta
perspectiva, a inovação, entendida como processo de criação de oportunidades, constitui um pilar
fundamental do empreendedorismo, pelo que também tem vindo a receber ampla atenção (Drucker,
1985; Peterson, 1985). A corrente sociológica preocupa-se, fundamentalmente, com a adaptação das
organizações empreendedoras ao meio onde estão inseridas (Hannan & Freeman, 1989; Delacroix &
Rao, 1993), procurando determinar as condições que facilitam o aumento da legitimidade destas
organizações recém-criadas (Aldrich & Fiol, 1994; Elsbach & Sutton, 1992).
Dadas as diferentes correntes teóricas que estudam o empreendedorismo, podemos considerar
esta disciplina como multidisciplinar (Bruyat & Julien, 2000). Contudo, estas diferentes perspectivas
nem sempre confluem para gerar uma visão mais rica e consolidada do empreendedorismo (Palma
& Cunha, 2006). Pelo contrário, as diferentes correntes que estudam o empreendedorismo tendem a
manter-se relativamente fechadas, originando uma mescla de teorias e constructos (Sexton &
Landström, 2000). Neste sentido, a análise do COP pode introduzir uma maior clareza no campo do
empreendedorismo.
A par das diferenças que demarcam estes dois campos – tais como o objecto de estudo, os
níveis de análise ou o carácter multidisciplinar – o COP e o empreendedorismo denotam convergências
que importa aprofundar.
Em primeiro lugar, da análise cuidada da literatura sobre empreendedorismo e COP ressalta
que a pessoa, na qualidade de empreendedor ou de líder/ colaborador, constitui o principal foco de
estudo em ambas as temáticas. O COP, tal como referido por Luthans (2002a), centra-se na
avaliação e desenvolvimento das capacidades psicológicas dos líderes e colaboradores, com o
intuito de melhorar o seu desempenho. É, assim, através das pessoas que as organizações obtêm
vantagem competitiva. Já no campo do empreendedorismo, embora este seja entendido enquanto
processo de identificação e exploração de oportunidades para o qual intervêm factores individuais,
organizacionais e ambientais, o empreendedor tende a assumir o papel central. O empreendedor é o
responsável tanto pela identificação, como pela decisão de exploração de uma dada oportunidade
(e.g. Baron, 2002; Shane & Venkataraman, 2000).
Em segundo lugar, o telos, o objectivo último que move os estudiosos do empreendedorismo
e do COP é o mesmo: gerar impacto. Os grandes impulsionadores COP são os primeiros a defender
o impacto das capacidades psicológicas no desempenho organizacional (Luthans, 2002a; Luthans,
Avolio, Walumbwa & Li, 2005). Estes autores vão ainda mais longe, admitindo que as capacidades
que formam o psycap são precisamente as variáveis que têm mais impacto no desempenho organizacional (Luthans, Youssef & Avolio, 2007). Também no empreendedorismo é notória a preocupação
com o impacto. São muitos os benefícios económicos e sociais do empreendedorismo para a
sociedade, de tal modo que muitos estudiosos têm vindo a defender o empreendedorismo como um
grande motor de desenvolvimento económico e social (Hitt, Ireland & Sexton, 2002; Sexton &
Landström, 2000).
Dadas as convergências existentes entre o COP e o empreendedorismo, pode revelar-se uma
mais-valia o estabelecimento de pontes entre ambos os campos. A análise da literatura do
empreendedorismo e do COP permite identificar três contribuições de cada uma destas disciplinas
para a sua contra-parte, COP e empreendedorismo, respectivamente, que contribuem para um desenvolvimento mais sustentado do COP e do empreendedorismo como campos de referências no âmbito
das ciências organizacionais (quadro 2).
Quadro 2 – COP e empreendedorismo: Influência mútua
Contribuições do Empreendedorismo
para o campo do COP
Contribuições do COP para o campo
do Empreendedorismo
•
Preocupação com o impacto societal do comportamento
positivo;
•
Importância da clareza dos critérios de êxito do
empreendedorismo;
•
Importância de uma abordagem integrada no estudo das
capacidades psicológicas;
•
Necessidade de um maior rigor metodológico aquando
da realização de estudos empíricos;
•
Pertinência de uma perspectiva temporal no estudo das
capacidades psicológicas.
•
Utilidade de uma visão desenvolvimentista dos
empreendedores.
Empreendedorismo: Um campo de análise frutuoso para o COP
Da análise da literatura, ressaltam três contributos do empreendedorismo para o COP: 1) a preocupação com o impacto societal, 2) o enfoque numa abordagem integrada e 3) a orientação para
uma perspectiva temporal no estudo das capacidades psicológicas.
O empreendedorismo pode constituir uma mais-valia para o COP ao reforçar a institucionalização
deste último enquanto campo de estudo. Um determinado campo de estudo consegue institucionalizar-se quando cria um novo template, ou seja, quando as suas teorias são aceites e conside
radas necessárias, servindo como base de legitimação de novos dados (Tolbert & Zucker, 1983).
A institucionalização de um campo está, assim, dependente da sua capacidade para construir teorias
úteis, capazes de produzir resultados com impacto nas organizações e na sociedade.
A actual pressão para a melhoria contínua a que as organizações estão sujeitas tem levado as
disciplinas organizacionais a centrarem o seu estudo na influência de determinadas variáveis e
processos nos resultados organizacionais (Becker & Gerhart, 1996). O COP não é excepção a esta
tendência. Esta área tem vindo a progredir enquanto campo de teorização e aplicação, dados os estudos
que demonstram o impacto positivo das capacidades psicológicas no desempenho (Luthans et al.,
2005; Peterson & Luthans, 2002). Importa, contudo, perceber o nível de análise que está subjacente
ao estudo do desempenho. Quando se referem ao desempenho, os defensores desta corrente consideram
“o desempenho real no trabalho” (performance in today´s workplace) (Luthans, 2002a, p.59;
Luthans & Avolio, 2003, p.245). Os autores mencionam dois níveis de análise do desempenho no
trabalho: o nível individual, que designa o crescimento e o desempenho dos indivíduos; e o nível
organizacional, que se reporta ao retorno do investimento que advém dos ganhos conseguidos ao
nível do desempenho dos indivíduos (Luthans et al., 2005). Constata-se, assim, que o estudo do
desempenho organizacional no âmbito do COP se situa a um nível de análise micro, ou seja, ao nível
do desempenho dos indivíduos. E é a partir das melhorias do desempenho individual que são extrapolados
ganhos para a produtividade e para o desempenho das organizações.
Uma análise ao campo do empreendedorismo revela-nos uma preocupação dos cientistas com
o impacto deste fenómeno no sistema social e económico. Os autores têm encontrando evidências
empíricas do impacto positivo do empreendedorismo no crescimento económico das regiões e dos
países, em termos do aumento da criação de emprego (e.g. Baldwin & Picot, 1995; Davidsson,
Lindmark & Olofsson, 1998), da produtividade e da geração de maior riqueza e bem-estar (e.g.
Davidsson, Lindmark & Olofsson, 1995; Reynolds, 1999). Para além da sua importância para o
crescimento económico, alguns autores têm vindo a acentuar a função estratégica do empreendedorismo enquanto mecanismo compensador dos desequilíbrios económicos (e.g. Hitt & Ireland,
2000; Hitt, Ireland, Camp & Sexton, 2002). Alguns autores defendem mesmo que, perante o
número massivo de processos de downsizing que ocorreram nos anos 90, a economia americana
só não entrou em colapso devido, em grande medida, à capacidade empreendedora dos indivíduos
(Baron, 2002).
Estas evidências espelham a pertinência do empreendedorismo, contribuindo para a sua institucionalização enquanto campo de estudo e de intervenção. Esta institucionalização está bem patente
nas linhas orientadoras de muitos governos, que reflectem uma aposta na promoção de actividades
empreendedoras nos seus próprios países (Mueller & Thomas, 2001).
A institucionalização do COP enquanto campo de estudo pode ser reforçada com a produção
de impactos significativos ao nível societal. Esta preocupação adquire uma importância ainda maior
quando atendemos aos objectivos definidos para a área do comportamento organizacional, a qual
constitui a raiz principal do COP (Luthans, 2002a; Luthans, Youssef & Avolio, 2007). Alguns autores
têm vindo a defender que, para além de objectivos humanos e produtivos, o comportamento organizacional apresenta também objectivos éticos e societais, que procuram integrar o comportamento nas
e das organizações com os interesses da sociedade em geral, em termos legais, morais, ambientais,
entre outros (Cunha, Rego, Cunha & Cabral-Cardoso, 2006). Neste enquadramento, o estudo combinado do impacto do desempenho dos indivíduos nas organizações, por um lado, com o impacto do
desempenho das organizações na sociedade, por outro, pode contribuir para a consolidação do COP
dentro das ciências organizacionais.
Uma segunda vantagem para o COP que pode advir do campo do empreendedorismo prende-se
com a introdução de uma abordagem mais integrada do objecto de estudo, que contemple variáveis
de diferentes níveis como explicativas das capacidades psicológicas.
O objecto de estudo do COP está definido como correspondendo às capacidades psicológicas
positivas, especificamente a auto-eficácia, o optimismo, a esperança e a resiliência (Luthans, 2002a;
Luthans & Avolio, 2003). Parafraseando Luthans, Youssef and Avolio (2007), uma capacidade
psicológica constitui um “estado de desenvolvimento psicológico positivo de um indivíduo (…)”
(p. 3), o que nos leva a concluir que o objecto de estudo do COP é conceptualizado ao nível micro
de análise, ao nível do indivíduo. Esta tendência está patente nos estudos realizados (Luthans, 2006;
Peterson & Luthans, 2002), que se centram na análise das implicações das capacidades psicológicas
positivas dos indivíduos para o seu desempenho.
Um olhar atento ao empreendedorismo, revela-nos uma disciplina cruzada por cinco níveis de
análise: pessoas, grupos, organizações, sectores de actividade e sociedade (Low & MacMillan,
1988). Ao nível das pessoas, os estudiosos procuram determinar os traços e cognições que definem
os empreendedores (e.g. Baron, 2004; Green, David & Dent, 1996). A investigação sobre grupos tem
como objectivo caracterizar as equipas de empreendedores mais eficazes, em termos de características
demográficas e relações interpessoais (Ensley, Pearson & Amason, 2002). O estudo das características
das organizações empreendedoras (Lumpkin & Dess, 1996) também tem constituído um pólo de
interesse por parte dos investigadores. Em relação ao sector de actividade, os cientistas debruçam-se
sobre as vantagens e desvantagens do estabelecimento de parcerias ou alianças entre organizações
empreendedoras (Bing-Sheng, 2007). Ao nível societal, a literatura preocupa-se em demonstrar o
impacto do desenvolvimento de organizações empreendedoras para a sociedade (Carree & Thurik, 2003).
O estudo do empreendedorismo ao longo desta multiplicidade de níveis apresenta duas vantagens
principais. Num primeiro plano, e tal como postulado por Gartner (2001), o estudo de diferentes
constructos ao longo dos vários níveis facilita a geração de insights, possibilitada pela transferência
de conhecimentos de um nível de análise para outro. Em segundo lugar, do cruzamento dos diferentes
níveis podem ser identificadas relações entre variáveis que levam à construção de teorias multinível,
as quais permitem uma compreensão mais integrada e holística dos fenómenos (Klein, Tosi &
Cannella, 1999). A título ilustrativo, salienta-se o estudo de Eisenhardt e Schoonhoven (1990), que
demonstrou o papel da equipa de empreendedores e do estado do mercado (emergente, em crescimento
ou maduro) como factores preditivos do crescimento das organizações empreendedoras.
Da mesma forma, também o COP pode beneficiar de uma abordagem multinível. Esta abordagem
constitui uma vantagem ainda maior quando olhamos para a área do comportamento organizacional,
que tende a ser definido como o campo de estudo do comportamento dos indivíduos, assim como da
estrutura e do comportamento das organizações (Cunha, Rego, Cunha & Cabral-Cardoso, 2006;
Schneider, 1985). O comportamento organizacional apresenta, assim, três níveis de análise: 1) o
nível individual, cujo âmago se situa nos indivíduos, nos seus comportamentos e características; 2)
o nível grupal, centrado na análise dos grupos nas organizações, nos processos de comunicação, conflitos ou liderança; e 3) o nível organizacional, que estuda as próprias organizações, em termos de
estrutura, cultura ou estratégia. O COP pode beneficiar da incorporação de uma abordagem multinível,
que integre o estudo das características positivas de outras variáveis, como a liderança, o clima ou a
cultura, assim como os seus benefícios para o desempenho organizacional.
Uma terceira contribuição do empreendedorismo para o COP refere-se à introdução de uma
perspectiva temporal no estudo das capacidades psicológicas. O COP centra-se no estudo das capacidades psicológicas, as quais se encontram bem definidas tanto do ponto de vista conceptual como
metodológico. Este rigor está patente nos critérios que os autores propuseram para definir estas
capacidades: 1) capacidades positivas, 2) baseadas na teoria e na prática, 3) uso de medidas válidas
e 4) definidas como estados (Luthans, Youssef & Avolio, 2007; Luthans & Avolio, 2003). Embora
muito fecunda no que toca à definição das capacidades psicológicas, a literatura do COP não se tem
revelado tão profícua em relação à evolução destas capacidades. Os estudos, privilegiando uma
metodologia transversal, centram-se nas consequências das capacidades psicológicas, e não no modo
como estas capacidades se desenvolvem ao longo do tempo.
Uma leitura do empreendedorismo revela, por seu turno, uma preocupação com o estudo da
emergência e desenvolvimento deste processo. O empreendedorismo, assim como as capacidades
psicológicas, porque são fenómenos sociais, são susceptíveis de mudança e evolução ao longo do
tempo (Weiss, 1926). Deste modo, a compreensão de um determinado fenómeno social está dependente
do estudo desse mesmo fenómeno ao longo do tempo. Partilhando deste postulado, vários autores
(Baron, 2002; Venkataraman, 1997) têm procurado estudar o empreendedorismo numa perspectiva
longitudinal, identificando três grandes fases de desenvolvimento: a fase prévia à criação da organização, a fase de start up – que corresponde à fase de criação propriamente dita – e a fase posterior
à criação da organização.
A elaboração deste modelo de desenvolvimento tem possibilitado o aprofundamento dos
factores e dos processos mais determinantes em cada uma das fases do empreendedorismo. Assim,
vários autores têm demonstrado a importância da intenção empreendedora (Bird, 1988), do motivo
de auto-realização (McClelland, 1966) ou da capacidade para identificar oportunidades (Baron,
2004) para a primeira fase do empreendedorismo. Outros estudos têm evidenciado o papel de factores como as estratégias cognitivas usadas no reconhecimento de oportunidades (Gaglio & Katz,
2001), as redes de contactos ou o capital social dos empreendedores (Nahapiet & Goshal, 1998) no
processo de criação de uma nova organização. Para o crescimento da organização, terceira fase,
contribuem factores como a utilização de práticas de gestão orientadas para a inovação, para a
produção de produtos e/ou serviços com um valor único para o cliente (Schoonhoven, Eisenhardt &
Lyman, 1990) ou a capacidade da organização para estabelecer alianças inter-organizacionais, como
fonte de acesso a recursos importantes (Barringer & Harrison, 2000; Cooper & Folta, 2000).
Com base no exemplo do empreendedorismo, podemos verificar que o desenvolvimento de
uma abordagem temporal apresenta múltiplas vantagens. Em primeiro lugar, e tal como apontado por
Baron (2002), uma abordagem desta natureza possibilita uma melhor compreensão do fenómeno em
estudo, ao apreender todas as suas fases de desenvolvimento desde a sua emergência. O fenómeno
em estudo adquire dinamismo, deixando de ser entendido de forma dicotómica (existe ou não existe).
Em segundo lugar, ao discernir entre fases de desenvolvimento, esta abordagem permite a identificação dos factores críticos do fenómeno em estudo, em cada uma dessas fases (Gartner, 2001).
Transpondo para o campo do COP, a introdução de uma perspectiva temporal no estudo das
capacidades psicológicas pode contribuir para o desenho de intervenções mais específicas, em
função do estádio de desenvolvimento das capacidades psicológicas, com impactos mais significativos no desempenho.
Depois de analisadas as mais-valias do empreendedorismo para o COP, segue-se uma breve
discussão das contribuições que o COP pode oferecer ao empreendedorismo (figura 2).
COP: Um campo de análise proveitoso para o empreendedorismo
O estabelecimento de sinergias com o COP pode contribuir para a introdução de melhorias na
área do empreendedorismo, designadamente a três níveis: 1) maior clareza nos critérios de êxito do
empreendedorismo, 2) maior preocupação com o rigor metodológico e 3) incorporação de uma visão
desenvolvimentista dos empreendedores.
Os estudiosos do empreendedorismo têm centrado a sua atenção no impacto que este
apresenta na sociedade, em termos da geração de valor e criação de emprego (Sexton & Landström,
2000). Tal preocupação está em consonância com a orientação que tem vindo a ser realçada por
autores conceituados (Bartunek, Rynes & Ireland, 2006) que defendem que a investigação nas
organizações deve mover-se no sentido da busca de resultados interessantes e pertinentes do ponto
de vista prático, i.e., resultados capazes de produzir impacto, de mudar efectivamente o que se faz e
como se faz dentro e fora das organizações. No entanto, esta preocupação com a investigação
aplicada não parece acompanhar a definição de “resultados”, já que não parece existir na literatura
um consenso relativamente aos critérios para definir o êxito do empreendedorismo.
Atendendo à complexidade inerente à formação de uma nova empresa, alguns estudiosos
propõem a capacidade para criar uma organização empreendedora como a principal medida de
sucesso do empreendedorismo (Gartner, 1985, 1988). Outros autores, porém, ao constatarem a
elevada propensão que as organizações recém-formadas têm uma para morrer nos primeiros dois
anos de actividade (Singh, Tucker & House, 1986; Stinchcombe, 1965), sugerem que a medida de
êxito do empreendedorismo está assente na capacidade de uma organização recém-criada para
sobreviver (Sexton & Landström, 2000). Investigações mais recentes (Spilling, 2001) têm vindo a
demonstrar que as organizações empreendedoras apresentam diferentes ritmos de crescimento, que
variam entre o baixo (taxa de crescimento entre os 30% e os 100% ao ano) e o alto (taxa de
crescimento superior a 100% ao ano). Estas variações são medidas pelo volume de vendas, número
de empregos gerados, lucro obtido, quota de mercado adquirida ou competências desenvolvidas.
A tomada de conhecimento destas variações no ritmo de crescimento tem levado um terceiro grupo
de cientistas a eleger a capacidade da organização recém-criada para crescer de forma acelerada
como o critério de êxito do empreendedorismo (Davidsson & Wiklund, 2000; Delmar, Davidsson &
Gartner, 2003).
Esta heterogeneidade em relação aos critérios de sucesso do empreendedorismo pode ser
atribuída, em grande medida, à existência de diferentes definições de empreendedorismo na comunidade científica. Para alguns autores, o empreendedorismo designa o processo de criação de novas
organizações (Gartner, 1985, 1988), ao passo que para outros compreende o processo de identificação e exploração de uma oportunidade de negócio (Shane & Venkataraman, 2000), indo além da
mera criação de empresas.
No COP parece existir uma maior clareza em relação aos critérios de êxito. De acordo com
diversos autores (Luthans & Youssef, 2004; Luthans, Youssef & Avolio, 2007), o êxito do COP é
avaliado em termos do retorno do investimento, com base nas melhorias que o desenvolvimento das
capacidades psicológicas introduz no desempenho, avaliado em termos do volume de vendas, lucros
gerados, produtividade ou intenção de saída dos colaboradores. Todos estes indicadores de desempenho estão referenciados na literatura como constituindo resultados organizacionais (Rousseau,
1997), o que reflecte a existência de consistência no que toca à definição dos critérios de êxito.
Esta unanimidade revela-se vantajosa para o COP, essencialmente a dois níveis. Em primeiro
lugar, traduz um consenso na comunidade científica no que diz respeito ao objecto de estudo do COP.
Este acordo está espelhado na objectividade inerente à definição de COP e de capacidades psicológicas.
Tal como enfatizado por Bruyat e Julien (2000), sem a partilha de uma linguagem comum torna-se
difícil construir teorias, acumular conhecimentos sobre um dado fenómeno ou até legitimar a
existência de uma comunidade científica que estuda uma determinada área de conhecimento. Em
segundo lugar, e atendendo aos pressupostos da teoria institucional (Tolbert & Zucker, 1983), a
homogeneidade em relação aos critérios de êxito facilita a legitimação dos estudos realizados numa
dada área, uma vez que contribui para a acumulação de evidência empírica.
Transpondo para o caso do empreendedorismo, a introdução de uma definição clara dos
critérios de êxito, assim como do próprio fenómeno do empreendedorismo, pode ajudar a clarificar
este campo que, segundo alguns autores (Sexton & Landström, 2000) se encontra fragmentado.
Uma segunda contribuição do COP para o campo do empreendedorismo prende-se com a
introdução de maior preocupação com o rigor metodológico. O empreendedorismo enquanto campo
de estudo tem crescido alicerçado em investigação empírica, facto que tem contribuído para a
sustentação das principais teorias e conceitos. Contudo, nem sempre o crescimento do empreendedorismo tem correspondido a um progresso em termos de uma maior clareza teórica e conceptual.
Os estudos realizados neste campo padecem de alguns problemas metodológicos, de entre os quais
destacamos dois: a utilização de medidas com baixas qualidades métricas e a selecção de amostras
heterogéneas.
Quando são usados questionários, os investigadores não parecem denotar uma elevada
preocupação com o questionário em si, com a forma como foi administrado nem com as fontes de
variação dos resultados (Gartner, 1989). Esta situação tem levado alguns autores (Rauch & Frese,
2000) a considerar difícil a realização de uma meta-análise adequada, a qual poderia introduzir
alguma clarificação. Por outro lado, os investigadores tendem a fazer uso de amostras muito
diversas de empreendedores. A definição de empreendedor mais comummente aceite na literatura
interpreta-o como o fundador, dono e gestor de um pequeno negócio e cujo principal objectivo é
crescer (Carland, Hoy, Boulton, & Carland, 1984). No entanto, os investigadores nem sempre
parecem levar em consideração esta definição, utilizando amostras tão variadas como: fundadores de
organizações recém-criadas (Howell, 1972; Thorne & Ball, 1981), fundadores de novas organizações
num segmento novo (e.g. Lachman, 1980), dono ou gestor de uma organização recém-criada
(Brockhaus, 1980; Welsch & Young, 1982), CEO das empresas listadas pelas conceituadas revistas
Inc, Fortune e Business Week como as que mais cresceram (Forlani & Mullins, 2000), estudantes
de licenciatura ou mestrado (Ciavarella, Riordan, Gatewood & Stokes, 2004; Scherer, Brodzinski,
Wiebe, 1990) ou inventores de patentes (Markman, Baron & Balkin, 2005), apenas para dar
alguns exemplos.
Esta heterogeneidade tem levado à obtenção de resultados contraditórios. A título ilustrativo,
salientemos os resultados dos estudos sobre o perfil dos empreendedores, a propósito da característica
“propensão para o risco”. Alguns estudiosos descrevem os empreendedores como possuidores de
uma elevada propensão para o risco (Chell, Haworth & Brearley, 1991; Knight, 1971). Outros
autores, contudo, encontraram uma relação significativa e negativa entre a propensão para o risco e
o êxito do empreendedorismo (Duchesnau & Gartner, 1990; Singh, 1988). Outros ainda (Begley &
Boyd, 1987; Brockhaus, 1980) concluíram que os empreendedores de sucesso tendem a assumir um
risco calculado, no sentido em que o risco maximiza o êxito do empreendedorismo até um determinado ponto, a partir do qual esta característica se torna prejudicial.
Esta necessidade de um maior cuidado metodológico, quer em termos das qualidades métricas,
quer da heterogeneidade das amostras, não parece aplicar-se tanto ao campo do COP. Os promotores
do COP defendem explicitamente a utilização de medidas com boas qualidades métricas, por forma
a obter influências mais significativas no desempenho organizacional (Luthans, 2002a, Luthans,
Youssef & Avolio, 2007). Luthans chega mesmo a definir as qualidades métricas, especialmente a
validade, como um dos critérios de cientificidade que caracteriza o COP e que distingue as capacidades psicológicas positivas das demais capacidades (Luthans & Avolio, 2003; Luthans, Youssef &
Avolio, 2007). É também o respeito por este critério que distingue o COP de uma outra literatura
também positiva e popular, mas de carácter não científico, como os livros de auto-ajuda de Kenneth
Blanchard, One Minute Manager, ou de Steven Covey, Seven Habits of Higgly Effective People.
Também ao nível da escolha das amostras alvo de estudo parece existir este especial cuidado com o
rigor. Para o estudo das capacidades psicológicas no contexto organizacional têm sido seleccionadas
amostras de gestores (Peterson & Luthans, 2002) ou colaboradores (Luthans et al, 2005). Estas
amostras estão em conformidade com a finalidade do COP, que, nas palavras de Luthans (2002a,
p. 59), “se aplica ao desenvolvimento tanto dos gestores como dos restantes colaboradores no seu
local de trabalho”.
Esta preocupação com o rigor metodológico beneficia o COP a dois níveis. Por um lado, a
preocupação com a validade aumenta a probabilidade de construir instrumentos de medida com um
maior poder de previsão em relação ao futuro desempenho do indivíduo (Nunnaly & Berstein, 1997).
Por outro lado, a utilização de amostras homogéneas facilita a acumulação de evidências,
contribuindo para a construção de um corpo teórico mais consistente (Kerlinger, 1973). Ao
incorporar estas duas preocupações, o campo do empreendedorismo pode progredir no sentido
de uma maior clarificação teórica.
Uma outra vertente onde o COP pode beneficiar o empreendedorismo prende-se com a introdução de uma orientação para o desenvolvimento comportamental. Os investigadores que definem
o empreendedorismo como a criação de empresas têm procurado identificar as características que
diferenciam os empreendedores dos não-empreendedores. Ao longo de mais de 40 anos de investigações, vários traços têm sido identificados, tais como a moderada propensão para o risco
(Brockhaus, 1980), a elevada auto-realização (McClelland, 1966), a elevada necessidade de autonomia (Utsch, Rauch, Rothfuss & Frese, 1999), a elevada auto-eficácia (Markman, Baron & Balkin,
2005) ou elevados níveis nas cinco dimensões do modelo dos Big Five (Zhao & Seibert, 2006). No
entanto, como os traços asseguram a consistência comportamental nas diferentes situações, tendem
a ser entendidos como relativamente estáveis ao longo do tempo (Kenrick & Funder, 1988). Esta
consistência temporal dos traços dificulta a introdução de uma perspectiva de desenvolvimento do
empreendedor.
A corrente que define o empreendedorismo com base na capacidade de crescimento da organização empreendedora também parece não ter incorporado a visão desenvolvimentista. Na tentativa
de identificação dos factores de êxito do empreendedorismo, os investigadores continuam a procurar
factores de personalidade, como a resistência ao stress (Motowidlo, Packard & Manning, 1986), aos
quais acrescentaram outros, como o capital social (Shane & Cable, 2001) ou as cognições (Baron,
2004). Estes estudos posicionam-se numa perspectiva dicotómica, segundo a qual se procura
diferenciar os empreendedores de êxito dos empreendedores sem êxito. De outro modo, a literatura
sobre empreendedorismo tem estado mais orientada para “a identificação dos empreendedores de
sucesso” e não tanto para “o desenvolvimento de empreendedores de sucesso”.
Posteriormente, alguns autores começaram a chamar a atenção para a necessidade de incorporar uma perspectiva comportamental no estudo do empreendedorismo (Herron & Sapienza, 1992).
Esta abordagem comportamental implica uma mudança do foco de estudo, das características dos
empreendedores para as actividades que estes realizam (Gartner, 1985). Entendendo os comportamentos como acções susceptíveis de mudança (Boyatzis, 1982), revela-se facilitada a tarefa de
desenvolvimento da faceta comportamental do empreendedorismo. Ainda assim, o cenário não se
tem revelado muito satisfatório.
É certo que muitos esforços têm sido feitos com vista ao fomento do empreendedorismo. Esta
tendência reflectiu-se um pouco por todo o mundo, especialmente na Europa e nos EUA, levando
um número muito significativo de universidades a desenvolverem centros de promoção do
empreendedorismo (Sexton & Landström, 2000). Contudo, análises efectuadas aos currícula dos
cursos revelaram uma predominância da componente técnica, muito orientada para a elaboração de
planos de negócios, para a gestão financeira da organização e para o marketing dos produtos/ serviços
(Gibb, 2002). Por outras palavras, os cursos de empreendedorismo não têm incidido sobre a
componente nuclear do empreendedorismo – o empreendedor – não promovendo o auto-desenvolvimento das pessoas para o risco calculado, para uma maior autonomia ou para uma maior
auto-eficácia. Os cursos sobre empreendedorismo têm-se concentrado fundamentalmente na
“aprendizagem sobre o empreendedorismo” e não na “aprendizagem para o empreendedorismo”
(Palma, 2005).
Uma análise à literatura do COP revela a partilha de uma maior orientação desenvolvimentista. Nas palavras de Luthans, Youssef and Avolio (2007), as capacidades psicológicas positivas são
entendidas enquanto estados e não traços, maleáveis e susceptíveis de mudança. O COP demarca-se
explicitamente do movimento da psicologia positiva, que foca fundamentalmente características de
tipo traço, que tendem a apresentar grande estabilidade ao longo do tempo (Luthans & Avolio, 2003).
Dadas as mudanças que têm vindo a ser imprimidas na relação entre empregador e empregado
(Rousseau, 1997), as capacidades de aprendizagem e mudança constante emergem como um requisito
fundamental. É neste enquadramento que os proponentes do COP realçam as vantagens das capacidades psicológicas, que podem ser objecto de desenvolvimento e melhoria, através de programas
breves de formação, de actividades on-the-job e de micro-intervenções especificamente focadas nessas
mesmas capacidades (Luthans et al., 2006). A título de exemplo, o desenvolvimento da esperança,
concretamente da componente agência, é conseguido por meio da utilização da estratégia de
encadeamento (stepping) de objectivos em passos cada vez mais pequenos, que aumenta a motivação
para a realização da tarefa. A componente definição de planos pode ser desenvolvida através do
recurso às técnicas de planeamento contingencial e planeamento de cenários, que asseguram a
manutenção da esperança mesmo perante adversidades (para uma revisão mais aprofundada das
estratégias de desenvolvimento das capacidades psicológicas ver Lopes & Cunha, 2005).
A introdução de uma orientação para o desenvolvimento do comportamento no âmbito do
empreendedorismo pode revelar-se determinante. A adaptação a um meio em constante mudança
pode revelar-se especialmente difícil para as organizações recém-criadas, que ainda não possuem a
legitimidade e o nível de organização interna que lhes garanta a sobrevivência (Singh, Tucker &
House, 1986; Stinchcombe, 1965). Particularmente no caso das organizações recém-criadas, o
desenvolvimento dos comportamentos dos empreendedores mostra-se crucial para a sua sobrevivência e crescimento.
Connclusão
O presente artigo apresentou como principal objectivo estabelecer sinergias entre o comportamento organizacional positivo e o empreendedorismo, de modo a contribuir para um desenvolvimento mais sustentado de ambos os campos de estudo. Embora por razões distintas, tanto o COP
como o empreendedorismo constituem áreas em desenvolvimento, que pretendem reforçar a sua
posição no âmbito das ciências organizacionais. Alcançar o estatuto de campo de referência é algo
que é desejado, uma vez que confere maior legitimidade, reconhecimento e capacidade de influência
e intervenção para lá das fronteiras da sua comunidade científica (Bruyat & Julien, 2000).
Neste sentido, julgamos que as pontes estabelecidas entre o COP e o empreendedorismo
podem contribuir para o desenvolvimento mais sustentado de ambos os campos. Num primeiro
plano, a análise da literatura do empreendedorismo pode constituir uma mais-valia para o COP, ao
introduzir uma preocupação com o impacto do comportamento positivo na sociedade; ao salientar a
importância de uma abordagem integrada, que facilite o desenvolvimento de modelos holísticos para
a compreensão e predição do comportamento positivo; e ao reforçar a necessidade de incorporar uma
perspectiva temporal no estudo das capacidades psicológicas, que permita compreender como estas
emergem e se desenvolvem ao longo do tempo.
Num segundo plano, julgamos que o COP pode servir de modelo para a melhoria do
empreendedorismo, por meio da introdução de critérios de êxito mais claros, que tornem mais
consensual o objecto de estudo do empreendedorismo e mais unificado o seu enquadramento
teórico; da ênfase no rigor metodológico, que garanta a construção de teorias mais fiéis e válidas
acerca dos factores críticos do empreendedorismo; e da incorporação de uma visão desenvolvimentista
dos empreendedores, que facilite o seu desenvolvimento ao longo das diferentes fases do
empreendedorismo, com vista a promover não apenas a criação de mais empresas, mas antes o
desenvolvimento continuado das empresas recém-criadas.