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EuPTHUAp0873-74442009000200004

EuPTHUAp0873-74442009000200004

variedadeEu
ano2009
fonteScielo

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A actual crise sistémica global: crise de paradigma e novos desafios que traz ao debate

Um dos grandes paradoxos da actual crise sistémica está intimamente interligado aos sinais evidentes, repetidos de forma sistemática, mais de uma década, por reputados organismos internacionais (OCDE e Banco Mundial, por exemplo), evidenciados pelas chocantes assimetrias na produção e distribuição da riqueza; crescimento do empobrecimento de cada vez maiores camadas de populações; o crescimento do flagelo da fome; das doenças e de outras calamidades de registo social e humano. Singularidades como os casos do colapso do Barings Bank (Nick Leeson) e da Drexel Burnham Lambert (Michael Milken), na década passada, da Enron e, presentemente, o escândalo Madoff, com impacto à escala global, são alguns dos casos mais mediáticos que, apesar da sua singularidade, deveriam ter merecido um debate mais sério e aprofundado quanto às causas profundas que estiveram na sua origem.

Face a todas as evidências, que superam, flagrantemente, as singularidades aqui apresentadas, não pode deixar de se considerar, para além de incompreensível e paradoxal, as reacções mediatizáveis de surpresa dos agentes políticos, de diversos quadrantes, bem como o discurso produzido por reputados «especialistas», face àquilo que era não somente espectável, como bastante tempo estava na iminência de deflagrar.

O debate, desde que a crise deflagrou, tem-se centrado mais nos efeitos imediatos, e não tanto nas consequências a médio longo prazo e, muito menos, na procura das causas profundas que estão no âmago desta como de outras crises que, com alguma regularidade, têm sido geradas no ventre do sistema capitalista, desde os seus primórdios, e deflagrado com graus de intensidade diferenciados sobre a sociedade em geral, mas atingindo, com particular violência, as camadas de população mais desprotegidas.

Esta crise sistémica é a primeira do Séc. XXI e, ao invés da generalidade das crises anteriores, foi gerada na rede de interligação ecossistémica dos mercados financeiros globais, com capacidade para conduzir ao colapso daquilo que Erik Starck (2009) referiu, comentando um artigo do Economist.com, como a possibilidade do colapso da civilização moderna, referindo-se à corrida aos levantamentos, via electrónica, que se verificou no Outono de 2008.

Este quase colapso ocorreu em 18 de Setembro de 2008, quando o Federal Reserve registou uma corrida aos levantamentos electrónicos, com cerca de 550 biliões de dólares a serem levantados numa questão de horas. O Tesouro injectou um montante de 105 biliões de dólares para compensar, mas rapidamente se concluiu que este montante era insuficiente para travar a vaga de levantamentos. Estava a ocorrer uma corrida electrónica aos bancos em plena crise financeira.

Decidiu-se, então, encerrar as contas e anunciar uma garantia de 250 mil dólares por conta para impedir que o pânico propagasse na rede financeira. Se esta medida não tivesse sido implementada, estimava-se que, nessa tarde de 18 de Setembro, 5,5 triliões de dólares teriam sido levantados do sistema monetário dos EUA, o que, segundo as autoridades financeiras americanas, teria levado ao colapso da economia americana e da economia mundial no prazo de 24 horas. Segundo Durden (2009), teria sido o fim do nosso sistema económico e político tal como o conhecemos.

Esta situação de risco, que ocorreu em plena crise financeira, escapou à atenção dos media até que Paul Kanjorski revelou estes factos numa entrevista à C-Span (Durden, 2009), explicando como o Federal Reserve informou os membros do Congresso acerca da corrida aos bancos e da natureza dessa corrida. De acordo com Kanjorski, o levantamento de 550 biliões de dólares ocorreu durante um período de cerca de uma ou duas horas. Kanjorski ainda revelou, nessa mesma entrevista, a estimativa de Bernanke e Paulson, de colapso do sistema económico americano para as duas da tarde e mundial num prazo de 24 horas, caso algo não fosse feito.

Recentemente, acerca do provável agravamento da crise, a muito curto prazo, segundo o número especial de Junho de 2009 do GEAP1, «três vagas» particularmente destruidoras para o tecido económico e social irão convergir num ponto sistémico, temporalmente localizável, no Verão deste ano, transportando em si um agravamento da crise com consequências imprevisíveis para todo o sistema global em crise, particularmente agravada por situações de eventual cessação de pagamentos pelos EUA e Reino Unido: · a vaga de desemprego massivo: cujo impacto varia conforme os países da América, Europa, Ásia, Médio Oriente e África; · a vaga das falências em série: empresas, bancos, imobiliário, Estados, regiões, cidades; · a vaga da crise terminal dos Títulos do Tesouro dos EUA, do dólar e da libra e do retorno da inflação.

O impacto da sincronização destas três vagas no sistema mundial, de acordo com a referida publicação, sentir-se-á de um modo particularmente violento, se bem que com graus e velocidades diferenciados, em conformidade com a capacidade das infra-estruturas de suporte.

CONTEXTOS DE CRISE DE PARADIGMA A coexistência interactiva de todo o tipo de organizações no mercado global, acessível a partir do ciberespaço, deslocou o plano da cooperação/competição no terreno, região ou território, para o plano de uma racionalidade colectiva emergente, com consequências intersubjectivas ainda não claramente perceptíveis, ao nível deliberativo das expectativas e estratégias interactivas locais.

O modelo de um mundo mecânico, linear e previsível foi substituído por modelos orgânicos não-lineares com capacidade de previsão restrita, o que significa que as organizações, em geral, e as empresas, em particular, têm de sobreviver em contextos de imprevisibilidade complexa, nos quais têm de agir e reagir com eficácia adaptativa.

A teia ecossistémica interactiva, constituída pelo cruzamento local/global permanente, desloca a necessidade imperativa de respostas racionalmente ágeis, por parte das organizações, no que diz respeito ao seu crescimento e desenvolvimento.

A fraca percepção reflexiva deste tipo de realidade produz, inevitavelmente, efeitos a níveis da produção do juízo deliberativo com consequências económicas, políticas e sociais, desencadeadoras das situações e processos fracturantes que estão na origem das chamadas crises de paradigma.

O consensual assentimento de que as organizações são sistemas adaptativos complexos, legitima a afirmação de que também o mercado, no seu exercício dinâmico concreto, aos níveis locais e global, é um sistema adaptativo complexo, o que tem consequências ao nível da natureza das chamadas leis de mercado, construídas no pressuposto que atribuía ao mercado uma natureza fundamental mecânica, o que não é o caso. A natureza fundamental do mercado é orgânica e é, precisamente, a partir desta evidência que é preciso pensar naquilo que pode ser empiricamente identificado como princípios gerais organizadores intrínsecos auto-sustentados, a partir dos quais seja possível configurar algum tipo de regularidade compatível com a noção de lei.

Nesta acepção, as práticas de gestão, ligadas ao controlo mecanicista, que revelaram alguma eficácia no período Industrial, de mudança menos acelerada, são incompatíveis com a organicidade dinâmica acelerada que constitui as actuais organizações, incluindo o mercado.

O processamento e trocas de informação, de matéria e de energia são bastante mais complexos nos actuais contextos e cibercontextos, reconhecidamente condicionados pela incontornável incerteza, intrínseca a qualquer sistema dinâmico adaptativo, o que significa que o processamento cognitivo, ligado aos processos homeostáticos das organizações, incluindo a organização mercado, é bastante mais exigente a níveis da tomada de decisões, em que a informação emerge tumultuosamente e em rede, sem que haja tempo para a preparação de cenários de antecipação projectiva.

Em contextos de crise de paradigma, os modelos de equilíbrio perdem eficácia, o que significa que as organizações têm de lidar com dinâmicas flutuantes permanentes que alternam rapidamente entre o equilíbrio e o desequilíbrio, o que significa, ainda, que qualquer produção de juízo deliberativo tem de incluir o contributo activo dos mecanismos ecossistémicos perceptivos, em interface com os processos sistémicos homeostáticos. A percepção tem de ser reflexivamente muito mais intensa e rápida porque não tempo para construir cenários antecipadores, as respostas a situações que não se fazem anunciar têm de ser dadas espontaneamente momento a momento. Para situações emergentes tem de haver respostas emergentes eficazes.

Roger Lewin (2004) tem uma expressão interessante, aplicável aos novos contextos sistémicos: «Fazer mundos novos, fazer de Deus». Esta frase refere-se a uma ideia de jogo e construção de cenários em contextos evolutivos trabalhada por John Holland, a quem o autor se refere amigavelmente como o «Sr.

Emergência». Holland define a mesma construção de cenários como a criação de uma estrutura de interacções. Subjacente a esta ideia, está a convicção de que os sistemas adaptativos complexos (SACs) mantêm uma coerência interna, apesar da mudança, ou seja, organizam-se a partir de princípios gerais. O objectivo proposto por Holland é o de se isolar esses princípios, localizando-os nos SACs a partir de «pontos-chave» simétricos e a partir dos quais é possível a construção de respostas adaptativas eficazes.

A base conceptual do modelo de Holland aproxima-se bastante quer da proposta Popperiana de «teoria antecipadora», inspirada no conceito Kantiano de «a priori», quer do conceito de «schemata» de Gell-Mann.

Pode considerar-se um exemplo simples de «schemata» aquele que resulta de uma adaptação rápida, em que a adaptatibilidade, em cada período decisional, é avaliada por um valor atribuído pela resposta imediata dos modelos internos (mecanismo antecipador), formada a partir dos valores adaptativos.

O QUE É QUE O PARADIGMA NEOCLÁSSICO IGNOROU? A actual crise financeira abriu um espaço sistémico de reflexão acerca da organização económica e financeira, dominada pela, efectiva, economia financeira globalizada, tendo revelado fragilidades ao nível das redes de partilha, produção e consumo de risco.

Embora, no passado, tenham existido outras crises financeiras, esta foi a primeira crise a introduzir aquilo que pode ser designado por «crise académica», em que é posto em causa, pelos acontecimentos e pela própria comunidade de agentes financeiros, o paradigma neoclássico até pouco tempo dominante na economia financeira.

Da reflexão acerca da crise, no seio desta comunidade, assim como no seio da própria ciência económica, resultou o reconhecimento da insuficiência dos sistemas de avaliação e controlo de riscos, aliados à importância dos fenómenos de complexidade em redes adaptativas complexas.

Destaca-se, a este propósito, uma síntese feita por John Whitfield, membro do Instituto de Santa , num artigo do SFI Bulletin (2008, pp. 33-37), na qual o autor aborda a actual crise financeira e os resultados de um encontro promovido pelo mesmo Instituto e pela SAC Capital Partners em Nova Iorque, em Outubro de 2007, acerca da modelação do risco nos mercados financeiros.

Para além da demonstrada importância dos modelos vindos das ciências da complexidade como alternativas mais realistas e com maior eficácia na gestão e controlo de riscos, em detrimento dos modelos financeiros tradicionais, vindos do falido paradigma neoclássico, o encontro acima referido, promovido pelo Instituto de Santa e pela SAC Capital Partners, relevou um ponto central que escapou e escapa à teoria financeira tradicional, trata-se do problema de amplificação do risco, resultante da diversificação financeira, com origem na emergência, em redes complexas, de riscos dinâmicos interligados.

Esse mesmo encontro permitiu concluir que não se pode pensar em estabelecer nenhum paralelismo comparativo entre carteiras de investimento e simples cabazes de bens. De cada vez que os investidores constituem uma carteira, estão a criar conexões entre os activos, independentemente das correlações previamente existentes entre as rendibilidades passadas dos mesmos.

Os fundos de investimentos podem gerar, em momentos de crise, quedas simultâneas nos preços de activos, devido ao facto de os mesmos activos surgirem em simultâneo nos mesmos fundos. Um problema local pode, rapidamente, propagar-se em rede a todo o mercado.

Segundo Whitfield, a estrutura de rede do mercado poderá ter amplificado os efeitos da crise no mercado hipotecário, o autor destaca o caso do Global Alpha Fund da Goldman Sachs, o qual foi fortemente atingido pela crise da subprime, apesar de não ter investido na subprime.

O problema, revelado pela análise de rede, foi o de que os fundos que tinham assumido posições no mercado da subprime, tinham, também, assumido posições em outros activos, nos quais o Global Alpha Fund tinha, igualmente, assumido posições. A queda destes outros fundos levou a uma queda do valor do fundo da Goldman Sachs.

A criação de riscos, interligados por via da criação de conectividades na rede, e a dinâmica de acontecimentos tipo avalanche, ou dos chamados efeitos dominó, são identificados como ocorrendo em diferentes sistemas complexos, tendo sido objecto de investigação e de modelação, no seio das ciências da complexidade, por Kauffmann (1993) (as chamadas redes NK de Kauffman) e pelo ramo das ciências da complexidade que investiga o fenómeno da criticalidade auto- organizada (Bak, 1996).

A MODERN PORTFOLIO THEORY QUESTIONADA A análise tradicional de rendibilidade/risco é insuficiente para a avaliação destes riscos de rede. Um problema central colocado é o problema da definição do agente, pois cada agente que detém uma posição diversificada associa a si mesmo uma rede de activos, cujos valores são interligados pela transacção da carteira como um todo.

Está, assim, na altura de rever a modern portfolio theory, construindo-se uma nova teoria que faça uso das ferramentas mais eficazes vindas das ciências da complexidade.

Está, também, na altura de ter presentes as palavras de Paul Tiffany, numa conferência na Haas School of Business da Universidade da Califórnia, em 15 de Agosto de 2008: «O que é que nós sabemos acerca da gestão moderna do séc. XXI?» ' «Não muito» ' «Porquê?».

O discurso é intencionalmente sinalizador, revelando alguma evidência de uma generalizada crise perceptiva com consequências no processamento cognitivo sobre a natureza e significado da gestão. O que nos remete para uma problemática permanentemente destacada nas últimas décadas, a saber: a transição de uma economia centrada na gestão de activos tangíveis (máquinas e pessoas) para uma economia centrada na gestão de activos intangíveis (IP e «trabalhadores do conhecimento»), na qual as redes e a criação de conhecimento nas redes são ainda questões não resolvidas pelos teóricos da gestão.

A questão das redes conduz à questão do ciberespaço, bem como à própria percepção cognitiva do ciberespaço, por parte de cada agente humano.

Durante algum tempo, a comunidade científica trabalhou a noção de rede a partir de um pressuposto mecânico de propriedades gerais fixas determinantes. O desenvolvimento tecnológico, acompanhado da emergência de redes ciberespaciais, trouxeram uma nova percepção das redes, em que estas deixaram de ser interpretadas e compreendidas como estruturas mecânicas, passando a ser interpretadas e compreendidas como estruturas complexas dinâmicas adaptativas, o que significa que, tal como quaisquer SACs, as redes mudam e evoluem, em relação com o cruzamento das interacções locais/globais.

Nos actuais contextos de globalização, em que o exercício do conhecimento e a sua própria produção se misturam ao nível geoestratégico global, não se coloca apenas a necessidade de um exercício perceptivo acelerado por parte de cada agente, mas também a necessidade de uma expansão da reflexividade, ligada ao exercício da racionalidade nos processos acelerados de tomada de decisão. De outro modo, a uma crise suceder-se-á outra e outra crise, cada vez mais complexas, em que o colapso do sistema deixará de ser potencial para passar a ser uma realidade concreta irreversível.

A REFLEXIVIDADE, OS MERCADOS FINANCEIROS E OS SACS O exercício de reflexividade, ligado aos processos homeostáticos cognitivos de cada agente é, neste momento de crise global, de importância operativa vital, no sentido em que estão em causa valores de vida e de sobrevivência à escala global.

Nos sistemas, a reflexividade é sinalizada como uma capacidade sistémica disposicional constitutiva, relacionada com os mecanismos homeostáticos dos respectivos sistemas.

O termo reflexividade tem origem no latim reflexu e significa «dobrado sobre si mesmo». A reflexividade está ligada ao mecanismo consciente de projecção de imagens, incorporado nas sínteses cognitivas de produção de juízo sistémico reflexivo, dito também racional, sendo, precisamente, o exercício de reflexividade que permite uma maior eficácia interpretativa nas trocas de informação, indispensáveis à integridade adaptativa das redes sistémicas.

Quando um mercado financeiro é pensado e teorizado enquanto tal, este tem de ser pensado a partir das redes sistémicas, as quais incluem investidores, instituições financeiras, empresas, Estados, bem como uma diversidade de outros agentes.

Pensar na instituição mercado financeiro, à luz da noção de SACs, implica pensar na reflexividade, nos mecanismos homeostáticos das redes sistémicas e no processamento de informação. Se o preço de mercado reflecte o valor fundamental, então o processamento de informação em rede, por parte dos agentes financeiros, também terá de ser capaz de, reflexivamente e a partir da própria dinâmica de mercado, produzir uma síntese sistémica de equilíbrio que constitua uma avaliação final e total do sistema, relativamente ao objecto de avaliação.

Com o desenvolvimento das ciências da complexidade e da modelação baseada em agentes, tornou-se possível desenvolver modelos de mercados artificiais, em que os agentes artificiais são programados para simularem os agentes financeiros enquanto SACs que aprendem acerca do mercado e das estratégias de investimento.

Nestes modelos computacionais, podem simular-se mercados financeiros, em que redes de agentes virtuais interagem entre si e aprendem, reflectindo acerca das suas estratégias e decidindo acerca de onde, quando e como investir. A simulação destes mundos virtuais pode ser expandida em complexidade para incluir economias artificiais, empresas, Estado, etc., o que permite investigar a relação entre os comportamentos dinâmicos de mercado e as regras dos agentes.

O modo como os agentes adaptativos reflectem acerca da informação determina os padrões dinâmicos que emergem para estas economias simuladas. Assim, a reflexividade e a emergência de mecanismos reticulares homeostáticos de mercado ocorrem naturalmente nestes modelos, o que os torna operativamente mais realistas e eficazes, no que diz respeito ao comportamento económico, relacionado com a eficiência de mercado.

AS ORGANIZAÇÕES ÁGEIS E A PROCURA DE RESPOSTAS À CRISE ACTUAL Nas primeiras décadas do Séc. XXI, mais de 80% dos humanos podem ter acesso às redes online(Lévy, 2001), desenvolvendo, nessas redes, actividades relacionadas com a investigação e aprendizagens, bem como com processos de produção e comercialização e, ainda, com intercâmbios de informações e espaços de sociabilidade que configuram uma espécie de «ciberinteligência» relacional reflexiva global, electricamente contraída, localizada num «espaço electricamente contraído», designação dada por Marshall McLuhan em 1964 para ciberespaço, termo introduzido por William Gibson no seu conhecido romance Neuromante e que rapidamente circulou com os significados de espaço de informação partilhada, espaço virtual, mundos virtuais, campo electrónico, esfera de informação e campo digital. E é, precisamente, com essa espécie de ciberinteligência relacional, num «espaço electricamente contraído» ou ciberespaço, que as organizações, em geral, têm de lidar e sobreviver.

Neste sentido e contexto, e como resposta à crise, é pertinente retomarmos a abordagem do conceito de organização ágil criadora de conhecimento.

A noção de agilidade, aplicada às organizações criadoras de conhecimento, pretende dotá-las de maior dinamismo e abertura aos contextos agressivamente orientados para o conhecimento, o que tem como consequência uma permanente atenção aos desempenhos dos agentes e da organização, bem como ao valor dos produtos e dos serviços e, ainda, às aceleradas mudanças dos contextos de oportunidades. A agilidade depende das pessoas, da relação e da cooperação entre as pessoas, das suas competências, do seu conhecimento e do seu acesso à informação.

Assim, o virtual deve ser integrado nas empresas ágeis como um recurso produtivo. Deste modo, as noções de rede, de virtual e de contexto integram a noção de agilidade, configurando-se como elementos estruturantes da própria noção de agilidade, aplicada às organizações criadoras de conhecimento, cujos principais atributos são a comunicação, a relação e a cooperação.

Deste modo, uma organização ágil criadora de conhecimento pode ser definida como uma configuração orgânica e dinâmica de espaços de relações e cooperação, bem como o nexus de uma rede de relações e cooperação, a rede ágil, da qual emerge um espaço de relações e cooperação virtual.

Nestes espaços de relações e cooperação, são, interactivamente, cruzados e entrecruzados múltiplos e diversos contextos partilhados, organizados a partir de relações de empatia, confiança e cooperatividade, referidos a múltiplas e diversas organizações.

A multiplicidade e diversidade de contextos inter-relacionais e inter- cooperativos, envolvidos na criação de conhecimento, permitem o desenvolvimento de uma cultura de rede disposicionalmente adaptativa e complexa, eficaz em termos de vantagem competitiva, no que diz respeito à partilha, difusão e utilização de conhecimento.

A natureza de uma organização ágil criadora de conhecimento é determinada pelas acções e interacções, metabolicamente energéticas e extremamente complexas, enraizadas na experiência, percepção, interpretação e compreensão quotidianas locais/globais, ligadas aos mecanismos conscientes, nos quais o exercício de reflexividade cognitiva, conectado com os processos homeostáticos cognitivos, tem um valor de sobrevivência para práticas de adaptação e desenvolvimento, consideradas vitais, pela sua eficácia, como respostas em tempos de crise.

Por sua vez, a natureza das instituições ágeis criadoras de conhecimento permite, às mesmas, percepcionar, em «tempo agora» (Beamish, 2004), quer as micro, quer as macro alterações, ocorridas e sinalizadas pelo mercado e, assim, agir e reagir em conformidade.

Com efeito, pequenas alterações moleculares podem ser aceleradamente captadas e interpretadas pelas redes ágeis, dotando-as de informação relevante, acerca das relações que organizam o mercado, o que permite à organização ágil identificar propensões e configurar respostas antecipadoras que envolvem estratégias e eficácias deliberativas, à semelhança de qualquer organismo inteligente, com comportamento ecossistémico, sujeito às leis da natureza, assentes em leis físicas fundamentais da matéria e do universo, o que a compromete com uma origem e finalidade internas para produzir ordem, podendo, assim, atribuir-se- lhe um valor disposicional intrínseco para a produção de conhecimento.

A CRISE E O NECESSÁRIO REENVIO PARA QUESTÕES DE NATUREZA ÉTICA Embora reconhecendo-se a importância da produção de conhecimento como resposta à presente crise, o assentimento generalizado de que a mesma evidencia aspectos de colapso ecossistémico coloca, de forma irrecusável, algumas questões de natureza ética.

Comecemos pela incontornável questão da responsabilidade. Responsabilidade do latim respondere é um nome para uma capacidade sistémica disposicional, intrínseca a qualquer agente humano autónomo e que o torna apto a responder pelas suas acções e respectivos efeitos, bem como a aceitar as respectivas consequências pelo impacto que as mesmas possam ter em si mesmo e nos outros, entendendo-se por outros, outros agentes e meio. Logo, mais do que uma figura conceptual, a responsabilidade tem uma realidade concreta ao nível do exercício de autonomia deliberativa de cada agente humano.

A questão da responsabilidade, conduzida até ao limite da mesma, coloca, num plano de transcendência, uma outra questão, a saber: a responsabilidade pelo exercício da própria responsabilidade. Neste sentido, coloca-se, ainda, uma questão imperativa: se, na actual crise, tivesse havido um pleno exercício de responsabilidade, por parte de cada agente, a mesma poderia ter sido evitada ou poderia não ter atingido os contornos de colapso sistémico global que atingiu? Colocada a questão num encadeamento de questões, uma outra questão emerge: qual o valor da responsabilidade, em termos gerais, e o valor da responsabilidade de cada agente, em termos particulares? O que é essa coisa a que, nós humanos, chamamos valor? Estamos a falar de «value in use e value in Exchange» (Adam Smith)? Estamos a falar do valor como «virtude» (Sócrates/Platão)? Ou de valor como um «Bem Absoluto» (Platão)? Talvez da natureza cósmica do valor como umbonum (Aristóteles) ou do pensamento cristão, em concordância com Aristóteles, omne ens est bonum? Ou do valor como uma subordinação do desejo ao desejável? Ou talvez , etc... etc... etc...

Em nome do imperativo de responsabilidade, como é que nós, agentes, poderíamos ter evitado a crise? Em bom rigor, não se trata de saber se poderíamos ter evitado a crise, mas de como poderíamos ter evitado a crise. Assume-se, deste modo, que poderíamos. Se admitirmos que poderíamos, então também teremos de admitir que temos poder, o poder de agir de modo a termos podido evitar a crise. Mas o que é ter poder? A noção de poder vem do latim potere e significa ter autoridade, direito e energia para decidir acerca de algo ou alguma coisa, ou seja, ter poder significa ter a liberdade (libertate) para decidir. Mas o que significa ter liberdade? Significará uma sucessão de comportamentos? Ou significará poder escolher, a partir de referências éticas inteligíveis que possam ser abordadas por exercícios éticos de reflexividade? um dizer do escolher e do agir comprometido com uma gramática da acção: escolher com intenção e agir com intenção, o que significa que se pode escolher e agir de acordo com uma proporção ou proporções, adequadas a objectivos, fins ou finalidades.

No assentimento de que qualquer agente humano autónomo é capaz de exercícios de reflexividade, então qualquer agente humano autónomo está comprometido com uma noção de inteligibilidade e, ainda, com uma noção de razão (ratione) para agir, a qual remete para uma causalidade originante, a ser interpretada, na sua ligação ao sentido e significado da responsabilidade, ela mesma, enquanto capacidade sistémica disposicional, incorporada em qualquer agente humano autónomo e a partir da qual os respectivos agentes podem ser responsabilizados como sujeitos capazes de vontade (voluntate), ou seja, capazes de agir a partir da sua própria autodeterminação para a acção, segundo fins postos por si mesmos.

Deste modo, e em concordância com Kant, não se trata, de nós humanos, agirmos como se pudéssemos universalizar cada uma das nossas acções, mas sim, e em concordância com Hans Jonas, de agirmos de tal maneira que os efeitos das nossas acções não destruam a possibilidade de vida futura.

CONTEXTOS SOCIAIS COMUNICACIONAIS ÉTICOS E COGNITIVOS E A SUA INTERFACE COM O RISCO Esta ideia de vida futura está subjacente a toda a acção humana, a qual ocorre em contextos sociais comunicacionais éticos e cognitivos. Quando um processo comunicacional se inicia, cada interveniente vai desenvolvendo um conjunto de argumentos discursivos, suportados pelo meio ambiente físico, cultural, social, económico, político e civilizacional em que cada um está inserido e comprometido.

A comunicação humana não segue um esquema empirista simples de entrada-saída. O cérebro humano é ressonantemente interactivo e projectivo e, assim, dependente da utilização de conhecimento e experiência antecipadores, informacionalmente contextualizados, bem como dos respectivos mecanismos intencionais, os quais estão sempre contaminados por aquilo que cada agente considera ser o seu interesse, ou os seus interesses particulares, e que, no caso dos agentes humanos, aquilo que é visível para todos é que esse interesse ultrapassa o interesse ligado aos problemas de adaptação, «bem-estar», crescimento e desenvolvimento, para se fixar nos sentimentos e práticas desagregadoras de ganância, a mesma ganância que tão activamente está por detrás desta crise, tal como esteve por detrás de outras.

O problema é o de que os efeitos perversos directos da ganância não se dão apenas à escala humana local, mas, sim, à escala planetária, pondo em risco não apenas a vida humana no planeta, mas todas as outras formas de vida e o próprio planeta, tornando-se, assim, imperativo colocar a questão da responsabilidade em conexão com o risco e a percepção do risco.

Numa avaliação de risco, na qual os agentes envolvidos têm interesse em apoiar uma determinada tomada de decisão, existe a inevitável contaminação dessa avaliação pela subavaliação dos cenários considerados como desfavoráveis à mesma decisão. Isto inclui, não apenas enviesamentos nos pressupostos e no processo de quantificação de risco, mas também enviesamentos nas interpretações dos resultados.

A questão que é colocada acerca da avaliação humana do risco é a de que a mesma avaliação é, em termos gerais, feita a partir da perspectiva de superestruturas que transcendem os planos ontológicos dos sistemas e dos problemas, eles mesmos. Chame-se a esses planos: «planos de transcendência», por exemplo.

Nos mesmos «planos de transcendência», temos aquilo que designamos por jogos políticos, económicos, militares e científicos, que introduzem um enviesamento ontológico naquilo que diz respeito à vida e morte dos sistemas. As avaliações de risco não são feitas acerca daquilo que constitui uma ameaça ou uma oportunidade para os sistemas, em si mesmos, mas, pelo contrário, aquilo que está a ser feito são avaliações dos discursos e estratégias de poder comprometidos com a economia, a política e a ciência.

E, para complicar, o risco tornou-se, nas economias de hoje, um produto que visa a satisfação do prazer, o que levanta a questão: quais são os efeitos fenotípicos, sintetizados e metabolizados por uma neurocognição do risco? Até que ponto estarão a ser organismicamente bloqueados os mecanismos homeostáticos, os quais incluem, por exemplo, sentimentos de fundo sinalizadores? Quais são as avaliações de risco que os agentes humanos, na condição de alienados e enquanto consumidores de produtos de risco, podem produzir? De que modo não estarão a ser afectados pelos efeitos de uma cultura e de uma economia produtora de risco, de uma economia que está a alimentar-se do risco para o seu próprio desenvolvimento? É um facto, cada vez mais evidente, que se tem vindo a acelerar o processo de uma economia ligada à produção de risco, como, por exemplo, o risco tecnológico e científico, assim como as dinâmicas de guerras e os pós-desastres naturais (Klein, 2007), o que nos torna pessimistas e nos faz colocar a seguinte questão: passarão as crises a fazer parte intensiva do pacote de produtos económicos? Tal como é reconhecido pelo mainstream internacional, é espantosa e perigosa a capacidade que o sistema capitalista tem para se reinventar. Ironicamente, tudo indica que poderá sobreviver aos seus criadores humanos e permanecer num mundo robotizado. Esta natureza adaptativa dos sistemas é, também, evidenciada pela capacidade que o sistema capitalista tem «de se transformar, em função dos contextos históricos que se vão sucedendo, e ao mesmo tempo manter determinadas configurações básicas que lhe conferem a identidade e a vitalidade próprias» (Murteira, 2008, p. 160).

Peter Singer, num dos capítulos do seu livro Um Mundo, que tem por título «Um mundo melhor», cita o filósofo chinês Mozi, o qual, dizendo-se «horrorizado com a devastação provocada pela guerra no seu tempo», perguntou qual seria a via para «o amor universal e o benefício mútuo»? E respondendo à sua própria pergunta terá afirmado: «É considerar os países dos outros como o nosso próprio país».

Esta é uma máxima que, tal como outras máximas, apela para valores éticos de fraternidade, os quais, nunca como agora, se tornaram fundamentais, quer em termos altruísticos, quer em termos práticos e pragmáticos. É um facto que vivemos num mundo globalizado e que qualquer acção local tem repercussões globais. Uma crise local tem efeitos globais, actuar ao nível dos efeitos é meramente paliativo. É nas causas que devemos actuar, mas para isso teremos, também nós, de nos reinventarmos, reinventarmos a nossa fraternidade e responsabilidade, fazendo com que as nossas máximas não fiquem cristalizadas no papel ou latentes nas intenções, sob pena de não sobreviver nenhum humano para contar a história da Humanidade.

Os trabalhos da bióloga Lynn Margulis têm contribuído com informação vital acerca dos comportamentos cooperativos. Sabe-se actualmente que os comportamentos cooperativos têm uma base «genómica» e que foram seleccionados pela sua eficácia, ao nível das estratégias cognitivas que visavam a identificação de oportunidades, bem como a resolução de problemas que diziam respeito aos grupos sociais.

A ideia darwinista de competição redutora tem-se revelado cada vez menos eficaz, ao nível da criação das estruturas, e, até mesmo, ineficaz ao nível das superestruturas, as quais, dado o nível de complexidade, estão extremamente dependentes daquilo que se chama acordos, pactos ou alianças. Num mundo em rede, as respostas têm de ser dadas pela rede, mas sem comportamentos de cooperação não temos rede, e se não temos rede, não temos nada, simplesmente não sobrevivemos, e claro que se não sobrevivermos, a crise fica resolvida, porque a crise somos nós.

No seu livro Microcosmos, Lynn Margulis estabelece alguma relação entre os humanos, a biosfera, o ego de Freud e o «ridículo papel de palhaço de circo cujos gestos têm a intenção de persuadir a plateia de que todas as transformações no palco ocorrem mediante ordens suas». Esta ilusão de domínio/ controlo assemelha-se à perigosa ilusão de domínio/controlo da natureza. A natureza é uma rede autónoma, auto-referente e autopoiética que existia antes de nós e continuará a existir depois de nós, e sem nós, se não nos conseguirmos libertar, a tempo, do nosso complexo de seres eleitos feitos à semelhança de Deus, suportado pelo mecanismo psicodramático da trindade edipiana.

NOTAS 1 GEAB n.°36 (Verão 2009, edição especial), http://www.leap20s20.eu/.


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