É a imagem empresarial de Cabo Verde um espelho do seu potencial de
desenvolvimento económico e social?
INTRODUÇÃO
Cabo Verde é uma economia jovem, de relativa pequena dimensão,que tem vindo a
conquistar um lugar visível no panorama económico mundial,como atesta a sua
adesão recente à Organização Mundial do Comércio (OMC) [1]. A abertura plena da
economia ao comércio internacional reforça um percurso de desenvolvimento e
crescimento económico em que Cabo Verde se assumiu, como uma das poucas
economias africanas, a alcançar os objectivos traçados nos Millenium
Development Goals e lhe permitiu a passagem, em Janeiro de 2008, para o grupo
dos países de rendimento médio, de acordo com os padrões estabelecidos pelas
Nações Unidas [2].
A transição do grupo de países menos desenvolvidos para a etapa seguinte de
desenvolvimento não constitui, no entanto, um processo isento de
dificuldades,colocando a economia numa fase crítica do seu processo de
desenvolvimento económico e social (ADB, 2007). De facto, novos desafios se
colocam num país fragmentado, de reduzida dimensão e recursos naturais escassos
e com significativas lacunas nos sectores da educação, formação profissional e
infra-estruturas. A consolidação dos indicadores de crescimento e
desenvolvimento - tanto económicos como sociais ' que assegurem um processo de
desenvolvimento sustentável e a criação de condições para o desenvolvimento do
sector privado, atracção de investimento e criação de emprego com o consequente
resultado de erradicação da pobreza são dois desafios incontestáveis.
Considerando o enquadramento actual do processo de desenvolvimento de Cabo
Verde reconhece-se, nomeadamente, a necessidade de alargar a base produtiva da
economia, essencialmente fundada no sector dos serviços, de forma a incentivar
o processo produtivo e a garantir a sua competitividade, não só nacional como
também internacional. Fundamental para a expansão da base produtiva surge a
capacidade de atractividade de investimento externo. Este constitui-se como um
dos eixos das grandes opções de desenvolvimento de Cabo Verde, neste novo
século, apostando-se na credibilidade externa das políticas macroeconómicas
como um factor de atracção desse mesmo investimento.
Partindo do conceito de credibilidade externa, este trabalho pretende analisar
e avaliar, com base em indicadores internacionais de atractividade empresarial,
qual é a imagem transmitida pela economia aos potenciais investidores
internacionais. Serão apresentados e analisados indicadores internacionalmente
aceites de definição de risco e atractividade empresarial, aferidos e
publicados por organizações internacionais de apoio ao desenvolvimento como o
Banco Mundial ou as Nações Unidas, de forma a tentar perceber-se qual é a
relação entre a imagem empresarial que o mundo associa a Cabo Verde e o seu
potencial de crescimento e desenvolvimento económico.
Acresce-se ainda que tais indicadores são comummente utilizados pelos decisores
políticos nacionais na definição de estratégias e políticas de crescimento e
desenvolvimento económico e que são fundamentais para a apresentação do perfil
de um território que se quer envolver numa estratégia económica de globalização
e competitividade empresarial.
O presente estudo adoptará uma estratégia metodológica de análise descritiva,
de médio e longo prazo, dos diversos indicadores de empreendedorismo,
competitividade, inovação e adopção tecnológica, burocracia e corrupção,
disponíveis publicamente em diversos fóruns mundiais de excelência, como se os
autores se constituíssem como investidores potencialmente interessados. Assim,
e do ponto de vista de um potencial investidor externo, o estudo seguirá os
passos de uma análise crítica desses mesmos indicadores, procurando identificar
relações entre eles e os tradicionais indicadores de crescimento e
desenvolvimento económico de Cabo Verde.
Para atingir os objectivos propostos, o trabalho organiza-se da seguinte forma;
a secção seguinte apresenta e discute um conjunto de indicadores
macroeconómicos que caracterizam a economia cabo-verdiana; nas secções
subsequentes o mesmo exercício é realizado, tentando avaliar-se o ambiente
político e empresarial que caracteriza o território e, por fim, apresentar-se-
ão as conclusões que se considerarem pertinentes.
INDICADORES ECONÓMICOS E SOCIAIS
Para se perceber qual é o contexto económico e social que um possível
empreendedor externo encontrará em Cabo Verde, é importante caracterizar a sua
estrutura produtiva e social, com base em tradicionais indicadores
macroeconómicos e humanos. Estes indicadores apresentam-se nas Tabelas 1 e 2.
TABELA 1 ' Indicadores macroeconómicos
TABELA 2 - Indicadores sociais
Na Tabela 1 pode observar-se como a economia de Cabo Verde se tem afirmado
economicamente ao longo do Séc. XXI, permitindo-lhe integrar o grupo de
economias de rendimento médio. Com uma capacidade de gerar riqueza crescente, e
que nos anos de 2006 e 2007 se estima ter ultrapassado a taxa de crescimento de
10%, a economia apresenta, também, algumas fragilidades estruturais ' a sua
estrutura produtiva assenta, essencialmente, no sector dos serviços, encontra-
se demasiado dependente das importações, não apresenta uma clara estabilidade
dos preços e, apesar da evolução económica positiva, não absorve uma parte
significativa da sua população activa.
Note-se que, apesar da crescente importância do sector industrial e, mais
recentemente, do sector da construção, em detrimento da agricultura e pescas,
estes sectores contribuem ainda com menos de 20% para a criação de riqueza. Em
relação ao sector de construção, o peso relativamente elevado na economia
traduz, por um lado, o seu efeito na criação de emprego e, por outro, a
contribuição para o agravamento da balança de pagamentos devido a uma grande
dependência externa para os materiais e equipamentos de construção.
Simultaneamente, verifica-se que as importações acrescem a cerca de 55% do PIB
enquanto as exportações se limitam a cerca de 5% do mesmo. A volatilidade no
crescimento dos preços da produção é também um aspecto notório ' períodos de
deflação seguidos por períodos de crescimento mais acentuado no IPC deverão
merecer uma atenção mais cuidada.
A taxa de desemprego elevada é um aspecto importante a ter em conta na
caracterização económica de Cabo Verde. Especialmente porque associada à
selecção de indicadores sociais, apresentada na Tabela 2, indicia a presença de
uma fragilidade estrutural na capacidade de atrair Investimento Directo
Estrangeiro (IDE) ' a inexistência de mão-de-obra qualificada.
Observa-se, por exemplo, que apenas cerca de 41% de uma população, ainda
marcadamente rural e apresentando taxas de iliteracia que podem atingir 27% das
mulheres e 21% dos homens, está disponível para entrar no mercado de trabalho.
De facto, estes factores não serão alheios ao facto de, em 2005, cerca de 16%
da população viver abaixo dos limiares de pobreza ' apesar dos esforços
reconhecidos mundialmente para atingir as metas de desenvolvimento humano e que
são visíveis na evolução positiva dos indicadores apresentados.
A constatação de uma evolução positiva dos indicadores humanos e do potencial
de crescimento produtivo em Cabo Verde parece dar indicações de que as
fragilidades, económicas e sociais, apontadas podem ser superadas e constituem-
se como um sinal claro de atracção de investimentos directos estrangeiros (IDE)
para a economia. Os dados apresentados no Gráfico 1, mostram precisamente este
facto.
GRÁFICO 1 ' Evolução das entradas e saídas de IDE
O gráfico mostra a importância das entradas de IDE em Cabo Verde. A tendência
associada é, notoriamente, crescente acentuando-se nos anos últimos anos em
análise ' em 2007 o montante de investimento externo recebido pela economia
ascendeu a cerca de 60% do seu PIB. A actual importância relativa da entrada de
IDE, quando comparada com o PIB, é ainda mais notória quando se compara o stock
de entradas de IDE com o grupo de países da África Ocidental em que Cabo Verde
se insere. Os dados disponibilizados pelo organismo das Nações Unidas para o
comércio e desenvolvimento ' UNCTAD ' são claros no que respeita à importância
relativa de entradas de investimento estrangeiro em Cabo Verde. Se, no início
do milénio, a percentagem de entrada de IDE em relação ao PIB era muito
semelhante à dos seus vizinhos verifica-se, actualmente, uma descolagem
acentuada de Cabo Verde, relativamente à África Ocidental, como receptor de
IDE.
Ora, para além dos indicadores económicos e sociais apresentados, outros
factores devem ser introduzidos para explicar esta tendência e para perceber se
a mesma é robusta no futuro cenário de desenvolvimento da economia.
AVALIAÇÃO DO AMBIENTE POLÍTICO E SOCIAL
De forma a promover, numa economia eminentemente global, uma actuação
económica, política e socialmente sustentada dos agentes económicos que agem
numa esfera mundial, várias organizações ' públicas e privadas de âmbito mais
ou menos global ' têm desenvolvido esforços para criar indicadores diversos que
sejam internacionalmente aceites e comparáveis.
Estes indicadores, apoiando-se em metodologias distintas possuem, em comum, o
facto de gozarem de uma credibilidade reconhecida e de, por isso, poderem ser
factores de influência para potenciais acções de investimento directo externo.
Ao permitirem completar a análise de risco económico, político, social e até
ambiental de uma economia, podem ser decisivos para a conclusão, ou não, de um
processo de intenção de investimento
A apresentação de vários desses indicadores internacionais, das suas
metodologias de cálculo e a respectiva análise de resultados constitui-se como
a fase seguinte no processo de avaliação da capacidade de atracção de
investimento internacional para Cabo Verde.
Considerado um guia indispensável para a análise da evolução democrática e da
liberdade política no mundo, a publicação Freedom in the World (Freedom House,
2008) apresenta anualmente, desde 1972, um conjunto de indicadores de rating
que avaliam comparativamente 193 países e 15 outros territórios em termos de
direitos políticos, liberdades civis e estatuto em termos de liberdade, tal
como experimentado pela população, com base na declaração universal dos
direitos do homem.
De acordo com esta publicação, Cabo Verde é um país considerado «livre» desde
1991, resultando este facto da melhoria notória ao nível dos direitos
políticos, desde esse período, e da melhoria contínua ao nível das liberdades
individuais de expressão e da actuação autónoma dos indivíduos sem que exista
interferência do poder político, tal como se observa no Gráfico 2.
GRÁFICO 2 ' Evolução dos indicadores Freedom in the World para Cabo Verde
Acresce-se ainda, e de acordo com a mesma publicação, que Cabo Verde faz parte
dos 46% do conjunto de 193 países observados que se considera apresentarem um
ambiente político livre. Compõe ainda um conjunto restrito de 20,8% dos países
da África subsariana que se considera possuírem tal tipo de ambiente político.
A opção pela análise primária do ambiente político que enquadra uma economia
para a qual se analisa o risco de investimento é importante, porque tal anula
incertezas quanto ao respeito de direitos fundamentais de propriedade e de
liberdade de actuação empresarial. Note-se, no entanto, que os indicadores
apresentados acima são demasiado latos, não se referindo especificamente ao
ambiente económico e empresarial.
Para uma análise mais profunda de algumas liberdades associadas a aspectos
empresariais pode analisar-se o Index of Economic Freedom publicado pela
Heritage Foundation e pelo Wall Street Journal. A construção do índice, para um
conjunto de 183 países, fundamenta-se na necessidade de avaliar a capacidade
dos indivíduos para controlar os meios de produção ' trabalho ou capital ' e
assim agirem livremente nas suas actividades de produção, consumo e
investimento, auferindo, em simultâneo, da protecção pública esperada numa
democracia.
A liberdade económica de um país é aferida através de 10 aspectos específicos
que incluem as liberdades empresarial, comercial, fiscal, monetária,
financeira, laboral e de investimento, os direitos de propriedade, a ausência
de corrupção e a dimensão governamental (Heritage Foundation, 2009). Os
indicadores que compõem o índice são avaliados de 0 a 100, com 100 a indicar o
melhor valor para o indicador. Refira-se também que o valor do indicador, para
um determinado ano, se refere aos aspectos observados no ano imediatamente
anterior.
Apresentado o índice é possível observar, na Tabela 3, os resultados obtidos
para Cabo Verde ao longo dos últimos nove anos, assim como a relação entre os
componentes do índice para o último ano disponível, no Gráfico 3.
TABELA 3 ' Evolução do Index of Economic Freedom e respectivos
GRÁFICO 3 ' Índice de liberdade económica e respectivos componentes para 2009
Da análise da Tabela 3 e do Gráfico 3, é incontestável a evolução muito
positiva em todos os componentes do índice de liberdade económica, excepto para
a liberdade de investimento.
Também, para uma análise mais concreta do ambiente político em que se pondera a
realização de um investimento, podem ser analisados os indicadores presentes no
projecto Worldwide Governance Indicatorspatrocinado pelo Banco Mundial. O
projecto tem calculado, desde 1996, indicadores de governação para 212 países
para seis dimensões distintas de governação: responsabilidade social,
estabilidade política e ausência de violência, eficácia governamental, controlo
da corrupção e rule of law(Kaufmann et al., 2008). Os dados que servem de base
ao cálculo dos indicadores provêm de observatórios de empresas, cidadãos e
especialistas nos países em análise. Os indicadores são apresentados numa
escala de crescendo positivo que se calcula entre -2,5 e 2,5.
Na Tabela 4, os mesmos indicadores de governação são apresentados em termos
percentuais de forma a comparar a actuação da economia em causa relativamente
ao conjunto de países analisados. O valor percentual apresentado, em cada ano,
indica a percentagem de países que se encontram abaixo do valor calculado para
uma determinada economia. Assim, valores mais elevados indicam uma melhor
posição da economia globalmente.
TABELA 4 ' Evolução doIndex of Economic Freedom e respectivos componentes
GRÁFICO 4 ' Evolução de indicadores de governação
O indicador em que Cabo Verde se destaca refere-se à estabilidade política e à
ausência de violência, seguindo-se a responsabilidade social, que indica uma
boa capacidade dos cidadãos cabo-verdianos de participarem na selecção dos seus
governantes, assim como a existência de liberdade de expressão, associação e
informação. Em 2007, último ano para o qual estão disponíveis dados, cerca de
83% da população mundial de países coberta por estes indicadores apresentavam
um grau de estabilidade política e ausência de violência menor, incluindo-se
Cabo Verde no conjunto dos 25% de países em que a responsabilidade social
apresenta os resultados mais elevados. Estas conclusões reforçam os resultados
já observados, no campo político e cívico, através dos outros indicadores
apresentados anteriormente.
Refira-se, no entanto, que tais resultados não são equivalentes a eficiência
económica. A qualidade dos serviços públicos e a credibilidade das políticas
públicas, medidas através do indicador «eficácia governamental», foram
apontadas como aspectos menos positivos a atribuir à gestão pública cabo-
verdiana. No entanto, é interessante a melhoria que tal indicador tem
apresentado nos últimos anos, oferecendo sinais muito positivos para potenciais
investidores. Em 2007, tal indicador colocava mesmo Cabo Verde no conjunto dos
35% de países considerados como tendo valores de eficácia governamental mais
elevados.
Outro indicador de extrema importância na capacidade de atracção de
investimentos, especialmente num continente como o africano, refere-se à
capacidade de uma economia em controlar a corrupção ' o indicador apresenta
resultados positivos e tendencialmente crescentes nos últimos anos.
Para uma melhor análise deste aspecto, pode ainda introduzir-se um outro
indicador internacional, de interesse reconhecido, exclusivamente destinado a
medir a percepção que os cidadãos, em geral, e os empresários e instituições,
em particular, possuem relativamente aos níveis de corrupção ' entendidos como
abusos públicos em função de ganhos privados e medidos pela frequência e/ou
dimensão dos subornos ' verificados nos sectores público e político. Designado
por Corruption Perceptions Index (CPI), avalia tais níveis de corrupção através
de fontes como os Bancos Africano e Asiático de Desenvolvimento, o Fórum
Económico Mundial, o Freedom House, o Economist Intelligence Unit ou o World
Competitiveness Yearbook. Os resultados para Cabo Verde mostram-se no Gráfico
5.
GRÁFICO 5 ' Posicionamento no ranking Corruption Perceptions Index
A evolução do índice para a economia cabo-verdiana é evidente ' de 2007 e 2008
subiu dois lugares no ranking colocando-se, em 2008, no 47.º lugar de países
para os quais a percepção de existência de fenómenos de corrupção é menor.
A evolução muito positiva de indicadores de controlo da corrupção, tal como
apresentada pelos World Governance Indicators, pelo Index of Economic Freedomou
peloCorruption Perceptions Index, confere à economia sinais objectivos de que a
realização de um investimento e o seu sucesso não estão dependentes de aspectos
menos claros e controláveis económica e legalmente.
De facto, é importante para um investidor acreditar que os contratos que
realizam se constituem como compromissos éticos sérios guiados por regras
políticas, sociais e económicas universalmente reconhecidas e confiar que as
instituições públicas em geral, e os tribunais em particular, zelam para
garantir o seu cumprimento adequado. De regresso à análise dos World Governance
Indicators, a observação do indicador rule of law indica o quanto um investidor
poderá acreditar que os compromissos serão respeitados num determinado país.
Ora, em 2007, 67% dos 212 países avaliados apresentavam valores mais baixos
para tal indicador comparativamente aos apresentados para Cabo Verde.
Até ao presente momento, neste estudo, a análise de diversos indicadores
construídos para avaliar, de forma comparativa, o risco de uma economia,
demonstra os progressos verificados em Cabo Verde em termos de liberdade
política, social e económica, bem como progressos ao nível do controlo de
fenómenos de corrupção. No entanto, apesar dos vários sinais positivos
transmitidos pela economia e que a colocam num grupo de países a considerar
numa potencial opção de investimento, Cabo Verde não tem conseguido transmitir
a mensagem de que tais esforços se constituem como um compromisso sério. O
indicador que mede a qualidade da regulação pública, nos World Governance
Indicators, apresenta valores negativos ao longo do tempo, mesmo apesar da
evolução no sentido positivo. Os sucessivos governos, embora tal aconteça em
mais 48% das economias no mundo, parecem ainda não ter sido capazes de
implementar políticas de regulação e promoção de desenvolvimento do sector
privado que beneficiem da confiança necessária para serem bem-sucedidas.
A análise da capacidade de criar factores de atracção de investimento directo
estrangeiro não deve, contudo, limitar-se ao tipo de indicadores já
apresentados. Se eles podem permitir reconhecer o território e adquirir
confiança nas suas instituições políticas, não permitem avaliar factores
empresariais mais concretos que possam influenciar o interesse em investir num
determinado território. Outros factores como a agilidade burocrática e a
segurança na constituição de uma empresa, no processo de produção e na
distribuição interna e/ou externa da mesma, são os mais adequados para tal
análise. Todos estes factores serão analisados através dos resultados obtidos
por dois projectos do Banco Mundial que pretendem aferir do ambiente
empreendedor existente nas economias mundiais ' os projectos Doing Business e
Business Surveys.
AVALIAÇÃO DO AMBIENTE EMPRESARIAL E DA CAPACIDADE DE CRIAR NEGÓCIOS
Sendo dois projectos patrocinados pelo Banco Mundial, os projectos Doing
Business e Enterprise Surveys apresentam-se como duas ferramentas de
diagnóstico distintas, mas complementares. Diferem nas fontes de informação, na
frequência de apresentação de determinada informação e no número de países
abrangidos. O projecto Doing Business abrange actualmente 181 economias
mundiais, para as quais são observados dados referentes à legislação e aos
regulamentos e requerimentos administrativos, que podem influenciar a esfera
empresarial da economia, enquanto o projecto Enterprise Surveys tenta captar a
percepção que os indivíduos possuem relativamente ao ambiente empresarial em
cerca de 111 economias ' e para um universo de 90 000 empresas ' menos
desenvolvidas ou em vias de desenvolvimento.
Relativamente aos indicadores fornecidos pelo projecto Doing Business para Cabo
Verde, os resultados globais apresentam-se no Gráfico 6.
GRÁFICO_6 ' Evolução dos indicadores Doing Business
Os indicadores incluem a avaliação de itens administrativos relacionados com os
procedimentos referentes à criação, processos de produção, comercialização e
encerramento de uma empresa, entre outros aspectos relacionados com o processo
produtivo. Mais especificamente, apresenta-se a posição relativa de uma
economia relativamente aos seguintes tópicos: abertura e encerramento de
empresas, obtenção de alvarás de construção e registo de propriedades,
contratação de funcionários, obtenção de crédito, protecção de investidores,
comércio internacional e cumprimento de contratos. Para cada um deles, o
projecto ordena os países que analisam de 1 a 181, constituindo-se o tópico
«fazer negócios» como o resumo dos restantes.
Para cada um dos tópicos apresentam-se, no Gráfico 7, os factores que
determinam o seu resultado final, podendo comparar-se Cabo Verde com os seus
vizinhos regionais e com o grupo de países mais desenvolvidos e que integram a
OCDE.
Gráfico 7 ' Indicadores Doing Business I
Em termos globais, o que se observa para Cabo Verde relativamente aos dois
últimos anos no panorama do empreendedorismo mundial, é um posicionamento menos
desejável relativamente a parte dos tópicos em causa. Refira-se, no entanto, o
bom posicionamento do país nos itens «cumprimento de contratos» '
indubitavelmente influenciado pelo bom ambiente político e social já constatado
na secção anterior ' e «comércio internacional», a que não será alheio a adesão
da economia à Organização Mundial do Comércio.
De facto, em termos de cumprimentos de leis contratuais estima-se que o número
de procedimentos jurídicos relacionados com disputas, o tempo despendido, assim
como os custos associados, estão muito próximos do que acontece nas economias
mais desenvolvidas. Relativamente ao comércio internacional, o mesmo acontece
demonstrando que, neste aspecto, a burocracia não se constitui como um
obstáculo aos factores de atracção para IDE.
O mesmo não acontece relativamente a outros factores fundamentais para atrair
investidores. Abrir uma empresa, por exemplo, exige realizar o dobro de
procedimentos administrativos que num pais mais desenvolvido e demora quatro
vezes mais tempo. É ainda um processo dispendioso (especialmente para os
investidores nacionais) que pode representar cerca de 50% do PIB per capita de
um cabo-verdiano. Aliadas à dificuldade em abrir uma empresa, refiram-se as
dificuldades (processuais e financeiras) em obter alvarás de construção e em
registar propriedades. Note-se, também, a notória inflexibilidade do mercado de
trabalho ' muito superior ao que se observa na OCDE e mesmo na região ' e que,
como se viu anteriormente, apresenta lacunas de qualificação evidentes. Refira-
se, por fim, a ausência registada de procedimentos para encerramento de
empresas que coloca o país no último lugar do ranking, no que se refere a este
aspecto.
O resumo de todos estes aspectos coloca Cabo Verde na posição 143 do ranking de
economias em que é mais «fácil» realizar negócios. Ora, não sendo uma posição
confortável quando se pretende atrair investidores, torna-se ainda mais
desconfortável quando se observa que o país já apresentou indicadores de maior
facilidade.
A generalidade dos itens apresentados pioraram, o que se deve constituir como
um claro aviso para os decisores públicos. A economia apresenta condições
políticas e cívicas que lhe permitiriam apresentar indicadores empresariais com
maior capacidade de atractividade.
O projecto Enterprise Surveys tenta ir para além da análise de procedimentos e
custos administrativos, ao procurar captar a percepção empresarial sobre os
maiores obstáculos que a implementação de um negócio pode enfrentar em cada uma
das economias em desenvolvimento. Ao mesmo tempo, procura posicionar a economia
no palco da competitividade empresarial. Para atingir os objectivos referidos,
o projecto inquire empresas a operar em cada território relativamente a
aspectos como regulamento e impostos, licenças, corrupção, criminalidade,
economia informal, infra-estruturas, inovação e tecnologia, comércio e mercado
de trabalho. Os factores que influenciam cada um dos aspectos gerais que se
pretende avaliar, são apresentados no Gráfico 8. Para Cabo Verde, os dados
disponíveis referem-se a 2006 e comparam-se com os resultados obtidos para a
região e para o conjunto das 111 economias que foram estudadas nesse ano.
GRÁFICO 8 ' Indicadores Enterprise Surveys
O Gráfico 8 é rico em informação que se tentará resumir nos pontos fortes e
fracos e que permitirão definir um perfil de atractividade da economia cabo-
verdiana.
Um primeiro aspecto a salientar refere-se à participação das mulheres na
actividade empresarial ' cerca de 42% das empresas observadas possuem algum
tipo de participação feminina na propriedade e cerca de 12% possuem mulheres em
lugares de chefia ' embora apenas uma pequena percentagem de mulheres seja
empregada a tempo completo. Este aspecto, aparentemente contraditório, não
parece ser mais do que o resultado de algumas das constatações das secções
anteriores ' ambiente caracterizado por um elevado respeito pelas liberdades
pessoais e por deficiências várias no mercado de trabalho. Num relacionamento
também muito estreito com as conclusões retiradas da observação do ambiente
sociopolítico, constata-se que as empresas cabo-verdianas notam os progressos
realizados ao nível da corrupção ao contrário do que acontece nas outras
economias ' onde é um aspecto considerado de grande constrangimento para a
iniciativa empresarial.
De facto, os grandes constrangimentos apresentados pelas empresas em Cabo Verde
referem-se, em grande medida, a procedimentos burocráticos e administrativos,
assim como aos custos associados à actividade empresarial. O número de dias
para obter licenças, nomeadamente de construção, as taxas de imposto inerentes,
o tempo despendido a gerir requerimentos e regulamentos, apresentam valores
superiores, tanto no que respeita aos países da região, como às restantes
economias mundiais com as quais Cabo Verde mais se compara. Outro aspecto que
poderá afastar um potencial investidor refere-se à criminalidade que, em termos
absolutos, é o factor mais referenciado como constrangimento à actividade
empresarial, assim como aquele que origina mais perdas em percentagem das
vendas. Ainda no que respeita a aspectos menos positivos, refira-se o elevado
número de respostas que demonstra ser significativa a competição de uma
economia informal.
No que se refere a infra-estruturas, salienta-se o facto conhecido de que Cabo
Verde é um território com problemas no abastecimento de água, factor que, sendo
ambiental, deve merecer um especial cuidado dos governos. Este aspecto,
associado a uma menor adopção de inovações e tecnologias, deve ser objecto de
investimento público, para permitir a criação de condições físicas que
ultrapassem os conhecidos obstáculos ambientais e, consequentemente,
desenvolver condições de atractividade externa.
A análise dos elementos constantes no gráfico reforça ainda as observações já
realizadas relativamente às fragilidades do mercado de trabalho, nomeadamente a
fraca participação da população activa numa actividade a tempo completo. Note-
se, no entanto, que parece existir uma tentativa para ultrapassar tais
fragilidades. Cabo Verde apresenta a maior taxa de empresas que oferece
formação formal aos seus trabalhadores numa clara abordagem ao problema das
fracas qualificações da mão-de-obra disponível.
CONCLUSÃO
Cabo Verde é um território pequeno com problemas estruturais, inerentes à sua
localização geográfica e à sua juventude como nação, que tem conseguido
alcançar um estatuto de economia em desenvolvimento ' num grau intermédio entre
países de baixos rendimentos e países mais desenvolvidos ' num ambiente de
crescente liberdade política e social. Tal ambiente é notório nas análises
internacionais de risco político e tem-se vindo a materializar em indicadores
sucessivos de sucesso em termos de desenvolvimento humano e social.
Apesar da boa classificação do país nos rankings de risco político e social, é
também notório, para um potencial investidor externo, que tal ainda não se
espelha em indicadores que avaliam as potencialidades de empreendedorismo numa
economia. Tais indicadores permitem concluir a existência de um fraco
desempenho ao nível da atractividade empresarial externa. Saliente-se, no
entanto, que são visíveis os esforços para ultrapassar aspectos menos positivos
observados relativamente ao ambiente empresarial existente e que a tais
esforços não serão alheios os investidores internacionais, dado o crescimento
do fluxo de entradas de IDE nos dois últimos anos.
Note-se, por fim, que o país se caracteriza por um elevado grau de abertura ao
exterior o que, sendo um bom sinal para potenciais interessados numa cooperação
económica com Cabo Verde, coloca a economia numa posição de fragilidade no
actual contexto de crise económica mundial, podendo assim comprometer os
avanços alcançados e, consequentemente, o potencial de desenvolvimento que vem
demonstrando nos últimos anos. A dependência de fluxos de exportação, remessas
dos emigrantes, do turismo e do IDE, que se contraem em períodos de recessão
económica, deve merecer um especial cuidado por parte dos decisores públicos
para que não se hipoteque os desenvolvimentos alcançados. Estes devem também
ver, neste período de crise, a oportunidade para alterar factores estruturais
que caracterizam a economia e entre os quais se destaca a importância de
desenvolver uma actividade produtiva com uma maior base industrial em
detrimento da actual base produtiva assente em serviços.