Consórcios internacionais de empresas de construção civil: O caso da Mota-Engil
De forma a conseguir expandir a sua actuação a outros países, a empresa
necessita de definir de forma clara e categórica a sua estratégia no que
respeita aos modos de entrada. De entre os vários modos de entrada à disposição
das empresas, nenhum pode ser apontado como o melhor, devendo antes considerar-
se a existência daquele que melhor se adequa a determinado contexto (Chang,
1995; Folta, 1998; Hennart, 1991; Reddy et al., 2002; Williamson, 1991).
Neste artigo, pretende-se estudar um dos modos de entrada em particular: o
consórcio. Este modo de entrada, em Portugal, tem sido característico de um
determinado sector de actividade: o sector da construção, nomeadamente na sua
vertente internacional. Neste seguimento, a questão que se coloca é: como é que
os consórcios permitem às empresas internacionalizar-se? Procurar-se-ão ainda
delinear quais as determinantes que levam à escolha deste modo de entrada por
parte das empresas para traçar a sua estratégia internacional.
Na literatura anglo-saxónica os consórcios são tratados como non-equity joint
ventures e distinguem-se das equity joint ventures (EJV) por não envolverem a
criação de uma entidade à parte, dotada de personalidade jurídica, através da
contribuição equitativa de capital dos parceiros da cooperação (Erramilli et
al., 2002; Hagedoorn e Narula, 1996). Surge aqui a peculiaridade deste modo de
entrada, que permite às empresas agruparem-se, num determinado período de
tempo, para partilhar recursos, dividir riscos e dissolver facilmente a
cooperação, após a finalização do projecto. Esta forma de entrada parece estar
pouco explorada na literatura de negócios internacionais (Ireland et al., 2002;
Kumar e Nti, 1998; Narula e Dunning, 1998; Reuer e Arino, 2002), o que suscita
um maior interesse no seu estudo.
A elevada frequência do recurso ao consórcio, bem como as várias situações em
que este se aplica, justificam a necessidade de aprofundar o tema, sendo por
isso o nosso objectivo inferir em que medida este modo de entrada potencia a
internacionalização das empresas.
Revisão de literatura
* Os consórcios como modo de entrada
Na tentativa de melhor compreender o que é que leva as empresas a estender as
suas actividades a novos mercados internacionais, procuramos focar-nos nas
explicações cuja unidade de análise é a empresa. Dentro destas, uma parte
importante dedicou-se essencialmente ao estudo das multinacionais e às razões
que levam as empresas a tornarem-se multinacionais (Teoria do Ciclo de Vida do
Produto ' Vernon, 1966; Paradigma OLI ' Dunning, 1971; e Teoria da
Internalização - Buckley e Casson, 1976
1
).
Outras explicações, porém, assumem uma maior interactividade e dinamismo em
termos de decisões, debruçando-se essencialmente sobre a concretização de
acções sobre a forma como a empresa perspectiva o seu futuro em mercados
internacionais (Teoria da Internacionalização por Estágios ' Johanson e
Wiedersheim-Paul, 1975; Johanson e Vahlne, 1977; e Teoria das Redes ' Johanson
e Mattsson, 1988; Axelsson e Johanson, 1992).
Independentemente da explicação que conduz à abordagem internacional, a
contratação é considerada como uma opção entre três, sendo as outras duas a
exportação e o investimento directo estrangeiro (ver Figura 1).
Figura 1
Classificação básica dos modos de entrada em mercados internacionais
De facto, apesar da literatura existente neste âmbito oferecer diversas
tipologias de classificação dos modos de entrada, estas coincidem, geralmente,
nos critérios de análise: risco e grau de controlo. Anderson e Gatignon (1986)
defendem que o modo de entrada óptimo resulta dum trade-off entre o grau de
controlo que a empresa pretende exercer e o nível de risco que esse objectivo
implica.
Assim, podem classificar-se os modos de entrada de acordo com as variáveis
controlo, risco e flexibilidade, de onde resultam três grupos:
* Modos de Exportação: baixo controlo, baixo risco, elevada flexibilidade;
* Modos Contratuais: controlo e risco partilhados, propriedade partilhada;
* Modos de Investimento: elevado controlo, elevado risco, baixa flexibilidade.
De acordo com esta tipologia, o consórcio constitui um modo de entrada
contratual. Este género de contratos ocorre quando as empresas detêm algum tipo
de vantagem competitiva e, isoladamente, não são capazes de tirar partido dela
por vários constrangimentos, embarcando em actividades de cooperação com outras
empresas e organizações.
O consórcio ou contratual joint venture é formado tendo como alvo a execução de
um determinado projecto de duração limitada (Sillars e Kangari, 2004), que,
pelas suas especificidades, normalmente risco e investimento elevado, requer o
trabalho conjunto de duas ou mais empresas para atingir um objectivo comum. São
acordos de cooperação formais entre empresas que não envolvem a partilha de
capital nem a criação de uma nova entidade legal. As partes mantêm portanto a
sua autonomia jurídica e estratégica.
No âmbito da tipologia das joint ventures, os consórcios de construção
internacional podem ser definidos:
* quanto à nacionalidade: tanto podem ser apenas constituídos por empresas
nacionais, como englobar também empresas internacionais. Este aspecto depende
em grande parte das especificidades dos mercados onde a empresa pretende
realizar a sua incursão;
* quanto à participação financeira: consideram-se non-equity joint ventures,
uma vez que as empresas parceiras não contribuem com capital no momento da
associação de interesses (Chan et al., 1997; Sengupta e Perry, 1997);
* quanto às partes envolvidas: no caso em estudo, os consórcios são
maioritariamente privados, constituídos apenas por empresas de direito
privado. Contudo, verificam-se algumas excepções para consórcios mistos,
sempre que empresas estatais que dominam o mercado, em determinada actividade
especializada, participam em consórcios com empresas privadas;
* quanto à forma jurídica: consideram-se non-corporate joint ventures, dado os
consórcios serem uma forma de cooperação entre empresas não dotada de
personalidade jurídica, «com um carácter simplificado e flexível, sem pôr em
causa a autonomia jurídica e a independência económica de cada um dos
consorciados» (Vasconcelos, 1999, p. 19);
* quanto à duração: consideram-se joint ventures transitórias, já que este tipo
de «cooperação entre empresas é de carácter temporário, limitada a objectivos
concretos e determinados» (Vasconcelos, 1999, p. 20).
Desta análise importa realçar que o consórcio, enquanto figura jurídica, e
tendo por base a análise teórica que lhe é dada em termos de literatura de
negócios internacionais, constitui uma non-equity e non-corporate joint
venture. Por outro lado, sendo uma figura jurídica relativamente comum em
Portugal, não o é noutros países, merecendo portanto a nossa atenção a
realidade neste país.
* Os consórcios na actividade de construção
A literatura existente em termos de marketing da actividade de construção
internacional é muito escassa (El-Higzi, 2001). A construção constitui uma
prestação serviços e, como tal, é uma actividade de grande complexidade por
todas as características próprias, inerentes à natureza não convencional dos
serviços. A indústria da construção caracteriza-se por ser de capital
intensivo, sendo a disponibilidade financeira um factor decisivo.
Por outro lado, há factores que impulsionam o crescimento internacional das
empresas desta indústria, como é o caso da assistência governamental sob a
forma de tratados económicos que reduzem as barreiras do comércio, dos
programas de assistência à exportação e dos pacotes de ajuda (El-Higzi, 2001;
Gunhan e Arditi, 2005). Para além disso, uma parte importante do negócio da
construção é fomentado pelo investimento público (Tiong, 1990; Ye e Tiong,
2000), pelo que é fundamental a empresa obter suporte político para o projecto
de construção que pretende desenvolver (Ling et al., 2005).
A construção internacional difere da construção doméstica em diversas áreas. As
actividades de construção internacional são marcadas pela combinação das
capacidades de gestão de negócio e de projecto com a mobilidade de factores de
produção e com a localização e ligação entre as indústrias de suporte (Ling et
al., 2005). Além dos riscos típicos inerentes a um projecto de construção
doméstica, a nível internacional, as empresas estão sujeitas a uma complexa e
subtil rede de riscos políticos, económicos e culturais (Ashley e Bonner, 1987;
Han e Diekmann, 2001).
Como já se disse, na literatura existente é dado pouco relevo ao estudo dos
consórcios, enquanto modo de entrada. O foco está reservado às EJV, sendo os
consórcios tratados de forma muito superficial (Beamish e Banks, 1987; Luo e
Park, 2004; Wang e Nicholas, 2007). Em termos de consórcios, no sector de
construção, os estudos existentes são ainda mais escassos, sendo os modos de
entrada tratados de forma generalista.
Este estudo concentra-se no consórcio enquanto escolha resultante de um
possível trade-off entre controlo e compromisso de recursos, já que o que
acontece é que, perante um projecto de grande dimensão, em que o montante de
recursos necessários para investimento é elevado, as empresas, individualmente,
conseguem reduzir o montante de recursos por si investidos ao formar um
consórcio com outras empresas. O consórcio é, por isso, frequentemente
escolhido por cumprir uma série de objectivos e se enquadrar nas restrições que
se colocam às empresas de construção, dadas suas características intrínsecas,
como se procura demonstrar na Figura 2.
Figura 2
Motivações para a escolha do consórcio no sector da construção
Devido à natureza complexa das actividades, do processo, do ambiente e da
organização dos negócios de construção, as empresas estão bastante expostas a
um elevado nível de risco (Bing et al, 1999). Assim, vários investigadores
identificaram a partilha do risco como uma motivação importante para constituir
alianças inter-empresariais (Kogut, 1991; Oliver, 1990; Powell, 1987), que,
como o consórcio, transferem risco e controlo para outras empresas (Brouthers,
1995).
O investimento é também um factor particularmente condicionante da actuação das
empresas de construção. Este é um sector de capital intensivo em que, para se
conseguir levar a cabo os projectos, é necessário um grande nível de
compromisso de recursos e, por conseguinte, um avultado investimento. Desta
forma, as empresas de construção juntam-se em consórcios para contribuir com
recursos físicos, de capacidade, de experiência ou de financiamento (Badger et
al., 1995; Chan et al., 1997) necessários à realização do projecto.
Ao formarem consórcios, alcança-se também a dimensão necessária para a
adjudicação dos projectos de grande envergadura. As empresas de menor dimensão,
por exemplo, encontram nos consórcios uma oportunidade de crescimento e de
realização de receitas ao tornarem-se parceiras de empresas maiores e com mais
recursos (Sillars e Kangari, 2004).
Por não implicarem propriedade comum nem a constituição de uma entidade legal à
parte, os consórcios proporcionam uma maior flexibilidade estratégica. Enquanto
alianças non-equity, os consórcios oferecem uma maior margem de manobra na
tomada de decisão (Das e Teng, 1996).
Este modo de entrada funciona ainda como uma forma de ultrapassar as barreiras
à entrada impostas, em muitos mercados, pelas empresas locais que se unem de
forma a dificultar o acesso da concorrência externa. Ao constituírem consórcios
com parceiros locais, as empresas estrangeiras conseguem obter um maior grau de
abertura às suas actividades, por parte das entidades do país de destino (Shen
e Wu, 2001).
Metodologia
Pretende-se compreender o processo pelo qual os eventos e as acções ocorrem.
Neste seguimento, o estudo de caso representa-se como uma solução a seguir, já
que, neste caso, o grau de controlo exercido pelo investigador sobre os eventos
não existe, e uma vez que o estudo se centra num fenómeno actual no seu
contexto natural (Yin, 1994). Para além disso, a necessidade de recolher
informação detalhada junto dos gestores de topo revelou-se como a via mais
apropriada a seguir em termos de metodologia de investigação qualitativa
(Whitla et al., 2006).Já no que diz respeito à escolha do caso da Mota-Engil,
actualmente o maior grupo de construção em Portugal, justifica-se pelo extenso
uso dos consórcios enquanto instrumento de internacionalização por parte
daquela empresa. Os consórcios são tradicionalmente encarados como sendo,
frequentemente, a única opção de entrada nalguns mercados. Assim, este caso
ajuda a perceber e a explicar as motivações que conduzem as empresas no sentido
da adopção deste modo de entrada, podendo ainda contribuir para instruir
possíveis acções de gestão em áreas afins.
O caso da Mota-Engil
A construção constitui o sector que mais emprego gera, a nível europeu, dado
que dele dependem actualmente 26 milhões de trabalhadores, directa ou
indirectamente
2
. O alargamento da União Europeia a muitos dos países do ex-Bloco de Leste tem
levado à criação de novas oportunidades de negócio e consequentes operações
internacionais de expansão para novos mercados, sendo o Leste da Europa a zona
onde mais projectos se têm desenvolvido. As grandes construtoras europeias
cruzam-se então em concursos públicos de países como a Polónia, República
Checa, Eslováquia, Hungria, Roménia, Ucrânia e Rússia, associadas normalmente a
empresas locais de alguma dimensão, pelo conhecimento das mesmas ao nível do
mercado, legislação, aspectos ambientais e de segurança.
Por outro lado, em África, o grande boom da construção tem-se verificado em
Angola, até ao ano passado com um crescimento de 26% ao ano, o que permite a
entrada de muitas construtoras portuguesas nesse mercado. De referir, ainda, a
ameaça que as empresas chinesas constituem, ao nível da concorrência, apesar da
qualidade dos trabalhos desenvolvidos ficarem aquém do standard de qualquer
empresa europeia do sector. Este menor índice de qualidade percebida naquelas
empresas é essencialmente decorrente da utilização de mão-de-obra chinesa de
baixo custo, da oferta de serviços em troca de contrapartidas comerciais com o
apoio do Estado chinês e da prática de dumping nos preços de mercado.
A Mota-Engil, um dos principais grupos económicos privados em Portugal, explora
e desenvolve um portfólio integrado de negócios centrado na cadeia de valor da
construção com níveis de desempenho alinhados com as melhores práticas
internacionais. Líder no mercado nacional, o grupo ocupa, a nível europeu, a
67.ª posição no ranking das maiores empresas no sector da construção
3
. O mercado internacional representava, em 2007, 43% da actividade de
construção do grupo
4
, actualmente presente em 20 países.
Na estratégia do grupo Mota-Engil, os consórcios constituem meios singulares de
abordagem dos mercados sob determinadas circunstâncias que formam um conjunto
de motivações, tal como foi atrás descrito na Figura 1. Por seu lado, a Figura
3 enquadra os consórcios do grupo Mota-Engil no âmbito dessas mesmas
motivações, mostrando que estas se encontram presentes aquando do processo de
tomada de decisão relativo ao modo de entrada a adoptar.
Figura 3
Motivações do grupo Mota-Engil para a escolha do consórcio
* O risco
O sector da construção é, como já foi referido, de elevado risco associado
(Zhi, 1999), pelo tipo de serviço que presta, pois envolve sempre grandes
investimentos e enormes exigências em termos de disponibilidade de meios
técnicos e humanos. Quando o grupo pretende executar determinado projecto, o
consórcio surge como o meio adequado para a disseminação do risco. Isto porque,
em consórcio, o risco inerente ao projecto deixa de incidir apenas sobre uma
empresa, para passar a ser repartido pelos consorciados (Ling et al., 2005). O
risco é, assim, menor para cada empresa individualmente.
As chamadas «obras de arte»
5
, sempre dotadas de elevada complexidade técnica e elevados índices de
segurança, são maioritariamente executadas em consórcio, com vista à
minimização do risco associado. Em vários países do continente africano, cuja
entrada implica um risco considerável, sobretudo nos casos de risco político
elevado, o consórcio constitui o modo de actuação adoptado pela Mota-Engil, com
vista a garantir algum apoio entre os parceiros da cooperação.
* O investimento
Os projectos de grande dimensão exigem um nível substancial de investimento em
termos de recursos, que uma só empresa nem sempre é capaz de colmatar. A
solução encontrada pelo grupo é a de, em conjunto com outras empresas
especializadas, formar um consórcio forte para reunir recursos financeiros,
físicos e de know-how e partilhar riscos.
Por exemplo, este tipo de cooperação é o instrumento utilizado pela Mota-Engil
para conseguir realizar aquela que é considerada a maior obra de construção
civil da cidade de Luanda, em Angola: as Torres Atlântico, com um investimento
de 110 milhões de euros. O mesmo ocorre em Moçambique, onde o consórcio Mota-
Engil/Soares da Costa executa a Ponte sobre o Rio Zambeze, a maior infra-
estrutura realizada no país desde a sua independência, orçada em 66 milhões de
euros. O facto de ser uma obra que implica a mobilização de recursos materiais
e humanos de grande importância e especificidade, dita a necessidade da
formação de um consórcio de forma a serem conseguidos os montantes de
investimento necessários.
* A flexibilidade
Quando o objectivo da cooperação está perfeitamente definido num determinado
prazo curto e pré-estabelecido, o grupo procura materializá-la sob a forma de
um contrato flexível que lhe permita dissolvê-la, sem restrições, aquando da
finalização do projecto a que se destina (Wang e Nicholas, 2007). O consórcio é
a opção tomada por não implicar a constituição de uma entidade legal resultante
do investimento de capital entre as partes (Wang, 2007). Cada parte coopera
como uma entidade legal separada e suporta as suas próprias responsabilidades.
O consórcio está sujeito ao mínimo de barreiras administrativas, consumindo
menos tempo e sendo mais económico, em termos burocráticos, do que as EJV.
Frequentemente, o consórcio funciona para a Mota-Engil como «porta» de entrada
em determinados países. O objectivo é angariar conhecimento local e procurar
estabelecer uma rede de contactos no país de acolhimento (Strassmann, 1898),
para depois poder passar a uma actuação autónoma que lhe permita começar a
cimentar uma posição de mercado e a melhorar o nível de flexibilidade das
opções tomadas. O mesmo se aplica a obras de prazo pré-definido e curto, como a
Ponte sobre o Rio Catumbela, na província angolana de Benguela.
O condicionalismo do tempo aponta no sentido de um modo de actuação que possa
ser diluído facilmente no momento da conclusão da obra, sem implicar, para os
parceiros, altos custos de saída irrecuperáveis. Para o grupo, o atributo
flexibilidade significa a adaptabilidade do consórcio aos locais onde se
encontra a operar e aos meios de que dispõe.
* A dimensão
Quando o projecto a concurso é de elevada dimensão, o que acontece
designadamente em mercados internacionais, e exige um grande esforço de
investimento, o usual é o grupo tentar concorrer em consórcio à adjudicação da
obra. Procura associar-se a outras empresas que detenham a experiência e a
capacidade técnica necessárias para a realização do projecto. A
complementaridade das empresas em termos de equipamentos, recursos humanos e
know-how torna o consórcio capaz de conseguir a dimensão e organização
imprescindíveis para a concretização da obra a concurso.
Por outro lado, em mercados de forte crescimento, o grupo sente necessidade de
aceder aos concursos em consórcio com playersinternacionais. Isto porque,
apesar de líder no mercado doméstico, nem sempre a Mota-Engil possui a força e
a dimensão necessárias para ombrear com as maiores empresas do sector a nível
internacional.
A importância da abordagem sob consórcios, em determinados mercados, está
também relacionada com a intensidade da concorrência aí presente. Os mercados
da Europa Central e de Leste, por exemplo, altamente concorrenciais e
atractivos, deixam antever uma luta feroz entre os gigantes do sector com uma
dimensão superior à do grupo, a actuar de forma isolada. Daí serem mercados
onde se revela crucial a entrada via consórcios, já que estes proporcionam a
concentração de empresas associadas por um objectivo comum (Terpstra e Simonin,
1993), limitando assim a acção da concorrência, uma vez que os concorrentes
passam frequentemente a parceiros em consórcio.
* As barreiras à entrada
Em mercados com reduzido grau de abertura ao investimento estrangeiro e com
elevado grau de proteccionismo, os consórcios com empresas locais constituem
uma forma do grupo conseguir entrar e conquistar awareness para poder,
posteriormente, desenvolver as suas actividades (Kogut, 1988; Ling et al.,
2005). Os parceiros, estrangeiros e locais, podem complementar-se mutuamente:
as empresas domésticas, têm melhor conhecimento das condições de trabalho
locais, da localização das fontes de recursos humanos e materiais, enquanto as
empresas estrangeiras trazem para o consórcio um grande nível de expertise em
termos financeiros, tecnológicos e de gestão (Raftery et al., 1998).
O mercado espanhol é apontado como um bom exemplo desta situação. Devido ao
forte proteccionismo e associativismo que caracteriza o sector de construção
espanhol, torna-se difícil para uma empresa estrangeira conseguir actuar nesse
mercado. Daí que, até hoje, o grupo considere ainda não ter realizado obras de
referência no sector da construção em Espanha. E aponta como possível causa o
facto de ainda não ter conseguido formar nenhum consórcio com empresas
espanholas para a adjudicação de projectos.
Por outro lado, a Martifer (empresa do grupo) é já a empresa de construções
metálicas mais forte em Espanha. A explicação pode residir no facto de esta
empresa ter anteriormente formado um consórcio com a Somague, que é espanhola.
Porventura daí terá surgido o convite feito à Martifer para trabalhar em
Espanha.
O envolvimento estatal neste sector é elevado, tendo sido identificada, em
estudos anteriores, uma série de barreiras legais impostas por alguns governos
à entrada das empresas de construção internacionais. Muitas vezes, os governos
favorecem as empresas locais em detrimento dos construtores internacionais,
estipulando que o projecto deve ser concluído por um construtor nacional.
A incompatibilidade dos standards técnicos dos diferentes países é outra
dificuldade enfrentada pelas empresas de construção a actuar internacionalmente
(Whitla et al., 2006). Assim, mesmo que o grupo tenha o investimento necessário
para embarcar em determinado projecto e a sua aversão ao risco seja reduzida ao
ponto de não sentir necessidade de encetar um processo de cooperação, as
barreiras à entrada levantadas pelo governo e pelas empresas locais fazem,
muitas vezes, do consórcio a única alternativa para conseguir penetrar nesses
mercados.
Conclusão
* Principais contributos
A nível científico, este estudo contribui para aprofundar o conhecimento de um
modo de entrada que parece pouco explorado em termos de literatura de negócios
internacionais. Em termos de estratégia empresarial, o consórcio mostra-se como
uma ferramenta de uso recorrente para a abordagem dos mercados internacionais
por parte das empresas de construção. Esta investigação ajuda ainda a
compreender os motivos e os benefícios que levam as empresas a optar pelo
consórcio, contribuindo ainda para uma caracterização mais completa deste modo
de entrada.
A matriz de análise do consórcio proposta neste artigo pode contribuir para
avaliar a performancedeste instrumento de internacionalização ao alcance das
empresas. Pelo confronto entre as motivações que levam à internacionalização
com as lacunas que o consórcio procura suprir, poder-se-á concluir acerca da
utilidade e adequação deste modo de entrada face a determinada conjuntura.
Assim, na comparação entre as diferentes alternativas, o consórcio surge como a
ideal perante uma sequência de condicionalismos que o colocam como a única
forma que a empresa dispõe para concretizar determinada estratégia de
internacionalização. São factores como o investimento, o risco, a
flexibilidade, a dimensão e as barreiras à entrada que funcionam como
motivações à formação de consórcios e estão relacionados com as especificidades
do projecto, do mercado e da empresa, conforme demonstra a esquematização da
Figura 4.
Em consórcio, as empresas:
* conseguem diluir o risco inerente aos projectos e mercados internacionais;
* alcançam o investimento necessário à internacionalização;
* garantem alguma flexibilidade de decisão num ambiente de grande instabilidade
e em constante mutação como são os mercados internacionais;
* conquistam a dimensão conjunta imprescindível à adjudicação e execução dos
grandes projectos;
* contornam as barreiras à entrada instauradas pelo governo do país de destino
e pela associação dos empresários locais que dificultam a actuação externa.
Figura 4
Matriz de análise dos consórcios
Enquanto modo de entrada, o consórcio possibilita a internacionalização, visto
constituir uma ferramenta de ajuste da empresa às condicionantes internas e
externas da sua expansão a novos mercados. Este facto pode representar uma
importante implicação deste estudo ao nível da gestão. Esta perspectiva,
segundo a qual este modo de entrada pode funcionar como solução para os
problemas com que, muitas vezes, os gestores se deparam, poderá ser incluída na
ponderação estratégica realizada aquando da delineação da actividade
internacional das empresas.
Em vez de colocarem de parte determinados projectos e mercados por não se
acharem detentoras das forças necessárias à dissipação das suas fraquezas e à
ultrapassagem das ameaças características da abordagem internacional, as
empresas devem perspectivar o consórcio como o meio de acesso às novas
oportunidades que se lhes colocam quotidianamente.
* Limitações do estudo e sugestões para futuras investigações
Uma das limitações deste estudo prende-se com a opção metodológica do estudo de
caso. O facto de se ter enveredado pela utilização de um design de caso único
pode comprometer as potencialidades de generalização analítica, dadas as
especificidades da empresa estudada. Contudo, julga-se que a sua escolha
permitiu desenvolver um caso adequado por dar resposta à questão de
investigação e acessível por ser susceptível de maior compreensão.
O propósito do estudo centrou-se na realização de entrevistas até ao ponto de
saturação, a partir do qual os dados a recolher já não acrescentam valor à
investigação. Pensa-se, desta forma, que a representatividade qualitativa se
cumpre, tendo as entrevistas efectuadas fornecido informação rica e
possibilitado a constatação da concordância dos entrevistados em relação aos
temas questionados.
O alargamento desta investigação a outros casos representativos da problemática
em estudo constitui uma sugestão para trabalhos futuros, passível de preencher
as lacunas ao nível da representatividade, atrás enunciadas. Poder-se-á
comparar os resultados obtidos neste estudo e conseguir uma possível
corroboração dos mesmos com a inclusão de diferentes realidades empresariais. O
enriquecimento das ilações retiradas pode obter-se mediante a replicação em
empresas que actuam em contextos semelhantes, em termos de actividade
internacional.
Outra questão que poderá funcionar como ponto de partida para estudos futuros é
o confronto das estratégias adoptadas pelas empresas de construção nacionais,
em termos de modos de entrada, com as opções a esse nível por parte das
empresas estrangeiras. Será interessante averiguar a frequência com que se
coloca a opção do consórcio às construtoras internacionais. Sugere-se ainda a
análise da consonância das motivações e conjunturas que conduzem essas empresas
à eleição do consórcio, enquanto actuação internacional, com as que resultaram
da análise realizada neste estudo. Inferir acerca do peso que cada motivação,
individualmente, detém no momento da escolha do modo de entrada, poderá ser
outro ponto susceptível de investigação futura.
Notas
1
Para mais desenvolvimentos sobre as teorias explicativas da
internacionalização, ver Lorga (2003), Internacionalização e Redes de Empresas:
Conceitos e Teorias, Editorial Verbo, Lisboa.
2
InMota-Engil, 2007a.
3
InDeloitte, 2008.
4
InMota-Engil, 2007b.
5
O termo "obras de arte", na actividade de construção, refere-se a
pontes, viadutos e túneis.