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EuPTHUAp1645-44642009000400007

EuPTHUAp1645-44642009000400007

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioHumanities
Great areaApplied Social Sciences
ISSN1645-4464
ano2009
Issue0004
Article number00007

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A investigação em Gestão de Recursos Humanos em Portugal: Resultados e tendências

O campo de estudo da temática da Gestão de Recursos Humanos (GRH) evoluiu ao longo do século passado, quer em termos de teoria quer de aplicação, ancorado em linhas de força que acabaram por contribuir para a delimitação de fronteiras balizadoras da evolução neste campo. Foi assim no início do Séc. XX, com a influência das relações laborais e dos movimentos sindicais que influenciaram os conteúdos de investigação de GRH, as designações da actividade e as ênfases das próprias práticas de gestão. É assim no tempo actual, com a globalização das actividades e negócios em que a contingencialidade das opções teóricas e de intervenção revelam o peso determinante dos factores de contexto.

Ora, esta ancoragem é transversal aos diferentes continentes e países, muito embora desfasada temporalmente em termos de ocorrência. Por exemplo, enquanto nos EUA o início do Séc. XX marca o início da evolução, em Portugal 50 anos mais tarde se observa tal evolução. Contudo, este desfasamento temporal na evolução do campo da investigação em GRH tem vindo a diminuir, o que significa que, em virtude dos sistemas de informação e tecnologia associada, a evolução é global, muito embora em termos de intervenção se encontre ainda desfasada devido a factores de contexto como a produtividade e a competitividade. Assim, é importante ter em consideração tais elementos, quando queremos compreender o que ocorre em matéria de tendências de investigação e de intervenção em GRH.

Tratando-se inicialmente de uma preocupação eminentemente prática e escassamente ancorada do ponto de vista teórico, a gestão dos recursos humanos evoluiu um pouco à sombra das teorias organizacionais (taylorismo, burocracia, relações humanas, abordagens sistémicas e contingenciais, etc.) e das teorias comportamentais (motivação e satisfação, poder e liderança, trabalho em equipa e participação, equidade e implicação, etc.). Não admira por isso que a evolução da problemática de GRH partilhe as insuficiências e os aspectos positivos inerentes às teorias que lhe serviram de apoio.

Apesar de, em termos de uso, os prós das teorias terem uma maior tendência de ênfase do que os contras por parte dos utilizadores, os aspectos positivos para a GRH decorrentes do contributo das teorias comportamentais relacionadas com os processos de gestão, bem como as teorias organizacionais de pendor sistémico e contingencial, referem-se a considerarem implícita ou explicitamente a relevância do elemento humano no contexto de outros factores que igualmente contribuem para a eficácia organizacional. Mas, desta influência, decorrem também insuficiências que questionam os modelos de investigação e as teorias que os suportam.

De uma forma sintética, dois exemplos são ilustrativos deste raciocínio.

O primeiro relaciona-se com a teoria da gestão por objectivos ( Locke e Latham, 1990; 2002), segundo a qual estes são fundamentais dado o seu carácter de farol sinalizador e legitimador para todas as actividades do gestor e motivador dos desempenhos. Contudo, alguns aspectos perversos do uso da teoria enfraquecem por vezes os aspectos positivos da mesma (Schweitzer et al., 2004; Ordóñez et al., 2009) . Constitui um exemplo ilustrativo a definição menos realista dos objectivos, entendida quer por excesso, tornando-os irrealistas, quer por defeito, tornando-os escassamente incentivadores. Ou, também, os casos de uma capacidade motivacional reduzida quando excessivamente simples, ou aumentada quando os objectivos são elevados mas realistas. Refira-se, ainda, a fácil alienação a que conduzem os alvos quando se faz dos meios a razão de ser para simplesmente cumprir ou superar o atingir de um dado objectivo.

Outro exemplo relacionado com a forma de definir as proporções entre parte fixa e parte variável das recompensas ilustra também as insuficiências das teorias e dos modelos de análise na superação da tentação da linearidade dos modelos, o que deixa de fora aspectos de contexto cujos efeitos abordagens metodológicas e teóricas mais complexas, como os modelos de moderação e de mediação, possibilitam dar conta.

Assim se explica o debate a que presentemente se assiste sobre a forma de recompensar os gestores financeiros, na base da qual a antiga fórmula de associar uma parte variável ao lucro ou aos resultados se revela perversa em virtude do excesso de risco induzido nos actos de gestão por parte deste tipo de profissionais. Algo parecido à prática de recompensar o trabalho de uma equipa de vendas com base em uma percentagem das vendas efectuadas, independentemente da cobrança, dos produtos em stock ou da margem de lucro do produto. O incentivo para a acção, estimulado pela comissão de vendas, poderá induzir efeitos negativos em termos do resultado final e contribuir para a menor sustentabilidade da organização ao não controlar o factor de risco financeiro associado ao cliente, ao desequilibrar a gestão de stocks de produto acabado, privilegiando a venda dos produtos de maior rotação e ao vender tendencialmente os produtos de valor mais elevado em detrimento dos de menor preço.

Estas e outras insuficiências tornam a GRH objecto de estudo de crescente interesse, verificando-se nas últimas décadas um esforço de compreensão e de teorização do conjunto das práticas de gestão, de que a grande proliferação de cursos de formação de cariz académico (licenciaturas, pós-graduações, mestrados e doutoramentos) e de natureza mais profissional (acções de aprendizagem, formação técnica e reciclagem sobre práticas de GRH) constitui uma evidência objectiva.

É este o enquadramento para o contributo deste trabalho, ao referir as tendências emergentes nos trabalhos de investigação sobre esta temática, produzidos entre os anos de 1986 e 2009 em instituições de ensino e investigação portuguesas e ao mapear as grandes influências na evolução e consolidação das práticas de GRH expressas nas temáticas dos Encontros APG (Associação Portuguesa dos Gestores e Técnicos dos Recursos Humanos) que, ao longo dos últimos 40 anos, vêm ocorrendo em Portugal, e as respectivas implicações na problematização teórica desta temática.

A nossa reflexão apoia-se em quatro tópicos: as dimensões associadas ao conceito de GRH; a evolução da GRH em Portugal; a análise da produção científica em Portugal; e finaliza com um ponto sobre conclusões.

Dimensões associadas ao conceito de GRH Na base da explicitação do conceito de GRH, o que se encontra? Um modelo ou vários modelos? Dimensões estratégicas (com impacto a médio ou longo prazo) ou meramente operacionais (com impacto a curto prazo)? Qual o impacto das diferentes dimensões na satisfação individual e na produtividade e competitividade organizacionais? Uma das principais dificuldades em responder a estas questões resulta da insuficiente investigação empírica existente no domínio da GRH e no conhecimento frequentemente impressionista da realidade, o qual torna difícil delimitar conceptualmente as práticas de gestão em termos de dimensões e dos respectivos conteúdos. Igualmente constitui uma dificuldade o gap persistente entre os conteúdos de interesse dos práticos e os conteúdos de interesse para os teóricos, como sugere o trabalho de Deadrick e Gibson (2004). Dado este gap de interesses, os veículos divulgadores do conhecimento com origem nos práticos e do conhecimento com origem nos teóricos, a disseminação e aplicação do conhecimento sobre práticas de GRH, limita o conhecimento gerado em matéria de GRH como um todo, ou seja, quer na sua componente de investigação quer de aplicação. Igual contributo para incrementar a dificuldade anteriormente referida resulta da perspectiva dominante de os investigadores usarem modelos universalistas nas suas investigações, menosprezando a inclusão de perspectivas contingenciais e contextuais, como sugere o trabalho de Martin-Alcázar et al.

(2007).

A GRH é simultaneamente um conjunto de conhecimentos e uma actividade, estruturando-se cada um em estreita interdependência. Frequentemente rebaptizada em virtude de maiores exigências de integração na estratégia da organização, a GRH enquanto saber é algo bastante heterogéneo que visa conseguir resultados, influenciando os comportamentos e atitudes das pessoas mediante um sistema de gestão definido aprioristicamente.

Uma análise aos manuais de GRH revela um conjunto de teorias implícitas a propósito do modo de funcionamento das organizações, dos grupos e dos indivíduos e um conjunto de práticas apelidadas de GRH, cujas designações são frequentemente referidas por dimensões como recrutamento e selecção, formação e desenvolvimento, remunerações e recompensas, relações sociais, higiene e segurança, análise e descrição de funções, avaliação do desempenho, comunicação e integração, gestão de carreiras, planeamento de efectivos, gestão administrativa e jurídica, etc., dimensões estruturadas na base de escolas de pensamento, as quais fornecem os alicerces de natureza teórica para se estruturar o conjunto de dimensões da GRH.

Relacionada com esta problemática, é útil referir a estrutura dimensional de GRH subjacente aos modelos de certificação dos profissionais de GRH americanos assegurados pelas instituições Society for Human Resource Management e Human Resource Certification Institute [1], patentes nos Manuais de certificação de 1995 e 2009. As dimensões integram conteúdos de natureza estratégica e de natureza operacional e variam em termos de importância, quer do ponto de vista de cada dimensão, quer da exigência de qualificação do profissional de Recursos Humanos.

Como se constata da análise do Quadro I, a estrutura assenta em seis dimensões que são transversais aos diferentes níveis do exercício da profissão (profissional ' Professional in Human Resources; profissional sénior ' Senior Professional in Human Resources; e profissional global ' Global Professional in Human Resources ), mas com ponderações diferenciadas em termos de importância para o nível profissional, ponderação essa que igualmente varia entre 1995 e 2009 para os níveis profissional (júnior) e sénior de exercício da profissão.

Mais recentemente, foi criado um terceiro nível de profissionalização: o profissional global para dar resposta aos requisitos da globalização. As seis dimensões e respectivos pesos em termos de importância, em função dos níveis de certificação profissional pretendidos, são resumidos no Quadro I.

Quadro I Dimensões de GRH no modelo de certificação americano

Uma das escolas de pensamento que mais marcou a evolução do conjunto de conhecimentos e práticas relacionados com a GRH foi a abordagem sistémica do funcionamento organizacional. A literatura sobre gestão estratégica de recursos humanos sugere que, para se poder analisar o impacto das práticas de GRH no desempenho organizacional, se deve adoptar uma perspectiva sistémica dada a forma conjunta e simultânea de influência dos comportamentos individuais e grupais por parte das diferentes práticas.

A influência das práticas de GRH sobre o desempenho individual ou organizacional ocorre em termos de conjunto e em simultâneo e não tanto na base de práticas isoladas, i.e., sem ligação de umas com as outras. Na perspectiva de sistema, e do ponto de vista conceptual, as práticas de GRH podem funcionar como complementares ou em interacção para produzirem impactos no desempenho, pelo que a sua definição e sistematização constitui um passo fundamental para prosseguir os estudos sobre esta temática.

A este propósito partilhamos a opinião de autores como Wright e McMahan (1992) e Delery e Doty (1996), segundo a qual a GRH deverá ser conceptualizada como um sistema global, integrado num sistema mais vasto, em que a estratégia de negócio, a globalização das actividades e a cultura organizacional constituem os principais condicionantes à definição, evolução e funcionamento dos outros subsistemas ou dimensões.

Nesta perspectiva, as práticas de GRH representam um padrão em termos de uso e de funcionamento de actividades que ajudam a organização a alcançar os seus fins mediante uma planificação concertada dos seus objectivos e concretização.

Por isso, as práticas não são independentes umas das outras e os seus impactos operam em termos de influência conjunta e não individual ou isolada, influência que é balizada pelas políticas organizacionais (Boselie et al., 2005). Tal não significa que, apesar de entendidas como sistémicas, as práticas de GRH não possam gerar efeitos aditivos (duas práticas podem originar um efeito maior do que uma prática isolada, mas os efeitos de duas práticas conjuntas poderão não ser superiores aos efeitos de duas práticas individuais), de substituição (o efeito de uma prática pode ser substituído pelo efeito de outra, pelo que usar duas práticas poderá não originar efeitos maiores quando comparados com os de cada prática de per si) ou de interacção (os efeitos de umas práticas reforçam os de outra).

Políticas e práticas de GRH, apesar de conceptualmente distintas (enquanto as primeiras são as intenções organizacionais declaradas sobre a forma de gerir as actividades de GRH, as segundas são a actividade actual e em funcionamento, observável e experienciada pelo sujeito), quando medidas, carecem de ser entendidas e dotadas de importância e significado pessoal ou organizacional atribuído pelos indivíduos, sob pena de se misturar retórica com realidade (Boselie et al., 2005). Apesar de não estar resolvida a questão de saber que práticas e que políticas deverão ser agrupadas para formar um sistema (Lepak e Snell, 1999), com base na análise da literatura sobre o tema (Beaumont, 1993) e sobre as práticas americanas de certificação da actividade profissional nesta área, sistematizámos, para efeitos de operacionalização e de estruturação conceptual, a pluralidade de práticas e de políticas de GRH (com impacto imediato ou a prazo) nas dimensões seguintes: estratégia de GRH - estratégia de GRH, periodicidade de revisão da estratégia, estatuto do responsável pela GRH, influência na formulação da estratégia do Instrumento de Regulamentação Colectiva do Trabalho; gestão do emprego ' planeamento quantitativo e qualitativo dos RH, definição dos requisitos básicos, evolução das carreiras profissionais, afectação e desafectação de RH aos postos de trabalho, avaliação dos desempenhos, auditoria à GRH; recrutamento e selecção ' pesquisa e análise de mercado, formas de recrutamento, técnicas de selecção, critérios de escolha, plano de integração; formação e desenvolvimento ' plano de formação, plano de informação e comunicação, avaliação da eficácia; manutenção ' política salarial e de benefícios, ambiente e condições de segurança no trabalho, acção social, relações de trabalho.

Na base destas dimensões, elaborámos um questionário com o qual validámos empiricamente a estrutura dimensional, que revelou bons resultados relativamente à capacidade discriminativa em termos de níveis hierárquicos, de organizações e de sectores de actividade (Neves, 2000), pelo que a utilizaremos para estruturar a análise dos temas que de seguida apresentaremos.

A evolução da GRH em Portugal A temática da GRH tem sido objecto de teorização e de análise empírica por duas razões fundamentais: uma de natureza teórica, que se prende com a necessidade de conceptualizar a grande diversidade de práticas desta área e a sua relação com a competitividade; e outra de natureza prática, ligada à necessidade de controlar os efeitos das suas práticas em cujo processo a cultura organizacional, a estratégia de negócio, a internacionalização e a globalização das actividades e a respectiva influência na competitividade e produtividade organizacionais desempenhem a principal influência no desenvolvimento e evolução deste conceito.

Um dos conceitos mais associados ao desenvolvimento da temática é talvez o da estratégia (Huselid, 1995), a ponto de, quer a teoria quer a prática, terem incorporado o conceito, como o atesta a pluralidade de estudos e publicações.

Na base deste conceito, as intenções de desenvolvimento, que uma organização desenha para definir o seu futuro, afectam as actividades de GRH que asseguram o adequado comportamento e esforço dos indivíduos para a concretização do futuro e, desta forma, contribuem para o desempenho organizacional (Schuler, 1992).

Por isso, um planeamento e afectação de recursos em quantidade e qualidade, de acordo com as ideias de evolução do negócio, e uma motivação dos comportamentos necessários à realização das actividades previstas carecem de um alinhamento com os objectivos organizacionais e os planos de acção com horizontes temporais diversificados (Armstrong, 2002). Assim, no conceito de GRH, as pessoas são entendidas na base de outro significado, deixando de ser encaradas como um factor custo, para passarem a ser encaradas como um factor investimento, ou seja, um dos activos mais determinantes da competitividade.

O saber e as competências devem ser desenvolvidos como forma de a organização criar valor em termos individuais, organizacionais e sociais. Este valor, apesar de intangível, possibilita a que a organização ganhe reconhecimento e notoriedade, motive a atenção dos investidores e contribua para assegurar a sua sustentabilidade. Esta influência da estratégia de negócio sobre a GRH generalizou mesmo o uso das expressões «estratégia de recursos humanos» e «gestão estratégica de recursos humanos» (Tyson, 1995). E, neste sentido, cada vez mais, as estratégias global e sectorial se interpenetram e condicionam, tornando os recursos humanos um factor de continuidade entre a herança cultural da organização e o desenvolvimento colectivo das suas competências, numa perspectiva de desenvolvimento face ao futuro.

A utilização das práticas de GRH reflectem os ambientes organizacionais onde se inserem, particularmente nas pressões relativas à competitividade. Tal ambiência de competitividade reflecte-se na gestão das organizações em termos da sua estruturação e funcionamento, obrigando-as a uma reaprendizagem permanente da capacidade de lidarem com as exigências da sua envolvente. Desta reaprendizagem faz parte a necessidade de, em permanência, alinhar a gestão das pessoas com as exigências da envolvente social e de negócios.

Numa organização, tal como é necessário existir uma estratégia externa que a capacite a ser competitiva no mercado, igualmente se necessita de uma estratégia interna que a oriente no sentido do desenvolvimento, da motivação e do controlo dos recursos humanos. Esta forma de conceptualizar o funcionamento organizacional, para além do imediato temporal, implica a necessidade da estratégia externa e da estratégia interna se articularem, dado o condicionamento mútuo e a necessidade de as diferentes actividades estarem integradas e serem consistentes.

Por exemplo, uma estratégia que baseie a sua competitividade em produzir ao mais baixo custo, ou uma estratégia que faça da inovação a sua principal fonte de competitividade, implicam diferentes políticas e práticas de GRH em termos de recrutamento e selecção, da formação e desenvolvimento do potencial humano, da remuneração e benefícios, das relações laborais, etc. Também, a título de exemplo, na fase de início de uma organização, a dimensão recrutamento e selecção tem por política principal atrair os melhores, política que se modifica na fase de crescimento para recrutar o número adequado de trabalhadores, depois, na fase de maturidade para fomentar a rotação e minimizar o despedimento, e, finalmente, na fase de declínio, a ênfase da política assenta na redução de efectivos e no acentuar das recolocações.

Assim se compreende a cada vez maior necessidade de flexibilidade dos recursos tecnológicos e organizacionais e a crescente pressão sobre as barreiras do legado cultural e legal herdado do passado, no sentido da renovação das práticas de GRH capazes de tornarem motivados e adequados os comportamentos de trabalho que garantem a concretização e a satisfação das necessidades do cliente (Milliman et al., 1991).

De idêntica forma, e no que se relaciona com a globalização e o impacto na GRH, a diversidade de factores competitivos, a fragmentação dos mercados, as formas de aliança estratégica, que implicam modalidades diferentes de colaboração, sugerem que no futuro a GRH irá transformar-se numa temática de extrema importância em termos de investigação empírica e teórica. Questões como o ciclo de vida organizacional (iniciação, crescimento funcional, controlo de crescimento e integração estratégica) e as ênfases diversificadas relativamente a dimensões e prioridades de GRH serão objecto de intensa investigação nos próximos anos (Adler, 1991).

No actual contexto de globalização, a pressão da competitividade é talvez o factor que maior influência exerce sobre a evolução conceptual e o conteúdo das práticas da GRH. Que preocupações revelam os profissionais portugueses sobre a forma como a GRH evolui e se adapta às tensões e dilemas, com que forma crescente é confrontada e se repercute na expressão e tendências de exercício da actividade de gestor de recursos humanos? Um contributo para responder a esta questão consistiu na análise de conteúdo aos temas (designação genérica e de cartaz) escolhidos pelos dirigentes da APG para promoção e divulgação dos encontros anuais de reflexão promovidos pela Associação Portuguesa dos Gestores e Técnicos de Recursos Humanos desde 1967 até ao presente. O ano de ocorrência e respectivo tema dos encontros de reflexão anualmente promovidos pela APG, é apresentado no Quadro II.

Quadro II Temas dos Encontros Nacionais promovidos pela APG ________________________________________________________________________________ |Ano_|Tema_______________________________________________________________________| |1967|As_Perspectivas_da_Direcção_de_Pessoal___________________________________| |1968|A_Formação_do_Homem_de_Pessoal___________________________________________| |1969|Desenvolvimento_do_Pessoal_________________________________________________| |1970|Participação_na_Empresa__________________________________________________| |1971|A_Função_«Pessoal»_____________________________________________________| |1972|Cultura_e_Mudança_Cultural________________________________________________| |1974|Reflexões_sobre_as_Lutas_de_Classes_e_a_Gestão_de_Pessoal_nas_Empresas___| |1975|As_Relações_de_Trabalho_numa_Sociedade_em_Transição_para_o_Socialismo__| |1976|Problemas_e_Tendências____________________________________________________| | |A Responsabilidade Sócio-Económica da Empresa e a Gestão dos Recursos | |1977|Humanos____________________________________________________________________| |1978|A_Gestão_dos_Recursos_Humanos_na_Empresa_em_Transformação_______________| |1979|Recursos_Humanos:_O_Desafio_da_Integração________________________________| |1980|A_Gestão_dos_Recursos_Humanos_'_Tendências_e_Condicionantes_____________| |1981|Emprego_e_Produtividade____________________________________________________| |1982|As_Novas_Perspectivas_na_Gestão_dos_Recursos_Humanos______________________| |1983|A_Política_de_Quadros_nas_Empresas_e_no_País_____________________________| |1984|Recursos_Humanos,_Desafio_da_Crise_e_Modernização_da_Economia____________| |1985|Integração_Europeia_'_Mudança_da_Empresa_e_Gestão_de_Recursos_Humanos_| |1986|Desenvolver_Homens,_Modernizar_Organizações,_Dinamizar_a_Sociedade_______| |1987|Reinventar_a_Empresa,_Transformar_o_Trabalho,_Satisfazer_o_Homem___________| |1988|Mercado_Único_Europeu_'_Desafio_à_Gestão_de_Pessoal____________________| |1989|A_Gestão_de_Pessoal_e_o_Desenvolvimento_Mundial___________________________| |1990|Emprego_e_Formação_'_Horizonte_2000_____________________________________| |1991|A_Gestão_dos_Homens_e_os_Homens_da_Gestão________________________________| |1992|Recursos_Humanos,_Educação_e_Desenvolvimento_Empresarial_________________| |1993|Da_Gestão_de_Pessoal_à_Gestão_das_Pessoas_______________________________| |1994|A_Gestão_dos_Recursos_Humanos_na_Viragem_do_Século_______________________| |1995|As_Pessoas:_Chave_da_Revitalização_das_Empresas__________________________| |1996|Gerir_Pessoas_e_Competências:_Uma_Questão_Estratégica___________________| |1997|Homens,_Valores_e_Tecnologias______________________________________________| |1998|Gerir_Pessoas:_Arte,_Ciência_ou_Utopia?___________________________________| |1999|O_Trabalho_em_Mutação:_Pessoas_e_Organizações__________________________| |2000|Gestão_do_Conhecimento._Viagem_das_Empresas_para_o_Futuro_________________| |2001|talento@economia.como?_Competitividade,_Produtividade,_Modernidade_________| |2002|O_Impacto_das_Pessoas_nas_Organizações___________________________________| | |Crise, Ruptura, Revolução e Utopia. Reconstruir a Confiança Através das| |2003|Pessoas____________________________________________________________________| |2004|Onde_Está_a_Riqueza_de_Portugal?_Que_Compromissos?________________________| |2005|O_Caminho_para_a_Excelência_______________________________________________| |2006|Sociedade,_Pessoas_e_Conhecimento:_As_Soluções_na_Complexidade___________| |2007|Performance_e_Felicidade:_A_Convergência_Possível________________________| |2008|RH_2020_'_Projectando_o_futuro____________________________________________| |2009|Pessoas_Atrevidas,_Organizações_Ousadas__________________________________|

Fonte: Dados fornecidos pela APG

Uma análise de conteúdo aos temas dos encontros permite evidenciar algumas tendências que reflectem a evolução da designação e conteúdos da função de GRH e a influência dos ambientes político-sociais na diversificação das temáticas discutidas. Assim, é possível distinguir quatro períodos de tempo em relação aos quais se podem balizar fronteiras em termos de tendências definidoras da evolução das práticas e do conceito de GRH em Portugal.

O primeiro período vai desde o início em que os encontros começam a ser promovidos até final da década de 1970. A designação para a temática é a de Gestão de Pessoal e os conteúdos discutidos reflectem quer temáticas relacionadas com a função e com o titular, quer temas que evidenciam muita da influência político-social (luta de classes, transição do socialismo, conflitos sociais) do período da Revolução de Abril de 1974. Uma análise às ofertas de emprego publicitadas na altura refere com frequência a necessidade de um perfil jurídico para desempenhar funções relacionadas com a GRH e o perfil da função estava muito associado a práticas de natureza jurídico-administrativas.

O segundo período corresponde à década de 1980. Este caracteriza-se pela utilização da expressão GRH para designar o tratamento dos assuntos de Pessoal nas organizações e por reflectir nos temas as ideias da modernização e da competitividade (transformação, desafio da integração europeia, modernizar organizações, transformar o trabalho), as quais passaram a ser fonte de preocupação em virtude da nova realidade que representou o Mercado Único Europeu e do questionar da exclusividade da função económica da empresa por oposição à nova função social. A GRH é o equivalente da planificação de efectivos e análise das funções e dos sistemas de trabalho, da afectação de pessoas aos postos de trabalho, da higiene e segurança no trabalho, da gestão de incentivos, da avaliação do desempenho, gestão de carreiras, formação, desenvolvimento do potencial humano, etc. Os perfis profissionais requeridos para o desempenho da actividade relacionados com as Ciências Sociais e Humanas são os mais valorizados neste período.

O terceiro período tem início no final da década de 1980 e caracteriza-se pela utilização em simultâneo de ambas as designações (GRH e Gestão de Pessoal) para se referirem aos assuntos de Pessoal. Tendo o ano 2000 como horizonte e o acentuar da pressão da competitividade, os temas reflectem igualmente a preocupação em desenvolver e formar o potencial humano, bem como a influência das preocupações sociais do momento: desemprego e formação profissional. Os fundos comunitários de apoio à formação profissional que se disponibilizaram neste período de tempo terão contribuído fortemente para a ênfase da dimensão formação e desenvolvimento. Capacidade de definir e de gerir sistemas de formação era um dos requisitos mais valorizados para o desempenho da função.

Um quarto período inicia-se na segunda metade da década de 1990, prolongando-se até aos dias de hoje e focaliza-se na gestão das competências e do conhecimento e no papel activo dos recursos humanos na competitividade e na excelência. As pessoas são colocadas no centro das preocupações como resultado da aceitação em definitivo da crença no elemento humano como o factor que faz a diferença competitiva. Denota-se uma preocupação com a conciliação do desempenho da organização com a felicidade e bem-estar das pessoas. O futuro mutável das empresas e a complexidade das suas interacções estão em destaque, como sugerem as temáticas dos dois últimos anos (projecção para 2020, através do atrevimento das pessoas e da ousadia das organizações).

Um acentuar da especialização requerida aos profissionais de GRH iniciada no período evolutivo anterior amplifica-se neste, passando os perfis profissionais a estarem mais relacionados com a formação académica em Psicologia e em GRH. A par da gestão técnica e administrativa dos recursos humanos, emergem como requisitos desejáveis para o desempenho da função, aptidões estratégicas e de desenvolvimento organizacional, bem como a capacidade para gerir competências e o fomento da aprendizagem organizacional.

E de que forma se expressam as pressões da competitividade ao nível das práticas de GRH? Caetano e Tavares (2000), num estudo empírico efectuado com uma amostra de 30 empresas portuguesas integradas em diferentes sectores de actividade, avaliam as mudanças organizacionais e a respectiva implicação na gestão das pessoas e constatam a existência de um conjunto de tendências na forma como as pressões da envolvente se traduzem na gestão das competências, da motivação e da implicação das pessoas.

Assim, para aumentar a competência das pessoas, as organizações tendem a usar a flexibilidade numérica (alteração do número de empregados), a flexibilidade temporal (aumento do período de tempo de trabalho) e a flexibilidade funcional (comportamentos extra-papel). Para aumentar a motivação das pessoas, as organizações tendem a utilizar a flexibilidade financeira (aumento da componente variável da recompensa) e temporal (individualização das recompensas e das promoções e vinculação destas matérias à produtividade e ao desempenho individual). Para aumentar a implicação organizacional, as organizações fazem uso do sistema de comunicação interna, da participação formal e colectiva e da participação informal e individualizada.

O estudo revela também que a forma como as organizações enfrentam os dilemas e tensões na GRH originados pelas pressões sectoriais e organizacionais no incremento da competitividade e da produtividade está relacionada com factores pressionadores oriundos das envolventes externa e interna.

Assim, constata-se maior uso das flexibilidades funcional e financeira associadas a situações de mudança tecnológica e estrutural e maior uso da flexibilidade numérica e da participação formal associado a situações de reduzida mudança nos produtos/serviços. Resumindo, as práticas de GRH tendem a acompanhar as pressões decorrentes dos processos de evolução e de mudança interna e externa da organização. Torna-se, por isso, fundamental uma análise cuidada do binómio custo-benefício associado às implicações para as pessoas, para as organizações e para a sociedade do uso de tais respostas às pressões sentidas em cada momento.

Em síntese, as influências sentidas em outros países em décadas anteriores estão presentes, embora temporalmente desfasadas nas preocupações dos práticos da GRH, como se pôde constatar na análise de conteúdo aos temas dos encontros nacionais promovidos pela APG desde o ano de 1967. Enquanto as primeiras fases apresentam um desfasamento temporal mais dilatado em relação ao ocorrido em outros países, as últimas fases acompanham quase em tempo real as tendências de evolução ocorridas, como o demonstram estudos empíricos, como o anteriormente referido.

Análise da produção científica em Portugal Com a finalidade de conhecermos a produção científica em Portugal sobre a temática de GRH, efectuámos um levantamento dos títulos das teses de mestrado e doutoramento, a partir da consulta a um conjunto de bases de dados de bibliotecas e universidades (e.g., PORBASE ' Biblioteca Nacional de Portugal; RCAAP ' Repositório Científico Acesso Aberto de Portugal; Colcat; Base Lusíada Portal do Conhecimento), utilizando como palavras-chaves «gestão de recursos humanos» e «teses». Como resultado, encontrámos um total de 176 teses, sendo 137 de mestrado e 39 de doutoramento, realizadas entre os anos de 1986 e 2009, cuja distribuição pode ser encontrada no quadro III.

Quadro III Distribuição da amostra por tipo de trabalho

Cerca de 70% da produção científica reporta-se a duas instituições: 36,9% provém do ISCTE-IUL e 32,4% da Universidade Técnica de Lisboa, o que pode ser constatado no quadro IV. Globalmente, verifica-se uma taxa de produção bastante reduzida (média de 7,5 unidades entre teses de mestrado e de doutoramento por ano), se tivermos em conta a quantidade de instituições (15) que, com os critérios de pesquisa utilizados, apareceram nas bases de dados consultadas.

Quadro IV Distribuição da amostra por instituição

No período de 1996 a 2005, produziu-se um volume significativo (cerca de 80% da amostra) de trabalhos científicos sobre a GRH, como se constata observando o quadro V.

Quadro V Distribuição da amostra por anos

Como se distribui esta produção científica ao longo deste período de tempo em termos de tipo de trabalho, de ênfase temática e de instituição? Para a análise da produção científica em termos de dimensão de GRH, construímos um dicionário de categorização baseado no nosso trabalho anterior (Neves, 2000) cuja tabela síntese (Quadro VI) revela o grau de associação das dimensões e respectivo índice de fiabilidade:

Quadro VI Correlações e alfa de Cronbach das dimensões de GRH

Esta estrutura dimensional de GRH permitiu classificar a temática subjacente a cada título de tese, que se reproduz no Quadro VII. Com o objectivo de garantir a qualidade do sistema de categorias, dois juízes independentes categorizaram os títulos das teses (Kappa de Cohen para o acordo inter-juízes= 0.97).

Quadro VII Dicionário de categorização

A partir da classificação efectuada aos trabalhos de investigação considerados, resultou uma distribuição por tipo de trabalho, por dimensões de GRH objecto da investigação e por agrupamento temporal (ver Quadro VIII).

Quadro VIII Distribuição temática e anual dos trabalhos de investigação

Da análise do Quadro VIII constata-se que o número de trabalhos de mestrado é muito superior aos de doutoramento em todos os agrupamentos temporais, com excepção do período 2001-2005, em que o número de trabalhos de doutoramento supera os de mestrado. Observa-se também que, em termos de temática, os trabalhos de mestrado enquadram-se maioritariamente no tema da formação e desenvolvimento, enquanto os de doutoramento se focalizam na estratégia de recursos humanos. Quando considerados em conjunto os trabalhos de mestrado e de doutoramento, a dimensão estratégia de GRH enquadra maior número de trabalhos (67) do que a dimensão formação e desenvolvimento (55). A dimensão recrutamento e selecção nesta amostra de trabalhos é escassamente apelativa para o interesse dos investigadores.

Numa tentativa de mapear a temática categorizada, por ano e tipo de trabalho, realizou-se uma análise de correspondências múltiplas, cujo resultado se pode observar na Figura 1.

Figura 1 Temáticas investigadas

As variáveis estruturam-se em dois eixos, um que agrega os anos e o tipo de trabalho; o outro agrupa as temáticas estudadas. Assim, é possível visualizar que, até 2000, a investigação se debruçou especialmente ao nível da formação e desenvolvimento em teses de mestrado e que, a partir de 2006, uma mudança temática para a estratégia de RH. Entre 2001 e 2005, não uma temática de investigação marcante. Também ao nível dos doutoramentos não se configura uma temática específica. As temáticas de manutenção, recrutamento e selecção e gestão de emprego são, de alguma forma, transversais em termos de tipo de trabalho e ano.

Como pode observar-se no Gráfico 1, em termos da instituição onde o trabalho está registado, nos dois primeiros períodos temporais, os trabalhos de mestrado são oriundos maioritariamente do ISCTE-IUL e nos dois períodos seguintes da Universidade Técnica de Lisboa. Globalmente, a partir de 2000, nota-se um decréscimo no número de trabalhos de mestrado produzidos.

Gráfico 1 Distribuição dos trabalhos de mestrado por ano e instituição

Relativamente às teses de doutoramento, observando o Gráfico 2, constata-se um acréscimo significativo de produção a partir de 2001. Também neste tipo de trabalho científico, uma vez mais o ISCTE-IUL e a Universidade Técnica de Lisboa lideram o número trabalhos de doutoramento na área da GRH.

Gráfico 2 Distribuição dos trabalhos de doutoramento por ano e instituição

Discussão e conclusões Como forma de mais facilmente estruturar a discussão sobre as tendências da investigação sobre GRH em Portugal, recorremos a quatro blocos de questões afins do tema em análise e ao contributo de outros autores que as têm investigado.

Primeiro bloco: Os objectivos de teóricos e de práticos de GRH estão em consonância ou estão desfasados? São os contributos teóricos usados para facilitar a aplicação das práticas ou são ignorados pelos práticos? Porque divergem os interesses entre teóricos e práticos? No caso português, esta clivagem de interesses é pouco notória em virtude de a investigação científica significativa ter ocorrido apenas nos últimos 20 anos, período de tempo durante o qual os factores de contexto exerceram forte influência na definição e evolução da temática em estudo, como o comprova o resultado encontrado em relação à ênfase das temáticas objecto de teses e as pressões contextuais de cada momento temporal. Contudo, em outros países, com uma maior tradição de investigação e mais trabalho de investigação publicado, o desfasamento entre os interesses dos práticos e os interesses dos teóricos em matéria de investigação sobre GRH é mais notório, como o comprova um trabalho de Deadrick e Gibson publicado em 2007.

Na sequência de tal trabalho, os autores concluem que, devido à extensão temporal de tais desfasamentos (20 anos) e à pluralidade de influências disciplinares que comprometem a existência de uma identidade comum, como o atestam a tendência para a segmentação de vários grupos de interesses sobre GRH ou a forma de agrupamento estrutural ou funcional do funcionamento académico ligado ao ensino e investigação de GRH (escolas de negócio, departamentos de psicologia, centros de estudo de sociologia das relações industriais, centros de estudo de relações laborais, etc.), os práticos desconhecem muitas vezes os trabalhos dos académicos e, por isso, não os aplicam na prática, e os académicos desconhecem as necessidades dos práticos e investigam outros temas de menor interesse para os práticos. Como minimizar tais desfasamentos? Através de mais e melhor comunicação entre práticos e teóricos sobre temas de interesse mútuo e actualização dos programas da formação académica e profissional, integrando nos conteúdos curriculares o conhecimento oriundo dos práticos.

O segundo bloco de questões: São os modelos de análise usados nas investigações apropriados para retratar a realidade? Como são tratadas as variáveis de contingência e de controlo? Em termos metodológicos, que desafios se colocam aos investigadores relativamente à recolha e tratamento da informação? Como operacionalizar o conceito de GRH? A resposta a estas questões contribui igualmente para minimizar os desfasamentos referidos nos conjuntos de questões anteriores.

Desde logo, a primeira preocupação dos investigadores deverá ser a de terem conceitos e operacionalizações dos mesmos, para, de uma forma métrica, poderem dar conta das realidades em estudo, e para que os respectivos resultados possam ser replicados e os impactos possam ser medidos. Neste contexto, assumem particular importância as formas de medir a presença, a extensão, a intensidade e a eficácia das práticas de GRH, o que aconselha ao uso de uma diversidade de escalas de medida (dicotómicas, contínuas de proporção, contínuas de grau, etc.) e a qualidade dos dados recolhidos, independentemente do método de recolha ser qualitativo ou quantitativo.

São igualmente necessários desenhos e modelos de investigação que, para além de associações lineares e simples, aprofundem um pouco mais a complexidade de tais relações entre variáveis. Para tal, importa atribuir estatutos bem definidos às variáveis nos modelos de análise (variáveis independentes ou preditoras, variáveis critério ou dependentes, variáveis moderadoras, variáveis mediadoras, variáveis de controlo, etc.), e ajustar o uso das técnicas de análise necessárias ao tratamento da informação.

Neste contexto, avaliar por exemplo o impacto de uma prática de GRH no desempenho pessoal ou organizacional, obriga a que se diferenciem os níveis de análise e a que se tenha em consideração a influência de variáveis de contexto ' como por exemplo a estratégia, a cultura, a internacionalização, a estrutura, etc. ' reservando-lhe, por isso, um estatuto de moderadoras no modelo de análise. Ou que se tenha, também, em linha de conta na explicação dos impactos das práticas de GRH a influência de variáveis de controlo de cariz grupal (tamanho da organização, sector de actividade, actuação sindical, etc.) e de cariz individual (idade, género, ocupação, formação escolar, etc.), não esquecendo, ainda, a importância mediadora exercida pelas variáveis de processo (motivação, negociação, gestão de conflito, equidade, etc.).

O terceiro bloco de perguntas: Que tendências observamos na investigação em GRH? Qual o peso da estratégia e da globalização no desenvolvimento de novas dimensões e na alteração das ênfases de dimensões conhecidas? Martin-Alcázar e colaboradores (2008) fornecem algumas pistas de resposta a estas questões, sintetizando o estado da arte na investigação em GRH como sendo caracterizado por uma multiplicidade de objectivos, de abordagens teóricas, de níveis de análise e de metodologias empíricas.

Na tentativa de conhecerem como está a ser construída a investigação em GRH e como está a ser testado o conhecimento, os autores identificam tendências que revelam a preferência pelas teorias comportamentais como base de referência para construir e testar conhecimento em GRH, descrevendo, explicando e predizendo impactos, que acentuam a presença da estratégia e da internacionalização como moderadoras importantes das relações. Estes mesmos autores preferem as metodologias qualitativas quando o objectivo é descrever, e as metodologias quantitativas, baseadas em dados obtidos através de questionários, quando a finalidade é predizer impactos futuros das variáveis ou testar a teoria.

Quer a literatura quer os dados permitem vislumbrar a tendência, por parte dos investigadores, em se abandonar a ideia de que os temas de GRH devem ser abordados apenas numa perspectiva de função e de prática isolada. Os investigadores passaram a inserir em simultâneo nos modelos de análise as implicações da estratégia e da internacionalização. Assim, é necessária mais investigação que esclareça a forma de as actividades de GRH serem usadas estrategicamente e/ou sistemicamente, de lidarem com a complexidade internacional e com as dinâmicas internas associadas ao funcionamento organizacional e aos desempenhos individuais.

Por último, o quarto bloco de questões: O que se investiga em Portugal sobre GRH? Onde se investiga? Que dimensões da GRH mais se investigam? De que forma as preocupações da envolvente se reflectem nos temas de estudo? Como fomentar a articulação entre os interesses dos teóricos e as preocupações dos práticos nos temas estudados? Relativamente à investigação sobre a temática da GRH em Portugal, os dados recolhidos e analisados, que serviram de referência para esta reflexão, revelam um número médio reduzido de trabalhos, se tivermos em consideração o número de instituições onde se investiga esta temática. Revelam também um desequilíbrio entre dimensões investigadas, colhendo a dimensão estratégia de recursos humanos a preferência maioritária dos investigadores, seguida da dimensão formação e desenvolvimento. Contudo, uma análise mais detalhada em relação ao tipo de trabalhos evidencia que os investigadores se interessam preferencialmente por temas de GRH relacionados com a formação e desenvolvimento para desenvolverem trabalhos de mestrado e privilegiam a dimensão estratégia de GRH para os trabalhos de doutoramento. Se cruzarmos estas tendências com a ocorrência temporal, constata-se uma relação entre os interesses dos investigadores e as influências dominantes da envolvente da GRH.

Até 2000, os trabalhos de mestrado revelam o interesse na formação e desenvolvimento, fruto da influência que a temática da formação profissional teve em Portugal na evolução da GRH, pela existência de abundantes recursos financeiros comunitários de apoio e promoção da formação profissional. Ensino industrial, formação profissional e políticas públicas de qualificação receberam a preferência e interesse de uma grande parte dos investigadores que realizaram trabalhos de mestrado.

Ao nível do doutoramento, o interesse dos investigadores, maioritariamente reflectido nos trabalhos enquadrados na dimensão estratégia de recursos humanos, é reflexo das preocupações que, em Portugal, a partir de 2000, se colocaram. A competitividade das organizações, por influência da internacionalização, a produtividade organizacional, por influência da pressão dos custos, a pressão da qualidade e da excelência do desempenho e a filosofia preponderante da importância de satisfazer o cliente, colocaram desafios ao funcionamento organizacional com impactos significativos na forma e conteúdo da GRH. Questões como estratégia de negócio e estratégia de desenvolvimento de recursos humanos, formas organizativas e de funcionamento da estrutura de GRH, requisitos e estatuto do profissional de GRH, novos contextos de trabalho e regulamentação colectiva de trabalho, cultura organizacional e impacto na GRH, etc., figuram, a partir de 2000, na agenda das preocupações dos práticos de GRH e motivaram o interesse dos teóricos no aprofundamento destas problemáticas.

A complexidade dos temas em estudo, e o tempo necessário para desenvolver tais estudos, explica a distribuição dos trabalhos pelos vários períodos de tempo, muito embora o período de 2002-2005 concentre a maioria dos trabalhos, talvez por reflexo da saliência da agenda e preocupações dos práticos da GRH.

Esta correspondência temporal entre preocupações dos práticos e interesse dos teóricos é talvez reflexo de uma outra tendência que igualmente se observa no estudo de muitos dos temas relacionados com a estrutura e funcionamento organizacionais e que consiste no facto de serem os problemas e preocupações de natureza prática a fomentarem o estudo e desenvolvimento teórico. É a articulação destes dois interesses que carece de ser mais trabalhada, para que os práticos possam encontrar nos resultados dos estudos teóricos âncoras teóricas para as suas práticas, para além dos teóricos serem capazes de se interessar e de compreender os problemas dos práticos, produzindo e divulgando estudos acessíveis e estimulantes para os práticos.

Mais e melhor comunicação entre práticos e teóricos sobre preocupações e interesses mútuos, uso acrescido da metodologia investigação-acção e actualização dos programas da formação académica e profissional, integrando nos conteúdos curriculares o conhecimento oriundo dos práticos, afiguram-se medidas necessárias à concretização da máxima lewiniana, segundo a qual nada de mais prático do que uma boa teoria.

Em síntese, a estratégia de negócio, a cultura organizacional e a globalização constituem os pilares fundamentais da construção, evolução e transformação do conceito e modelo de aplicação de GRH.

A estratégia de negócio, na medida em que fornece os indicadores fundamentais à formulação e implementação de práticas de GRH consistentes e coerentes. A cultura organizacional, em virtude de poder contemplar a pressão das novas realidades sociais, quer do ponto de vista dos valores e comportamentos individuais, quer do ponto de vista dos valores e comportamentos grupais. A globalização, porque a evolução dos conteúdos funcionais do profissional de recursos humanos e os problemas de adaptação das diversidades transculturais postas pela gestão do emprego, obrigam a considerar os RH uma variável importante na explicação diferenciada dos índices de produtividade individual e de competitividade organizacional.

Por isso, qualquer que seja a dominância de perspectiva de abordagem associada ao conceito de GRH ' quer a que encara as pessoas como um recurso organizacional que importa ser gerido ao mais baixo custo e com o máximo benefício, quer a que encara os recursos humanos como um recurso estratégico e um investimento devido ao seu valor e elevada escassez ', a investigação nessa área em Portugal carece de mais incentivo, dado o seu impacto na qualidade de vida destes recursos enquanto seres inseridos em organizações e na sociedade.

Como em qualquer trabalho desta natureza, também neste ocorrem algumas limitações que impossibilitam uma maior generalização dos resultados e que importa referir.

Desde logo a deficiente disponibilização dos dados (elevada dispersão de fontes, informação repetida, classificação deficitária da informação, etc.), que torna estes dados com que se trabalhou, neste artigo, escassamente representativos do universo deste campo de estudo. Associada a esta deficiência, o significativo atraso na actualização de algumas bases de dados, o que deixou de fora trabalhos feitos mas não considerados porque inexistentes em base de dados. Depois, é de referir, ainda, a reduzida preocupação de alguns investigadores em fazerem corresponder os títulos ao conteúdo estudado, o que amplifica a impossibilidade de pretensão de representatividade destes trabalhos.

O uso dos resumos, em lugar dos títulos, possibilitaria uma análise mais aprofundada do tema. Alguns dos títulos dos trabalhos por nós avaliados foram aqui e ali explorados mais aprofundadamente, tendo alguns dos casos revelado reduzida correspondência entre o título do trabalho que serviu de base à catalogação na base de dados e os temas realmente abordados. De referir igualmente que a categorização utilizada para estruturar a produção científica encontrada, apesar de se basear numa estrutura conceptual por nós validada empiricamente, carece de mais validação.

Resumindo, podemos afirmar que a investigação sobre GRH em Portugal apresenta alguma expressão numérica e qualitativa mas carece de maior divulgação e de mais estreita articulação com os interesses dos profissionais. A sazonalidade temática, associada aos interesses dos investigadores, poderá nem sempre estar em consonância com os interesses dos gestores de GRH ou com as necessidades evolutivas das organizações e da sociedade. Mais comunicação entre investigadores e gestores de recursos humanos sobre necessidades e interesses comuns parece ser algo a recomendar.

Nota [1] Na web em: http://www.shrm.org/.


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