Laços económicos com o Brasil: um imperativo estratégico para Portugal
Passadas duas décadas sobre o surgimento dos primeiros sinais de uma nova fase
nas relações económicas entre Portugal e o Brasil, inicialmente pouco
percetíveis mas acompanhando o que se convencionou chamar a era da globalização
(Silva, 1999, 2002), devemos refletir de forma aprofundada sobre os avanços
consideráveis entretanto realizados e as oportunidades abertas para os agentes
das duas economias.
Saliente-se que, apesar de um inegável grande crescimento, a vários níveis,
comparando com o que se verificava nas décadas anteriores, as relações
económicas luso-brasileiras continuam a não dispor de um quadro teórico, claro
e seguro, que com os seus impactos institucionais e implicações diversas na
vida económica e nos negócios empresariais, alicerce o fluxo normal de todo o
seu potencial num sentido estratégico, e em especial tendo em vista o seu
desenvolvimento futuro. Uma tal perspetiva é importante para os dois países,
mas sobretudo para Portugal como se defende adiante.
Com efeito, impõe-se constatar, desde já, que há muita dificuldade em sair dos
hábitos e dos clichés tradicionais para uma parceria de facto atuante e em
sintonia com os nossos dias, que vá para além do aproveitamento das conjunturas
recíprocas mais favoráveis, fruto de uma mera operacionalidade reflexiva. Na
medida em que estamos perante uma relação assimétrica, compete à economia mais
pequena, ou seja, a Portugal, manter-se particularmente atenta à evolução do
«grande» e natural parceiro, que tem pela sua frente uma agenda própria vasta e
variada (Sweig, 2010).
As mudanças já realizadas ou em curso requerem assim que ultrapassemos o quadro
que a história nos legou, sem dúvida importante a vários títulos e que deve ser
salvaguardado em diferentes aspetos, mas também por vezes tacanho e inibidor.
Começamos por assumir que a resistência muitas vezes encontrada em Portugal com
vista a abraçar decididamente o Brasil no âmbito de uma estratégia
internacional bem escorada, representa uma recusa em aceitar horizontes mais
largos e preparar-se para os desafios efetivos da globalização (e mais
recentemente da crise internacional) determinados pela dura competição que
reina no mundo atual. Independentemente da retórica utilizada, muitos sonham
ainda em remeter-se para um posicionamento de periferia europeia assistida, ou
então, pior ainda, para um mero anexo ibérico. Esta atitude que, como sabemos,
tem fundas raízes na mentalidade da nossa elite, sem necessidade sequer de
recorrer aos clássicos como Camões para nos lembrar.
Ao mesmo tempo, este comportamento, entre outras variantes, costuma ser
acompanhado por um palavreado histórico e sentimental vago e superficial, ou de
uma linguagem oportunista de aproveitamento quando a conjuntura se propicia num
dos lados e não é em absoluto aconselhável em parceiros naturais, que por uma
questão de princípio se conhecem ou devem conhecer melhor um ao outro.
As mudanças já realizadas ou em curso requerem assim que ultrapassemos o quadro
que a história nos legou, sem dúvida importante a vários títulos e que deve ser
salvaguardado em diferentes aspetos, mas também por vezes tacanho e inibidor.
As relações com o Brasil, pela importância que revestem para Portugal, e dadas
as suas potencialidades, tal como procuraremos demonstrar em seguida,
necessitam ser colocadas acima destas contingências e do imediatismo e das
paixões que muitas vezes as envolvem (veja-se o caso do acordo ortográfico).
Com efeito, é preciso que, no dizer de Amado Luiz Cervo (2012, pp. 9-11), à
«parceira inconclusa», porque «contida por influências de identidades
diferentes, distintas perceções de interesses a serem realizados e opções
externas desencontradas» suceda uma visão comum que lime arestas conduzindo a
um maior entrosamento que traga benefícios recíprocos acrescidos. Neste
contexto, a área económica, nas suas diversas dimensões, será o nosso principal
foco neste artigo.
Colocadas estas considerações prévias, este artigo inserido no âmbito da
comemoração do décimo aniversário da Revista Portuguesa e Brasileira de Gestão
faz um balanço atualizado das relações luso-brasileiras, com base na
experiência das últimas duas décadas e nos estudos que têm vindo a ser
realizados sobre o tema.
A nossa análise começa pelo reconhecimento do importante facto que constituiu a
afirmação internacional brasileira nos anos 2000 e as novas condições assim
criadas, sem deixar de chamar a atenção para os grandes desafios que o país
ainda tem pela frente tanto internos como externos. Prossegue, procurando
explicitar teoricamente os pilares fundamentais em que assenta a equação
específica do relacionamento económico entre Portugal e o Brasil, passo
indispensável para tirarmos todo o partido do processo no sentido desejável. Em
seguida, é o debruçar sobre os novos desenvolvimentos verificados nas relações
económicas luso-brasileiras desde meados da primeira década de 2000 e tendo em
conta o impacto da crise internacional sobre os principais fluxos bilaterais,
designadamente comparando-os com períodos anteriores. Por fim, extraem-se
algumas conclusões das análises precedentes e fazem-se recomendações para a
pesquisa organizada e de ordem política.
A afirmação internacional brasileira
A primeira década do novo século, não obstante as dificuldades registadas à
escala mundial na sequência da crise de 2008, representou uma nova e importante
página na afirmação internacional do Brasil. Com efeito, participante nas
reuniões de Bretton Woods (em 1944), que moldaram os enquadramentos
internacionais do pós-guerra, e membro ativo, desde a sua origem, de
organizações como o GATT e a sua sucessora OMC, ou a UNCTAD, o Brasil, para
além da sua economia fechada (facto que permanece)[1] e em muitos aspetos
protegida, mantinha-se arredado de facto da arena política e económica
internacional, faltando-lhe uma densidade económica e uma teia extensa e
diversificada de relações comerciais e de investimento com o resto do mundo que
desse sustentação à sua voz na arena mundial.
A vida democrática, retomada a partir de 1985, e o «arrumar da casa» na década
seguinte, em particular a implementação do Plano Real em 1994, vão mudar de
modo gradual este panorama e permitir que o Brasil tire pleno proveito das
mudanças políticas e económicas profundas que teve a coragem de empreender
internamente, rompendo com décadas em que, embora tivessem significado
crescimento económico, se coexistia com uma situação de caos macroeconómico,
impeditiva de uma verdadeira integração na economia mundial, pois trazia-lhe
custos e incertezas adicionais.
Quando se refere o Plano Real limitamo-nos em geral a destacar o seu êxito,
depois de numerosas tentativas fracassadas, na luta contra a hiperinflação que
flagelou o país durante várias décadas, mas à luz da evolução posterior e
nomeadamente da crise económica e financeira internacional, há pelo menos dois
outros conjuntos de medidas que, em relação direta ou indireta com o desempenho
recente da economia brasileira, devem ser salientados aqui.
A profunda reestruturação do setor financeiro que ocorreu nos anos seguintes (a
1994) levou à sua desalavancagem, o que permitiu ao Brasil enfrentar a crise
financeira internacional de 2008 e suas sequelas em condições bem mais sólidas
e saudáveis de que muitos outros países afetados.
O primeiro diz respeito à profunda reestruturação do setor financeiro que
ocorreu nos anos seguintes (a 1994), levando à sua desalavancagem, que permitiu
ao Brasil enfrentar a crise financeira internacional de 2008 e suas sequelas em
condições bem mais sólidas e saudáveis de que muitos outros países afetados
(Silva e Guerra, 2011). O segundo tem a ver com a Lei da Responsabilidade
Fiscal de 1999, que disciplinou as finanças públicas; o Brasil poderá não ter a
situação ideal a este nível, mas dispõe e aplica mecanismos desincentivadores
do descontrole das finanças públicas como o que emergiu em vários Estados
membros da União Europeia, quanto à dívida soberana, a partir da crise de 2008-
09.
Estas transformações não foram fáceis nem conseguidas em pouco tempo; na obra
publicada há dez anos (Silva, 2002, p. 49), fez-se a comparação do Brasil com
uma baleia, cujas manobras táticas são complexas e difíceis, mas uma vez
encontrada a trajetória certa o seu movimento tem efeitos consideráveis no
ambiente geral, como efetivamente se verificou.
Não devemos também cair no erro de pensar que as mudanças operadas no Brasil
nos anos 1990 se limitaram a meras alterações técnicas, realizadas a partir de
gabinetes, muitas vezes situados no exterior. A este propósito, em obra
recente, mas já bastante comentada internacionalmente, Why Nations Fail: The
Origins of Power, Prosperity and Poverty, Daren Acemoglu e James A. Robinson
(2012) referem a especificidade da evolução brasileira das últimas décadas, até
por contraste com a experiência chinesa e outras, em termos que devemos
considerar aqui: «A ascensão do Brasil desde os anos 1970 não foi projetada
pelos economistas das instituições internacionais que deram instruções aos
responsáveis brasileiros sobre como realizar melhores políticas e evitar falhas
de mercado. Não foi alcançada através de injeções de ajuda estrangeira. Não foi
o resultado natural da modernização. Antes, foi a consequência de diversos
grupos de pessoas que construíram corajosamente instituições inclusivas, o que
conduziu a instituições ainda mais inclusivas[2]. A transformação brasileira,
como a da Inglaterra do Séc. XVII, começou com a criação de instituições
inclusivas » (p. 457).
O conjunto destas transformações permitiu a construção de um edifício sólido a
vários níveis e que fez aumentar a credibilidade brasileira pela qualidade da
gestão e o respeito dos compromissos, por exemplo no contexto da América
Latina. Naturalmente, interessa-nos sobretudo aqui analisar o lado económico
desta ascensão e o seu impacto provável nas relações bilaterais.
Alcançado um quadro macroeconómico estável e ordenado, o Brasil tinha todas as
condições para iniciar um processo virtuoso internacional. Vários indicadores
poderiam ser aqui utilizados, mas um dos aspetos em que a progressão recente
deve ser salientada é o da dimensão internacional atingida por um número
crescente das suas empresas; com efeito, ordenadas pela capitalização bolsista,
o Brasil tinha 11 empresas entre as 500 maiores do mundo em 2011, contra apenas
5 em 2005, melhorando também o seu posicionamento geral (cf. Quadro I, que tem
como fonte suplementos de Financial Times), particularmente em áreas como a
mineração e a energia, mas também a banca e os serviços financeiros traduzindo
vantagens comparativas ou competitivas (entretanto adquiridas).
Quadro I
Empresas brasileiras entre as 500 maiores empresas do mundo ' 2005 e 2011
(capitalização bolsista)
Por mais importante que seja o facto de ter deixado de ser o «eterno país do
futuro» (expressão cujos ecos nos chegavam ainda há meia dúzia de anos; ver
Amman, 2005) e ter ganho uma reputação de exemplo positivo, o Brasil vai ter
ainda de vencer toda uma série de desafios, no médio/longo prazo, sendo
certamente necessária uma geração ou mesmo mais para que possa ultrapassá-los.
Um facto atual é que a sua economia se mantém muito dependente do ciclo das
matérias-primas e, embora sem deixar de tirar de partido deste importante
domínio, é preciso que encontre outros com potencial futuro, nomeadamente
baseados na economia do conhecimento. É verdade que uma parte da caminhada já
foi feita, pois não estão assim tão longe os tempos em que, do ponto de vista
do comércio externo, o Brasil estava basicamente dependente da exportação de
café e só secundariamente de mais algumas commodities. Com efeito, ao longo das
últimas décadas, o Brasil conheceu um período de considerável diversificação e
transformação da sua estrutura económica, não só no sentido dos produtos
manufaturados e dos serviços, mas também da agricultura e da indústria
extrativa (petróleo, «terras raras», etc.).
Ao longo das últimas décadas, o Brasil conheceu um período de considerável
diversificação e transformação da sua estrutura económica, não só no sentido
dos produtos manufaturados e dos serviços, mas também da agricultura e da
indústria extrativa (petróleo, «terras raras», etc.).
No que concretamente diz respeito às commodities, sobretudo da área agrícola e
alimentar, a introdução sistemática e organizada de I&D renovou amplamente
o setor e deu-lhe destaque à escala mundial. O Brasil não andou pois a saltitar
de setor em setor na sua especialização e fez bem preferindo a melhoria onde já
tinha vantagens comparativas. Todavia, o chamado «super ciclo das matérias-
primas» (o seu boom relativamente prolongado consecutivo à entrada na economia
mundial das grandes economias emergentes com procura forte e intensa destes
bens, como a China e a Índia, bem visível, por exemplo ao nível da energia,
desde os primeiros anos 2000) acabará por amortecer nos anos vindouros[3] e é
preciso preparar-se para alternativas.
Não é nosso objetivo entrar aqui no detalhe das mudanças que poderão levar a
economia brasileira à ultrapassagem dos problemas estruturais que se vislumbram
no médio/longo prazo. Deve-se no entanto reconhecer que alguns passos nesse
sentido já estão a ser dados. Desde 2011, o ritmo de crescimento foi abrandado
com vista a digerir melhor o processo, designadamente os riscos de inflação, a
introdução de reformas estruturais e a neutralização de choques internos e
externos. Neste contexto, uma das políticas mais paradigmáticas tem sido a
redução progressiva da taxa de juro de referência (SELIC), com vista a trazer o
mercado monetário e financeiro do Brasil para condições mais próximas da
normalidade e do que se passa à escala mundial[4].
Também o atual governo anunciou um conjunto de medidas, onde se destaca o
programa «Ciência Sem Fronteiras», a fim de melhorar qualitativamente toda a
área de I&D e de formação avançada, buscando uma maior integração
internacional e a prazo a sua maior incidência na estrutura económica,
tornando-a sistemicamente mais produtiva, resistente e flexível, um aspeto
fundamental para um progresso sustentado e duradouro.
A crise portuguesa da primeira década de 2000 tem raízes próprias profundas que
a crise internacional e os seus ecos na dívida soberana europeia tornaram
patentes (Andrade e Duarte, 2011; Silva e Simões, 2012). Sem dúvida que o fraco
desempenho da economia portuguesa neste período fez baixar as expectativas de
muitos quanto ao que seria o papel de Portugal no âmbito bilateral e no
contexto da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), no que respeita
a uma «divisão de trabalho» dentro deste espaço, em particular a capacidade de
se transformar num polo baseado numa economia avançada, com fortes raízes na
sociedade do conhecimento, produzindo bens e serviços relativamente mais
sofisticados e capaz de gerar fortes externalidades para o conjunto da área
linguística comum.
Portugal acabou por não fazer o seu trabalho de casa, tornando-se de novo uma
economia mergulhada nos seus problemas de curto prazo, designadamente
desequilíbrios macroeconómicos crónicos, impossibilitando esse papel que alguns
mais otimistas terão sonhado nos anos 1990.
Seja como for, determinadas em grande parte pela evolução do Brasil, as
condições são agora mais favoráveis a uma crescente interpenetração das duas
economias, desafio que a economia portuguesa deve aproveitar. Com efeito, o
Brasil ganhou com mérito um lugar de destaque internacional, desde a sua
integração nos BRICs à participação no G-20 e ao papel na América Latina, e
grandes eventos internacionais anunciam-se para os próximos anos (Campeonato
Mundial de Futebol em 2014 e os Jogos Olímpicos em 2016), havendo todo um
imenso espaço a explorar.
Bases para um modelo explicativo
Para os investigadores familiarizados com a problemática da economia
internacional, o caso atual Portugal/Brasil, configura claramente, embora em
termos gerais, as relações entre a pequena e a grande economia. Tal como
habitualmente surge nos manuais, o modelo refere que, no comércio bilateral, a
grande economia determina, considerando a dimensão do seu mercado, os termos de
troca (ou seja o rácio entre os preços de exportação e os preços de importação)
entre ambas. O nosso objetivo não é tanto aplicar aqui literalmente este
modelo, mas laborar à luz das suas implicações nas relações luso-brasileiras.
Aparentemente, podem concluir alguns, que este tipo de relações não são
«equitativas» entre os dois parceiros.
Mas, atenção, não se deixando aprisionar por juízos valorativos apressados, a
teoria também mostra que, se a pequena economia se souber adaptar às
circunstâncias determinadas pela grande, pode sair até (mais) beneficiada, pela
extensão do mercado que assim terá acesso e pela dinâmica que se gera em
consequência. Neste sentido, uma das suas principais obrigações é conhecer a
evolução da grande economia e as suas transformações, qual tem sido a sua
trajetória, a sua evolução previsível, etc. É importante reconhecer que este
caminho está muitas vezes eivado de preconceitos no caso que analisamos: por
exemplo, o conhecimento das transformações da economia brasileira ao longo do
Séc. XX é muito limitado em Portugal (escusado será dizer que a inversa não é
menos verdadeira).
Mas as relações económicas entre Portugal e o Brasil não se resumem de forma
alguma ao contraste entre a pequena economia e a grande economia: o seu
ressurgimento a partir dos anos 1990 deu-se num período caraterizado como sendo
de globalização, mas também de integração económica formal, com emergência e
reforço de blocos regionais como a União Europeia e o Mercosul. Entre os dois
países não havia no entanto quaisquer vínculos económicos deste último tipo e,
por exemplo, as negociações para uma área de comércio livre entre União
Europeia e Mercosul, como se refere noutra passagem deste artigo, arrastam-se
desde meados dos anos 1990, sem qualquer resultado palpável.
Assim, na explicação da retoma bilateral, desde o início que uma outra ordem de
questões estava implicitamente colocada e que se relacionava com o contributo
dos genericamente designados como fatores culturais (língua, história e
cultura) para a direção dos fluxos económicos internacionais. Na esteira de
diversos trabalhos mais antigos, a questão do papel dos determinantes
culturais, num contexto de livre circulação internacional não podia deixar de
se colocar, como foi salientado por Bergeijk (1996). O contributo da língua
comum, tanto teórico como prático, revelou-se particularmente explicativo
destes movimentos (Silva, 2000 e 2009), mas os laços históricos e a proximidade
cultural também não devem ser negligenciados.
Estudos empíricos focando, ora o investimento direto estrangeiro ora o comércio
de bens e serviços, mas também as transferências e outros fluxos, foram feitos
com o objetivo de avaliar o impacto destes fatores, nomeadamente numa
perspetiva comparativa, quer com outros parceiros quer com casos similares.
Entre outros exemplos, refira-se o estudo do IDE (investimento direto
estrangeiro) no contexto luso-brasileiro (Costa, 2005), das empresas espanholas
presentes na América Latina (Toral, 2006), mas também para o comércio e
investimento no âmbito da Commonwealth (Lundan e Jones, 2001). Os resultados de
uma forma geral confirmaram uma correlação claramente positiva entre os dois
grupos de variáveis.
Mas, se não restam dúvidas quanto ao sentido da influência destes fatores, o
mesmo não se pode dizer quanto aos seus efeitos concretos. Um estudo mencionado
por Ghemawat (2011, p. 59) indica que, no caso do IDE bilateral, a língua comum
leva a um acréscimo suplementar de 43%, os laços históricos a que seja 118%
maior e uma legislação com origens comuns a que seja 94% superior.
Como é natural, isto não quer dizer que, na globalização, tais fluxos entre
países com estas caraterísticas comuns vão automaticamente crescer sem que o
seu caminho seja aberto ou facilitado, mas apenas que existe esse potencial que
pode ou não ser aproveitado na sequência de estratégias e políticas públicas e
empresariais. Além disso, é preciso reconhecer que permanecem por vezes
diferenças consideráveis em alguns aspetos importantes, por exemplo na cultura,
como acontece aliás no caso luso-brasileiro[5].
Há também o risco de as empresas caírem no que ficou bem identificado na
literatura do international business como «paradoxo da distância psíquica», ou
seja a taxa de insucesso das empresas estrangeiras nos países com
caraterísticas culturais comuns tende a ser mais elevada na medida em que
muitas partem da presunção (errada) de que se está a pisar o «mesmo» terreno,
com as «mesmas» regras, etc.
Há também o risco de as empresas caírem no que ficou bem identificado na
literatura do international business como «paradoxo da distância psíquica»
(O'Grady e Lane, 1996), ou seja a taxa de insucesso das empresas estrangeiras
nos países com caraterísticas culturais comuns tende a ser mais elevada na
medida em que muitas partem da presunção (errada) de que se está a pisar o
«mesmo» terreno, com as «mesmas» regras, etc. Um estudo realizado sobre a
experiência de algumas empresas que participaram na vaga de investimentos
portugueses de 1996-2001 (Seabra, 2003), mostrou claramente que tiveram mais
sucesso as que estavam conscientes das «dissemelhanças» e não se limitavam a
tomar como garantida a proximidade entre Portugal e o Brasil. Tenha-se também
em vista, entre outras experiências que poderiam ser referidas, o que foi o
recuo dos dois grandes grupos portugueses da área da distribuição comercial
(SONAE Distribuição e Jerónimo Martins), que tentaram entrar num setor
altamente competitivo no contexto brasileiro, incluindo a presença de grandes
grupos distribuidores internacionais, para mais num período de turbulência
cambial. Em contraste, a política de «pequenos passos» das empresas hoteleiras
portuguesas, parece ter sido uma estratégia que resultou melhor.
Portanto, e sem serem o fator decisivo (Costa, 2006), os laços deste tipo -
apesar da tendência para serem subestimados em grande parte da literatura até
uma data recente, nomeadamente devido aos problemas mais complexos de medição
que colocam pois os seus resultados surgem como menos precisos e claros -
revelaram-se uma força motriz importante nas novas relações económicas
internacionais típicas da globalização, em contraste com o mundo das economias
fechadas, de inspiração keynesiana ou outra, que predominou em grande parte do
Séc. XX e que não foi propício à afirmação destas novas abordagens.
De certa forma, o «despertar» destes fatores para o universo de investigação da
área da economia e dos negócios internacionais, demonstra a força e influência
da diferenciação linguística e cultural no contexto da globalização, por
exemplo na definição de alguns mercados e/ou dos seus segmentos, em vez da
propalada uniformização geral que implicaria o seu desaparecimento ou
irrelevância progressiva.
Em resumo, o relacionamento bilateral entre Portugal e o Brasil deve ser
enquadrado por este contexto teórico muito particular ' pequena versus grande
economia, contribuição dos fatores culturais para o desenvolvimento e direção
dos fluxos económicos e financeiros internacionais ', que facilita a sua
compreensão mais profunda e, por conseguinte, o aproveitamento dos seus
mecanismos. Não se trata efetivamente de dois países quaisquer A e B. Em
particular, para Portugal, levando em consideração a sua fragilidade tanto do
ponto de vista da especialização como da competitividade internacional (Silva,
2008), é de interesse vital tirar partido de todas as vantagens de que desfruta
como as que decorrem de uma língua comum, da existência de laços históricos ou
de uma certa proximidade cultural, ainda que possam parecer de pequena monta
aos olhos de alguns, e sem confiar em automatismos ingénuos.
Uma alteração no padrão de relacionamento bilateral?
As relações entre Portugal e o Brasil têm vindo a ser estudadas a partir de
diversos ângulos, traduzindo um evidente interesse pelo caso por parte dos
investigadores, sobretudo de ambos os países. No que respeita à parte económica
propriamente dita, o comércio de bens e serviços, outros fluxos correntes
(rendimentos e transferências, incluindo remessas) e movimento de fatores, quer
capital quer trabalho, têm sido com maior ou menor pormenor analisados.
O IDE foi objeto de particular atenção e, tanto no sentido de Portugal para o
Brasil como no de Brasil para Portugal, o seu processo foi estudado
respetivamente por Costa (2005) e Cechella (2011). Entre outros trabalhos mais
focados que foram realizados sobre IDE refira-se o de Maehler et al. (2011)
acerca da transferência de conhecimento nas subsidiárias brasileiras em
Portugal. Mas, para além da composição geral da balança de pagamentos, casos de
internacionalização têm sido analisados bem como estratégias que envolvem os
dois países, designadamente das empresas, ressaltando a especificidade do
contexto luso-brasileiro por oposição às tendências niveladoras que muitas
vezes dominam as abordagens de marketing e de negócios internacionais (Faria,
2008; Guedes 2008). Porém, os estudos não se têm resumido às questões puramente
económicas, e têm abrangido temas relevantes, com interesse para as duas
partes, numa perspetiva sociológica como as fases por que tem passado a
imigração brasileira em Portugal no seu rápido devir (Peixoto e Sabino, 2009;
Góis et al. , 2009).
Quanto ao desenvolvimento das relações económicas bilaterais, não vamos aqui
reproduzir resultados já razoavelmente conhecidos e divulgados sobre as fases
iniciais do processo (ver Silva, 2002, cap. 2; 2006); eles serão no entanto por
vezes referidos como testemunho de evoluções passadas. Com efeito, um dos
aspetos que, pela novidade, importa examinar nesta secção é o seu percurso
desde meados da primeira década de 2000 e, em particular, saber qual o impacto
da crise internacional e da conjuntura brasileira dos últimos anos: será que se
alterou o padrão de relacionamento que caraterizou a primeira década e meia do
seu revigoramento moderno? Assim, procurando responder a esta questão, sem
descermos a grande detalhe, analisamos aqui os principais fluxos correntes e os
movimentos de IDE, colocando-os num contexto histórico, designadamente em
comparação com períodos anteriores.
Fluxos correntes
Largamente regulado pela lógica da integração económica formal em que os dois
países estão inseridos (União Europeia e Mercosul), o comércio de mercadorias
continua a ser uma área onde os progressos têm sido relativamente mais lentos,
não obstante, como podemos constatar no Gráfico 1, o seu crescimento dos anos
1990 para os anos 2000, tanto das exportações como das importações, com
destaque para o período posterior a 2005 e, em especial 2010-2011, ainda que
registando a natural queda em 2009 devido ao choque da crise internacional
(quase só observada pelo lado das importações portuguesas).
Gráfico 1
Portugal: Peso do Brasil no total do comércio de mercadorias, 1990-2011
De referir, o enorme crescimento das exportações portuguesas para o Brasil, que
passaram de 178 milhões de euros em 2005 para 587 milhões em 2011 (valor que,
em termos monetários, não tem paralelo nas últimas décadas no âmbito das
relações bilaterais), ou seja, no curto espaço de alguns anos o seu valor
multiplicou-se 3,3 vezes (cf. Quadro II). Apesar disto, o Brasil recuou
entretanto no ranking de destino das exportações portuguesas extracomunitárias,
encontrando-se agora em 4.º lugar, depois de Angola, EUA e China, sendo este
último caso só visível, embora de forma clara, nos primeiros meses de 2012.
Quadro_II
Balança corrente entre Portugal e o Brasil, 2005-2011 (milhões de euros)
A ausência de progressos palpáveis no sentido de um acordo de comércio livre
entre a União Europeia e o Mercosul (Feres, 2011), um processo que se arrasta
desde há quase duas décadas (Silva, 2002, cap. 3), ou de qualquer outro acordo
mais geral que facilite os fluxos comerciais bilaterais, não permite
desbloquear toda uma série de situações com potencial de maior crescimento na
corrente de comércio (soma das exportações e importações).
É certo que o conhecimento direto cada vez mais alargado entre os agentes
económicos das duas partes e intervenções pontuais da diplomacia (importantes e
necessárias, mas que não devem ser sobrevalorizadas), pode, em certos casos,
contornar estas dificuldades, mas será importante avançar para um quadro
institucional decididamente mais favorável ao comércio e, no caso de Portugal,
deve ter uma participação mais ativa nesse processo ao nível da UE e
multilateral.
Por outro lado, não podemos descurar fatores de natureza estrutural que reduzem
um tanto o potencial deste intercâmbio. A especialização dos dois países nem
sempre se complementa e a passagem a formas mais avançadas de comércio
bilateral (como por exemplo o comércio intra-ramo, o qual, quer na sua vertente
horizontal ou vertical, é pouco significativo) é também dificultada pela
distância geográfica, o que põe o problema de uma boa e fluida rede de
transportes não só aéreos.
Assim, não surpreende que os produtos tradicionais (azeite, vinho, bacalhau,
etc.) continuem a dominar a exportação portuguesa para o Brasil e que as
importações sejam basicamente compostas por commodities (Costa et al., 2011, p.
32; AICEP, 2012, pp. 14-17). Pelas razões indicadas, talvez o comércio de
mercadorias não tenha, de uma forma geral, o potencial de crescimento rápido e
acelerado que se nota noutros fluxos analisados em seguida, mas não deve ser
subestimado dada a sua importância e impacto na economia real.
Uma das áreas onde se notam mudanças mais profundas e significativas é o
comércio de serviços. Esta balança comercial bilateral evoluiu de uma maneira
extremamente favorável a Portugal no período em análise, pois, encontrando-se
próxima do equilíbrio nos anos 2003-2005, o coeficiente de cobertura atingiu
270% em 2011, correspondendo a um excedente de 629 milhões de euros.
Uma das áreas onde se notam mudanças mais profundas e significativas é o
comércio de serviços. Esta balança comercial bilateral evoluiu de uma maneira
extremamente favorável a Portugal no período em análise, pois, encontrando-se
próxima do equilíbrio nos anos 2003-2005, o coeficiente de cobertura atingiu
270% em 2011, correspondendo a um excedente de 629 milhões de euros (cf.
Gráfico 2 e Quadro_II.)
Gráfico 2
Portugal: Indicadores do comércio de serviços com o Brasil, 2000-2011
Sabemos que a economia portuguesa se revela mais competitiva nos serviços do
que nos bens (Silva, 2011), mas, em todo o caso não deixa de ser um resultado
assinalável, dada a sua regularidade durante o período. As rubricas que mais
contribuíram para tal foram as de transportes e viagens e turismo, devendo-se
sobretudo ao grande aumento das exportações portuguesas que cresceram entre
2005 e 2011, respetivamente, 3,2 e 3,3 vezes. Por outro lado, as importações
(débito no quadro_II) de ambas as rubricas mantiveram-se ou diminuíram
ligeiramente; no caso de viagens e turismo o seu valor oscilou entre 184
milhões de euros em 2005 e 155 milhões em 2009. Pode-se com certeza dizer que,
de um ponto de vista setorial, estes fluxos passaram a ter um impacto
significativo na economia portuguesa (as exportações de serviços para o Brasil
representaram 5,2% do total desta categoria em 2011). No caso particular do
turismo, refira-se ainda que, de acordo com um estudo publicado pela AICEP
(2010, p. 56), o turista brasileiro é um dos que melhor se distribui pelo
conjunto do território continental português, pois sendo o Brasil 8.º emissor
em 2009, encontrava-se em 3.º lugar na Região Norte, 6.º no Centro e em Lisboa,
7.º no Alentejo e Algarve e só as duas Regiões Autónomas se afastavam dos
valores médios com 16% nos Açores e 18% na Madeira.
Devemos agora considerar outros fluxos correntes que, embora de menor peso em
relação ao comércio de mercadorias ou serviços, não deixam de ter a sua
importância no panorama bilateral: rendimentos e transferências correntes e,
dentro destas, as remessas de emigrantes e imigrantes (cf. Quadro_II). Quanto à
rubrica rendimentos, ou seja rendimentos de aplicações de fatores residentes em
Portugal (crédito) e no Brasil (débito), como lucros repatriados, juros e
outros, nota-se que ela é excedentária para o primeiro, tendo portanto uma
contribuição sempre positiva em 2005-2011 para uma balança setorial que é uma
das mais negativas no contexto da balança de pagamentos portuguesa (-5% do PIB
em 2011 e já -2,6% em 2005).
No que respeita às transferências correntes passa-se o inverso, elas são sempre
deficitárias para Portugal (no período em causa). A sua componente principal é
sem dúvida as remessas de imigrantes que, no entanto, parecem ter atingido um
máximo em 2008 (332 milhões de euros), iniciando nos anos seguintes uma descida
gradual. Lembremos, na sequência de trabalhos anteriores (Silva, 2002, p. 129)
que as remessas de imigrantes só suplantaram as de emigrantes em 2000, portanto
em uma data relativamente recente, apesar de terem conhecido um rápido
crescimento até 2008. Por outro lado, nos últimos dois anos, a retórica sobre
uma nova vaga de emigração para o Brasil tem sido recorrente na comunicação
social portuguesa mas, pelo menos até 2011, não se observa ainda uma retoma das
remessas de emigrantes, no que é o eterno balançar das populações entre os dois
países.
A terminar o tratamento dos fluxos correntes, convém tirar algumas conclusões
de carácter mais geral. Analisando todo o período que vem desde 1990 até 2011,
registe-se que o coeficiente de cobertura da balança corrente tem tendência
para o equilíbrio (Gráfico 3), embora o processo revele instabilidade, tendo-se
verificado o seu recuo entre o final dos anos 1990 e 2005, sem atingir os
baixos níveis do limiar da década de 1990. Após 2005, a contribuição para esta
recuperação deveu-se sobretudo ao aumento das exportações portuguesas, tanto de
bens como de serviços; o caso particular dos transportes deve ser aqui
assinalado, pois, como se pode constatar no Quadro_II), à exceção de 2005, 2008
e 2011, as receitas dos transportes ultrapassaram sempre o valor do conjunto
das exportações de mercadorias.
Gráfico 3
Balança corrente Portugal-Brasil: Coeficiente de cobertura (créd./déb.)
1990-2000 e 2001-2011
Constata-se também que a crise não teve um impacto considerável nestes fluxos
(só em 2009 no sentido «esperado» de uma quebra clara), e acentuou mesmo uma
tendência favorável a Portugal em termos de equilíbrio. Apesar dos enormes
progressos dos últimos anos, o conjunto das trocas correntes bilaterais não foi
em 2011 além de 4231 milhões de euros (2,47% do PIB português), valores que,
contudo, não têm paralelo nos anos 1990-2005 (Silva, 2006, p. 561). Seja como
for, em linha com o que ficou dito na secção anterior, nota-se que estas
relações (ao nível corrente) seguem sobretudo a conjuntura brasileira à qual
Portugal se adapta (ou se deve adaptar se quiser tirar partido das vantagens),
incluindo alguma influência cambial que não deve ser menosprezada[6]: de facto,
os anos a seguir à implementação do Plano Real e depois de 2005 evidenciaram
uma grande pujança nas relações económicas luso-brasileiras em várias direções
[7].
Investimento direto estrangeiro (IDE)
Passemos agora à problemática do investimento direto que, apesar de todas as
vicissitudes, designadamente as que estão relacionadas com as insuficiências e
o caráter insatisfatório do seu conhecimento estatístico, tem tido uma presença
marcante no processo bilateral das últimas duas décadas.
O que se segue, refira-se desde já, até pelas razões que vão ser apresentadas,
de maneira nenhuma pretende ser um quadro completo ou exaustivo das relações
bilaterais ao nível de IDE, nem por aproximação, mas apenas o esboço de algumas
das suas tendência fundamentais. Neste sentido, comecemos assim por referir a
vaga de investimentos diretos portugueses no Brasil (IDBP) que foram realizados
no período 1996-2001 (Silva, 2005), com destaque para a participação nas
privatizações. Contudo, na década seguinte, que está aqui sob o nosso foco
principal, o movimento perdeu claramente força, como é bem visível no Gráfico
4, verificando-se mesmo um valor superior por parte do desinvestimento em 2002-
03, 2005 e 2010 (cf. Gráfico 4). Segundo os Censos quinquenais ao IDE no
Brasil, realizados pelo Banco Central daquele país, Portugal ocupava a 7.ª
posição em 2000 com 4512 milhões de dólares e apenas a 17.ª posição em 2005 com
2236 milhões, desconhecendo-se ainda o resultado do apuramento de dados para
2010.
Gráfico 4
Investimentos diretos portugueses no Brasil, 1990-2011
(milhões de euros)
Acrescente-se que, nos anos 2000, alguns investimentos com participação pública
portuguesa e, sobretudo, o maior de todos, a aquisição da TELESP pela Portugal
Telecom (PT) que datava de julho de 1998, passou por grandes atribulações:
joint-venture com a Telefónica em 2003, criando a Vivo, dentro de um esquema de
repartição de ações 50%-50%; lançamento da OPA da SONAE sobre a PT que visava
especialmente esta participação no Brasil, processo que durou longos meses em
2006-2007; novas ofertas da Telefónica que acabou por adquirir a parte da PT na
Vivo no verão de 2010; finalmente, aquisição de uma parte minoritária da OI
pela PT em 2011 no quadro de uma aliança estratégica entre as duas empresas
(para outros detalhes, ver Fonseca et al., 2011).
O estudo quantitativo do IDE, mais ainda no plano bilateral, levanta toda uma
série de questões metodológicas complexas sobre as quais, como é natural, não
nos alongaremos aqui. Basicamente, elas estão ligadas, embora não só, à
utilização de terceiros países e territórios (em especial, offshores e outros
locais com legislação e enquadramentos especificamente favoráveis), à
localização institucional das sedes de muitas empresas e holdings financeiras
responsáveis por estes investimentos, o que torna a leitura das estatísticas
pouco transparentes no que diz respeito à origem real do IDE por país (Kalotay,
2012), quando se pretende estabelecer uma relação bilateral direta.
Assim, muitas vezes, a fim de suprir lacunas na abordagem dos fluxos de IDE é
necessário complementá-la com inquéritos e análise de casos, criação de bases
de dados que é um processo moroso e complexo que requer uma boa coordenação,
etc. No início dos anos 2000, fez-se uma primeira tentativa de levantamento
sistematizado dos investimentos portugueses no Brasil, na base do número de
subsidiárias e suas caraterísticas principais (ver Silva, Fernandes e Costa,
2003), prosseguida depois em ICEP (2005), mas, sem continuidade posterior, os
seus dados encontram-se claramente desatualizados.
No que diz respeito à trajetória do investimento direto brasileiro em Portugal
(IDBP), ela foi relativamente diferente da do seu inverso. Embora nunca tenha
atingido os elevados valores do IDPB no período 1996-2001, o IDBP começou bem
mais cedo, no final dos anos 1980 e início da década de 1990, conheceu
desinvestimento líquido em 1998 e 2001, teve uma retoma clara em 2009-2010 e
declinou de novo em termos líquidos em 2011. Segundo avaliações do Banco
Central do Brasil, o stock de IDPB seria da ordem dos três mil milhões de
dólares em 2010 (cf. Quadro III).
Quadro_III
Brasil: Distribuição geográfica do stock de IDE no exterior, 2001-2010
(milhares de milhões de USD)
Procurando agora conhecer melhor as tendências do investimento brasileiro no
exterior e colocar a posição portuguesa num contexto comparativo internacional,
é indispensável recorrer a outras fontes que não o Banco de Portugal. O
investimento direto brasileiro no exterior cresceu substancialmente na primeira
década do Séc. XXI, em especial após 2005, tendo-se o seu stock multiplicado
por 3,5 entre 2000 e 2010, passando em milhares de milhões de dólares de 52
para 181[8]. No conjunto, Portugal tem uma posição relativamente modesta e
perdeu mesmo peso no contexto europeu entre 2001 e 2010 (cf. Quadro_III).
De acordo com a mesma fonte, nota-se que os investimentos diretos brasileiros,
tal como os de outras economias emergentes têm preferência por países e/ou
territórios com legislação específica muito favorável ao acolhimento de IDE,
sendo depois, em muitos casos, canalizado para terceiros países (Kalotay,
2012). Com efeito, os «paraísos» fiscais das Caraíbas, até pela sua proximidade
geográfica atraem intensamente o IDE brasileiro[9] e, na Europa, Holanda e
Luxemburgo ultrapassaram facilmente Portugal como hospedeiros deste
investimento e, mais recentemente, a Áustria e a Dinamarca juntaram-se àqueles
dois países (os quatro concentram 77% do stock de IDE brasileiro na Europa e
37% do total mundial).
Sabemos, por outro lado, como Portugal, e não só devido às más perspetivas
económicas, não se tem distinguido através da legislação e enquadramentos
francamente favoráveis à receção de IDE, antes pelo contrário. Os dados
estatísticos sobre IDE (fluxos ou stock) poderão estar longe do ideal em termos
de fiabilidade e de reflexo exato das situações existentes, mas é óbvio que se
Portugal quiser ser um ancoradouro significativo destes capitais, uma área
aliás altamente disputada à escala internacional, de origem brasileira ou
outra, muita coisa terá de ser mudada, indo além da «boa vontade» e do
bilateralismo estreito.
Entre os investimentos brasileiros realizados no exterior em 2008-2010,
Campanario et al. (2012, pp. 14-17) referem alguns em Portugal e que assumiram
a forma quer de investimentos de raiz quer de aquisições. Relativamente aos
primeiros, temos o investimento da Embraer em 2008, no montante de 206 milhões
de dólares na indústria aeroespacial e da Petrobrás em 2010, no montante de 530
milhões de dólares nas energias renováveis. As aquisições foram realizadas duas
vezes em 2010 pelo Grupo Votorantim na CIMPOR, correspondendo a 21% das ações
por 982+210 milhões de dólares; e ainda pelo Grupo Camargo Corrêa na mesma
empresa e no mesmo ano, adquirindo 3% das ações por 180 milhões de dólares.
Outros casos enumerados pela mesma fonte dentro desta última categoria, mas no
setor bancário e de serviços relacionados, são a aquisição de 6% das ações do
BES pelo Banco Bradesco no valor de 132 milhões de dólares em 2009; de 50% das
ações da MDS SGPS pela Suzano Holding no valor de 71 milhões de dólares em 2009
e, finalmente, a aquisição do Banco Itaú Europa pela própria Holding Financeira
do Grupo (89% das ações por 498 milhões de dólares em 2009). É evidente que,
entretanto, algumas empresas brasileiras também saíram (a Marcopolo, por
exemplo), de todo o modo, e apesar das deficiências óbvias destes apuramentos,
trata-se de investimentos relativamente significativos, ainda que os anos
utilizados nesta amostragem tenham sido um período alto do IDBP (cf. Gráfico
5).
Gráfico 5
Investimentos diretos brasileiros em Portugal, 1990-2011
(milhões de euros)
Entre todos os investimentos referidos no parágrafo anterior, parece-nos de
destacar o da Petrobrás em energias renováveis. De facto, e comparando com
outras economias o Brasil dispõe de uma matriz energética muito favorável neste
campo e pode ser o parceiro ideal numa área onde a posição portuguesa é
tradicionalmente débil, apesar dos esforços que têm sido desenvolvidos no
domínio das energias renováveis.
Entre todos os investimentos referidos no parágrafo anterior, parece-nos de
destacar o da Petrobrás em energias renováveis. De facto, e comparando com
outras economias o Brasil dispõe de uma matriz energética muito favorável neste
campo (Silva, 2010, p. 270) e pode ser o parceiro ideal numa área onde a
posição portuguesa é tradicionalmente débil, apesar dos esforços que têm sido
desenvolvidos no domínio das energias renováveis. Analisando as possibilidades
de cooperação entre Portugal e o Brasil nesta área, e partindo do Índice de
Segurança Energética Inteligente (ISEI) ' cujo escala varia de 0 a 5,
correspondendo a mais elevada pontuação ao melhor desempenho ', e depois de
referir que a pontuação do Brasil no ISEI é de 4,3, a União Europeia de 1,1 e
Portugal de 0, 42, Ruben Eiras (2011) destacou que «o Brasil é o modelo para
uma política de segurança energética inteligente geradora de desenvolvimento
sustentável», e que, considerando os problemas que Portugal enfrenta neste
domínio, estamos perante «uma excelente oportunidade de cooperação para uma
segurança energética inteligente entre Brasil e Portugal, geradora de riqueza
real e soberana» (Expresso, 27/08/2011).
A concluir esta secção é de salientar que, para além da sua dinâmica, as
relações económicas entre Portugal e o Brasil se apresentam extremamente
diversificadas. Não são de facto relações que apenas assentam neste ou naquele
segmento da balança de pagamentos. No que concretamente diz respeito ao período
posterior a 2005, incluindo os anos da crise internacional, verifica-se que,
esta por si, não teve impacto significativo, salvo num ou noutro fluxo e que
desde meados da última década se assistiu a uma grande renovação, destacando-
se, em particular, o aumento substancial das exportações portuguesas de bens e
serviços e a chegada do IDE brasileiro em montantes significativos nos anos
2008-2010.
Se a primeira década destas relações no sentido moderno, entre 1992 e 2002,
teve como pilar mais forte os investimentos portugueses do período 1996-2001, a
década posterior, numa primeira análise, evidencia sobretudo aqueles aspetos
mais recentes no quadro de uma tendência para relações mais equilibradas e
sustentadas.
Conclusões
O estudo das relações económicas entre Portugal e o Brasil das últimas duas
décadas tem suscitado o interesse de investigadores, em especial dos dois
países, pelo dinamismo e especificidades que as caraterizam. A evolução
posterior a 2005, designadamente com a afirmação internacional do Brasil e a
crise da economia portuguesa dos anos 2000, agudizada pela crise internacional
e das dívidas soberanas europeias, deu novos matizes ao processo bilateral que
foram salientados no presente artigo, demonstrando mais uma vez o seu vigor e
justificando o lugar que ocupa no domínio da investigação. A existência de um
número crescente de trabalhos sobre o tema, da responsabilidade de vários
autores e focando diferentes aspetos sob perspetivas diversas, tem contribuído
para enriquecer o nosso conhecimento e avançar na sua compreensão mais
profunda. Deu-se aqui uma imagem necessariamente limitada e parcelar destes
trabalhos, mas suficiente para evidenciar a sua diversidade e contributo
relevante, apesar da escassez de meios de que se tem disposto, mas com a ajuda
e o entusiasmo desinteressados de muitos.
Procurou-se também esclarecer melhor, em termos teóricos, as bases próprias em
que assentam os laços económicos bilaterais. Assim, foram revisitados os
conceitos da pequena e da grande economia aprofundando a lógica da relação
assimétrica estabelecida entre os dois países bem como o papel dos fatores
genericamente designados por culturais (língua, história e cultura) na
orientação dos fluxos externos. Uma boa compreensão destes modelos e das suas
subtilezas é essencial para tirar o máximo partido possível destas relações,
nomeadamente pela parte portuguesa. No que respeita à influência dos fatores
culturais é óbvio que esta relação bilateral é apenas uma das muitas que se
apresentam à escala internacional no contexto da globalização, configurando um
tipo de situação que é representativa e, como tal, objeto de interesse mais
geral que ultrapassa em muito os dois países em questão. Uma das principais
tarefas que se coloca perante os investigadores é proceder a uma maior
integração internacional do estudo deste caso particular de uma situação mais
geral.
No que diz respeito às implicações políticas, é verdade que agora já dispomos
de uma experiência razoável de vinte anos de relações económicas de novo tipo
com indesmentível impacto. Naturalmente, erros foram cometidos e insuficiências
manifestadas, mas o processo bilateral tem continuado com vigor sendo agora
fundamental aprender com as lições que se podem extrair da experiência
adquirida visando o seu aprofundamento e alargamento em outras direções. Para
Portugal, é óbvio que colocar decididamente o Brasil na sua «balança do mundo»
reforça de forma clara a posição própria e, portanto, também as possibilidades
e alternativas económicas de que dispõe. O Brasil na sua afirmação
internacional poderá contar com um apoio firme assente em causas naturais e
subjetivas de peso, designadamente num relacionamento económico extenso e
diversificado que resistiu a diversas conjunturas por vezes menos favoráveis.