Repensando a lógica de avaliação de desempenho individual: Um estudo empírico
em um Banco de Desenvolvimento no Nordeste do Brasil
A avaliação do desempenho empresarial tem sido um dos temas mais polêmicos e,
também, o centro das atenções da teoria administrativa, desde a publicação, no
início do século passado, de Princípios da Administração Científica, obra
capital de Taylor (1990).
De um lado, acredita-se que uma avaliação de desempenho individual bem
concebida e utilizada pode estimular comportamentos desejáveis e aquisição de
habilidades essenciais e, consequentemente, contribuir para os resultados da
empresa (Lotta, 2002). Por outro lado, embora seja uma ferramenta de gestão de
pessoas aplicada amplamente pelas empresas (Robbins, 2003; Tanure, 2010), há
dúvidas quanto à sua efetividade em termos de real mensuração e desenvolvimento
dos comportamentos nas organizações (Schuler e Jackson, 1987; Bohlander et al.,
2009).
Este artigo analisa a aplicação, por um Banco de Desenvolvimento Estatal (BD),
de um modelo de avaliação de desempenho individual baseado em «atitudes», não
associado às suas metas estratégicas. Essa questão pareceu relevante aos
autores diante do conhecimento de que o BD utiliza outro instrumento de
aferição de resultados baseado em metas quantitativas e integradas a sua
estratégia para os níveis «organizacional» e de «unidade administrativa».
Assim, o objetivo da pesquisa consistiu em compreender a lógica subjacente a um
modelo de aferição de desempenho individual, cujos fatores avaliativos não
estão vinculados às metas quantitativas derivadas da estratégia da organização.
Primeiramente, será apresentado o referencial teórico, que contempla a
integração da avaliação de desempenho individual à estratégia empresarial, a
relação entre a cultura empresarial e o desempenho e as dificuldades de
avaliação da eficácia empresarial. Em seguida, expõem-se os procedimentos
metodológicos de coleta e análise dos dados e, por último, a análise dos dados
e as conclusões do estudo.
Avaliação de desempenho individual integrada à estratégia
A eficácia empresarial é o objetivo para o qual converge toda a ação
administrativa. Para alguns autores, a razão principal para estudar empresas
consiste em saber porque elas são eficazes ou ineficazes; em muitas pesquisas,
a eficácia representa a variável dependente, efeito de todos os processos e
ações empresariais (March e Sutton, 1997; Hall, 2004; Carton e Hofen, 2006). A
eficácia ou nível de desempenho expressa o grau com que as empresas atingem
seus objetivos e a situação ou imagem para as quais convergem a aplicação de
recursos e os compromissos dos participantes (Etzioni, 1989; Penrose, 1995;
Carton e Hofen, 2006).
A Administração Pública brasileira, da qual faz parte o BD em estudo, vem
passando por questionamentos e transformações originados do movimento conhecido
como Nova Administração Pública,iniciado na década de 1980 na Europa e EUA,
cujas ideias principais defendem eficiência, estruturas «enxutas» e flexíveis,
excelência nos processos e melhoria dos serviços (Osborne e Gaebler, 1994;
Frederickson, 1997; Ferlie et al., 1999). Essas mudanças para a eficiência
foram mais fortemente discutidas no Brasil, a partir da década de 1990, durante
os dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso, com a proposição de
práticas de gestão aplicadas no setor privado (Paula, 2005). Dentre essas
práticas, destacam-se incentivos à competição entre unidades administrativas,
disciplina no uso dos recursos, orientação para resultados (metas, indicadores
de desempenho, contrato de gestão, participação nos lucros) e programas de
qualidade (Bento, 2003; Paula, 2005).
As ideias da Nova Administração Pública se refletiram no ordenamento jurídico
brasileiro com a inclusão, no artigo 37 da Constituição Federal (Brasil, 2008),
da eficiênciacomo um dos princípios da Administração Pública. Essa filosofia de
gestão constitui força favorável à implantação, por organizações
governamentais, como é o caso do BD, de avaliação de desempenho individual
baseado em metas e alinhado às suas estratégias.
De igual modo, a literatura de gestão de pessoas, preocupada em expressar mais
claramente a contribuição da função de recursos humanos para os resultados
empresariais e em vincular a remuneração ao desempenho, defende o alinhamento
entre a avaliação de desempenho individual e a estratégia das empresas (Mabey
et al., 1998; Wood Jr. e Picarelli, 2004; Mintzberget al., 2006).
O pressuposto fundamental dessa visão é de que a estratégia deve ser o ponto em
torno do qual se estruturam e realizam as ações de uma empresa. Assim, em uma
«empresa orientada pela estratégia», os indicadores de aferição dos resultados
devem «traduzir» a estratégia (Kaplan e Norton, 1997, 2000); em consequência, a
área de recursos humanos, para ser reconhecida como um «parceiro estratégico»,
deve alinhar capacidades e processos de gestão de recursos humanos à estratégia
de negócios (Wrightet al., 2001).
Criado na década de 1990, o balanced scorecard(BSC) representa uma metodologia
de medição e gestão de desempenho que propõe a utilização, de forma
equilibrada, de indicadores financeiros e não financeiros que sejam definidos
em sintonia com a estratégia, estabeleçam relações de causa e efeito entre eles
e possibilitem o entendimento das estratégias por todos os níveis hierárquicos
da empresa, mediante a elaboração de mapas estratégicos (Kaplan e Norton, 2000;
Rappaport, 2005). Assim, pressupõe-se que indicadores não financeiros
contribuem para resultados financeiros (Westbrook et al., 2000), de sorte que
empresas buscam avaliar desempenho individual com base no comprometimento das
pessoas com a qualidade.
Mabeyet al. (1998) reconhecem não existir um modelo universalmente aceite de
avaliação de desempenho, mas entendem que esta contém um ciclo composto de
cinco tarefas: estabelecer objetivos de desempenho, medir resultados, fornecer
feedbacks dos resultados, recompensar de acordo com resultados e melhorar
objetivos e atividades.
Segundo Bohlanderet al. (2009), a avaliação de desempenho individual deve
especificar padrões de desempenho quantificáveis e mensuráveis que sejam
associados às metas e competências organizacionais, captem as responsabilidades
dos funcionários, sejam consistentes entre os avaliadores e ao longo do tempo e
que excluam elementos que afetem o desempenho e não estejam sob controle dos
funcionários.
Entretanto, os defensores do alinhamento da avaliação de desempenho à
estratégia não mostram muita preocupação com as dificuldades práticas de
desenvolvimento de um modelo de avaliação de desempenho individual focado em
metas vinculadas à estratégia empresarial e, também, com as premissas
fundamentais ou valores que podem dar sustentação à avaliação de desempenho
individual numa empresa, conforme mostram as duas próximas seções.
Avaliação de desempenho e cultura empresarial
A força da cultura na moldagem dos processos, no comportamento e desempenho das
empresas tem sido enfatizada por diversos autores a partir da década de 1980
(Peters e Waterman, 1986; Deal e Kennedy, 1999; Denison, 1990; Kotter e
Heskett, 1992; Hofstede, 2001, 2005; Tanure, 2005). Para Schein (2004), a
cultura organizacional é «um padrão de pressupostos básicos» que orienta o
comportamento organizacional.
Analisando o processo de formação da cultura organizacional da perspetiva da
liderança, Schein (1983, 2004) sugere que os líderes utilizem mecanismos para
ensinar os membros da organização a perceber, pensar, sentir e comportar-se, de
acordo com suas convicções. Dentre os mecanismos de implantação da cultura
organizacional, Schein (2004) menciona processos sistemáticos e consistentes de
avaliação e controle da empresa (a exemplo da avaliação de desempenho
individual). Para aquele autor, processos de controle são meios de transmissão
e reforço dos pressupostos e valores organizacionais e estão relacionados com
outros processos de formação cultural, tais como alocação de recompensas,
status, recrutamento, seleção, promoção e demissão.
Dificuldades de avaliação da eficácia empresarial
A avaliação da eficácia pode envolver tarefas complexas e contraditórias. A
definição de metas e a medição da eficácia ' processos interligados ' dependem,
por exemplo, de fatores ambientais externos, de valores, interesses, ciclo de
vida, estratégia, recursos e de processos administrativos da empresa utilizados
para atingir os seus objetivos (Yuchtman e Seashore, 1967; Quinn e Cameron,
1983; Hall, 2004; Carton e Hofer, 2006).
O processo de avaliação da eficácia se fundamenta, às vezes, em metas e medidas
conflitantes e encerra contradições difíceis de resolver (Hall, 2004; Carton e
Hofer, 2006), emanadas de fatores como: caráter situacional,
multidimensionalidade, temporalidade, grupos com interesses conflitantes,
mudanças organizacionais, desempenho histórico e expectativas. Toda essa
complexidade vai ao encontro das múltiplas perspetivas da própria administração
de recursos humanos, pois contempla um conjunto de políticas, estratégias e
práticas sob um dado contexto organizacional interno e externo (Martín-Alcázar
et al., 2005). Cameron (1986) afirmou que esses obstáculos explicam a
inexistência de um modelo de avaliação de eficácia empresarial preciso e imune
a críticas e que o «modelo de metas» somente se mostra apropriado quando as
metas são claras, consensuais, restritas ao tempo e mensuráveis, o que torna
difícil sua conceção e utilização.
Se a avaliação de desempenho individual deve estar conectada às metas
estratégicas de uma organização (Mabeyet al., 1998; Milkovich e Boudreau, 2000;
Bohlanderet al., 2009), supõe-se que as dificuldades de construção de um modelo
de medição de desempenho da empresa se refletem também, em maior ou menor grau,
em um modelo de avaliação de desempenho individual. Quando o trabalho humano se
reveste, crescentemente, de mais complexidade e mudanças constantes, aumenta a
dificuldade de formulação de metas individuais duradouras; além disso, quanto
mais a execução de metas requer inter-relação entre profissionais e suas
atividades, mais difíceis se tornam a individualização e a aferição do
desempenho.
A avaliação de desempenho individual é um instrumento que pode fornecer
subsídios para várias decisões inerentes à gestão de pessoas, tais como
planejamento, remuneração, promoção, transferência, seleção, treinamento e
demissão (Bohlanderet al., 2009). Por isso, os critérios e procedimentos que
balizam a avaliação de desempenho individual impactam diretamente o moral dos
funcionários e o clima organizacional, devido à ligação dessa avaliação com a
carreira profissional, remuneração e até mesmo com a permanência do funcionário
na empresa (Bergamini e Beraldo, 2007).
Bohlanderet al. (2009) afirmam que o êxito de um programa de avaliação de
desempenho depende da filosofia, de suas conexões com as metas de negócio da
empresa e das atitudes e habilidades dos responsáveis por implantá-lo. Para
Kennerley e Neely (2002), os métodos de avaliação de desempenho evoluem com a
revisão, a modificação e o desdobramento dos processos organizacionais e com a
cultura de mensuração, que determinam o sucesso das estratégias
organizacionais.
As metodologias de avaliação evoluíram de um modelo unilateral para o
bilateral, em que subordinado e gerente discutem conjuntamente o desempenho do
primeiro, e, finalmente, para a avaliação 360 graus, que utiliza múltiplas
fontes para avaliação do desempenho dos funcionários: seus pares, seus
gerentes, subordinados e clientes (Stewart, 1998). Vale ressaltar que a
avaliação 360 graus pode ser mais objetiva, com base em metas, mas todos os
avaliadores precisam ter o conhecimento das metas e do grau de realização do
funcionário. Na próxima seção, expõem-se os procedimentos de coleta e análise
dos dados desta pesquisa.
Procedimentos metodológicos da pesquisa
Orientada pelo objetivo fundamental de compreender a lógica do modelo de
avaliação de desempenho individual do Banco de Desenvolvimento (BD), esta
pesquisa utilizou os procedimentos de coleta, fontes e análise dos dados
especificados no Quadro_I.
A pesquisa teve como dados principais os próprios resultados, em 2010, de
desempenho individual dos 5659 funcionários, analisados com uso de estatística
descritiva. Os princípios, políticas e normas que balizam as relações de
trabalho no BD, bem como a análise de duas dissertações de mestrado sobre a
cultura do BD (artefatos, valores esposados e pressupostos), constituíram fonte
de informações cruciais para compreender a lógica subjacente ao modelo de
avaliação de desempenho individual na perspetiva cultural (Schein, 2004).
Os autores entrevistaram dois funcionários do Departamento de Gestão de Pessoas
do BD, a fim de conhecer, principalmente, a perceção deles sobre os objetivos,
a lógica e o funcionamento do modelo de avaliação de desempenho individual. As
entrevistas foram realizadas após a análise dos resultados da avaliação de 2010
e dos demais dados secundários.
A validade e a confiabilidade são requisitos fundamentais de qualquer pesquisa
científica (Silverman, 2009). Para obter validade, os pesquisadores utilizaram
múltiplas fontes de pesquisa, encadearam evidências e discutiram os resultados
e suas análises com os funcionários do Departamento de Gestão de Pessoas do BD;
para alcançar confiabilidade, elaboraram problemas e objetivos da pesquisa e
roteiro de entrevista e entrevistaram pessoas mais indicadas para dar
informações, compartilharam a transcrição das entrevistas e verificaram a
qualidade do bancos de dados (Yin, 2005).
Apresentação, análise e discussão dos resultados
No Quadro_2, apresentam-se as características do modelo de avaliação de
desempenho individual do BD, envolvendo: objetivos, fatores de avaliação e sua
aplicação, método de avaliação, avaliadores, níveis de desempenho e usos da
avaliação. Na conceção de Bohlanderet al. (2009), trata-se de um método de
avaliação de desempenho individual do tipo comportamental, com múltiplos
objetivos ' análise de atitudes, desenvolvimento profissional e potencial
(Hipólito e Reis, 2002).
Segundo os entrevistados, a avaliação de desempenho individual 360 graus do BD,
chamada Avaliação da Qualidade no Trabalho, é um processo que consiste na
análise sistemática de atitudes voltadas para a melhoria de resultados e
qualidade no trabalho. Nessa avaliação, cada funcionário tem seu desempenho
apreciado pelos colegas, pelo superior, por ele mesmo e, no caso de gerente,
pelos subordinados, por meio de um formulário projetado de acordo com as
atribuições da função ou cargo que ocupa.
O objetivo central da avaliação de desempenho individual, como o próprio nome
diz, é «melhorar a qualidade do trabalho», com a premissa de que esta produz
melhores resultados para a empresa. Para tanto, o BD incentiva o
aperfeiçoamento dos canais de participação e comunicação entre funcionários,
estimula o compromisso com resultados e o desenvolvimento pessoal e
profissional. Nesse sentido, a avaliação fornece informações para a tomada de
decisões em vários processos da gestão de pessoas (treinamento e
desenvolvimento, seleção, remuneração, promoção, sucessão, saúde,
transferência).
Podemos citar (também) como principais objetivos da avaliação de desempenho,
maior aproximação entre gestores, colaboradores e pares entre si, à medida que
lhes permite uma autocrítica, de forma a levar cada um a identificar pontos
fortes e fracos em seu desempenho, podendo assim buscar alternativas de
aperfeiçoamento (entrevistado 1).
O desempenho de todos os 5659 funcionários avaliados em 2010 está descrito na
Tabela_1. Nota-se que a média da «avaliação geral» dos funcionários
correspondeu a 8,9 pontos. A média das avaliações realizadas dos pares foi 2,2%
superior à média das avaliações dos superiores imediatos.
O coeficiente de variação de Pearson (CV), que mede a dispersão relativa dos
dados, mostra que os resultados das avaliações apresentam baixa dispersão
(Martins e Theóphilo, 2007); a mais elevada corresponde a 9,45% em torno da
média, o que indica que a média das avaliações expressa bem o desempenho geral
dos funcionários.
Na Tabela_2, os resultados da avaliação estão distribuídos de acordo com os
níveis de desempenho estabelecidos pelo BD no modelo de avaliação individual.
Observa-se que 50,20% dos funcionários registraram desempenho acima do índice
esperado; 48,84% apresentaram desempenho dentro do índice esperado; e somente
0,95% (54 funcionários) tiveram desempenho abaixo do índice esperado. Em
resumo, 99,05% dos funcionários alcançaram desempenho igual ou superior às
expectativas da empresa.
Nenhum dos fatores do modelo de avaliação individual vincula-se diretamente às
metas estratégicas quantitativas, cujo grau de consecução está aferido pelo
modelo de BSC, que vem sendo aplicado e aperfeiçoado há mais de uma década. À
primeira vista, ao não levar em conta seus objetivos na avaliação de desempenho
individual, a organização parece contrariar o princípio e a crença fundamental
de gestão de pessoas consignado nas suas normas: «A gestão de pessoas no BD se
fundamenta na busca permanente do equilíbrio entre os objetivos organizacionais
e os objetivos de seus empregados» (Norma de Gestão de Pessoas do BD).
Entretanto, os objetivos e metas quantitativos são considerados em avaliações
de resultados em níveis organizacionais e de unidade. O objetivo central da
avaliação de desempenho individual é a «melhoria da qualidade no trabalho», e
não a avaliação do cumprimento de metas individuais, mesmo porque estas não são
formuladas.
Esse modelo de avaliação de desempenho individual começa a fazer sentido quando
o BD propõe, em suas políticas, um clima organizacional alicerçado na
«harmonia» e «cordialidade» e determina, como «deveres» dos funcionários:
cooperar para manter um permanente espírito de «solidariedade»,
«companheirismo» e «harmonia», evitar «atritos pessoais que possam comprometer
a imagem, o desempenho e o conceito do BD e de seu corpo funcional» (Donato,
2001). Observa-se, portanto, uma forma de avaliação de desempenho individual
alinhada a uma perspetiva da gestão de pessoas que leva em consideração a
dimensão social do contexto organizacional (Martín-Alcázar et al., 2005). Essa
dimensão social não necessariamente vincula-se a lógica da eficiência ou
estratégia, mas permite ao BD se legitimar perante o seu corpo funcional e o
mercado a partir de valores harmoniosos, que não devem ser abalados por
possíveis resultados insatisfatórios em uma avaliação de desempenho.
Uma avaliação individual baseada em metas representaria um potencial gerador de
conflitos entre os funcionários de uma unidade administrativa. Na opinião dos
entrevistados, os funcionários reagem emocionalmente a uma avaliação «abaixo do
esperado», «ficam com raiva e preocupados com as implicações, principalmente
com as promoções» (entrevistado 1), e «procuram informar-se sobre as
consequências deste resultado» (entrevistado 2).
Tanure (2005, p. 37) considera que os brasileiros «não revelam abertamente os
conflitos e tendem a evitá-los»; além disso, a autora associa a tendência de
«evitar conflito» ao conceito de distância de poder, medida em que uma
sociedade aceita o fato de que o poder é distribuído desigualmente (Hofstede,
2005). Dessa forma, para Tanure (2005), em países com alta distância do poder '
como é o caso do Brasil, marcado pela concentração de poder e pelo personalismo
', os conflitos são identificados, mas evitados, principalmente por quem não
detém poder, e não são tratados abertamente, a fim de preservar a harmonia nas
relações sociais. Tanure (2005) replicou a pesquisa de Hofstede no Brasil, em
2003, e descobriu que há um maior índice de distância de poder em empresas
estatais e nos estados do Nordeste brasileiro, onde o BD está sediado e
concentra sua atuação.
A fuga de possíveis conflitos parece ultrapassar inconveniências da tarefa de
avaliação de desempenho individual no BD, onde o conflito não parece ser um
fenômeno bem visto. Donato (2001) identificou que, pelo menos no nível
operacional, «o conflito é indesejável, perturbador, sinônimo de má
administração» e «contrário à manutenção de um clima organizacional saudável
entre os colegas de trabalho e ao bom funcionamento da organização».
A competição por resultados também não parece ser bem vista pelo sindicato dos
bancários, que a considera como instrumento de exploração dos trabalhadores, de
desarmonia dos interesses dos seus representados e de conflitos no ambiente de
trabalho. Ademais, existe o receio de que um desempenho individual «abaixo do
esperado» sirva a fins indesejáveis, como assédio moral (pressões e ameaças por
melhores resultados), como sugeriu proposta de acordo coletivo do sindicato dos
bancários ao BD, em 2008, contrária à individualização e à comparação de metas
e resultados, inclusive entre unidades administrativas.
O BD adota um programa estratégico (para quatro anos) e um programa de ação
anual, em que expressa sua estratégia e metas para realizar a missão de
promover o desenvolvimento regional. Com base na exposição elaborada,
compreende-se porque o BD, até agora, preferiu deixar a medição do grau de
consecução de metas restrita aos níveis organizacional e de equipe, evitando,
pois, conflitos que poderão advir da avaliação de desempenho individual baseada
em metas. As políticas de gestão de pessoas no BD, convém destacar, se apoiam
em outros fatores para obter bons resultados, como investimentos permanentes em
capacitação, identificação e compromisso com a missão empresarial, remuneração
digna e justa, oportunidades de crescimento profissional.
Para alcance de suas metas estratégicas, o BD combina métodos de avaliação de
resultados diferentes e alinhados aos seus valores (Pfeffer, 1998). Nos níveis
organizacional e de equipe (ou unidade), prevalece uma avaliação focada em
metas quantitativas, derivadas da estratégia. Mas, no nível individual, o
importante, acima de tudo, é manter um clima organizacional cooperativo e
harmonioso, através de uma avaliação de desempenho que discrimina «de 7,0 para
cima» e se reflete em vários processos da gestão de pessoas.
A Figura ilustra a divergência entre o modelo teórico de avaliação de
desempenho, que recomenda às empresas uma verticalização e integração das metas
em todos os níveis, e o modelo de avaliação do BD.
O BD se depara com pressões internas e externas em favor de mais eficiência, as
quais apontam para mudanças no modelo de avaliação de desempenho individual. Os
entrevistados afirmam que esse sistema está «marcado para morrer», ou seja, a
avaliação individual deverá incorporar metas e alinhar-se à estratégia da
empresa. Não obstante, a formulação de metas individuais significa um desafio
maior na direção geral porque nesta, além das dificuldades inerentes às
agências, existem tarefas muito diversificadas e interdependentes entre as
equipes: recursos humanos, finanças, marketing, tecnologia da informação e
outras.
«Na nossa célula, e em muitas outras na Direção Geral, é difícil você dizer que
uma tarefa é feita por um funcionário. Normalmente, é uma equipe que faz, que
tem a responsabilidade de fazer acontecer. Não um funcionário sozinho»
(entrevistado 1).
Apesar dessas dificuldades, observa-se que a avaliação individual de resultados
pode ser feita de maneira subjetiva, mas alinhada às metas estabelecidas em
nível de equipe e empresarial, de acordo com um dos «princípios de
desenvolvimento humano» estabelecido nas normas do BD: «a sintonia com a
missão, estratégias, objetivos e metas».
O BD utiliza o modelo BSC como ferramenta para avaliar seus resultados, tanto
em nível de equipe como em nível organizacional. O modelo BSC está atrelado ao
programa de ação anual, cujas metas, quantitativas, estão estruturadas em cinco
perspetivas de gestão, sob as quais os resultados são apreciados:
institucional, mercado, financeira, processos e competências. Cada perspetiva
se compõe de variáveis e indicadores com respetivos pesos, definidos conforme a
importância que as variáveis representam para os resultados que o BD pretende
alcançar no período avaliativo. Os funcionários de unidades que alcançam
melhores resultados recebem premiações simbólicas e materiais por resultados
globais e por variável, mais pontos para promoção no cargo, para distribuição
da participação nos lucros e, às vezes, em seleção para funções gratificadas.
Considerações finais
O BD definiu como objetivo maior da avaliação de desempenho individual a
promoção da «qualidade no trabalho», através de fatores avaliativos que
estimulam o aprimoramento das relações de trabalho e das comunicações e o
compromisso com resultados. Além disso, o BD procura incentivar a criatividade
e a inovação. A avaliação do desempenho com base em metas alinhadas à
estratégia ocorre no nível organizacional e no nível de unidade (agência,
departamento, central).
As relações internas entre os membros do BD estão alicerçadas em artefatos e
valores estabelecidos em suas normas de gestão de pessoas, tais como
«harmonia», «cordialidade», «cooperação», «solidariedade», «companheirismo» e,
sobretudo, «evitar atritos pessoais que possam comprometer a imagem, o
desempenho e o conceito do BD e de seu corpo funcional».
O modelo de avaliação de desempenho individual do BD busca congruência com
esses valores organizacionais. Os resultados da aferição da qualidade no
trabalho refletem os valores da empresa, de tal modo que 99,05% dos
funcionários obtiveram escores de «7,0 para cima» em 2010 e, assim, atenderam
ou superaram as expectativas da empresa.
Em todo caso, os resultados da avaliação de desempenho individual, conforme
apresentados na Tabela_2, discriminam padrões de desempenho e terminam por
fazer diferença nas decisões sobre recompensas, promoções no cargo e para
funções gratificadas, treinamento, seleção interna e sucessão, as quais são
tomadas, em grande parte, com base em critérios de concorrência, em que os
escores da avaliação de desempenho são considerados.
O BD desenvolve sua missão de promover o desenvolvimento regional orientado por
estratégia traduzida em metas quantitativas e mensuráveis nos níveis
organizacional e de unidades administrativas. Para estimular os funcionários a
buscarem o alcance das metas formuladas, o BD utiliza o BSC e vincula os
resultados alcançados à concessão de participação nos lucros e de premiações.
Em sintonia com seus valores, o BD consegue combinar seu modelo de avaliação de
desempenho individual baseado em atitudes com outro instrumento de medição de
desempenho nos níveis organizacional e de unidades baseados em metas. Muito
embora a literatura sobre avaliação de desempenho individual defenda a
necessidade de buscar a integração entre metas individuais e metas de unidades
administrativas e estratégicas, este artigo analisou um modelo de avaliação de
desempenho individual de um Banco de Desenvolvimento Estatal que optou por não
seguir essa recomendação.
Assim, este artigo conseguiu atender ao objetivo de responder à indagação sobre
a lógica de se adotar um modelo de avaliação individual dissociado de metas
estratégicas. Não se pretende afirmar que o modelo seguido pelo BD seja uma
forma melhor de avaliação do desempenho individual; o importante é verificar
que se pratica uma perspetiva diferente de avaliar, que, se aprimorada ao longo
do tempo, talvez adquira mais objetividade, reduza possível «corporativismo»
entre os funcionários e também se revele mais humana. Enfim, pesquisas futuras
poderão ampliar a amostra de empresas estatais para verificar a efetividade dos
programas de avaliação de desempenho individual.