Jubilação
O DICIONÁRIO
Jubilación
Jubilação
Retraite
Retirement
Corinne Gaudart
Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) Conservatoire National des
Arts et Métiers (CNAM) Laboratoire Interdisciplinaire pour la Sociologie
Économique (LISE UMR 3320) Centre de recherche sur l'expérience, l’âge et les
populations au travail (GIS CREAPT) 55, rue Turbigo 75003 Paris France
corinne.gaudart@cnam.fr
Eis uma palavra que não deixa ninguém indiferente. Condensa, por si só, uma
multiplicidade de tensões, senão de conflitos, mas também de esperanças, em que
se entrelaçam desafios económicos, sociais, individuais. A minha visão (de
ergónomo) incita-me sobretudo a examiná-la não isoladamente mas emparelhada. A
reforma é indissociável do trabalho. Neste tempo de "crise des
temps" (Dubar, 2011), neste tempo em que os tempos sociais se encontram
desestruturados, as tensões cristalizam-se na seguinte questão: "em que
idade se deve partir para a reforma?".
Se esta questão se coloca hoje como problema, esse nem sempre foi o caso. De um
modo radical, inicialmente, quando os trabalhadores morriam em grande número
antes de poder atingir a idade da reforma. Desde a Antiguidade que a
mortalidade precoce dos mineiros ficou registada. Ramazzini (1700/1990) cita um
relatório de Agricola assinalando que as mulheres de uma região mineira
chegavam a ter sete maridos devido à sua (deles) muito curta esperança de vida.
O mesmo Ramazzini anota que os vidreiros agem com sabedoria e prudência;
trabalham 6 meses no ano e descansam o resto do tempo, abandonam o ofício por
volta dos 40 anos seja por uma nova profissão seja para descansar o resto da
vida dado o desgaste provocado pelo trabalho. Esta dupla questão,
envelhecimento pelo trabalho e em relação ao trabalho com vista a fixar uma
idade para a reforma foi retomada no séc. XIX com o despertar da
industrialização que a torna visível e a coloca de modo mais agudo. Inquieta as
corporações e as associações de trabalhadores mas também a burguesia industrial
que teme uma baixa de produção por parte dos trabalhadores idosos e
desgastados.
É por essa época que se vão expandir as instituições de reforma operária,
algumas das quais vão fixar a idade do direito à pensão (de reforma) para um
ofício no momento (na idade) em que a grande maioria já não poderia trabalhar
(Cottereau, 1983).
Existe portanto uma certa consciência operária baseada num conhecimento prático
do prazo do desgaste nos diversos ofícios (Teiger, 1995).
No contexto mais recente, o do pleno emprego no pós-guerra, o modelo industrial
fordista produziu um contrato social. Propõe modos de integração/exclusão dos
assalariados idosos, baseado numa organização ternária dos tempos sociais e dos
ciclos de vida; a formação para a juventude, o trabalho contínuo para a idade
adulta, a reforma para a velhice. Os assalariados têm um contrato de trabalho
vitalício, do fim dos estudos até à reforma. No quadro desse modelo de trabalho
industrial, socialmente considerado como desgastante, o avanço na idade é
associado a um declínio progressivo. Face a este envelhecimento/declínio a
gestão do pessoal favorece a antiguidade e a fidelidade e propõe, pelo menos
nas grandes empresas, possibilidades de reclassificação (e colocação) em postos
ditos "suaves". O contrato de trabalho termina por uma reforma na
idade fixada e essa reforma é vivenciada pelos assalariados como um pleno tempo
livre (Gaullier, & Thomas, 1990). O tempo de inatividade concedido à
velhice é indemnizado sob a forma de pensão de reforma; como contrapartida
deste direito ao repouso, jovens e adultos guardam um emprego estável e
duradouro (Guillemard, 2010).
Este ritmo ternário encontra-se hoje em dia amplamente desestruturado pela
flexibilização dos percursos profissionais, as condições de emprego e a
sujeição da idade de reforma a determinantes económicas e demográficas,
relegando para último plano as lógicas do ofício ou os adquiridos sociais. A
idade da reforma torna-se uma variável suscetível de ajustamento. A
determinação de uma idade encontra-se “racionalizada” conforme os protagonistas
(gestores de empresa, atores públicos), pela convocação ora de um modelo do
envelhecimento/declínio justificativo das saídas precoces, ora de um modelo de
envelhecimento/ experiência permitindo uma manutenção no emprego até mais
tarde. Estas duas formas de racionalização pouco caso fazem de facto do
trabalho e da sua inscrição nas trajetórias individuais, tal como a
reivindicação cada vez mais forte de aceder à reforma (ainda) de boa saúde. Em
França, a implementação de um dispositivo de prevenção do caráter penoso do
trabalho em 2015 [1], permitindo, entre outros a prazo, cartografar os
percursos a partir da exposição a fatores de riscos físicos, é uma medida que
vai nesse sentido. Permitirá aos assalariados expostos, segundo os critérios
fixados, partir mais cedo para a reforma, passar a trabalhar em tempo parcial
ou a beneficiar de formações para uma reclassificação.
Este dispositivo ratifica todavia um modelo de desgaste e um modelo do trabalho
como degradante da saúde e implica além disso um relativo entendimento entre o
empregador e o assalariado sobre as suas condições reais de trabalho. Ora, o
trabalho é igualmente indutor de recursos psicológicos e sociais (Clot, 2010)
que não deixam de ter consequências na idade em que se deseja partir para a
reforma e sobre a própria conceção de uma boa saúde. Molinié (2005) mostra que
os fatores tidos em consideração para se aguentar até à idade da reforma,
depois dos 50 anos, relacionam-se com a possibilidade de ter um ofício que
permita aprender e realizar um trabalho de qualidade. Estes fatores, para os
assalariados, contam mais do que os relativos às condições físicas do trabalho
mesmo que essas não possam ser ignoradas.
O reconhecimento, pelos pares e pela hierarquia, da experiência construída no
decorrer do percurso profissional, a possibilidade de poder investi-la na
atividade de trabalho, a de aí prosseguir a sua construção, têm não somente uma
função protetora mas também de desenvolvimento (Molinié, Gaudart, & Pueyo,
2012). Esta perspetiva incitaria fortemente a ter em conta a centralidade do
trabalho nos debates relativos ao tempo da reforma.